Versão Inglês

Ano:  1945  Vol. 13   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 105 a 121

 

ESTUDO ESTATISTICO DAS FORMAS MUCOSAS DA LEISHMANIOSE NO SERVIÇO DE OTO-RINOLARINGOLOGIA DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE SÃO PAULO, COM CONSIDERAÇÕES DE ORDEM PROFILATICA

Autor(es): DR. F. PRUDENTE DE AQUINO (*)

CLINICA DE OUVIDOS, NARIZ E GARGANTA DIA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE SÃO PAULO
(Serviço do Dr. Mario Ottoni de Rezende)

A leishmaniose apresenta-se com as caracteristicas, de uma molestia que vem, dia a dia; aumentando o numero de suas vitimas, geralmente ceifando a energia do trabalhador rural, esteio da nação e alicerce da economia nacional. No Brasil verificamos o interesse do cientista, do medico pratico e do laboratorista ha mais de 40 anos, batalhando todos no mesmo escopo, que é o combate ao mal.

0 nosso trabalho divide-se em 2 partes: na primeira, apresentamos uma estatistica de 30 anos de frequencia no Serviço de Oto-Rino-Laringologia da Santa Casa de Misericordia de São Paulo, dos doentes portadores de formas mucosas de leishmaniose (estatistica iniciada pelo Dr. Rezende Barboza (até 1935) e continuada pelo Dr. Aranha Campos). Na segunda parte apresentamos um estudo profilatico da leishmaniose baseado nas mais recentes pesquizas, efetuadas no Estado de São Paulo pela Comissão Especial chefiada pelo Prof. Samuel Pessoa e composta de Pestana, Vilela, Barreto etc.

Atualizar as estatisticas é sempre necessário e este é o nosso principal fim. De Janeiro de 1913 a Dezembro de 1943 foram registrados no Ambulatorio de Oto-Rino-Laringologia da Santa Casa de Misericordia de São Paulo 101.191 doentes e neles foram constatados 3.005 portadores de diferentes formas de leishmaniose mucosa.

As estatisticas feitas entre nós, quer de Rezende Barboza (até 1935) e Romeu da Silveira (Tese de 1919) se bem que sofram criticas, como igualmente apresenta a nossa, não deixam porém de chamar a atenção que o mal existe e tende cada vez mais a estender os seus tentaculos, aumentando a legião de suas vitimas, e estimulando o combate ao mal, por meio de equipes medicas, dedicadas e constantes.

Para melhor sistematizarmos o assunto, seguiremos a mesma ordem da estatistica de Rezende Barboza, isto é, frequencia da leishmaniose segundo os anos, ao sexo, idade, nacionalidade, residencia e formas mucosas.

A leishmaniose em sua localização mucosa apresenta, segundo Pedroso, 10 % dos casos tegumentares; Klotz, H. Lindenberg e Rezende Barboza admitem 20 % dos casos; porém, a Comissão Especial, baseada nas estatisticas feitas nos fócos endemicos, e Matos Barreto apresentam a alta percentagem de 80%, chamando a atenção para este fato, que demonstra de uma maneira cabal a virulencia da leishmaniose entre nós, pois sabemos quão deformante é ela, em sua localização mucosa.

FREQUENCIA SEGUNDO OS ANOS

O grafico mostra-nos a relação de frequencia dos doentes matriculados no periodo de 30 anos (1913 a 1943) e os portadores de leishmaniose. A par do aumento crescente da frequencia dos doentes ao Serviço, verificamos tambem o aumento dos casos de leishmaniose que procuraram o Serviço.

Este numero foi de uma maneira notavel até 1927, quando houve ligeiro decrescimo até 1935, para novamente aumentar em escala menor até 1943. De 1913 a 1927, duas estradas de ferro plantaram a civilização numa vasta zona. As matas foram substituidas por cidades e a civilização penetrou pela Noroeste e Sorocabana. Estas 2 zonas foram a grande fonte de contagio, para a maior parte dos doentes de leishmaniose. De 1930 para cá, uma nova zona esta sendo desbravada: as matas substituidas por vilas e cidades, e novos fócos constituidos pela zona da Alta Paulista, são os principais pontos de contagio da molestia e de onde provém atualmente a imensa maioria dos portadores da molestia.





