Versão Inglês

Ano:  1945  Vol. 13   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Associações Científicas

Páginas: 75 a 94

 

ASSOCIAÇÕES CIENTÍFICAS

Autor(es): -

SECÇÃO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA E CIRURGIA PLÁSTICA DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA

Reunião de 18 de Janeiro de 1944

Presidida pelo dr. Mário Ottoni de Rezende e secretariada pelos drs. Sílvio Marone e Luís Piza Neto, realizou-se no 18 de janeiro de 1944, uma reunião ordinária da Secção de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina.

Aberta a sessão, o sr. Presidente, depois de expor os motivos da reunião para empossar a nova diretoria, congratulou-se com os colegas, por ver que a Secção teria para dirigí-la neste novo ano, elementos do mais autêntico valor.

A seguir, foi empossada a diretoria para a gestão de 1944, composta dos seguintes elementos: - Presidente: dr. J. E. Paula Assis; 1.° secret.: dr. Jorge Barbosa; 2.° secret.: dr. Gustavo dos Reis.

Assumindo então a direção dos trabalhos, o dr. J. E. Paula Assis pronunciou a seguinte oração:

Em primeiro lugar, meus Snrs., ao assumir esta presidência, quero agradecer as benévolas palavras que me dirigiu o nosso ilustre colega e dileto amigo Dr. Mario Ottoni de Rezende, de cujas mãos recebo este mandato.

Muita honra para mim, meus presados e ilustres confrades, essa que me proporcionou a vossa benevolência, acendendo-me, da medianía em que vivo às culminancias da presidência da secção de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina.

Honra insigne que, apezar de ser unicamente fruto da vossa generosidade, notai a contingência da fraqueza humana, me alegra e me envaidece.

Lançando, entretanto, o meu olhar pela estrada percorrida, longa estrada iluminada pelo brilho dos meus antecessores, brilho que não se esmaece nunca, antes cada vez mais refulge e deslumbra, eu sinto, meus ilustres colegas, o peso da responsabilidade que assumo para convosco.

Responsabilidade imensa, que vem a igualar na balança das compensações humanas, a honra que me conferistes.

Eu fraquejaría, estou certo, si ainda não me valesse de vós. É dos vossos exemplos edificantes, e mais ainda, do ensinamento de vossas obras e acima de tudo, meus Snrs., do estimulo inestimavel de vossa amizade, que eu retirarei a força necessaria para sustentar no elevado plano em que se encontra, a secção representativa de nossa classe.

Vêde, pois, Snrs., que é de mãos vasias que me apresento a vós, a suplicar-vos me empresteis o amparo de vossa inteligencia e o apoio seguro de vossa cooperação, afim de que jamais se esmaie o alto conceito em que é tida em S. Paulo a classe de otorrinolaringologistas.

E si assim o fizerdes, como tenho a certeza que o fareis, a vossa cooperação, o vosso esforço e o vosso trabalho virão constituir antes de tudo mais um florão de honra e de gloria para a cultura medica de S. Paulo.

ORDEM DO DIA:

OPERAÇÃO DE SEPTO NASAL SUCESSOS E FRACASSOS.

Dr. Francisco de Paula Pinto Hartung
(Publicado na Revista Brasileira de O.R.L. XII : 112-121, n° 2, 1944)

COMENTÁRIOS

Dr. Ernesto Moreira. - Felicito o autor pela oportunidade de tão acertados comentários sôbre a intervenção do septo. Sou de opinião que todos os colegas deveriam trazer à assembléia desta sociedade o fruto de suas observações, não sòmente da parte clínica, como principalmente da cirúrgica, pois que nossa especialidade é essencialmente operatória. Quantas particularidades e minúcias há no ato da intervenção, que dis respeito exclusivamente ao cirurgião que o emprega com mais vantagens d.o que o processo clássico, e que são geralmente ignorados de nós outros. Cada um com sua contribuição concorreria para melhorar os métodos usuais, aperfeiçoando-se e trazendo conseqüentemente vantagens para o profissional e tambem para o paciente.

Dr. Rubens V. de Brito. - Na ressecção sub-mucosa do septo nasal, como em toda a cirurgia, o bom resultado depende de 2 fatores: indicação operatória precisa e técnica cirúrgica perfeita. Evidentemente, se não for o desvio do septo a causa ou a única causa dos males do nosso paciente, é lógico que o resultado da operação embora feita com técnica aprimorada, não será satisfatória. Inversamente, de que vale operar-se perfeitamente bem um septo, se nos esquecemos dos cornetos hipertrofiados ou da hiperplasia de adenóides, ou de um polipo escondido no andar médio, ou ainda, se não percebemos de que há uma atresia das coanas ou uma fiacidez das azas do nariz, tornando precária a saída ou a entrada do ar inspirado? Êstes 2 itens me parecem as causas principais das nossas decepções e das decepções de nossos clientes.

Quanto aos pormenores de técnica, lembro em primeiro lugar a questão da ressecção da mucosa nasal, nos casos de crista longitudinal ao longo da crista, o que aprendi com o dr. Hartung, o primeiro colega que vi usar esta manobra em nosso meio, com a qual tem obtido ótimos resultados. Nos casos em que o abaulamento é muito grande, em um dos lados, de modo que, após uma ressecção da septo, embora perfeita, haverá uma sobra de mucosa nesse lado, que não se ajustará perfeitamente ao folheto do lado oposto, pois que é mais extensa, provocando então um abaulamento de partes moles, que provocarão uma perturbação na passagem do ar. Lembro ainda a possibilidade de manobras pouco delicadas, na retirada do tampão, o que faz com que os 2 folhetos não se colem, de moda a ficar estufado o septo membranoso, como uma rodela de batata frita, entupindo as fossas nasais e portanto comprometendo o resultado operatório.

Quanto ao tratamento post-operatório, desejo lembrar a formação das sinéquias.

Para terminar, desejo felicitar o dr. Hartung, pelo seu útil trabalho, fruto de um largo tirocínio, exercido sempre com a honestidade profissional que todos reconhecem.

Dr. Homero Cordeiro. - Cumprimentando o dr. Hartung pela interessante trabalho apresentado, aproveito a oportunidade para fazer algumas considerações sôbre a vantagem da "plástica imediata" como meio de evitar perfurações septais definitivas, nos casos de dilacerações bilaterais e simétricas das mucosas do septo, sobrevindas após resecção sub-mucosa, plástica essa que deverá ser feita no final da mesma sessão cirurgica.

Acredito que a todo especialista de longa prática, por mais apurada que seja a sua técnica operatória e por maior que seja a sua habilidade manual, haja ocorrido alguns acidentes dessa natureza.
Muitos casos não dependem da perícia e zelo do operador. Assim, numa mucosa friável e fina, que se rompe facilmente ao simples contacto das hastes abertas do especulo nasal ou por ocasião da retirada de fragmento ósseo de arestas cortantes ou pelo movimento da cabeça brusco e inoportuno do paciente etc.

