Versão Inglês

Ano:  1945  Vol. 13   Ed. 4  - Julho - Outubro - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 241 a 258

 

A INTRADERMO-REAÇÃO DE MONTENEGRO

Autor(es): JORGE FAIRBANKS BARBOSA (*)

Clínica de Ouvidos Nariz e Garganta da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
(Serviço do Dr. Mario Ottoni de Rezende)

I - INTRODUÇÃO

A Leishmaniose tegumentar americana, quer em suas manifestações cutâneas, quer mucosas, exibe frequentemente um quadro tão típico que o proprio doente faz seu diagnóstico. Entretanto, aqui também ha excepções que desafiam a argúcia dos mais experimentados especialistas. Albernaz, discutindo um trabalho de Helio Lemos Lopes sobre as manifestações leishmanióticas do laringe (1), salienta as dificuldades que podem surgir no diagnóstico diferencial com a tuberculose deste orgão, sobretudo quando não se dispõe dos recursos do laboratório. Foi por isto que, certa vez, rotulou como caso perdido de tuberculose do laringe, o que, mais tarde, foi demonstrado tratar-se de simples manifestações de leishmaniose. Uma confusão da mesma ordem, porém no âmbito das fossas nasais, levou Ottoni de Rezende, em 1923 (2), à descoberta de nova arma terapêutica para a "Ferida Brava", quando cauterisou com ácido lático a superfície cruenta resultante da extirpação de massas poliposas das fossas nasais de uma paciente, supondo tratar-se de tuberculose vegetante. Mais tarde, em 1935, num relato ao VI Congresso Médico Pan Americano (3), o mesmo autor, descrevendo as principais formas clínicas das lesões leishmanióticas das mucosas, chama a atenção para uma "forma seca", com a formação de pequenas crostas, finas, transparentes, muito aderentes à mucosa, que sangram facilmente quando destacadas. Mostra as dificuldades que podem surgir, aqui, no diagnóstico diferencial com a lepra, aconselhando mesmo a pesquisa dos Bac. de Hansen. Sebastião Arantes (4) mostra, também, a possibilidade de se confundir certas lesões nasais da lepra, sobretudo quando esta produz perfuração do septo, com outras correspondentes da leishmaniose. Ha ainda uma "forma congestiva pura das mucosas" na leishmaniose, descrita por Ottoni, em que se nota obstrução nasal generalisada sem lesões características e que se presta à confusão com uma rinite sifilítica em seu estadio de infiltração. Hartung (5), discutindo o diagnóstico diferencial da leishmaniose com outras lesões das mucosas, aponta a possibilidade de confusão com a tuberculose, sífilis, blastomicose, lepra e neoplasias. Discute e indica o caminho que contorna as dificuldades. No entanto é preciso reconhecer que, mesmo assim, a falha é possivel. Aliás, não será aqui...

Para não citar mais, ficam ai os pareceres de especialistas abalisados, por onde se vê que, se na maioria dos casos o diagnóstico da leishmaniose se impõe sem dificuldades, ha entretanto outros que nos poderão levar à erros graves. E, são precisamente casos desta natureza que vêm parar em nossas mãos.

A INTRADERMO-REAÇÃO DE MONTENEGRO é de inestimavel valia quando vacilamos em firmar um diagnóstico de "Ferida brava" ou quando queremos afastar a sua hipótese. Não foi sem razão que a extinta Comissão de Estudos da Leishmaniose em São Paulo a adotou como pedra angular. Porém, tão poderosa arma semiológica, deve ser manejada com muita segurança para que nos forneça os melhores resultados, e para que possamos interpretar ou justificar as suas informações ou falhas.

II - HISTÓRICO

Em 1923 Wagener imunisou coelhos com Leishmania trópica e infantum. Depois, inoculando extratos alcalinos dessas leishmanias na pele dos animais imunisados, conseguiu uma reação cutânea bem distinta e específica (Mrs. Edna H. Wagener-A skin reaction to extratos of Leishmania trópica and infantum-University of Califórnia Publications in Zoology Vol. XX - N.º 22 - pg. 477 - Dec. 31-1923). Inspirado neste trabalho, João Montenegro (6) teve a idéia de fazer ensaios semelhantes com a nossa Leishmania em nossos doentes. Obteve, em 32 dos 37 doentes experimentados, uma reação específica à inoculação, por via intradérmica, de pequena quantidade de extrato alcalino de Leish. brasiliensis. Em 10-11-1924 comunica o resultado de suas observações à Sociedade de Biologia de São Paulo. Buss, em 1929, confirma os resultados de Montenegro. Jessener (1927) e Dostrovsky (1935) se utilisaram de idêntico processo no diagnóstico do Botão do Oriente. Embora de grande valôr diagnóstico, a reação de Montenegro não teve a divulgação merecida senão ultimamente. Para Sales Gomes (7), isto se explica pela facilidade com que se firma um diagnóstico clínico, na grande maioria dos casos, e pelas dificuldades técnicas para a bôa obtenção e preparo do antígeno. Em 1939 ele introduz uma modificação no antigêno empregado por Montenegro. Em vez de extratos alcalinos de Leishmanias, com que Montenegro obtivera 86,4% de reações positivas, Salles Gomes emprega, como antígeno, suspensões mortas de Leishmania brasiliensis em soluto fisiológico especial, fenolado a 4 por mil e deixado à temperatura da geladeira durante 10 dias. Com êste novo antígeno obtem 97,5 % de positividade em 120 doentes examinados. Sales Gomes experimentou antígenos preparados com L. trópica, infantum, donavani e chagasi na nossa leishmaniose. Todos se comportaram mais ou menos como o preparado com a L. brasiliensis. Já com os representantes do gênero Tripanosoma os resultados foram outros. Em 10 doentes,, que reagiram fortemente (+++ e ++++ à inoculação de L. brasiliensis, não conseguiu resposta com soluções de Schizotrypanum cruzi, feitas nas mesmas condições que as de leishmanias. Conclue que a reação tem caracteres peculiares ao gênero Leishmania, sem atingir o gen. Tripanosoma. Samuel Pessoa e Francisco Cardoso (8), em 1941, em experiências bem conduzidas, tanto no homem como em animais, chegaram à conclusões opostas às de Sales Gomes, no que toca à atuação dos antígenos preparados com tripanosomas. Verificaram que os doentes de leishmaniose tegumentar reagiram positivamente à intradermo-reação, tanto com antígeno de L. brasiliensis quanto de T. cruzi. Do mesmo modo, cobaias imunisadas com L. brasiliensis, reagiram positivamente à introdução de T. cruzi. É interessante retermos estas últimas conclusões porque, em certas regiões de nosso Estado, pode haver coexistência de leishmaniose e de doença de Chagas.