FREQUENCIA SEGUNDO OS MESES DO ANO

Referindo-se a uma estatistica de leishmaniose de localização mucosa, pouco valor ela tem, pois os casos que procuram o Serviço na grande maioria são de individuos cuja molestia data já de muito tempo e, portanto, não podem nos esclarecer sobre a maior ou menor frequencia segundo os meses da incidencia da molestia.
Somente uma estatistica feita nos proprios locais de derrubada das matas, poderia nos esclarecer, se por esta ocasião, isto é, nos meses de Julho, Agosto e Setembro, a incidencia seria maior, se bem que tenhamos de levar em consideração o periodo de incubação da molestia, cujas duvidas ainda permanecem Apresentamos o quadro abaixo da incidencia dos casos segundo os meses do ano, durante o periodo de 1913 a 1943, apenas como complemento de estatistica.





FREQUENCIA SEGUNDO O SEXO

Ao depararmos com o quadro abaixo, tem-se a impressão que a leishmamose seria apanagio do sexo masculino, porém fatores varios nos mostram a razão de ser destes dados:

Sego masculino - 2.627 casos (87,43 % ).
Sexo feminino - 378 casos (12,57 %).

Se bem que pareça logico que o homem se contamine mais que as mulheres, pela propria natureza de suas ocupações no campo, e a mulher predominante dentro de casa, as estatisticas, feitas em loco pela Comissão Especial, revelou que as mulheres apresentavam a alta incidencia de 45 % que vem em completo desacordo com a nossa estatistica.

Sabemos, porém, quão dificil é para o homem do campo ausentar-se de suas terras, maximé sua esposa e filhos, daí- o maior numero de homens que se deslocaram; para a Capital, à procura de alivio para os seus males, arrostando dificuldades de ordem financeira, decorrentes. não só da longa distancia, como tambem do abandono de suas atividades.

A esposa, por não procurar um grande centro, ficava e fazia por lá mesmo o tratamento, quasi sempre incompleto, como permitissem suas condições financeiras.





FREQUENCIA SEGUNDO AS IDADES

O grafico n.º 3 mostra-nos os diversos grupos de idades, divididos de 10 em 10 anos, até os 60 anos. Por ele verificamos que a idade em que seus braços mais produzem, isto é, de 21 a 30 anos, é que ha mais alta incidencia da molestia.

A infancia, se bem que mostre taxa menor, não deixo de despertar a atenção, considerando o fator idade e, portanto, a maior dificuldade em viajar, procurar grandes centros para tratamento.

FREQUENCIA SEGUNDO A NACIONALIDADE

As mais variadas nacionalidades encontramo-las representadas no grafico abaixo. Os brasileiros lideram o grupo com maioria esmagadora (83,20 %) e as outras nacionalidades, em ordem de frequencia, distribuem-se pelos portugueses, italianos, espanhóes, japoneses e outras nacionalidades em menor numero.





FREQUENCIA SEGUNDO A PROCEDENCIA

Pelo exposto, verificamos o Interior com 2.498 casos e a Capital com 507.

Neste dados, registrados como provenientes da Capital, eram na grande maioria doentes que antes residiam em zonas endemicas e, com a mudança de profissão, vieram residir na Capital e procuraram este Serviço para tratamento no Ambulatorio, ou então doentes que, vindos do Interior, hospedavam-se em casas de parentes ou em hoteis e faziam tratamento no Ambulatorio.

Não podemos negar a existencia da leishmaniose na Capital paulista, e mesmo adiante citaremos uma pequena epidemia nos arredores da Capital (Santo Amaro), que foi muito bem estudada pela Comissão Especial de Leishmaniose. Porém, o numero acima exposto é elevado para os casos realmente provenientes da Capital. Quanto aos doentes provenientes do Interior, eles provinham de quasi todas as zonas do Estado, porém em grande maioria das chamadas zonas novas, onde a penetração da Estrada de Ferro determinou grandes derrubadas de matas, para a lavoura de café a principio e atualmente para a policultura em larga escala, semeando cidades e com elas a civilização.

No inicio, as zonas predominantes eram a Noroeste e Alta Sorocabana, e cederam seus lugares atualmente à Alta Paulista, ande novas vilas apareceram do dia para a noite, povoando novas regiões onde o machado do desbravador passou preparando o terreno, porém estabelecendo novos fócos de contagios para a molestia, conforme verificamos com Vila Queiroz e- outros lugares, na Alta Paulista, onde a grande percentagem de doentes exige medidas prontas e eficazes. Na procedencia do Interior verificamos de quasi todas as altitudes provirem os doentes, porém estamos de acordo com a Comissão Especial que avaliou entre 300 e 600 metros a altitude otima para o habitat da molestia.