Constatadas essas dilacerações bilaterais e simétricas, compete ao operador praticar, no fim da intervenção, a plástica imediata, afim de evitar perfuração definitiva do septo, que poderá trazer uma série de inconvenientes desagradáveis, não só para o paciente, como respiração sibilante, formação de crostas produzindo hemorragias nasais freqüentes ou, criando mesmo um estado de psicose, - coma também para o especialista, que no seu íntimo, se sente diminuido na sua reputação profissional.
Há vários anos que em tais casos emprego a técnica da plástica imediata preconizada por Yankauer e Halle e simplificada por Seiffert e que consiste em fazer, em uma das mucosas do septo (é mais fácil na do lado esquerdo do paciente), duas incisões paralelas e ântero-posteriores e 2 a 3 centímetros equidistantes uma da outra. A primeira incisão, começa na parte anterior e média do septo, vai se recurvando para cima até alcançar uma distância de 2 a 3 centímetros acima do rebordo superior da perfuração e daí recurvando-se de novo para baixo e para trás até se distanciar uns 2 a 3 centímetros de rebordo posterior da perfuração. A segunda incisão, segue paralelamente a primeira, e se inicia na parte anterior e inferior do septo (a 2 ou 3 centímetros abaixo da primeira incisão), vai se recurvando para cima até atingir o rebordo inferior da perfuração e dêsse ponto torna a recurvar para baixo e termina a 3 centímetros atrás do rebordo posterior da perfuração, correspondendo o ponto onde terminou a primeira incisão. Consegue-se dêsse modo, um retalho mucoso com seu dois pediculos, anterior e posterior, retalho esse que, deslocado para baixo, na sua parte média, por meio de uma pinça nasal, (movimento como o de descer uma cortina), vai obliterar completamente a perfuração da mucosa septal do lado oposto. Fixa-se o retalho por meio de um ponto fino de cat-gut na sua parte inferior e média ou fazendo-se a contensão por meio de cuidadoso tamponamento com gaze iodoformada. No fim de 3 a 4 dias, as duas mucosas septais estarão intimamente aderentes uma a outra, e a perfuração definitivamente obliterada. Convém anotar que a largura do retalho deverá sempre ser maior que o diâmetro da perfuração do lado oposto, pois do contrário o resultado plástico final não será satisfatório.

Se a perfuração é muito anterior, pode-se modificar a técnica descrita, afim de se obter um retalho mucoso com pediculos superior e inferior. Para isso, fazem-se as duas incisões paralelas, mas começando na parte alta do septo e descendo cusvilineamente até ao soalho. A primeira incisão começa a 2 a 3 centímetros acima do rebordo superior da perfuração, vai-se recurvando para trás até alcançar uma distância de 2 a 3 centímetros do rebordo posterior da dita perfuração e daí desce recurvando-se para diante, até ao soalho. A segunda incisão tem inicio na parte alta e anterior do septo, a 2 a 3 centímetros para diante do ponto onde foi começada a primeira incisão, descreve uma pequena curva para trás, até atingir o rebordo posterior da perfuração da mucosa do lado oposto, fixando-o com ponto de cat-gut na sua parte média e anterior.

Chama a atenção sôbre três casos observados em sua clínica, nos quais foi feita a ressecção sub-mucosa, sem acidente algum de dilaceração das mucosas, correndo tudo normalmente nos primei 1 os dias, mas, no fim de três semanas, constatou pequenas perfurações septais tardias. Consultando a literatura, encontrou nos "Annales des Maladies del'Oreille, du Larynx etc.", tomo XLV, 1926, pg. 231, o resumo do trabalho de Sercer, de Zagreb, no qual esse autôr atribui, como causa dessas perfurações tardias, uma necrose circunscrita da mucosa devida a trombose de pequenos vasos, parecendo ser esta última a conseqüência de pequenos abcessos, hematomas supurados, que se formam de preferência logo acima do soalho nasal, onde, após a ressecção do vomer, as duas mucosas não ficaram perfeitamente atoladas pelo tamponamento bilateral.

Também nesses casos de pequenas perfurações septais tardias, Seiffert preconisa uma plástica engenhosa: escarifica com uma cureta fina os rebordos da perfuração e a mucosa vizinha aos rebordos, e depois também escarifica a mucosa do corneto inferior, em toda superfície que fica "vis-à-vis" à perfuração. Tamponamento cerrado com gaze iodoformada na fossa nasal oposta, de modo que as partes sangrentas da perfuração e do corneto fiquem em contato íntimo, afim de provocar uma sinéquia. Retirada da gaze no quinto dia. Quatro semanas após, destrói a sinéquia, dissecando cuidadosamente a mucosa do corneto, de modo que ela seja transplantada para a mucosa septal, e conseguindo-se assim a obliteração completa da perfuração.

São estas as considerações que tinha a fazer, abordando um assunto assaz conhecido pelos colegas de sua geração, mas talvez de utilidade prática para os jovens otorrinolaringologistas.

Dr. Jorge Fairbanks Barbosa. - Sr. Presidente: dr. Hartung acaba de passar em revista uma série de fatores que devem orientar o especialista na boa indicação da cirurgia do septo nasal.

Peço a palavra para juntar alguma contribuição, a respeito de fisiologia nasal, a este estudo clínico:

O primeiro, diz respeito à direção das correntes respiratórias no interior das fossas nasais. É sabido que as correntes inspiratórias ou expiratórias não atravessam as fossas em linha reta, indo das narinas às coarias. Elas têm um trajeto curvilíneo. O ar que penetra pela narina, avança entre a cabeça do corneto medio e o septo, penetra na fenda olfativa e desce para a parte alta da coaria. Na expiração o trajeto é, mais ou menos, o mesmo. As experiências de Proetz não deixam dúvidas a êste respeito. Os obstáculos ao longo dêste trajeto é que devem interessar ao cirurgião. Para citar alguns exemplos, eu lembro os desvios anteriores do septo, os seus desvios altos (ainda que sob a forma de abaulamentos discretos), as hipertrofias do corneto médio ou da cauda do corneto inferior.

O conhecimento da trajetória das correntes aéreas pelas fossas nasais explica um fato aparentemente paradoxal: é comum observar-se desvios em "S" do septo nasal. Suponhamos um destes casos, com discreto abaulamento alto para a esquerda e acentuadíssima crista baixa para direita. Como esta última curvatura é a que mais impressiona o especialista, êle faz o diagnóstico de ,desvio do septo para D", com grande espanto do paciente que lhe afirma respirar muito melhor por êste do que pelo outro lado.