Com a creação da Comissão de Estudos da Leishmaniose no Estado de São Paulo, divulgaram-se e ampliaram-se as conconclusões de Montenegro. Pessoa e Pestana (9) acham que em alguns casos de leishmaniose a pesquisa do parasita é essencial para a confirmação do diagnóstico. Ponderam, contudo, que nos casos crônicos, pesquisas rigorosas, que êles empreenderam, só mostraram corpúsculos de "Leishman-Donavan" em 20% dos exames. Tambem, nas feridas infectadas e nos doentes tratados pelo tártaro ha acentuada diminuição da frequencia do parasita. A semeadura em meios de cultura aumenta a possibilidade de encontro mas, é dispendiosa e de técnica delicada. As diversas provas sorológicas deixam muito a desejar neste terreno, segundo mostrou Francia Martins (10). Por tôdas estas razões, os membros da referida Comissão adotaram a intradermo-reação de Montenegro como esteio de seus estudos. Sôbre ser de técnica bastante simples é de resultados muito garantidos.

Em 1941 Sebastião Arantes estuda o comportamento da reação na lepra (4). Examina 142 leprosos (16 tuberculoide, 29 nervosa e 97 tuberosa mixta) e obtem resposta positiva em 5; porém, nestes, havia uma história regressa de leishmariose. No mesmo ano, Clovis Corrêa a estuda na tuberculose (11). Dividiu os pacientes em dois grupos. Nos do primeiro só havia comprometimento ganglionar = primo-infecção e escrofulose. Eram 12 doentes e em todos obteve resposta positiva. Interessante é que êles reagiram tambem ao antígeno de Frei, mostrando que se achavam em um estado de panalergia. Nos 65 pacientes do 2.º grupo havia tuberculose pulmonar, sem lesão ganglionar aparente (clínica e radiologicamente). Todos reagiram negativamente aos antígenos de Montenegro e Frei. Ainda em 1941 há um trabalho de Almeida e Lacaz (Almeida, Floriano e Lacaz, Carlos da Silva-1941 - "A reação de Montenegro no granuloma paracoccidioidico" - Folia Clínica e Biológica, N.º 6 - pg. 181 - 2 - Separata) estudando o comportamento da reação nos doentes de blastomicose e notaram a sua negatividade.

Em 1944, José Aranha Campos (12) estuda a reação em 8 doentes de pênfigo tropical, notando resposta negativa em 6 (75%) e em um doente de liquen bolhoso generalisado em involução onde, tambem, ela foi negativa. O autor conclue que o pênfigo foliáceo, por si só, não determina positividade com o antígeno de Montenegro. Contudo 25% de positividade é uma grande margem de erro. Felizmente a possibilidade da confusão destas duas enfermidades praticamente não existe. Conheço apenas um caso de lesões de pênfigo nas mucosas, estudado e publicado por Ottoni de Rezende e Lindemberg.

III - MECANISMO DA REAÇÃO

Não poderemos fugir de certas noções complexas da alérgia se quizermos compreender como e porque a pele reage à inoculação de leptomonas, de modo inteiramente diferente em um indivíduo são e em um doente.

Há substâncias que, introduzidas no organismo, provocam a formação de outras tendentes a neutralisar os seus efeitos. As primeiras são quase sempre de natureza proteica; denominam-se "antígenos". As outras são os "anticorpos" e tomam nomes diferentes conforme o mecanismo de sua atuação: aglutininas, precipitinas, etc.

