Versão Inglês

Ano:  1945  Vol. 13   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 139 a 157

 

CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DO RINOSCLEROMA NO BRASIL (*)

Autor(es): DR. PEDRO C. FALCÃO

Ribeirão Preto

A oportunidade de podermos averiguar os resultados de tratamento feito num doente, há 4 anos passados, levou-nos a organizar essa pequena contribuição ao estudo do rinoscleroma no Brasil.

Em verdade, em 1940, encontramos, entre os 16 mil doentes já passados por nossa clínica, o primeiro e único rinoscleroma, cujo diagnóstico, na ocasião, ficou completa e perfeitamente estabelecido, tornando-se interessante o caso observado agora, quando é possível alcançar conclusões sôbre sua evolução e, sobretudo, verificar os efeitos da terapêutica por nós instituida, então considerada lógica e original.

O pequeno, diminuto mesmo, número de casos de rinoscleroma estudados na literatura médica nacional, quer por dermatologistas; quer por rino-laringologistas, levou-nos a empreender trabalho de estatística, o que fizemos, não apenas lendo e computando tudo de que tivemos notícia, como também dirigindo cartas a professores e a chefes de grandes clínicas. E o resultado obtido é o que vai exposto adiante, numa conclusão flagrante de que não se pode absolutamente colocar o Brasil como um dos focos de rinoscleroma na América do Sul, pois, para o número absoluto de 26 casos averiguados, contamos com 1,6 casos autóctones.

E nem se pretenda atribuir esse número reduzido à falta de diagnósticos; porque a marcha lenta, porém progressiva, da moléstia leva o paciente a procurar recursos e socorro não apenas com um, porém com vários profissionais, o que torna aquela assertiva muito justa, cabendo aqui, a título de curiosidade, mencionar-se o caso relatado por Renato Machado, cujo paciente tinha a idade de 118 anos ao procurá-lo. Com isso, pretendemos insistir em que pouco maior poderá ser o número de doentes de rinoscleroma no Brasil; porém, tal cifra é diminuta, verdadeiramente inconsistente para poder ser considerado nosso País um dos focos da América do Sul, bastando atentar-se que, nos focos reais, como a Rússia, só em 1932 foram, notificados 1.500 casos.

Já o Prof. Eduardo Morais - quer na Sociedade de Laringologia dos Hospitais de Paris em sua reunião de, 17 de Janeiro de 1938, quer ao comentar uma comunicação de Ermiro Lima e George da Silva, no 1° Congresso Brasileiro de O. R. L., em Outubro do mesmo ano - alegando jamais ter encontrado em sua vastíssima clínica na Bahia um caso siquer de rinoscleroma, profligava increpar-se o Brasil como incluido na zona endêmica desta doença, o que nós, hoje, compreendemos que se tenha dado, talvez como erro geográfico, ao menos em parte, pois a cidade do Salvador, ou São Salvador, como é também chamada a capital do Estado da Bahia e onde há tradicional Faculdade de Medicina, cujo catedrático de O. R. L. era o Prof. Morais, recebeu aquela esquisita honraria pela confusão com a cidade de São Salvador, capital da República do mesmo nome, onde é albergado grande número de rinoscleromatosos, na América Central.

Antes de prosseguir em outros comentários sôbre o assunto - de vez que não é nossa intenção fazer nenhum estudo teórico de ordem científica propriamente sôbre rinoscleroma em geral, visto que reputamos na mais absoluta ordem do dia, sôbre a doença que o grande dermatologista vienense Hebra batizou de rinoscleroma, todos os trabalhos fundamentais sôbre o assunto apresentados no Congresso de Copenhague em 1928, como no de Madrid em 1932, salientando-se os de Belinoff, Szmurlo, Barraud, Buracki, Hajek, Streit, Lasagna, Neuber e outros - vamos relatar a observação de nosso caso, documentado como foi para se alinhar entre os 25 outros computados na literatura médica brasileira.