O segundo ponto a que me desejo referir, diz respeito à configuração das narinas. Proetz mostra em seus trabalhos a importância dêste fator na orientação das correntes respiratórias. Cinelli publica em um dos números dos Archives of Otolaryngology, de 1940, uma lista de malformações das narinas, mostrando a influência de cada uma delas sôbre a permeabilidade das fossas nasais, e indicando as técnicas para as suas correções. Segundo Cinelli após a correção cirúrgica dêstes vários defeitos a respiração nasal melhora de 50 a 100%. É preciso, pois, observar as narinas antes de tapá-las com o espéculo.

Senhor presidente, os especialistas e os fisiologistas idealizem um grande número de aparelhos para medir a permeabilidade das fossas nasais. Infelizmente, ao que me consta, nenhum deles corresponde inteiramente à expectativa. Quando se conseguir um tal aparelho, de fácil aquisição e fácil manêjo, as indicações de cirurgia do septo e o contróle dos resultados pós-operatórios tomarão uma orientação muito mais científica.

Terminando, congratulo-me com dr. Hartung pelo interessante trabalho que apresentou.

Dr. Roberto Oliva. - Achei de toda atualidade a interessante palestra que acaba de ser feita pelo dr. Francisco Hartung. Nós todos sabemos como tem decrescido o número de operações do septo nasal, em vista do pequeno sucesso que delas se tem obtido em muitos casos. Creio que um dos fatores dêsse insucesso reside na falta de reeducação da respiração nasal, após a operação. É uma axioma de fisiologia geral e que também se aplica à nasal, de que a função faz o orgão". A mucosa do nariz, que durante tantos anos, se achou, por causa de seu defeito anatómico, fora da excitação proveniente da passagem do ar, necessita de um grande exercício para que venha a funcionar normalmente.

É sabido que o trigêmeo nasal por meio de suas relações, no assoalho do 4.° ventrículo, com o centro respiratório - pneumogástrico, frênico e intercostais - desempenha um papel importantíssimo na mecânica pulmonar. É imprescindível; portanto, que o 5.° par se torne excitável normalmente, para que o operado se satisfaça com a operação e, por conseguinte, consiga uma respiração normal. E isso se obtém com a ginástica respiratória bem orientada.

Dr. Rafael da Nova. - Secundando as considerações feitas pelo dr. Jorge Fairbanks Barbosa, desejo citar um caso de minha clínica particular, que só teve alívio, depois de uma operação de septo, modificando-se a direção da corrente respiratória por uma operação de evelação da ponte do nariz.

Dr. Otoniel Bueno Galvão. - No referente ao tamponamento nas operações de desvio do septo, lembro uma pequena alteração que consiste na introdução de um dreno semi-rígido, no meio da gaze, indo do meato às coanas, o que, nos casos que experimentei, permitiu a respiração com a boca fechada, evitando assim, o vácuo, no naso-faringe na deglutição, e, por conseqüente, as dôres de ouvido e mal estar disso resultante.

Dr. J. Rebêlo Neto. - À excelente lição que acabamos de apreciar desejamos aduzir um pequeno comentário, a propósito de uma particularidade não referida pelo Dr. Hartung, mas que nos parece de suma importância. É o da reeducação respiratória após o restabelecimento cirúrgico da permeabilidade nasal.

Nos indivíduos habituados, de longa data, a respirar pela boca, sem reeducação adequada não se consegue desviar a corrente aerea rara as vias naturais,, mesmo que a operação corretora tenha sido impecável.

Um método útil e simples e que deve ser iniciado depois da cicatrização completa e usado no mínimo durante trinta dias seguidos, consiste em fazer o doente forçar a respirar obrigatoriamente pelo nariz, mantendo na boca um gole d'água ao qual se junta algumas gotas de um dentrifício qualquer, apenas para evitar a sua deglutição. Procurando duas vezes ao dia repetir a manobra por prazos cada vez mais longos, até atingir 15 minutos em cada exercício, consegue-se deslocar automaticamente o fluxo habitual da corrente aérea e lograr destarte o resultado colimado.

Dr. Francisco Hartung. - Foram tantos os colegas que me honraram comentando o trabalho apresentado, que se torna difícil responder particularmente a cada um. Agradeço em conjunto a êles todos a fineza e os ensinamentos proporcionados. Ao dr. Rebêlo.

Neto começo por dizer, que além do agradecimento devo comunicar que a prática de reeducação respiratória, já de longa data tem sido aqui empregada, com melhor ou pior resultado, desde os tempos do saudoso Prof. Lindenberg. Já conhecia as idéias emitidas pelo dr. Oliva sôbre a intimidade da fisiologia da respiração. Não é a primeira vez que o dr. Oliva nos proporciona os seus magníficos conhecimentos sôbre a matéria. A êle também agradeço a nobreza da linguagem. O dr. Rubens de Brito comentou com o cérebro e o coração. Já esperava isso, porque conheço o amigo. A todos os outros colegas estendo os meus agradecimentos, preferindo apenas anotar os ensinamentos, sem comentá-los, devido ao adiantado da hora.
O sr. Presidente agradeceu ao dr. Hartung a apresentação do trabalho, e a seguir, foi encerrada a reunião.

Reunião de 17 de Fevereiro de 1944

Presidida pelo dr. J. E. Paula Assis e secretariada pelos drs. Jorge Fairbanks Barbosa e Gustavo Reis, realizou-se, no dia 17 de fevereiro de 1944, uma reunião ordinária da Secção de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica da Associação Paulista de Medicina.

Aberta a sessão pelo sr. Presidente, a leitura da ata da última reunião foi transferida para a próxima sessão, por não ter sido possível ultimá-la.

Nada mais havendo a tratar no expediente, passou-se à ordem do dia, da qual constaram os seguintes trabalhos:

NÓDULO DOLOROSO DO PAVILHÃO
Prof. dr. Mangabeira Albernaz e dr. Monteiro Sales.

Os autores apresentam uma afecção rara que, embora de natureza dermatológica, interessa ao otorrinolaringologista pela sua localização.

Trata-se de uma pequena ulceração, localizada na hélix, mais freqüentemente na. junção de sua porção horizontal com a descendente. É recoberta por uma crosta, ou melhor por uma pequena escama, que se destaca com relativa facilidade.

A pressão sôbre a lesão produz dor intensa. O sofrimento do paciente é muito grande, sobretudo quando ela é bilateral, por não poder suportar a pressão da cabeça no travesseiro.

A evolução é muito lenta. Dura anos. Pode-se dar o desaparecimento expontâneo. As recidivas dos casos tratados são freqüentes. Há casos em que a lesão desaparece de um lado para aparecer no outro.