FREQUENCIA SEGUNDO AS FORMAS MUCOSAS

O quadro adiante exposto mostra-nos, de uma maneira cabal, a grande predominancia da forma nasal sobre as demais localizações mucosas.

Em todos os casos de outras localizações mucosas, encontramos a participação nasal, à exceção de um caso de lesão primitiva do laringe.
Não podemos deixar de realçar a alta virulencia da nossa leishmaniose, que em 80 % dos casos traz complicações mucosas, revelando de uma maneira precisa, que o tratamento deverá ser imediato, enérgico e constante.

SERVIÇO DE O. R. L.

Santa Casa de Misericordia de São Paulo





A grande maioria dos doentes eram antigos portadores da molestia que foi parcialmente tratada apresentando, como sóe acontecer em todos estes casos, a lesão mucosa de tendencia progressiva e deformante.

Qual seria, porém, a razão de ser da localização nasal preferentemente da molestia? A primeira explicação do contagio direto caiu, logo que se conheceu o substrato anatomo-patologico da lesão nasal, isto é, o processo vir da profundidade para a superfície mucosa. Irai duas explicações para a disseminação mucosa: hematogenica e linfatica. Modernamente, admite-se que a molestia, após o estabelecimento da lesão inicial, sofre uma disseminação hematogenica e daí a sua localização mucosa. Na mucosa nasal a porção anterior do septo e a cabeça dos cornetos inferiores seriam os pontos preferenciais para a sua localização.

Estudos interessantes têm demonstrado que a via linfatica não poderia ser responsabilizada, pois em doentes com lesões cutaneas de um membro, os ganglios linfaticos correspondentes a essa região não se apresentaram infetados, ao passo que foi possível encontrar a presença de leishmaniose nos ganglios do outro membro são, que não apresentava cicatrizes de antigas lesões.

Por estas considerações verificamos que a lesão mucosa, se na grande maioria dos casos apresenta-se com carater deformante, principalmente nos casos cronicos da molestia, por outro lado encontramos casos de crianças com apenas 7 meses de idade, cuja molestia datava de apenas 2 meses e com ulceras no pavilhão e face, apresentando a mucosa nasal já lesada (caso descrito por Pessoa). Por estes dados estatísticos verificamos, computando o decorrer dos anos, que a molestia ainda continua em sua senda destruidora e por essa razão é que passamos à segunda parte do nosso trabalho, a profilaxia, baseada em recentes estudos que vieram à luz em nosso meio.

A profilaxia da leishmaniose é aconselhada e medidas dessa ordem são recomendadas por todos os estudiosos do assunto. Já em 1913 Rabelo e Machado, em oficio ao Ministerio do Interior, propunham medidas de ordem profilatica.

Os trabalhos de Silveira (1919), Pupo (1923) e Hartung (1940) insistem sobre as mais variadas medidas de ordem profilatica. Somente em 1941 a Comissão Especial, nomeada pelo Governo do Estado de São Paulo, traçou e iniciou as medidas necessarias a uma profilaxia cientificamente orientada.

Como verificamos pela nossa estatística, uma imensa legião de doentes continua em afluxo cada vez maior e como verdadeira torrente, acorrendo à Capital paulista para aliviar um mal cujas cicatrizes e mal-formações indeleveis já traçaram, de uma maneira definitiva, a sua mascara. Procuram em fase de molestia parcialmente tratada, outros em fase adiantada da molestia com graves lesões mucosas e deformidades que os tornam verdadeiros parias sociais.

Orientar estes pobres doentes, ensina-los a se curar e não consentir que a molestia continue em sua marcha destruidora, é dever de todos aqueles que se interessam pelo futuro da sua Pátria.

A Comissão Especial de Leishmaniose traçou um esquema e sobre ele baseou a sua profilaxia.

Como medidas preliminares, estudou as diversas regiões por meio de questionarios enviados aos Centros de Saude do Interior, por meio dos quais obteve os mais completos dados a respeito de alimentação, trabalho, higiene, dados epidemiologicos e clínicos. As estatísticas, mesmo falhas, apresentam elemento de utilidade para a orientação da profilaxia e nos orientam sobre a extensão do mal.

A extensão do mal seria dada pelo indice alergico e indice de molestia ativa.

Indice alergico - obteriamos pelo numero de pessoas que apresentassem intra-derma reação positiva (a Comissão adotou a Reação de Montenegro).

A reação de Montenegro daria igualmente a existencia anterior da molestia (pois permite diagnostico retrospectivo).