OBSERVAÇÃO. - O. R. Silva, branca, brasileira, com 23 anos de idade, doméstica, casada, residente em Congonhal, Município de Altinopolis, Estado de São Paulo, apresentou-se à consulta no dia 18 de Julho de 1940, queixando-se do nariz e da garganta. Alegava que a doença começara, havia 3 anos, com crises de disfonia que se foram acentuando; por fim agravando-se com outras de dispnéia. Depois de bastante tempo foi que o nariz começou a incomodar, entupindo-se progressivamente, até culminar no estado em que se encontrava de obstrução total.

Como antecedentes familiares nada houve de interesse para o caso, além, do esclarecimento de que até seus avós, paternos e maternos, eram brasileiros, e nunca houve mal de natureza semelhante na família. Casada há 8 anos, com dois filhos, sem nenhum aborto, sendo o marido também brasileiro, filho e neto de brasileiros, residindo sempre naquela zona limítrofe de São Paulo e Minas, alegou ainda jamais ter tido contacto mais íntimo com pessoas estrangeiras. Como antecedentes pessoais, mencionou, além de doenças comuns da infância, ter sofrido, aos dois anos, queimadura na perna esquerda, que cicatrizou bem e ràpidamente. Aos 12 anos, isto é, 10 anos após a queimadura, teve sôbre sua cicatriz uma ferida que demorou muito para sarar (levou mais de ano), deixando marca despigmentada, de bordas talhadas, com todos os caracteres microscópicos duma cicatriz de
leishmaniose.


À rinoscopia, encontramos narinas cheias, obstruidas por formações poliposas de pedículos sésseis, implantados na porção anterior de ambas as conchas inferiores e de ambos os lados do septo. Das conchas médias, só discretamente as cabeças estavam em início de degeneração. A doente, a mim recomendada pelo colega Dr. Luiz Cândido, de Batatais, que a examinara detidamente sem chegar a diagnóstico definitivo, apresentava tais formações não muito lenhosas ainda, mas francamente consistentes, lisas e brilhantes, sangrando um pouco às manobras forçadas para verificação de suas implantações. A diafanoscopia, seios para-nasais todos translúcidos, claros. Rino, oro e hipofaringes sem nenhuma lesão específica, apenas com pequenas granulações linfóides de carater reacionário. Amigdalite palatina crônica, críptica. Dentes em bom estado aparente, devidamente tratados, estando os incisivos, após radiografias e exame biopulpométrico, condenados, tanto os superiores como os inferiores. Ao exame do laringe, acusada hipo-laringite, com formações poliposas descendo para a traquéia, e aí implantadas, recobertas por enduto crostoso deslocável, razão das crises de obstrução do istmo, formações de aspecto inteiramente semelhante às nasais. Laringe de aspecto normal e cordas vocais apenas irritadas, congestas. Orelhas normais. Ausência de reação ganglionar cervical. Externamente, a pirâmide nasal ainda se conservava com aspecto inteiramente normal, sem deformidades nem indurações. Coisa importante: conquanto o diagnóstico diferencial não necessitasse mais ser feito com a ozena, pois clinicamente não era mais possível tal confusão, o cheiro nauseoso exalado, tanto do nariz como da traquéia, absolutamente não era de molde a confundir-se com o da ozena, querendo nós crer, sobretudo para quem possua grande tirocínio clínico, que essa diferenciação pelo cheiro seja tão patente quanto à da própria ozena e dum empiema de maxilar, por exemplo. Trouxera já uma reação de Wassermann positiva fracamente, no sangue (+), e negativas as pesquizas reiteradas para Koch e leishmânia. Estava em uso de arsenical (acetilarsan), cuja intolerância era progressiva. Diante de tal caso, formulamos, pela absoluta semelhança clínica das lesões macroscópicas nasais, robustecida pela cicatriz típica da perna esquerda, diagnóstico de polipo leishmaniótico do septo nasal com uma advertência de "caso curioso". Prescrevemos tratamento preparatório, a fim de, dentro de poucos dias, não só fazer a ablação de tôdas as formações poliposas nasais, como laringo-tráqueais e, também, a amigdalectomia palatina total. Regressou à sua casa e retornou ao consultório no dia 6 de Julho de 1940, após terminar o tratamento prescrito, apresentando particularidade interessante: a formação hiperplástica da concha inferior direita desaparecera quase completamente, após fusão de certo hematoma provocado por traumatismo da mesma.