Os autores fazem uma revisão da literatura sôbre o assunto, mostrando a sua raridade. A casuística é grande: consta de 5 casos.

Discutem a etiologia, a anatomia patológica e a terapêutica, que consiste na extirpação do nódulo com bisturi elétrico.

COMENTÁRIOS

Dr. Francisco Hartung. - Felicito os autores pela bela aula que nos acabam de ministrar. O trabalho versa sôbre um tema pouco conhecido, de modo que se tornam difíceis comentários a respeito. Entretanto, parodiando um ilustre ancestral do orador de hoje, o dr. Mangabeira em um recente trabalho sobre Rui Barbosa, direi apenas "depois disto e deante disto, que dizer?"

Dr. J. E. de Rezende Barbosa. - Estamos de inteiro acôrdo com as palavras do dr. Hartung. Entretanto, como uma apagada ilustração ao brilhante trabalho do prof. Mangabeira-Albernaz, desejamos referir uma observação toda especial, nossa própria auto observação, de um sindromo doloroso localizado exatamente no mesmo ponto em que se costuma localizar o nódulo doloroso do pavilhão. O referido ponto doloroso, localizado na porção horizontal da hélix, surgiu após um eczema descamativo com formação de crostas, rebelde a inúmeros tratamentos dessensibilizantes e antialérgicos, curando-se pela radioterapia profunda, que agiu brilhantemente sôbre a fase aguda do eczema. Entretanto, começamos a observar, principalmente nas estações frias, um sindromo doloroso nesta zona do pavilhão auricular e cujo aparecimento apresenta certa coincidência com os fenômenos de vaso-dilatação da face, como por exemplo, após as grandes refeições; após ter tomado vinho, etc.. Ligamos o fáto à uma sensibilização local devido aos raios X. O caso parece explicar que os fenômenos dolorosos correm por conta da inervação autônoma peri-vascular.

Dr. J. E. Paula Assis. - Quero agradecer as palavras amigas do prof. Mangabeira Albernaz, o que muito me desvanece e me honrou sobremaneira: O seu trabalho é verdadeiramente notável e muito curioso, pois trata-se de uma excelente lição sôbre uma ocorrência relativamente rara. Em minha clínica, tendo visto durante dezenas de anos, milhares de doentes, nunca tive ocasião de observar um caso sequer. O trabalho foi apresentado de uma maneira esplendida, muito bem concatenada, constituindo para todos nós, uma verdadeira aula.

Dr. Mangabeira Albernaz. - Sr. Presidente. - As vezes não dizer nada, exprime mais do que dizer alguma cousa. Muito obrigado.

OTITE MÉDIA AGUDA COMPLICADA DE MASTOIDITE MASCARADA PELA SULFANILAMIDOTERAPIA (1)

Dr. J. E. Rezende Barbosa.

O Autor apresenta as observações de dois casos típicos de mastoidites como complicação de otite média aguda mascarados pela sulfanilamidoterapia. Em ambos os casos, apesar da quiescência dos fenômenos agudos do ouvido médio durante cêrca de um mês, em um caso, e de três meses e meio, em outro, devido à ação mascaradora de uma sulfanilamidoterapia em doses inadequadas, as mastóides encontravam-se em fusão com secreção purulenta sob pressão. O A. chama atenção sôbre a atenuação de todos os sintomas agudos produzida pelo uso dos sulfoconjugados em otites médias agudas, alterando a evolução clássica das mastoidites, fornecendo uma evolução mais parecida com as mastoidites a mucosus, mascarando, em suma, toda aquela gama de sinais indicadores de mastoidites cirúrgicas, desorientando a todo e qualquer especialista menos avisado e colocando o paciente sob um falso período de segurança. O A. chama a atenção sôbre a necessidade de dosagens adequadas e menos empíricas dos sulfoconjugados nas otites médias agudas, e para a necessidade inadiável de serem esses paciente submetidos a um estudo radiográfico seriado dos ossos temporais durante todo o evoluir do tratamento, a começar por uma radiografia padrão, obtida antes do início do tratamento. O A. cita exemplos e estatísticas da literatura a respeito.

COMENTÁRIOS

Dr. Jorge Eairbanks Barbosa. - O trabalho do dr. Rezende Barbosa foi brilhante e oportuno como todos os outros que êle nos tem dado. A mim interessou de modo todo particular pois, há pouco, tive ocasião de tratar de um caso típico de mastoidite complicada, mascarada pela sulfanilamidoterapia:

Emfins de agôsto do ano passado atendí a um menino, de pouco mais de um ano, com mastoidite aguda post-gripal, bilateral. Na ocasião do exame apresentava febre elevada, semi-torpor, abaulamento retroauricular discreto de ambos os lados. Contudo não havia sinais de coleção subperióstica. A otoscopía mostrou tímpanos muito congestos, abaulados. Condutos secos. Dôr acentuada à pressão nas mastóides. Êste estado perdurava há 3 dias, tendo-se agravado ultimamente.

Indiquei a cirurgia que deveria, ser efetuada ainda naquele dia. Para isto pedi o imediato internamento da criança. Porém, no Hospital, os pais relutaram contra minha tendência intervencionista (a única cabível no caso, a meu ver) e me pediram um tratamento conservador. Ante a insistência da família cedi. Pratiquei paracentese de ambos os lados com saída de pus abundante, sob pressão. Institui o tratamento clássico conservador da mastoidite (calor, desinfecção dos ouvidos e das fossas nasais, vacinoterapia, etc.). Associei ao tratamento 3 comprimidos de Thiazamida por dia, ou seja, 1/2 comprimido de 4 em 4 horas, dia e noite. No dia seguinte a criança apresentava grandes melhoras e, após 3 dias todos os sintomas haviam desaparecido, com excepção da otorréia purulenta, que se instalara. Esta última cedeu após 10 a 15 dias e a criança, nada mais sentindo, teve alta curada.

Cêrca de um mês depois, volta novamente ao consultório com otorréia purulenta e edema retroauricular a esquerda. Ainda desta vez insisti pela intervenção cirúrgica e novamente cedi diante da resistência da família que me pedia um tratamento conservador, sobretudo em face do sucesso observado na vez anterior. Repeti o mesmo tratamento e, depois de 2 semanas, a criança estava novamente com alta, curada.

Três mêses após, um colega, pediatra, telefona-me do Hospital Matarazzo, chamando-me com urgência para atender a uma criança, lá internada em estado de coma, com francos sinais de meningite. O professor Pinheiro Cintra já lá estivera em conferência com o colega. Ainda não tinham chegado a uma conclusão quanto à causa da meningite. Chamaram-me porque souberam que a criança tinha sofrido dos ouvidos, há 3 meses atrás, e tinha-se tratado comigo. Conhecedor do passado do doente e dos efeitos mascaradores da sufanilamidoterapia não tive dúvidas em afirmar o diagnóstico de meningite otogênica, não obstante todos os dados otoscópicos fossem absolutamente negativos. Dr. Antônio Corrêa, que me acompanhava na ocasião, pôde confirmar a negatividade do exame otológico.