Inoculemos uma pequena quantidade de proteina extranha, de uma proteina bacteriana, na derme de um animal, com os devidos cuidados de anti-sepsia. Nada poderá acontecer ou, então, surgirá, na sede da inoculação, uma reação discreta, um ligeiro eritema ou uma pequena pápula. É uma reação que se inicia no fim de algumas horas e que desaparece, sem deixar vestigios, um ou dois dias depois no mais tardar. Presenciamos, aqui, uma reação que nada oferece de particular, que se processou dentro dos limites fisiológicos de um organismo normal; uma "reação normérgica" como se diz. Se insistirmos em novas inoculações da mesma proteína, dias ou semanas depois, poderemos verificar reação inteiramente diferente da primeira, muito mais precoce, muito mais intensa e de maior duração: uma "reação hiperérgica". Eis a explicação: a proteina em apreço agiu como antígeno. As primeiras injeções deste antígeno X levaram o organismo à elaboração de um anticorpo anti-X. Por ocasião de nova introdução da proteína extranha, da-se, na sede mesma da penetração, um violento embate entre o antígeno introduzido e o anticorpo elaborado. O choque violento é exteriorisado por reações violentas: uma extensa área de eritema com uma pápula ou um nódulo na zona da injeção, que pode mesmo se ulcerar em consequência da necrose dos tecidos. O exame histológico mostra oclusão dos vasos do fóco reacional, edema, engorgitamento das fibras conjuntivas e intensa reação leucocitária. (13). Nada mais que uma modalidade do "fenomeno de Arthus". É uma reação defensiva que tende ao bloqueio e ao isolamento do antígeno. Em particular, o edema, de aparecimento brusco, dilue a substância nociva que procura invadir o organismo e conduz ao ponto de sua penetração substâncias neutralisantes de seus efeitos.

A reação hiperérgica juntamente com a hipoérgica são as duas manifestações do estado de alergia do organismo. Ernesto Mendes (13), grande estudioso do assunto entre nós, diz que poderemos definir a "alergia" como um estado de reatividade alterada do organismo, exteriorizado por reações mais intensas (hiperérgicas) ou menos intensas (hipoérgicas) do que as verificadas em organismos normais, devido ao conflito que se processa entre o antígeno e os anticorpos imunisantes específicos pre-existentes. O fim das reações alérgicas no organismo é fixar as novas entradas do antígeno no ponto em que êle penetrou. A reação poderá ser tão violenta a ponto de desencadear uma moléstia (14).

A patogenia do choque antígeno anti-corpo é ainda muito discutida e, por conseguinte, desconhecida. Lê-se em Celso Barroso (15) que, por ocasião do choque há uma irritação celular com libertação de histamina dos tecidos. A histamina (substância H de Lewis ou b-Imidazoliletilamina) seria a responsável pelos fenômenos observados. De acordo com Lewis ela ocasiona, quando injetada por via intradérmica na pele humana, a seguinte tríade de sinais: 1.º dilatação local dos capilares e arteríolas por ação direta; 2.º - aumento da permeabilidade da parede destes vasos (êstes dois fatos explicam as alterações na séde da injeção); 3.º - dilatação das arteríolas e capilares circundantes, por ação reflexa (justificando a formação do halo eritematoso que circunscreve as primeiras alterações) . Por esta razão Urbach (16) dá mais valôr à pápula do que ao eritema na leitura das reações. Apenas ela seria a manifestação de um estado de alergia. O eritema é puramente de causa reflexa e, por isso mesmo, não se observa quando a reação é praticada em uma área sob anestesia espinhal (Von Groer) ou em um membro paralisado por lesão nervosa periférica (Ebbecke).

A reação antígeno anticorpo é específica. Explico-me: o organismo sensibilisado a um antígeno X só reage à inoculações deste antígeno; permanece indiferente aos demais. Quase sempre a substância introduzida no organismo é um complexo de antígênos; é um mosaico antigênico. Então, ela irá engendrar a elaboração de um mosaico de anticorpos. Ora, compreende-se que a inoculação de uma nova substância que encerre alguns dos componentes da primeira, poderá ser acompanhada de uma reação hipérgica consequente do choque de parte de seus antígenos com os anticorpos que lhes correspondem.

Assim se explicam as "reações de grupo"; no caso especial da leishmaniose, porque os doentes reagem aos antígenos preparados com as várias espécies de leishmanias ou mesmo com tripanosomas.

Há uma outra causa de erro na interpretação das reações alérgicas. É a possibilidade do desencadeamento de uma reação específica, determinada por antígeno não específico; por um "metantígeno", como se diz. O fenômeno da Metalergia é o que ocorre, a meu ver, quando um tuberculoso reage positivamente ao antígeno de Montenegro.

Finalmente, é preciso lembrar que os anticorpos elaborados por um organismo podem se esgotar, em consequência de choques intensos ou prolongados com os antígenos correspondentes. Sem defesas, numa fase de "anergia", o organismo permanecerá silencioso diante de novas invasões dos antígenos. A cobaia que sobreviveu ao choque anafilático, consequente à administrações repetidas e intervaladas de um determinado soro, não fornece resposta alguma à novas inoculações, até que lhe demos tempo de refazer seu estoque de anticorpos. Organismos caquéticos ou esgotados por moléstias infecciosas graves se encontram como a cobaia após o choque anafilático.

Negroni (17), estudando a natureza da alergia cutânea nas enfermidades infecciosas, descreve os dois tipos clássicos de reações hiperérgicas cutâneas: 1 - a reação imediata, tipo urticareano e 2 - a reação tardia, tipo tuberculínico.