FIG. I - O. R. S., antes do tratamento - 1940, vendo-se a formação tumoral da fossa nasal esquerda.



A fotografia n.º 1 dá-nos melhor impressão do caso. No dia 7-VIII-40, foi-lhe feita a ablação de todos as formações tumorais, sendo cuidadosamente decorticadas as paredes nasais internas, sob anestesia local, sem dificuldade técnica nem hemorragia cirúrgica. Novo exame para pesquiza de leishmânia foi então feito, com bons esfregaços, resultando negativo. Em 12-VIII, foi-lhe praticada a amigdalectomia palatina intra-capsular total com ligadura dos pedículos e a raspagem de restos das adenóides sob anestesia local. Enquanto isso, já a doente estava em uso de fuadina, desinfetante nasal aromático (rinoleina líquida), cloreto de cálcio por via oral e, também, odobisman normal, de permeio à fuadina, desde seu regresso em -VIII.

O exame de fezes, então praticado, revelou presença de ovos de ancilóstomo duodenal, larvas de estrongilóide estercoral e cistos de lâmblia intestinal, pelo que lhe foi instituido tratamento adequado. Em 19-VIII; chegou o resultado do exame histo-patológico realizado pelo Prof. Moacir Amorim, do material remetido para São Paulo, constante das peças retiradas do nariz, cujo laudo transcrevemos a seguir:

"Material recebido para exame: formações poliposas do nariz. Condições de fixação: formol a 10 %.

Data de entrada no Laboratório: 14 de Agosto de 1940, às 10 horas.

Exame macroscópico. - Vários (5) fragmentos de tecidos de diferentes dimensões, medindo o maior 18x14x7mms. Êste tem a forma ovalada chata e mostra a superfície lisa, recoberta em uma de suas faces, por mucosa de- côr branca opaca. A superfície oposta é ligeiramente rugosa, correspondendo à implantação do polipo na parede. A superfície de corte é de textura firme compacta, de côr esbranquiçada, em sua maior estensão, com alguns trechos cinzento-róseos. Os demais fragmentos mostram aspectos idênticos, tanto da superfície externa como ao corte.

Exame histopatológico. - 6 fragmentos incluídos em um bloco de parafina. Colorações: Hemat. eosina, hemat. ferrica-van Gieson. Cortes em parafina, de diferentes regiões, da totalidade dos fragmentos enviados, mostram os mesmos revestidos superficialmente por mucosa constituída exclusivamente pelo epitélio pavimentoso estratificado extremamente adelgaçado. Todo o córion e partes restantes dos fragmentos são formados por tecido de granulação "sui generis" que chama a atenção desde logo por sua grande riqueza em células arredondadas ou ovais, de citoplasma claro, fortemente vacuolizado, contendo um núcleo pequeno, às vezes ligeiramente picnótico central ou excêntrico. Tais elementos histiocitários mostram-se isolados ou em grupos, extremamente numerosos, tendo os caracteres, pois, de típicas células de Mikulicz. Entre ,êsses aglomerados celulares, nota-se um número extremamente rico, de plasmacélulas às vezes multinucleadas, formando frequentemente densos mantos em torno de capilares sanguíneos e infiltrando difusamente os espaços entre as células histiocitárias. Em alguns pontos, pequenos acúmulos de granulócitos neutrófilos. Notam-se corpúsculos hialinos de Russel, livres ou no citoplasma dos plasmócitos. Não se vêm células gigantes nem zonas estensas da necrose:

Diagnóstico: rinoscleroma.

As miçrofotografias 2, 3, 4 e 5 documentam, em diferentes aumentos, a descrição do laudo histopatológico.