Agora os pais concordaram com a intervenção, embora cientificados da pouca possibilidade de sucesso, dado o péssimo estado geral do paciente. Auxiliado por dr. Corrêa operei de ambos os lados. A esquerda encontrei mastóide pneumática, com células repletas de pus, sobretudo, as do grupo retrosinusal. Na altura destas células a tábua externa apresentava um trajeto fistuloso obliterado por tecido fibroso. O osso era friável e para atacá-lo quase nos bastou a cureta. A meninge foi exposta e a punção na fossa media foi negativa. Infelizmente não me ocorreu puncionar a fossa posterior.

A direita, além de congestão e espessamento da mucosa, nada mais encontramos.

Um pouco antes da operação foi feita a retirada de líquor, por punção suboccipital, para exame direto e cultura. O líquido saiu sob pressão aparentemente normal e com aspecto físico também aparentemente normal. Soubemos depois que todos os exames foram negativos.

Na noite que se seguiu a operação houve melhoras ligeiras. No dia seguinte agravaram-se os sintomas. O prof. Tolosa, chamado em conferência, encontra o paciente no mesmo estado em que o fomos ver, isto é, em coma e com um síndromo extra-piramidal.

Faz o diagnóstico de abcesso cerebral e nos aconselha a reoperação, procurando expor amplamente a meninge na fossa posterior e puncioná-la. Acha o caso gravíssimo.

Os pais não concordaram com a nova intervenção. No outro dia a criança morreu.

Aí está mais um caso em que uma mastoidite evoluiu sorrateiramente, sob a máscara da sulfanilamida, para explodir, meses após, com suas conseqüências fatais.

Dr. Rezende Barbosa acaba de nos expôr, de modo tão brilhante, a sintomatologia e a anatomia patológica destas mastoidites mascaradas. S. Excia. se refere a um fato interessante: a presença de focos de osteíte cercados de uma muralha de osso são, neoformado. Pois bem, estes focos de osteíte, como bem relatam os americanos, apresentam uma predileção especial para a tábua interna, nas proximidades da fossa média, do seio lateral e da fossa posterior. Daí as várias e freqüentes complicações das mastoidites mascaradas.

No caso que operei, as lesões mais intensas nas células retrosinusais, estavam de acôrdo com estes achado anátomo-patológicos.

Outro fato interessante a que dr. Rezende Barbosa se refere: animais de experiência, sob a ação das sulfas, perdem a capacidade de produzir anticorpos para os estreptococos. Ora, estes são os principais agentes causadores das mastoidites, estando em primeiro lugar o estreptococo hemolítico. Pois bem, tenho por hábito associar a vacinoterapia à sulfanilamidoterapia. Isto porque à ação bacteriostática das sulfas junta-se a bacteriolítica dos anticorpos produzidos pelas vacinas. Não me posso queixar dos resultados obtidos. Entretanto, a julgar pelo que acabo de ouvir, muitas vezes tenho "malhado em ferro frio" a menos que, ao homem, não sé aplique o que foi observado em animais de experiência. Quer me parecer que a conduta mais lógica seria a da associação da soroterapia à -sulfanilamidoterapia. Porém, não tenho experiência neste sentido.

Com relação a dosagem, concorda plenamente com o dr. Rezende Barbosa. Uma vez instituída a terapêutica pelas sulfanilamidas, dar doses intensas, suficientes para a cura e nunca doses auxiliares de outros tratamentos. Corre-se, neste caso, o risco do mascaramento. Porém o problema da dosagem da sulfanilamidas é muito complexo. Uma sulfanilamidoterapia bem orientada exige o internamento do paciente, uma dieta adequada e uma administração da droga em quantidades e a intervalos de tempos necessários para mantê-la no sangue na concentração ideal de 10 mgs. por 100 cc. Para controle são necessários repetidos exames de sangue -com o fim de dosar a droga. Infelizmente, na grande maioria dos casos, não dispomos de recursos para proceder desta maneira. Por isso a administração da droga costuma ser feita, por todos nós, empiricamente, guiando-nos apenas o quadro clínico do paciente. Eu, por mim, tenho por hábito, nos adultos em bom estado geral, administrar uma dose inicial de 2 gramas e manter a concentração com um grama de 4 em 4 horas. Tenho -também por hábito associar os antitóxicos à sulfanilamidoterapia.

É o que eu tinha a dizer. Felicito, mais uma vez o dr. Rezende Barbosa pela lição que acabo de ouvir.

Dr. Sílvio Marone. - Tive ocasião, numa das reuniões da Secção de Medicina desta Associação dedicada à sulfanilamidoterapia, de tratar do uso das sulfanilamidas em Otorrinolaringologia, e então frisei a diferença que vai entre "mastoidismo" e "mastoidite", sendo, apenas o primeiro curável pela sulfanilamidoterapia. Tive entretanto um caso de mastoidite, que, temendo o paciente a operação, resolveu tratar-se pela sulfanilamidoterapia. Verificando as radiografias tiradas antes e depois do tratamento, notamos que todo o processo de necrose havia sido removido apresentando a última radiografia escavação, onde antes havia esclerose, se obtem nas mastoides recém-operadas. Houve pois neste caso uma cura que se vem mantendo por dois anos.

Em relação às complicações meningéias das otites., quando se usa as sulfanilamidas, temos notado que é maior o número de curas. Entretanto, somos de opinião que a orientação deve ser a de uma expectativa armada", isto é, instituímos o tratamento pelas sulfanilamidas, mas ficamos sempre prontos a intervir caso seja necessário. O controle médico e radiológico, nesses casos, deve ser o mais rigoroso possível, para não sermos apanhados de surpresa.

Dr. J. de Matos Barreto. - A título de casuística à magnífica exposição que acabámos de ouvir, também eu desejo mencionar dois casos.

O primeiro, de uma Enfermeira da Santa Casa: quadro infeccioso grave, com mais de 20 dias, rebelde ao tratamento clínico, inclusive sulfaterapia intensa. Fomos chamados por se ter referido a ligeira otalgia no início da moléstia. Apesar de negativo o relatório radiográfico da mastóide, resolvemos a intervenção cirúrgica, por haver coloração rósea e ligeira infiltração do quadrante posterosuperior da membrana timpânica, a, presença do sinal de Grisinger e ligeira sensibilidade à pressão da jugular. Só após atravessar grande área de tecido aparentemente são, demos com uma osteíte insulada no ângulo petroso. O restabelecimento foi imediato. Seis meses passados, todavia, reaparece o mesmo quadro infeccioso, com a mesma gravidade e não podendo ser esclarecido pelos exames complementares. Apenas o ouvido não operado repetia a sintomatologia do oposto, embora, desta vez com menos nitidez. Em vista do sucesso da primeira intervenção, não vacilamos pela segunda. O restabelecimento foi, então, definitivo. Perdeu-se o material recolhido para exame.