A primeira traduz-se, ao ser injetado o antígeno na derme, por uma reação urticariana imediata, evidenciada dentro de poucos minutos. Pode ser obtida experimentalmente, sensibilisando-se animais com injeções repetidas de microorganismos mortos ou seus extratos. É uma reação anafilática que exige tempo mais ou menos prolongado para sua exteriorisação ; quero dizer que a alergisação do animal não é tão precoce como veremos na reação do segundo grupo. Zinsser assinala tres semanas na infecção tuberculosa da cobaia. A reação do tipo urticareano é devida, principalmente à alterações vasculares exsudativas.

A segunda, tipo tuberculínico, é própria dos estados infecciosos. A resposta é demorada; se esboça após algumas horas; aumenta progressivamente de intensidade; atinge o apogeu no fim de um a dois dias para declinar, paulatinamente, daí por diante. O exemplo é o que se passa com a injeção intradermicas de pequena quantidade de tuberculina em tuberculosos. Este estado de alergia cutânea aparece mais precocemente que o anterior (7-10 dias após inoculações de bacilos de Koch em cobaias, segundo Zinsser). Aqui, ao lado das alterações vasculares, surgem tambem modificações celulares.

São muito debatidas as patogenias destas duas reações. Há quem as julgue fundamentalmente diversas, e há os que consideram ambas como sendo apenas duas fases de um mesmo processo imunitário. Na opinião de Urbach (16) tanto uma quanto outra são manifestações de um choque antígeno-anticorpo. Porém, enquanto na primeira são os anticorpos sensibilisantes livres, circulantes; que entram em choque, na segunda são os sesseis, fixos ou celulares, que se embatem com os antígenos correspondentes. No primeiro caso, mal o antígeno penetra no organismo, encontra o anticorpo à sua frente; o choque é imediato e a reação é precoce. No segundo, êle deverá penetrar no interior das células, vencer a barreira das membranas; tudo isto requer certo tempo que justifica a resposta retardada.

Hoje dispomos de tests para a demonstração de anticorpos sensibilizantes circulantes (Prausnitz-Kuestner) e fixos (Urbach-Koenigstein). A positividade da prova de P. K. e negatividade da de U. K. nas reações do primeiro grupo e, vice-versa nas do segundo grupo, constituem forte apoio às idéias de Urbach.

Duas palavras sôbre cada uma dessas provas. Em 1921, Prausnitz injetou, na pele do próprio abdomem, pequena quantidade de soro sanguíneo de seu assistente, Kuestner, asmático hipersensivel à proteinas de peixe. 24 horas depois, injeta, no mesmo local, pequena quantidade de extrato de peixe. Imediatamente houve a formação de uma pápula urticariforme igual à que se produzia na pele de Kuestner, quando injetado intradermicamente com o mesmo extrato. Daí a origem do método que recebeu o nome dos dois autores. Eis como Urbach o descreve: retira-se 5-10 cc do sangue do indivíduo hipersensível, contanto que êle seja sorologicamente negativo à sifilis. Desfibrina-se-o e, pela centrifugação, separa-se o soro que é aspirado numa seringa para tuberculina. Injeta-se 0,05 a 0,10 cc em vários pontos ao longo de uma linha em ambos os braços de um receptor. As injeções devem estar isoladas, no mínimo, de uma polegada transversalmente e de 2 longitudinalmente. Os locais serão assinalados com tinta. 3-5 dias depois, injetamos os alergenos nos mesmos pontos. Por esta ocasião, as reações irritativas ocasionadas pelas primeiras injeções já não mais existem. As zonas sensibilisadas passivamente assim se conservam por várias semanas. Na mesma ocasião o antígeno será injetado em outros pontos do receptor, distantes dos primeiros, para efeito de controle. A reação deverá ser lida após 30-45 minutos. Nas regiões sensibilisadas ter-se-á uma reação urticareana que não será notada nas injeções controles. Nem todos os indivíduos adquirem a transferencia passiva. Os de pele muito pigmentada e os alergicos não deverão ser usados neste test.

Test de Urbach-Koenigstein: Negroni (17) costuma praticá-lo do seguinte modo que, com pequenas variantes, é a propria conduta aconselhada por Urbach, embora êste autor nem seja citado em seu trabalho: injeta-se 0,1cc de um antígeno na pele da região escapulas de um individuo que lhe responde com reação tardia. 24 horas depois, desinfeta-se cuidadosamente com alcool a zona da reação cutânea e, nela, se aplica um pequeno algodão embebido em tintura de cantárida, mantendo-se-o com esparadrapo. 10 minutos depois êle será retirado e a região recoberta com um vidro de relógio, mantido tambem com esparadrapo. No dia seguinte ter-se-á uma pápula de onde se poderá retirar 2-3cc de líquido aseticamente. Centrifuga-se o líquido durante meia hora para eliminar o sedimento e se o filtra. Depois de submetido às provas biológicas de esterilidade, é injetado em receptores voluntários como na experiência anterior. O resultado positivo é indicado pelo aparecimento de uma pápula, 18-24 horas depois, que permanece por 24 horas para entrar em regressão.