Surpreendidos com esse resultado, insistimos, então, em várias outras provas laboratoriais, que ficaram a cargo do analista Palma Travassos, e cujos resultados transcrevemos:

"Material a examinar - secreção da mucosa nasal para exame bacteriológico.
Resultado. - Não sendo o rinoscleroma encontradiço no Brasil, muito pouco se tem escrito em nosso País a respeito do bacilo de Frisch.



FIG. II - microfotografia de corte do tumor em pequeno aumento.



FIG. III - microfotografia idêntica em maior aumento.



FIG. IV - Aspecto microfotográfico típico, com células de Mikuliez e corpúsculos de Russel.



FIG. V - Outro especto histo-patológico carateristico da lesão rinoscleromatosa, em aumento.



Apesar das opiniões em contrário manifestadas por Babes, Perkins e Simoni, a maioria dos autores admite a especificidade do Bacillus rhinoscleromatis. Contudo êste bacilo parece constituir uma das diferentes raças pertencentes à espécie dos bacillus mucosus capsulatus. O germe, por nós isolado e identificado como sendo o bacilo de Frisch, apresentou os seguintes caracteres:

Morfologia. - Bacilos encapsulados, de extremidades arredondadas, medindo de 1 a 1,5 micra de comprimento, por 0,6 a 0,7 de espessura. Não possuiam cílios e não formavam esporos. Tingiram-se facilmente pelas côres básicas da anilina e não tomaram o Gram. Nas culturas antigas surgiram formas de involução, sendo que, nos meios albuminosos, se verificou uma hipertrofia da cápsula e, nos meios simples, o aparecimento de formas alongadas e sinuosas.

Caracteres culturais. - Germe anaeróbio facultativo, desenvolveu-se muito bem nos meios usuais discretamente alcalinizados. A temperatura ótima para seu desenvolvimento foi a de 37°.

Caldo simples. - Nesse meio observou-se ligeiro turvamento, com formação de véu. Não houve desprendimento de odor.

Leite. - A princípio não coagulou o leite; porém, depois da terceira passagem, houve ligeira coagulação sem redissolução de coágulo.

Gelose por picada. - A cultura desenvolveu-se, assumindo a forma de cravos de ferradura.

Gelatina. - Cultura idêntica à anterior. O meio não se liquefaz.

Meios açucarados. - A disseminação na superfície da gelose provocou a fermentação da glicose, da levulose e da maltose. A côr vermelha apareceu, voltando depois a côr azul um pouco mais acentuada que a tonalidade primitiva do meio de cultura. Nos tubos de Schmidt não se verificaram desprendimentos gazosos.

Sôro de cavalo glicerinado a 5 %. - Este sôro, depois de coagulado, constituiu um excelente meio de cultura, podendo servir perfeitamente para o isolamento da bactéria. Nele as colônias se apresentaram com aspecto característico e que muito se assemelha ao de lágrimas de estearina esse aspecto foi assinalado por Vaccaro nas culturas por êle obtidas sôbre gelose; porém, no sôro coagulado é que melhormente pôde ser observado. Êste aspecto pode ser considerado específico. Observe-se a fotografia anexa (fi. n.º 6).

Gelose por estrias. - Aparecimento de colônias salientes, de superfícies lisas, de bordas nítidas, de consistência viscosa e de coloração opalescente.

Ação redutora. - O germe em estudo não possui propriedades redutoras. Não provocou formação de hidrogênio sulfurado; não fragmentou, nem ocasionou o enegrecimento da gelose-glico-chumbo.

Indol. - Não produziu indol nos meios de cultura.

Diástases. - Não teve ação peptolítica nem proteolitica.



FIG. VI - Cultura do B. de Frisch em Soro de. cavado glicerinado a 5 %, vendo-se o aspecto típico de lágrimas de estearina.



Vitalidade. - Nas culturas mantidas em temperatura ambiente o germe conservou por muito tempo sua vitalidade.

Sorologia. - As pesquizas de precipitinas e aglutininas específicas foram negativas. A reação de Bordet-Gengou foi positiva (++).