Indice de molestia ativa - é dado pelo numero de pessoas com leishmaniose. 0 indice alergico e o indice de molestia ativa, feitos como medidas preliminares, serviriam mais tarde como tests para verificação dos resultados, obtidos após a execução das medidas profilaticas. A profilaxia, conforme delineou a inteligencia agil de Pessoa e seus colaboradores da Comissão Especial, baseia-se no seguinte

a) Medidas de proteção ao homem são;

b) Combate ao inseto vetor;

c) Tratamento dos doentes.

A estes itens faremos considerações e sugestões ao trabalho original de Pessoa, e Barreto, (Leshmaniose tegumentar Americana - estudo monografico), acrescentando o que julgamos necessario.

MEDIDAS- DE PROTEÇÃO AO HOMEM SÃO

O homem deverá receber duas ordens de medidas protetoras de ordem geral e de ordem pessoal.

Ordem geral - educação sanitaria sistematica, obrigatoria e generalizada desde o curso primario até o secundaria; principalmente nas regiões onde a molestia é endemica. Ensinar as crianças nas escolas, chamar-lhes a atenção por meio de cartazes elucidativas, mostrando os perigos da molestia em evolução; de um tratamento eficaz, constante e sob orientação medica. Nos cursos secundarias, ensinar as futuras educadoras a conhecer e orientar os portadores do mal.
Propaganda sistematica com cartazes nas escolas (a exemplo do que se faz com a variola), nas estradas de ferro, estações e outros lugares publicas, principalmente nas regiões endemicas.

Estes cartazes deverão orientar não somente os meios de evitar a molestia, como os portadores de ulceras, a procurar o posto mais proximo para tratamento, quando cicatrizadas as lesões, exames repetidos de 6 em 6 meses, nos postos onde especialistas verificarão as condições mucosas do paciente. Aconselhar vacinação nos postos, que deverão estar aparelhados para tal fim. Educação e propaganda serão os elementos decisivos para uma proteção de ordem geral do homem são, pois assim poderemos criar uma mentalidade leishmaniotica nessas regiões, o que será decisivo para uma profilaxia racional e efetiva. Nas medidas de ordem pessoal, sugere-se logo a defesa contra a picada do inseto, e isto se poderá conseguir localizando-se as habitações num raio de mais 100 metros, onde se processem as derrubadas das matas (pois 100 ms. é o raio de vôo, do flebotomus). As habitações, se bem que choupanas, poderão, oferecer proteção ao homem e ela deverá estar o mais possivel longe de valas; no Perú, aconselha-se mesmo a pintura de portas e janelas internas com creosoto.

O homem deverá proteger as partes descobertas com substancias gordurosas e repelentes, o que afastará as moscas. Vacinação preventiva, já tentada em 1939 por Sales Gomes (com germens mortos), foi executada a larga manu pela Comissão Especial (1940) com germens mortos, iniciando-se com doses de 10 milhões de leptomonas por cc., até doses de 100 e 120 milhões de leptomonas por cc. Estas ultimas eram de custa excessivo e davam reações violentas, o que restringiu o seu uso. Vacinação, metodo facil, em doses de 1 cc., 1,5 cc. e 2 cc. semanais, injeção intra-dermica ou por escarificação, e para as crianças metade da dose.

Os mais animadores resultados foram obtidos, principalmente nos fócos endemicos, onde a percentagem de pessoas vacinadas contrairam a molestia em percentagem infima às não vacinadas.

As vacinações eram sempre precedidas de intra-dermo reação de Montenegro, para verificação dos casos positivos, e nestes individuos alergicos não foi executada a vacinação. No Oriente inoculam as crianças com o botão do Oriente, para ficarem imunes; entre nós, dada a extrema virulencia da leishmaniose brasiliensis, seria temeraria tal tentativa com germens vivos.

Combate ao inseto vetor e, se possivel, contra a fonte de infeção.
Como transmissor da leishmaniose brasiliensis admite-se que seja o flebotomus. Teremos pois que contra ele dirigir e orientar o combate.

O combate ao inseto vetor faz-nos lembrar que ele é sugador de sangue e, portanto, picando um individuo doente, ele recebe o protozoario, que no homem abriga-se nas celulas do S. R. E. sob forma ovalada, sem flagelo livre (corpusculos de Leishman-Donovan) e no seu tubo digestivo se transforma em leptomonas que alcançam a porção anterior do faringe em cerca de 6 a 9 dias.