Vários autores tem se dedicado ao estudo anátomo-patológico das reações alérgicas expontâneas ou provocadas. Bungeler possue trabalhos interessantes com a reação de Mitsuda na lepra. Peryassu (18) descreve a histopatologia da reação de Frei na linfogranulomatose venérea. Não conhecemos nenhum trabalho nêste sentido com a reação de Montenegro. Todos concordam em que êstes estudos aatomo-patológicos fornecem novos recursos para a observação de manifestações alérgicas nas moléstias infecciosas. Jadasshon e Lewandovsky, citados por Mendes (13) mostraram que quando as bactérias se multiplicam sem barreira no organismo (devido à ausência de imunidade) êste responde com uma inflamação banal. Ao contrário, quando as bactérias ou seus produtos entram em choque com os anticorpos (devido à imunidade mais forte) ha formação de inflamação de tipo específico, isto é, tubérculos ou estruturas tuberculoides, não só na tuberculose, mas em todos os processos inflamatórios de gênese bactério-alérgicos. A "lei de Jadasshon-Lewandovsky" justifica o aspecto anatomopatológico das biopsias empreendidas em territórios de intradermo-reações positivas. Para alguns autores, a estrutura tuberculoide observada seria característica, apenas, de uma reação alérgica e não de um determinado alergeno. Outros vão além e vêm no arranjo dos tecidos uma disposição tubercular que repete o quadro da doença condicionada pelo antígeno. É assim que Peryassu descreve na anatomia-patológica da reação de Frei uns microabcessos nús, patognomônicos da linfogranulomatose venérea. Se assim fôr, pensamos que a anatomia patológica poderá fornecer recursos para se diferenciar uma intradermo-reação de Montenegro positiva na leishmaniose das suas respostas positivas em outras doenças. Pretendemos realizar pesquisas neste sentido. Se elas forem coroadas de êxito, muito terá ganho em especificidade a reação de Montenegro.

IV - O ANTÍGENO

Montenegro empregou em seus ensaios extratos alcalinos de Leishmanias brasiliensis. Mais tarde, Sales Gomes prefere empregar suspensões de leishmanias mortas, com as quais obtem maior especificidade que Montenegro. O antígeno preparado por Sales Gomes foi adotado pela Comissão de estudos da leishmaniose com algumas pequenas modificações. Corrêa (19) nos fornece perfeita descrição da técnica seguida.

Eis, quase na íntegra, o que se lê em seu trabalho:

Isolamento das leishmanias. - Escolhe-se de preferência um nódulo não ulcerado. Faz-se, aí, rigorosa assepsia com iodo e, depois, lavagens com sol, fisiológica esterilisada. Após anestesia local com cloretila, fazem-se varias perfurações obliquas com uma agulha de grosso calibre ao redor da lesão, sem ultrapassar suas zonas limitrofes. Nestes pontos se injeta sol. fisiológica. Com uma pipeta de Pasteur aspira-se o líquido sanguinolento drenado pelos orifícios e semeia-se-o em tubos de cultura. Nas lesões ulceradas faz-se assepsia com tintura de iodo ou sublimado, lava-se com alcool e sol. fisiológica e pratica-se a curetagem dos bordos semeando-se o material com alça de platina. Assim. se isolam varias cepas de leishmanias.

Meio de cultura. - Em vez do meio N. N. N. hoje se emprega o de Rugai (Revista do Instituto Adolfo Lutz, Vol. 1, n.º 1, Julho, pgs. 153-159) onde as leishmanias se desenvolvem com maior abundancia e tem menos tendência à aglutinação. Por isto fornece antígenos ou vacinas mais concentrados e mais homogêneos no aspecto físico.

Técnica do preparo do antígeno. - As culturas de leishmanias são mantidas por sucessivos repiques semeados em, tubos de 15 x 160 mms. Distribue-se 6cc do meio deixando-se os tubos inclinados até solidificar. Ajunta-se 2-3 cc. de sol. de cloreto de sódio a 12 % e guarda-se à temperatura ambiente. Convem usá-los dentro de 2-5 dias.

As culturas necessárias para semeadura das garrafas provem de tubos maiores. Os repiques são feitos de um tubo para outro, após prévio exame ao microscópio da cultura, por meio de uma alçada que se mistura com o líquido do tubo a repicar.

As culturas finais para o preparo da vacina e antígeno são feitas em garrafas, de Roux deitadas.

Os frascos usados inicialmente são lavados cuidadosamente com sabão e cheios com a seguinte solução, com a qual permanecem por 24 horas:

Sol. saturada de bicromato de potássio - 50cc
Ácido sulfúrico - 50cc
Água - 1000cc

Lava-se com água corrente e seca-se em estufa.

Em cada frasco coloca-se 100cc da base do meio de Rugai e esteriliza-se a 110ºC durante 20 minutos; resfria-se a 56ºC e adiciona-se 15-20cc de sangue de coelho desfibrinado, mistura-se sem fazer bolhas e colocam-se as garrafas inclinadas até solidificar.

Para a semeadura toma-se um tubo dos maiores - um para cada garrafa - examina-se previamente uma alçada do mesmo ao microscópio, juntam-se diretamente no tubo 15cc de solução de cloreto de sódio a 12 %, mistura-se bem, aspira-se com pipeta e transporta-se para o frasco de Roux. Guarda-se à temperatura ambiente.