Conclusão. - O germe em questão foi por nós identificado como sendo o bacilo de Frisch."

Foi, igualmente, repetida a reação de Wassermann no sangue, a qual resultou inteiramente negativa.

Em face das melhoras acentuadissimas dos aspectos rino-laríngeos, como do estado de saúde da paciente, insistimos na medicação geral pela fuadina, que se constituía em remédio lògicamente de eleição, pela absoluta semelhança clínica. das lesões hiperplásticas da mucosa, nasal com as de leishmaniose, além da conhecida ação das preparações antimoniais sôbre as escleroses em geral.

E de tal modo as melhoras se acentuaram que, pela progressiva regressão das formações tumorais tráqueo-laríngeas, deliberamos não mais atuar cirùrgicamente sôbre elas, permitindo á doente prosseguir seu tratamento no próprio domicílio durante uns dias. Em 12-IX retornou ao consultório, permanecendo 20 diais em tratamento de consolidação geral e observação local, deixando a cidade, por motivos de ordem premente familiar, em magníficas condições de saúde, no dia 3-X-1940, nunca mais tendo tido oportunidade de vê-la, apenas sendo informados de que ficara boa. Em 15-X-1944, quatro anos portanto depois, precisando averiguar seu estado de saúde, para completar esta observação, fomos encontrá-la, após penosíssima viagem, de mais de cem quilômetros, em, sua residência campestre, ali mesmo tirando a fotografia anexa (n.° 9).



FIG. VII - Bacilos de Frisch; com hipertrofia capsular, cultivado em meio albuminoso (Soro de cavalo glicerinado a 5%).



FIG. VIII - Bacilose de Frisch, com formas alongadas de involução, desenvolvidos em cultura antiga em meio não alburminoso (gelose simples).



Resumindo o exame aí feito, encontramos nariz de aspecto absolutamente normal, com mucosa rósea mal se distinguindo as linhas das cicatrizes cirúrgicas, e com permeabilidade respiratória integral. Informou, então, a doente que, desde a saída do consultório, nunca mais tomara nenhum remédio e ficara completa e perfeitamente boa até 5 meses atrás, quando apanhara forte resfriado que a tornou rouca. Melhorando do resfriado, porém, perdurou discreta disfonia, até o momento. Ao exame do laringe, percebemos pequeno nódulo de aspecto escleromatoso (semelhante aos que existiam antes) na porção anterior da subglote, isolado, sem acarretar nenhuma alteração para o resto do laringe, além de discretíssima irritação das cordas vocais. Faringe perfeita, normal. Além disso, nenhuma outra alteração encontramos digna de nota, razão por que insistimos em voltar a usar mais uma caixa de fuadina ou stibin, em caso de não encontrar aquela.

Esta a observação do único doente de rinoscleroma que nós vimos, em torno da qual, agora, teceremos alguns comentários, para despretenciosamente, pois com um único caso não poderemos ir além disso, consignarmos algumas conclusões.



FIG. IX - O. R. S., em 1944, com cicatrização perfeita da mucosa nasal.



Escrupulosamente documentado o diagnóstico de rinoscleroma no caso em apreço, de acôrdo com os dados colhidos e mencionados anteriormente, figura nossa observação como a 26.a de doentes examinados no Brasil. Juntamos um quadro demonstrativo, no qual consignamos todos os casos de rinoscleroma de que tivemos conhecimento, quer importados, quer autóctones e publicados ou apresentados em sociedades científicas ou fornecidos: por correspondência, com os respectivos autores e os dados referentes à côr, sexo e naturalidade. For êste quadro averigua-se que no Brasil o número de doentes pretos predominou sôbre o de brancos, como o de mulheres prevaleceu sôbre o de homens.