Estas formas em leptomonas são formas alongadas, com nucleo central e blefaroplasto, que dá nascimento ao flagelo livre (iguais formas poderemos encontrar numa semeadura em tubo de cultura em meio apropriado).

A transmissão, se bem que haja duvidas, parece assemelhar-se à da peste pelas pulgas; o pró-ventrículo, bloqueado pelos bacilos, determinaria esforços violentos de sucção, produzindo o afluxo e refluxo de sangue sugado, carregado de bacilos. Outros querem acreditar que o indivíduo, ao ser sugado, esmagaria o inseto já contaminado, e a irritação determinada pela coceira seria a porta de entrada por onde penetraria a infeção e determinaria a lesão cutanea. Destruição dos criadouros é difícil, pois as mais variadas especies de flebotomos são incriminadas como vetoras e no Brasil já identificaram-se muitas especies. As 7 principais são:

Pessoai (Coutinho e Barreto, 940) - Whitmani (Antunes e Coutinho, 939) - Limai (Fonseca, 935) - Fischeri (Pinto, 926) - Migonei (França, 920) - Brumpti (Larousse, 920) - Intermedius (Lutz e Neiva, 912).

Na ocasião das derrubadas, quando em troncos de arvores e sitios sombrios as larvas poderiam se desenvolver, poucas vezes foram encontradas especies vetoras. Podojan (Russia) aconselha o tratamento dessas regiões de derrubadas com policlorinas, que teriam capacidade de penetrar no solo e impedir o desenvolvimento das larvas. Petrolização das valas e saneamento de outros fócos de desenvolvimento de larvas (lixos etc.) são igualmente aconselhados.

Nas habitações, a profilaxia das moscas com inseticidas e fumigações são outras medidas de combate ao inseto vetor. Poder-se-ia admitir reservatorios de virus para a nossa leishmaniose? No Perú incriminou-se os vegetais como reservatorios, porém não foram provados. No Brasil, Pedroso encontrou cães parasitas por leishmanias, fatos esses confirmados por Mazza na Argentina em zonas endemicas, porém Migone, no Paraguai, não confirmou estes achados. A Comissão Especial, pesquizando em zonas endemicas, quer em lesões cutaneas, quer em orgãos não encontrou a presença de leishmaniose em cães.

Animais selvagens, tais como cotias, pacas, gambás etc., não foram assinalados como portadores de ulceras leishmanioticas e, portanto, afastados como portadores de virus. Resta, pois, o homem doente como reservatorio de vírus, e sobre ele basear-se-á a luta contra a leishmaniose.

Exemplo interessante encontramos nos arredores da cidade de São Paulo (Santo Amaro), onde um unico doente determinou epidemia (5 casos).

As medidas de ordem profilatica ao homem doente implicam em duas premissas, para as quais discutem os higienistas tratamento em ambulatorios ou em hospitais. O tratamento deverá ser ecletico, isto é, formas iniciais, tratamento nos ambulatorios, nos proprios nucleos de trabalho. Formas mucosas adiantadas ou iniciais, com ou sem participação cutanea, tratamento nos centros aparelhados para tal fim e, se necessario, tratamento e internação em hospitais regionais especializados. Daí orientarmos a profilaxia ao doente em ambulatorios ou postos ambulantes, que seriam localizados junto às zonas onde se efetuassem as derrubadas das matas. Estes postos ambulantes deveriam dispor de medico especializado na molestia, comi conhecimentos e capacidade para diagnosticos nas localizações cutaneas e mucosas. Este posto deveria dispor de enfermeiros e pessoal habilitado ao tratamento, vacinação e meios de diagnostico (intra-dermo reação de Montenegro, pesquiza de leishmanias etc.) Estes postos teriam a incumbencia do tratamento e, ao mesmo tempo, seriam os nucleos basicos da campanha educacional dos habitantes dos arredores. Nas cidades maiores e anexo aos Centros de Saude, medicos especialistas não só para o tratamento das localizações cutaneas, como nas mucosas (diatermo-fulguração; aplicação acido latico local etc.) Ao mesmo tempo encaminhariam os doentes aos hospitais regionais quando o caso assim o requeresse. A Comissão Especial de Leihmaniose chegou a aparelhar nucleos regionais nos Centros de saúde da região endemica (Presidente Prudente, Marilia, Araçatuba etc., para os tratamentos especializados).