Para a decantação, escolhem-se frascos com tempo de cultura entre 10-15 dias tirando-se uma alçada para exame, agitase e aspira-se o conteudo com pipeta de 20cc e lava-se o frasco com 10cc de solução de cloreto de sódio a 12 % para acarretar o restante das leptomonas. O líquido estraido é colocado em tubos de centrifugação esterilizados, fechados com tampão de algodão solidamente presos por elásticos; centrifuga-se durante 10 minutos com a velocidade de 3 a 5.000 rotações.

Decanta-se o líquido sobrenadante e lava-se o sedimento duas vezes, com sol. de cloreto de sódio a 8,5 %, centrifugando sempre da mesma maneira.

Preparo da emulsão: em balão de 500cc., com pérolas de vidro, colocam-se 300cc de solução de cloreto de sódio a 8,5 % feita em agua bidistilada e esteriliza-se em autoclave a 120ºC, meia hora (Pessôa (20) pretendia, em trabalho publicado em Janeiro de 41, empregar o frio na esterilização do antígeno, em vez do calôr, porque pensa que assim melhor se conservará o seu poder antigênico. Não sei se realizou sua pretensão). Os sedimentos dos tubos são emulsionados com 10 cc desta solução e adicionados ao balão, até se obter uma opacidade de suspensão igual á do padrão. Usam-se aproximadamente 6-8 garrafas para emulsão da vacina e 1-2 para o antígeno.

Guarda-se o balão em estufa a 40ºC durante 4 dias, agitando-se durante 10 minutos, 2-3 vezes por dia; ajunta-se então ácido fênico puro na proporção de 4 %, guarda-se mais um dia e distribue-se em ampolas de 1 cc.

Como garantia final contra uma eventual contaminação, as ampolas são submetidas a 3 banhos-marias a 60ºC, durante meia hora cada.

Para a contagem das leptomonas emprega-se o hematimetro de Thoma-Leitz, procedendo-se como para os glóbulos brancos: aspira-se até a marca 1, a emulsão a ser contada - antígeno ou vacina - e completa-se até a marca 11 com sol. de formol a 10 % que mata e fixa as leptomonas.

A concentração ótima para as vacinas é de 100 a 120 milhões de leptomonas por cc que Pessôa (21) acha que não deve ser ultrapassada, porque o custo se elevaria muito e em consequencia das reações desagradáveis que ocasionariam: febre, dor no corpo, etc. Para as intradermoreações os antígenos são preparados com 3 a 5 milhões de leptomonas por cc.

Antes que as partidas sejam entregues ao consumo elas são submetidas ao controle de esterilidade para aeróbios, anaeróbios e cogumelos.

V - A INJEÇÃO E A LEITURA DOS RESULTADOS

Montenegro recomenda que ela seja feita na região deltoidea. Acreditamos não haver inconveniente de se usar outras regiões; de preferência, as superfícies anteriores dos membros superiores.

Pessoa e Pestana (9-22) aconselham uma injeção intradérmica de 0,1 cc. No local da introdução do líquido o tegumento se levanta, formando uma pequena pápula pontilhada de depressões em correspondência com os folículos pilosos.

A leitura deve ser feita 48 a 72 horas depois. Salles Gomes prefere este último tempo; assim se afastariam erros ocasionados por "falsas reações" que, em geral, desaparecem antes de 72 horas. O mesmo não acontece com as reações verdadeiras; ainda que fracas, habitualmente perduram por mais de 3 dias. As reações positivas exteriorisam-se pela formação de uma pápula cercada por uma auréola rubra e congesta, onde o tegumento se torna infiltrado e, por conseguinte, facilmente perceptivel pelo tacto. A pápula atinge máximo desenvolvimento após 8 horas e assim permanece por 4 a 5 dias; depois, entra em regressão. Nem sempre a fenomenologia é tão evidente, dentro de uma reação positiva. Ha variedades na intensidade destas respostas. Por analogia com outras reações biológicas, costumamos anotar com uma a quatro cruzes os diversos grau de intensidade das respostas. Conforme Pessôa e Pestana (9), quando há formação de pápula, vesícula ou pústula, cercada por extensa área de erit-ema, infiltrada, assinala-se o resultado com ++++. Quando se forma uma pápula persistente, cercada de área inflamatória regular, +++. Se a pápula persiste mais de 72 horas cercada por medíocre zona de infiltração: ++. Finalmente, quando a pápula é perceptível mais pelo facto e o eritema não é perceptível ou desaparece antes de 72 horas: +. Resumindo:

Reações fortemente positivas - ++++
Reações bem positivas - +++
Reações positivas - ++
Reações fracamente positivas - +

Como se vê, o critério é um tanto individual. A prática mostrará a cada um o melhor modo de distinguir as várias intensidades da reação.

Buss verificou certo paralelismo entre a intensidade da reação e a intensidade da doença. Isto está desacordo com as observações de Pessoa que assinala, tambem, a maior positividade da reação nos negros. A clínica nos mostra que êles são mais mutilados que os brancos pela ulcera de Baurú. Tudo fala a favor de que as destruições tissulares, as mutilações, dependem mais do estado de alergia do organismo, (em outras palavras: do choque antígeno-anticorpo) do que propriamente da atuação do parasita.