QUADRO SINÓPTICO DOS CASOS DE RINOSCLEROMA CONHECIDOS E ESTUDADOS NO BRASIL



Outro ponto merecedor de comentários é o seguinte: bem patente ficou assinalado o início da doença em nossa observação pelas manifestações laringo-traqueais. Isto ocorre, como insiste Chiari, na generalidade dos casos, tanto que Botey (3), em seu tratado, propõe, para designar tal doença, a substituição do nome de rinoscleroma - aliás já consagrado pelo uso - pelo de escleroma. Ora, João Marinho (20), entre nós, chamou a atenção para a peculiaridade da doença, na raça preta, localizar-se só na cavidade nasal e cercanias, o que tem sido a regra em todos os casos computados. Citamos apenas o fato, sem pretendermos discutí-lo, não só porque, segundo afirma Szmurlo (30), "le sclérome se localise principalment (75-80 %) dans le nez où il se developpie dans, la partie antérieure de la cloison et du plancher du nez en forme des infiltrations sous épithéliales plus ou moins diffuses", como também o pequeno número de observações nacionais não permite conclusões definitivas.

Outro ponto para o qual desejamos chamar a atenção é o referente à cultura do bacilo de Frisch no sôro de cavalo glicerinado a 5 %, que Palma Travassos estudou, considerando seu desenvolvimento um aspecto francamente específico desse parasito, razão pela qual, nas formas iniciantes da doença, em que o aspecto clínico de rinite atrófica escleromatosa possa acarretar confusão com seu semelhante da ozena, tal cultura poderá permitir um diagnóstico precoce da doença e consequente terapêutica prematura. E isto assume maior relevo se atentarmos para os dizeres de Belinoff (2) quando insiste que o quadro característico do achado anátomo-patológico, com os corpúsculos de Russel e as células de Mickulicz e mesmo com o bacilo de Frisch, pode não existir, quer no início da moléstia quando há atrofia, quer ao processar-se a degeneração do tecido conjuntivo.

Finalmente, antes de consignarmos nossas conclusões, desejamos abordar a questão da terapêutica. Conquanto o rinoscleroma ainda seja considerado, em regra geral, doença insidiosa e sem cura, e, por alguns mesmo, de prognóstico fatal, embora de marcha muito lenta, as provas em contrário começaram a surgir com o emprego da curie e da roentgenterapia, sendo, no Brasil, o Prof. Ferrando Terra (10) o primeiro a prescrever o rádio em tal doença.

Em 1940, ao fazermos o tratamento de nossa doente, prescrevemos a fuadina, como já dissemos, em face da extrema semelhança de lesões com a leishmaniose, auxiliando sua ação com a ablação cirúrgica das formações tumorais propriamente. Então, pensamos ser original essa terapêutica, porém ao prepararmos o presente trabalho, encontramos referência ao assunto feita por Leimena e Sardjito (17), que, em 1937, já concluiam por sua eficácia. No caso de Ermiro de Lima e George Silva (18) foi, também, em 1938 usada a fuadina, sem contudo pretenderem esses autores reconhecer seu benefício na evolução da doença, tanto que a abandonaram, não obstante terem "notado que a secreção e o mau cheiro tinham, diminuido muito". Ulterior à nossa observação, J. A. Mejia, de Honduras, e Bikford, de Guatemala (23), em 1942 já consideraram, sem mais dúvida o rinoscleroma curável pela fuadina.

De nossa parte, julgamos apenas que as sinéquias, como as formações pròpriamente tumorais, necessitam ter coadjuvação cirúrgica, ou de outro modo erradicadora (radio, diatermo-coagulação etc.)

A crisoterapia, com o lopion (usado por Leimena e Sardjito, que, depois, passaram ao emprego da fuadina) ou com o solganol B oleoso, utilizado por Edward Neuber (25), de Debrecen, que assegura ter curado a quase totalidade de seus doentes, com tal terapêutica associada à vacinoterapia, - a crisoterapia tem ganho terreno, de par com o chaulmograterapia, usado pela primeira vez por Aboulker (13) e, em 1938, no Brasil, por Ermiro Lima e George Silva (18), porém sem lograr os resultados alcançados por aquela outra terapêutica entibiada.