O segundo é de uma otite com mastoidite em um menino de 6 a 7 anos, cuja evolução acompanhei com hemogramas e radiografias. Estas enganosas, com o aspecto adelgaçado dos septos ósseos e translucidez do conteúdo. Não passei da paracentese e o ponto de reparo mais seguro era a infiltração da parede postero-superior do conduto e do quadrante timpânico correspondente. Um mês á sua aparente cura, justamente hoje, fui chamado a ver o menino, com supuração, que sobreveiu depois de ligeira otalgia. A secreção provinha de um botão fistuloso da parede póstero-superior do conduto, correspondendo ao antro. Interessante será a radiografia de amanhã. Oto-rino e radiologistas devem estar avisados, pois, dessa alteração na sintomatologia. Há mesmo a tendência, entre os americanos, de não se considerar isso excepção, e sim um quadro descriminado, de feição própria, o das mastoidites tratadas pelas sulfas.

Quanto ao emprêgo simultâneo das vacinas, eu o tenho praticado com a melhor satisfação. A bacteriostase pelas sulfas dará tempo para a ação dos anticorpos, não sendo aquelas em dose máxima ou tóxica, a ponto de alterar a hematopoiese.

Dr. Antônio Corrêa. - Tive conhecimento, ontem, de um caso, em que havia sido feita a paracentese há 13 dias, e que se apresentava com 39° C. e corrimento abundante do tímpano, congestão e infiltração das paredes superior e posterior de conduto, enfim, todos os sinais de otomastoidite aguda com reação júgulo-carotidiana. Empregando a sulfadiazina, em 24 horas, os resultados foram brilhantes, desaparecendo quase que completamente a sintomatologia, só permanecendo congestão e infiltração conduto-timpânica. Penso radiografar o paciente, após o tratamento para controle das lesões mastoidianas.

Dr. J. E. Paula Assis. - O trabalho do dr. Rezende Barbosa, foi eminentemente interessante e despertou comentários entusiastas. Felicito o A. e agradeço-lhe pela brilhante contribuição.

O dr. Rezende Barbosa agradeceu aos colegas, a atenção dispensada.
A seguir, foi encerrada a reunião.

Reunião de 17 de Março de 1944

Presidida pelo Dr. J. E. Paula Assis e secretariada pelos Drs. Jorge Fairbanks Barbosa e Gustavo dos Reis, realizouses, no dia 17 de março de 1944, uma reunião ordinária da Secção de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica da Associação Paulista de Medicina.

Nada constando do expediente, passou-se à ordem do dia, da qual constaram os seguintes trabalhos:

SÔBRE A LOCALIZAÇÃO DAS SENSAÇÕES ACÚSTICAS(1)
Dr. Frederico Müller.

O juizo da localização de fontes sonoras se baseia na percepção do contraste da intensidade do som dos dois lados. É mister que a fonte ou o apreciador, ou ambos, sejam móveis, para que se estabeleça urna boa localização. Afim de poder perceber o som da maneira mais nítida possível, o apreciador coloca-se inconscientemente, na posição ótima, por habito, o que não quer dizer involuntariamente.

A faculdade de localização das fontes sonoras, é raramente realizada exclusivamente pelas percepções acústicas, havendo em regra uma colaboração íntima com a visão e com os processos psíquicos da atenção que na elaboração do juízo sôbre uma determinada causa, recorrem ainda aos motivos da reprodução.
Esta percepção, guarda entre si relações especiais e temporais. Torna-se consciente e informa sôbre a natureza da percepção das impressões acústicas tão necessárias para a orientação no espaço.

COMENTÁRIOS
Dr. J. E. de Rezende Barbosa. - Infelizmente não ouvimos a parte inicial da comunicação do Dr. Müller, entretanto a apreciamos bastante na sua parte final. A questão da localização da direção da fonte sonora tem sido muito discutida. Esta capacidade não deve estar ligada ao orgão periférico, mas, provavelmente, a um mecanismo central e o melhor exemplo disto, é o fato de se poder ouvir o som que queremos entre um grande número de outros sons adventícios. A fusão de todos reflexos que concorrem para localizar uma fonte sonora só poderá ser produzida, achamos, por um mecanismo de integração central localizado nas zonas do córtex cerebral áudio-receptora e audio-psíquica.

Discute-se muito o papel do aparelho vestibular na audição. Apesar de, na evolução filogenética, o aparelho vestibular sofrer uma certa involução funcional em relação ao aparelho coclear, mais jovem, o sáculo é tido como capaz de certa função auditiva, principalmente quanto á capacidade de influir na orientação e localização de determinada fonte sonora. De fato, a "pars sacularis" do aparelho vestibular faz parte do ductus cochlearis" primitivo, canal êste na luz do qual se diferencia o neuro-epitélio do órgão de Corti. É bem provável, portanto, que aquele órgão, com relações embriológicas e anatômicas tão intimas ao canal coclear, guarde, também, afinidade funcional com o órgão periférico da audição. Os estudos de Mário Ottoni de Rezende sôbre a fisiologia da "macula saculae sagittae" devem ser sempre lembrados, constituindo, também, entre nós, a maior contribuição sôbre o assunto.

Ademais, cumprimentamos o ilustre Dr. Friedrich Müller pela exposição muito clara sôbre assunto tão original quanto atraente.

Dr. J. E. Paula Assis. - O presente trabalho é muito interessante e foi muito bem exposto. As considerações a que chegou são realmente muito modernas e formam uma concepção muito aceitável conforme acaba de afirmar o Dr. Rezende Barbosa, em seu comentário. Portanto, agradeço ao Dr. Müller a sua contribuição à nossa sessão de hoje.

Dr. Frederico Müller. - Agradeço aos estimados colegas as suas considerações. O estudo dêste assunto é muito interessante e, para realizá-los com eficiência; acho que há necessidade de estudos de psicologia.


NOVOS RUMOS NOS TESTES DE AUDIÇÃO
Dr. J. E. de Rezende Barbosa.

Inicialmente diz o A. que não vai comunicar algo de novo, mas sòmente comentar a provável orientação futura nos testes de audição, encarando o assunto sob uma ponto de vista crítico e pessoal.