Com a marcha da doença para a cura pode acontecer que uma reação fortemente positiva se transforme em outra de menor intensidade, como Pessoa assinalou em um seu doente (22), ou mesmo que a reação venha a se tornar negativa, segundo as observações de Salles Gomes. Entretanto, esta última. hipótese é sujeita a muitas controvérsias. Parece fora de dúvida que, se em alguns casos o Montenegro se negativa após a cura dos doentes, isto não constitue regra geral. Pessoa e Pestana citam numerosos casos curados, alguns ha 10 anos ou mais, e nos quais a reação de Montenegro continuou a ser fortemente positiva. Êles acham que a alergia provavelmente permanece por toda a vida do paciente, permitindo, em quase 100% dos casos, fazer-se um diagnóstico retrospectivo de leishmaniose com a intradermo-reação de Montenegro.

Na interpretação do test de Montenegro devemos estar sempre prevenidos contra as "falsas reações positivas". Digo "positivas", porque as há tambem "negativas", isto é casos em que um doente com leishmaniose não responde ao antígeno de leishmanias.

São varias as causas das "falsas reações positivas". Deveremos conhece-las e saber como evitá-las. Urbach enumera as seguintes: 1) Hiperatividade não específica do sistema capilar, reconhecida pela presença do dermografismo. Elimina-se esta causa de erro comparando a resposta ao antígeno com a de uma injeção controle de solução salina. 2) Qualidades irritantes não específicas do antígeno. A solução deve ser esteril, neutra, isotônica, e de temperatura moderada. Está provado que os ions H ou OH, a temperatura alta ou baixa, a falta de tonicidade e outros fatores, podem agir por si sós como irritantes capazes de desencadear intensas reações cutâneas. 3) Traumatismo da injeção quando a quantidade do antígeno injetada é grande e se força muito a sua penetração Reconhece-se êste tipo de reação pela marcada queimação ou dôr que acarreta e pelo desconforto que pode permanecer por poucas ou várias horas. 4) Sensibilidade do doente ao preservativo usado no antígeno. Entre êles, Urbach cita o fenol, comumente empregado no caso que estudamos. 5) Perda de sensibilidade por parte do organismo como acontece na asma de longa duração. Ainda Urbach cita outros fatores que, a meu ver, não têm interferência no caso especial da reação de Montenegro.

Pessôa e Pestana dizem que estas falsas reações positivas são de fraca intensidade (+ ou ++) ; aparecem em pessoas de pele muito branca e fina, ou em doentes muito sensiveis. São reações precoces, que surgem dentro de 24 e desaparecem, após 36-48 horas. Nunca atingem o 3.º dia. Por isto se adotou o prazo de 72 horas para a leitura das reações.

Ainda no grupo das falsas reações positivas deveremos nos lembrar das que se devem a fenômenos de metalergia. É o que penso se passar na tuberculose ganglionar, em raros casos de pênfigo tropical, onde se tem obtido uma resposta francamente, positiva ao antígeno de Montenegro.

A diferenciação entre uma reação fracamente positiva e uma falsa reação positiva é, por vezes, muito dificil. Seria mais certo denominar-se "reações duvidosas" às que se enquadram neste grupo. Felizmente, as reações duvidosas, aparecem nos casos recentes, onde em mais de 90 % dos casos a pesquisa de parasitas é coroada de êxito. Assim a pesquisa ou cultura de, parasitas elucidaria êstes casos raros de reações duvidosas (22).

Montenegro (6) verificou em seu trabalho original que a intradermo-reação (cuti-reação, como êle a chamava) pode falhar em alguns casos comprovados de leishmaniose. Pessôa e Pestana (22), de acordo com Montenegro, verificaram igualmente casos desta ordem com achado do parasita nas lesões e em que a intradermo-reação foi negativa.

São casos de "falsas reações negativas". Porque ocorrem? Várias causas podem condicioná-las e são bem estudadas por Urbach . No caso da leishmaniose penso que os fatores mais importantes são 2: 1.º - A possibilidade da alergização do organismo respeitar alguns territórios. É fato comprovado em várias doenças alérgicas. Por exemplo: ha doentes em que cr tubo digestivo se sensibiliza a um determinado alergeno sem que o test cutâneo possa incriminá-lo. Poderiamos, por tanto, acreditar que em certos casos de leishmaniose o territorio cutâneo não seria alergisado e, consequentemente, a intradermo-reação seria negativa. 2.º - Todos os fatores que levem o paciente a um estado de anergia-molestias infecciosas graves ou prolongadas, idade avançada., estados caqueticos, etc. impedirão que êle reaja ao antígeno de Montenegro. Corrêa (11) cita uma observação interessante de uma criança com tuberculose ganglionar, em que a reação de Montenegro foi positiva +++, 5 dias antes da morte desta criança, quando ela já, estava em estado de caquexia, a reação foi repetida e mostrou-se negativa

VI - CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES

Á medida que desenvolvi os vários itens deste modesto trabalho, tecí as considerações que me pareceram cabiveis à cada um deles. Pouco resta para êste remate.

Do que ficou dito deduz-se que a reação de Montenegro merece uma maior divulgação entre nós. Sua técnica é muito simples e a leitura dos resultados não oferece maiores dificuldades. Os antígenos poderão ser fornecidos por um laboratório aos interessados, e não haverá inconveniente em conservá-los guardados nas condições ambientes, mesmo durante alguns meses, porque suas qualidades se conservam praticamente inalteradas por tempo mais ou menos prolongado.