Finalizando, não olvidemos que até a cura espontânea do rinoscleroma já foi mencionada por Kuilman, Kaiser e Sardjito (14), na região de Pasoemmah, ao sul de Sumatra, nas índias Ocidentais, em zona vulcânica de grande altitude.

CONCLUSÕES

(I)

Até o momento, foram diagnosticados no Brasil 26 casos de rinoscleroma, dos quais 16 autóctones.

(II)

Conquanto seja real a existência do rinoscleroma no Brasil, é inadmissivel incluir-se êste País entre os focos do mal, em vista do número diminuto de casos observados.

(III)

Além do exame clínico e histopatológico poder assegurar o diagnóstico exato do rinoscleroma, também as provas microbiológicas, não só pelo isolamento do bacilo de Frisch, mas sobretudo, diante do resultado da cultura em sôro de cavalo glicerinado a 5 %, de aspecto caraterístico, podem firmá-lo.

(IV)

A cura do rinoscleroma é, hoje, -absolutamente reconhecida e aceita não só por meios medicamentosos (a fuadina, entre êles), como também pelas irradiações (radium e Raios X), havendo tendência manifesta para a quimioterapia.

(V)

Ao lado da terapêutica médica no tratamento do rinoscleroma, a erradicação cirúrgica das formações tumorais impõese como seu complemento.

(VI)

Pelo observado em nosso caso, em paralelismo com a leishimaniose, seria interessante aos colegas das regiões endêmicas de rinoscleroma, que se pesquizasse no sentido de averiguar ser o mal rino-laringo-traqueal manifestação primária e única da doença, ou simplesmente um período secundário (mucoso) de doença cutânea (úlcera) veiculada por mosquitos (aspecto típico da doente observada), o que daria ao rinoscleroma carater semelhante ao da leishmaniose.

RESUMO

O A. apresenta um caso de rinoscleroma, único observado em sua clínica entre 16.000 doentes examinados, documentando rigorosa e fartamente sua observação, enriquecida com fotos e microfotografias. Em seguida, faz interessante estudo do rinoscleroma no Brasil, mostrando que não pode ser este país considerado foco da doença na América do Sul. Tece outros comentários de ordem clínica, salienta o aspecto característico da cultura do bacilo de Frisch no sôro de cavalo glicerinado a 5 %, entusiasma-se com a quimioterapia do rinoscleroma, considerando os preparados estibiados (usou a fuadina) específicos para o mesmo. sem, contudo, prescindir da ação coadjuvante erradicadora das formações tumorais (cirurgia ou irradiações) e, finalmente, consigna conclusões, entre as quais a original idéia lançada, do rinoscleroma ser doença de ordem geral, provavelmente transmitida por mosquitos, constituindo as lesões rinolaringo-traqueais apenas um estado secundário da doença, tal como se verifica com a leishmaniose, apelando para os colegas que mourejam em focos endêmicos, sobretudo na Europa, com farta margem de observações., a fim de averiguarem a veracidade de tal conceito.

RÉSUMÉ

L'A., présente un cas de rhinosclérome, observé dans sa clinique le seul entre 16.000 malades examinés, documente riche et rigoureusement son observation qui est accompagnée de photographies et micro-photographies. Il fait ensuite une étude intéréssante sus le rhinosclérome au Brésil et déclare que ce pavs ne peut être nullement consideré comme un foyer de cette maladie, en Amerique du Eud. En faisant d'autres commentaires d'ordre clinique il met en lévidence Paspect caracteristique de la culture du B. de Frisch dans le sérum de cheval glycériné à 5%, plaide en faveur de la chimiotherapie sans nier, cependant, la valeur du concours de la chirurgie, et de la curie et radiothérapie, et arrive finalement à des conclusions, parmi lesqueiles il faut détacher cette qui formule l'hypothése d'etre rhinosclérome une maladie générale, transmise, probablement, par des moustiques et les lésions rhino-laryngo-tracheales n'étant qu'un état sécondaire de la maladie comparable a ce que nous verifions dans la leishmaniose. L'A. termine par un appel aux collègues qui exercent la médecine dans les foyer mêmes de la maladie, principalement en Europe, de profiter des grandes possibilités d'observation, pour pouvoir verifier l'exactitude de cette hypothése.