Os Centros de Saúde, com seus serviços especializados para o combate e profilaxia da leishmaniose, exerceriam o controle dos postos para verificação e execução da vacinação dos moradores da região, bem como faria, de uma maneira racional, a campanha nas escolas, estabelecimentos publicos e hospitalares por meio de cartazes, palestras, folhetos etc., ensinando os meios de evitar o mal e, quando doente, qual a orientação a seguir para o tratamento da molestia. Estes postos ambulantes e centros regionais deveriam instituir aos trabalhadores rurais uma caderneta de saúde, de carater obrigatorio, na qual se anotariam todos os dados a respeito do seu portador. Assim, por exemplo, um trabalhador rural antes de ser admitido em determinada fazenda, apresentaria a caderneta de saúde, emitida pelo Centro Regional, na qual já foi anotada a vacinação contra a leishmaniose, intra-dermo reação de Montenegro e outras pesquizas, tal como Roentgen-fotografia, vacinação anti-variolica, anti-tifica etc.

Caso seja um portador da molestia, a caderneta anotaria os tratamentos já feitos, ao mesmo tempo que orientaria, de acordo com a forma da molestia, quais os tratamentos a seguir. Esta caderneta seria de carater obrigatorio e os portadores da leishmaniose (mesmo de ulceras cicatrizadas) estariam obrigados, de 6 em 6 meses, a novo exame nos respectivos postos, para evitar a disseminação mucosa da molestia. A titulo de sugestão, lembramos ainda que, pelas leis da higiene do trabalho, o empregador deverá concorrer obrigatoriamente, com determinada percentagem, para a saúde e a aposentadoria do empregado. Seria interessante que os fazendeiros, principalmente os das regiões endemicas, tivessem uma sobretaxa, que seria aplicada na manutenção dos postos ambulantes para o tratamento da leishmaniose. Os empregadores não poderiam admitir empregados que não trouxessem a respectiva caderneta de saúde, sob pena de multa, e estes, por sua vez, seriam obrigados aos exames periodicos nos postos ambulantes, e, quando doentes, teriam o tratamento gratuito, porém obrigatorio, até a alta, dada por medico especializado. No periodo de observação, após o tratamento, os exames periodicos nos postos ambulantes teriam o carater de obrigatoriedade, sob pena de multa e cancelamento da caderneta, o que implicaria em não poder mais exercer sua atividade em determinadas regiões, onde o seu uso seria obrigatorio. Com isto, evitariamos as enormes legiões de doentes que procuram os serviços de Capitais de Estados, como ocorre em São Paulo, conforme verificamos pelas estatisticas, onde não mais estes doentes obtem os resultados que teriam, caso tivessem sido tratados nos respectivos locais onde se contaminaram. As deformações, principalmente mucosas, já atingiram, na maioria das vezes, um carater irredutivel com destruição de septo, palato, piramide nasal etc. Evitar que se formem estas massas de aleijões humanos é contribuir para a melhoria da raça e combate à molestia. Sendo a leishmaniose molestia de tratamento longo, irredutivel, muitas vezes dependendo dos mais variados metodos terapeuticos, exigindo constancia e dedicação do doente, e necessitando, nas localizações mucosas, o concurso de especialistas para aplicações de dificil acesso, tal como laringe e aparelhagem muitas vezes complexa (diatermo e eletro-coagulação), verificamos quão dispendioso se apresenta o problema, para um Govêrno que queira enfrenta-lo de maneira decisiva.

Uma sequencia de tratamento, segundo preconiza a Comissão Especial de Leishmaniose, seria a seguinte:

Iniciar o tratamento com tartaro emetico nos adultos e fuadina nas crianças. Alternar depois o tartaro emetico com eparseno ou com arseniato de sadio. Tratamento local das localizações mucosas por especialistas.

Em casos de resistencia, associar o tratamento com antiomalina, iodo-bismutato de quinina etc. Tratamentos adjuvantes da malaria, verminoses etc. Nos portadores de ulceras fagedenicas e grandes ulcerações cutaneas, aplicações topicas e pomadas, pois no Centro de Araçatuba constatou-se 40 % de doentes que necessitavam destes tratamentos.

A profilaxia é a medida essencial para o combate à molestia e concluiremos insistindo na necessidade da manutenção, em todos os países onde a molestia grasse, de aparelhamento não só curativo como tombem preventivo. Assim poderemos enfrentar, de uma maneira cabal e decisiva, a leishmaniose, que medra em grande numero de países deste Continente, principalmente na America do Sul, onde constatue problema de carater medico-social, à espera de leis e medidas racionais, definitivas e patrioticas.

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