Não se pode desejar maior especificidade das respostas. Basta lembrar que Salles Gomes praticou a reação em 120 leishmanióticos, em diferentes fases da moléstia, e obteve, em 97,5%. dos casos, reações-fortes, nítidas ou medianas e, em 2,5%, respostas leves, perceptíveis até 72 horas. Não deveremos esperar uma positividade da reação em 100% como esta citação nos faz pensar, porque ha casos, se bem que muito raros, em que a resposta é negativa em doentes com leishmaniose comprovada. São casos excepcionais.

A precocidade da resposta, que já se positiva na encubação da doença, permite prever-se o aparecimento da "Ferida brava" e, quiçá, abortá-la com a quimioterapia bem orientada. Por outro lado, como ela se mantem positiva em quase todos os indivíduos já curados de suas lesões, torna-se possível um diagnóstico retrospectivo da leishmaniose. Daí o grande auxilio que ela presta à epidemiologia e a outros sectores da medicina.

Ela é imperativa no diagnóstico diferencial da leishmaniose com outras doenças afins. Praticamente só há uma causa de erro: a tuberculose ganglionar. Vimos que, nos pacientes em que a tuberculose trazia comprometimento dos ganglios, a reação de Montenegro é positiva. A confusão será facilmente afastada com os exames anátomo-patologico e bacteriológico.


VII - RESUMO

A "Intradermo-reação de Montenegro" é uma reação cutânea, tipo tuberculina, isto é, uma reação tardia.

Para obtê-la introduz-se, por injeção intradérmica, 0,1cc de uma suspensão de L. brasiliensis mortas (contendo 3 a 5 milhões de leptomonas por cc) em um paciente com leishmaniose. Vinte e quatro a setenta e duas horas após surge, na séde da injeção, uma pápula bem evidente circundada por halo de eritema, em que os tecidos se mostram túrgidos e infiltrados. Outras vezes a reação é menos nítida e só se evidência por uma pápula discreta que perdura por mais de 72 horas.

É uma reação de grande especificidade. Pode-se dizer que praticamente em 100% dos leishmanióticos ela é positiva. Ao contrário, tem sempre se mostrado negativa, nos indivíduos livres desta doença bem como nos portadores de outros quadros nosológicos que se prestem à confusão com a "Ferida brava". Apenas ha uma causa de erro, representada pelos portadores de afecções tuberculosas dos gânglios; porém, aqui, o exame anatomo-patológico ou a pesquisa de parasitas poderão dissipar dúvidas que porventura apareçam.

A reação de Montenegro continua indefinidamente positiva em quase todos os indivíduos já curados de leishmaniose tegumentar americana, prestando, assim, inestimavel auxílio no diagnóstico retrospectivo e na epidemiologia desta doença.

Por ser de técnica muito simples, de leitura muito facil, por ser inócua e de grande especificidade a intradermo-reação de Montenegro nunca deverá ser esquecida por quem titubeia em afirmar ou infirmar um diagnóstico de Leishmaniose Tegumentar Americana.

SUMMARY

"Montenegro Intradermo-reaction" is a cutaneous reaction. Like the tuberculina test it has slow ond late results. To perform it we must make an intradermical injection with 0,1 cc of L. brasiliensis suspension (containing 3 or 5 millions of leptomonas in each cc) in a patient suffering of leishmaniosis. Between 24 and 72 hours later when the reaction is positive we see a very clear vesicle involved by an erythema circle where the tissues are turgid and infiltrated. Sometimes the reaction is not so evident and we find just a discret vesicle during more than 72 hours.

This kind of reaction has great specificity. Were able to see about 100 per cent of all leishmaniotic sufferers. Besides this we verify the contrary with healthy patients or in cases that we can make a mistake or confusion with Ferida Brava (Wild Wound). There is only an error probability when the patient has ganglions tuberculous reaction. Such a case only the anatomopathologie examinations and parasites findings could decide and remove difficulties.

It is interesting that the reaction will continue indefinitely positive even when the patients are cured. This means that the reation has inestimated value on retrospectiv diagnosis and in disease epidemiologic works.

As we have demonstrated the technic is very simple and easy. Therefore we must never forget the Montenegro reaction. By its great specificity and inocuity it is an obliged to elicide the obscure cases always when the diagnosis is doubtful.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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3. - Rezende, Mario Ottoni de - LESÕES MUCOSAS PRODUZIDAS PELA LEISHMANIA TRÓPICA, VAR. AMERICANA - Revista O. R. L. de São Paulo - 1935 - pgs. 425-38.
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7. - Gomes, Luiz de SalIes - A INTRADERMO - REAÇÃO DE MONTENEGRO NA LEISHMANIOSE E OUTRAS PESQUIZAS AFINS - Brasil Médico - Dez. 1939 - pgs. 1079-87.
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9. - Pessoa, Samuel B. e Pestana, Bruno R. - A INTRADERMO - REAÇÃO DE MONTENEGRO NAS CAMPANHAS SANITÁRIAS CONTRA A LEISHMANIOSE - Separata dos Arquivos dei Higiene e Saúde Pública - Ano VI - Jan. 1941-N.º 11- pgs. 123-138.
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(*) Adjunto da Clínica

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