Modernamente vivemos a era em que a seleção psicofísica dos mais aptos ganha terreno em todos setores da atividade humana, principalmente na medicina do trabalho e nas esferas militares - aviação, marinha, exército. Em qualquer dêsses setores, indiferentemente, a determinação da acuidade auditiva adquire grande valor sob os pontos de vista de seleção, profilaxia, diagnóstico e prognóstico.

Diz o A. que o exame preciso da função auditiva pelos testes a sons puros nem sempre indica, além de sua morosidade e técnica especiais, o grau de capacidade e aptidão dêste operário ou daquele aviador para preencher suas funções; em uns determinando um campo auditivo dentro de limites normais mas nada nos dizendo da capacidade de integração, de fusão da imagem sonora, isto é, a capacidade audio-psiquica de capital importância para qualquer atividade física, e, em outros, demonstrando a existência de lacunas sonoras, às vezes de grande intensidade, dando à primeira vista uma impressão de péssima capacidade auditiva e que impugnará o candidato nas provas de seleção, mas que, no entanto, na realidade, não passam de lacunas despidas de valor quanto à capacidade de recepção e compreensão perfeita da voz conversada, com atividade audio-psíquica elevada, indivíduos esses portanto aptos a preencher funções que necessitam de boa capacidade auditiva.

Eis aí, diz o A., a necessidade de maior emprego e difusão dos testes de inteligibilidade da voz conversada, ou, como dizem os ingleses, dos "testes de eficiência" de acordo com a atividade profissional futura do candidato.

O aparelho auditivo humano não se desenvolveu para ouvir sons no limiar de audibilidade, sons de intensidade mínima, capacidade esta que visamos determinar nos testes a sons puros, mas sim para perceber a energia sonora a intensidades bem mais elevadas. O cérebro humano está adaptado a perceber sons de intensidades apreciáveis, não dando notícia, praticamente, de sons fraquíssimos, no limiar de audibilidade e que exigem do mesmo um concentrado mecanismo de atenção, provocando o cansaço e desinterêsse.

Daí já vamos deduzindo, diz o A., sob o ponto de vista áudio-psíquico, três grandes grupos de testes de audição: a) testes a sons puros, visando determinar a capacidade auditiva em função do limiar de audibilidade, a intensidades mínimas portanto, com sons sem significação alguma; b) testes a sons puros, mas empregando a fonte sonora com intensidade bem acima do limiar de audibilidade, usando um excitante até certo ponto adequado à função cortical; c) testes de inteligibilidade, tendo como excitante fisiológico a voz humana, cochichada, conversada ou gritada, prova esta que, além de poder medir a capacidade auditiva em função da distância de audibilidade da fonte sonora, constitui, também, o excitante áudio-receptor e áudio-psíquico mais completo.

Diz o A. que a determinação da capacidade auditiva de um indivíduo pelos sons puros, seja pelos diapasões ou pelo audiómetro, pesquisando os diferentes limiares de audibilidade para cada freqüencia separadamente, só poderá indicar o que o indivíduo não é capaz de ouvir, os limites "justamente audível e justamente inaudível" de determinada fonte sonora, mas nada nos diz do que o mesmo é capaz de ouvir, isto é, a capacidade de seu aparêlho auditivo funcionar com sons bem acima do limiar de audibilidade, excitante fisiológico ideal. Portanto, assevera o A., resulta a necessidade do emprêgo de testes a sons puros com intensidades bem acima do limiar de audibilidade, pois a prática ensina que certos indivíduos com má capacidade para ouvir sons no limiar de audibilidade possuem bôa capacidade para ouví-los com intensidade pouco acima daquele limiar. Diz ainda o A. que é necessário o emprêgo desses testes e o conhecimento do recrutamento da sensação de volume em certos hipoacúsicos, quando se queira adaptar com rigor um aparêlho auxiliar do surdo.

Discorre o A. nesta parte sôbre o que se denomina fenômeno de Fowler - recrutamento da sensação de volume - e o valor do teste de balanceamento. Diz também da certa precisão e maior facilidade com que o mesmo é executado no audiómetro, com dois receptores telefônicos, com um receptor e da possibilidade, tambem, da sua execução com um conjunto de diapasões. Apresenta à apreciação dos colegas um dispositivo, adaptado de acôrdo com a descrição de Prince Fowler, para se conseguir o balanceamento da sensação de volume por meio dos diapasões; um estetoscópio adaptado a dois receptores telefônicos rudimentares e com um dispositivo valvular.

Em um apanhado final, diz o A. que, às vezes, se torna necessário computar-se em valores percentuais o resultado dos exames acumétricos, e indica as freqüências do campo auditivo que devem ser avaliadas e os cálculos a serem executados, tanto para o exame com os diapasões como para o audiométrico.
O Sr. Presidente agradeceu ao dr. Rezende Barbosa a apresentação do trabalho e deu por encerrada a reunião.

Reunião de 18 de Abril de 1944

Presidida pelo Dr. J. E. Paula Assis, secretariada pelos Drs. Jorge Fairbanks Barbosa e Gustavo dos Reis, realizou-se, no dia 18 de abril de 1944, uma reunião ordinária da Secção de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica da Associação Paulista de Medicina.

Aberta a sessão pelo sr. Presidente, no expediente, foi proposto um voto de pesar pelo falecimento do Dr. Caiado de Castro.

Nada mais havendo a tratar, passou-se à ordem do dia, da qual constou o seguinte trabalho:

AMILOIDOSE DA LARINGE (2)
Dr. Frederico Müller.

O autor descreve as duas formas da degeneração amilóide, o processo degenerativo difuso e a formação tumoral. Descreve em seguida o caso de sua observação. Tratava-se de um homem, de nacionalidade portuguesa, com 57 anos de idade, que aparentava um bom estado geral, apresentando, como único sintoma, uma rouquidão de intensidade progressiva. O exame laringológico revelou a presença de um pequeno tumor, do tamanho de uma lentilha, localizado na parte anterior da corda vocal esquerda e atingindo a comissura primitiva. A pequena ferida operatória sarou em pouco tempo, sem tratamento especial. O exame histopatológico do material revelou tratar-se de um tumor amilóide da laringe.

O Sr. Presidente agradeceu o trabalho. A seguir foi encerrada a sessão.

Reunião de 17 de Maio de 1944

Presidida pelo dr. J. E. Paula Assis, e secretariada pelos, drs. Jorge Fairbanks Barbosa e Gustavo Reis, realizou-se, no dia 17 de maio de 1944, uma reunião ordinária da Secção de Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica da Associação Paulista de Medicina.

No expediente, o sr. secretário deu conhecimento a Casa, de um ofício vindo de Santiago do Chile, informando da organização de um prêmio ao melhor trabalho de Otorrinolaringologia publicado em revista médica latino-americana e solicitando a nomeação de um membro para representar a Secção nos trabalhos de organização que serão efetuados.