ZUSAMMENFASSUNG

Der Verfasser zeigt einen Fall von Rhinoscleroma als, einzinger in seiner Klinik beobachteter unter 16.000 untersuchten Kranken, dokumentiert diesen Fall streng und reichlich unter Beifuegung zahlreicher Photographien und Micro-photographen, Anschliessend gibt er eine interessante Schilderung der Rhinoscleroma in Brasilien und erklaert dass dieses Land keineswegs als Herd dieser Krankheit in Suedamerika betrachtet werden koenne. Bei Erlaeuterung weiterer Kommentare in klinischer Hinsicht, hebt er besonders den pathognomonischen Anschein hervor, der in Pferde-Serum zu 5 % glyzinerierd in der Frichen bacillus Kultur erscheint, zeigt sich ausserdem serh begeistert fuer die Anwendung der Chimiotherapie bei der Rhinoscleroma und betrachtet die antimonischen Praeparate (er gebrauchte Fuadin) als spezifisch fuer die Behandlung, dabei aber nicht die Mitwirkung des radikalen Mittels der Ausreissung bis auf die Wurzel von Geschwuerbildungen (Chirurgie oder Bestrahlungen) vergessend und gelangt endlich zu Schluessen in denen er unter anderen die originelle Idee verbreitet dass die Rhinoscleroma eine allgemeine Krankheit darstellt, die wahrscheinlich von Mosquiten uebertragen wird und dass die Stoerungen des Rhino-Larynx-Tracheo nur eine sekundaeres Stadium der Krankheit darstellen, sowie es dies bei der Leishlnaniosis der Fall ist. Zum Schluss bittet er seine Kollegen die itere harte Arbeit an Herden dieser Krankheit, besonders in Europa, verrichten und denen sich reichlich Gelegenheit zu solchen Beobachtungen bietet, die Richtigkeit seiner Auffassung zu pruefen und in bejahenden Falle als endgueltig richtig anzuerkennen.

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16) Laurens, G.: - Précis d'Oto-rhino-laryngologie - pag. 589 - 1931.
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18) Lima, E. e Silva, G.: - Um caso de Rinoscleroma - pag. 187, in Arquivos do 1.° Congresso Brasileiro de - O. R. L. - 1938.
19) Machado, R.: - À propos d'um cas de rhinosclerome. Arch. Inter. nat. de Laryngol., etc. 1: (n.° 4) 1922.
20) Marinho, João: - Rhinoscleroma nos pretos - pag. 293 - in Boletim da Soc. de Med. e Cir. de, São Paulo. 1926.
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24) Monteiro, A.: - Cartas pessoais datadas de 4-IX-940 e 1-X-942.
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26) Putscltawslcy, A.: - Sobre o tratamento do escleroma das visas aéreas superiores - Res. in Rev. Brasil. d'O. R. L. pag. 493 - 1935.
27) Schwartz, A.: - Rinoscleroma - pag. 199 - Res. do Archives of Otolaringology - vol. 21 - 1935 (Chicago U. S. A.) in Rev. Brasil. d'O. R. L. - pag. 480 - 1935.
28) Silva, George: - Um caso de Rinoscleroma curado pela Roentgenterapia. pag. 22 - Rev. Bras. d'O. R. L. Vol. IX - 1941.
29) Silva, Get, e Pereira Capist..: - A propósito de um caso de rinosclerema pag. 59 - Rev. Bras. d'O. R. L. - Vol. IX - 1941.
30) Szmurlo, Jean: - Histopathologle du Sclerome, pag. 13.4, in 1 Congres d'O. R. L. Copenhague - 1928.
31) Terracol, J.: - Les Maladies der Fosses Nasales - pag. 360 1936.




(*) Trabalho inscrito no 2.º Congresso Sul Americano de Oto-rino-laringologia, realizado em Montevideu.

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