O sr. Presidente enalteceu o valor desta idéia que concorre para o incentivo e desenvolvimento da especialidade, e estreita ainda mais os laços de amizade entre os países irmãos, latino-americanos. Para representante da Secção nos trabalhos que serão efetuados, o sr. Presidente propôs o nome do dr. J. E. Rezende Barbosa.

Esta proposta foi unanimemente aprovada.

O dr. J. E. Rezende Barbosa agradeceu a sua indicação. Continuando com a palavra, lembrou a próxima realização do 2.° Congresso Sul-Americano de Otorrinolaringologia, em outubro próximo, em Montevidéo.

Passando-se à ordem do dia, foram apresentados os seguintes trabalhos:

VITAMINOTERAPIA E CIRURGIA NO TRATAMENTO DO NOMA (ESTOMATITE GANGRENOSA INFANTIL). - A PROPÓSITO DE UM CASO CURADO (3)

Dr. Antônio Corrêa.

O autor, após estudar o quadro clínico, a etiopatogenía, o diagnóstico e tratamento do noma, relata um caso que teve ocasião de tratar e curar. Tratava-se de uma criança de 3 anos de idade, com anemia acentuadíssima de origem alimentar e parasitária, que apresentou. uma gangrena da bochecha esquerda, com a consequente eliminação dos tecidos da região.

A terapêutica local foi constituída pela cirurgia e curativos diários, e a terapêutica geral teve por base a vitaminoterapia. O tratamento vitamínico utilizado constou de vitaminas B, C, A e D, e grandes doses que chegaram até 1.200 mgrs. diários de ácido nicotínico.

O autor conclui, encarando o noma como uma moléstia de carência, e chama atenção para a profilaxia. Esta consistirá em tratar precocemente as estomatites em crianças, cuidando da higiene bucal, da alimentação, e da vitaminoterapia em todo o caso de sarampo, febre tifóide, bronco pneumonia e outras moléstias debilitantes.


SÔBRE TRÊS CASOS CURIOSOS DE CONSULTÓRIO
Dr. Sílvio Marone.

O A. justifica a apresentação dos casos assim chamados de "consultório", por serem, além de perfeitamente passíveis de se observar em qualquer oportunidade de entidades mórbidas pouco freqüentes. São os seguintes:

1.°) Um caso de sub-maxilarite luética: Trata-se de um caso na qual o diagnóstico versou a princípio sôbre uma litíase salivar e processo infeccioso geral, o que não foi confirmado pela radiografia e terapêutica. Pensou-se em lues e a R. Wasserman e a medicação específica confirmaram o diagnóstico. Tratava-se de uma senhora de côr, apresentando intensa hipertrofia das glândulas sub-maxilares, com abundante secreção salivar, e com ligeira dôr à palpação. O diagnóstico foi firmado mais por exclusão e pela terapêutica do que propriamente pelos dados clínicos, pois a localização, luética nessa glândula é bastante rara.

2.°) Corpo estranho (gaze) esquecido no seio maxilar esquerdo: Trata-se de uma senhora que há nove meses (julho de 1943) fora operada de sinusite maxilar esquerda, (processo de Caldwell-Luc), sendo-lhe feito somente o primeiro curativo (retirada pelo nariz do dreno, através da contra abertura nasal). Em seguida, a paciente notou a saída de pus por uma abertura (fistula situada no terço posterior da incisão operatória). Ficou assim até março de 1944, quando nos procurou. Nova radiografia. Nova operação de Caldwell-Luc. Notamos que a fístula se propagava sôbre a parede anterior do seio, de maneira irregular, regularizada a parede, cujo tecido ósseo se apresentava com franco processo de osteíte, notamos o interior do seio cheio de um corpo estranho. Com a pinça retirámos uma gaze, das comuns, quadradas, usadas freqüentemente nas operações; o interior do seio apresentava-se recoberto de mucosa em franca degeneração poliposa. A antiga contra-abertura se achava integra e perfeita. Curetado o seio, fizemos a sutura dos lábios da incisão. Até a data de hoje (um mês após a operação) a paciente está passando perfeitamente bem. Alta curada.

3.°) Caso raro de ptose do istmo da glândula tiróide por esforço: Trata-se de um operário que, ao fazer esforço para levantar um corpo muito pesado, tendo prendido e comprimido o ar para maior possibilidade de esfôrço (processo comum utilizado para levantamento de corpos pesados), notou que com êsse esfôrço lhe saltou uma tumefação na parte anterior do pescoço e sôbre a fúrcula esternal. Essa tumefação somente lhe prejudicava o dormir quando deitado de costas, dando-lhe ligeira sensação de sufocação. Não houve nenhuma alteração da voz. Examinado, verificou-se tratar-se de ptose do ístmo da tiróide exclusivamente, sem nenhuma lesão da laringe ou traquéia, o que foi confirmado por radiografia; nem houve perturbação funcional dessa glândula. Devido à falta dessa perturbação, foi simplesmente feito uma contensão do ístmo por meio de tiras de esparadrapos. O A. chama a atenção para a raridade dessa ptose, verdadeiro processo de hérnia e para a sua importância sob o ponto de vista de medicina legal, da medicina do trabalho, rotulando-o como acidente do trabalho e determinando incapacidade parcial, mas permanente, como qualquer processo herniário.

COMENTÁRIOS:

Dr. J. Fairbanks Barbosa. - A propósito do primeiro caso citado pelo dr. Marone, lembro-me de um semelhante em que as lesões se localizaram na parótida, no qual o tratamento anti-infeccioso não deu nenhum resultado. Feita a reação de Wassermann e tendo se revelado esta fortemente positiva, realizei o tratamento combinado, anti-infeccioso e antiluético, e os resultados logo se fizeram sentir.

Dr. J. E. Paula Assis. - Em nome da Secção agradeço a ótima contribuição do dr. Silvio Marone. Os casos citados foram de fato, bastante interessantes. A propósito do 2.º caso, tive ocasião de ver um caso idéntico, há muitos anos; só que a localização era em um dos seios frontais, onde foi encontrada uma gaze, que havia sido deixada em uma operação anteriormente sofrida pelo paciente, a qual retirada trouxe a cura em pequeno espaço de tempo.

A seguir, foi encerrada a reunião.




(1) - Trabalho publicado na REVISTA BRASILEIRA DE O. R. L., XII: 130-134, n.º 2, 1944.
(2) - Trabalho publicado na REVISTA BRASILEIRA DE O. R. L., XII: 189-192, n.- 3, 1944.
(3) - Trabalho publicado na REVISTA BRASILEIRA DE O.R.L., XII; 175-138, n.º 3, 1944.

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