Versão Inglês

Ano:  1941  Vol. 9   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 427 a 438

 

PROFILAXÍA DA SURDEZ (1)

Autor(es): DR. J. E. DE PAULA ASSIS (2)

A prevenção da surdez, Snrs., é incontestavelmente um dos problemas da mais alta benemerência social, porque esta afecção, envolvendo a alma humana no manto negro do silêncio - a imagem simbólica do nada - faz do surdo um infeliz mutilado, isolando-o do meio ambiente, e privando-o deste intercâmbio necessário entre o homem e o seu habitat. Realmente, a perda da audição, o sentido social por excelência no dizer de Mantegazza, coloca o indivíduo à margem da vida, retardando-o intelectualmente, modificando-o em seu caracter e em seus sentimentos, infiltrando em seus mais íntimos refolhos, aquela tristeza profunda, que pressentimos nas obras imortais de Beethoven.

Mas, Snrs., como disse Lermoyez, os auristas não podem curar a surdez, do mesmo modo que os bombeiros não podem apagar um incêndio vinte anos depois. O que nos indica esta frase? Que ilação podemos tirar? Que a surdez é incuravel, ou pelo menos, de difícil tratamento. É a irremediabilidade do mal. Assim sendo, devemos conservar-nos de braços cruzados, e consentir que uma legião de infelizes perpasse pelo caminho de nossa vida, sem que esbocemos um gesto siquer de proteção ou de consólo? Não, a luta é necessária, e a nossa arma é a Higiene - a medicina do futuro, dizem muitos, cujos ensinamentos, entretanto, preocupam os mais antigos legisladores, como Moysés cujos livros estão cheios de suas prescrições e de suas regras. É na profilaxia, portanto, que vamos encontrar o caminho seguro para diminuirmos ou extinguirmos completamente o elevado número de surdos, estas sombras inexpressivas, para quem os antigos negavam todos os direitos, equiparando-os aos loucos "quia mente cavent, quoniam mentem non habent". (Justiniano).

A surdez pode ser congênita ou adquirida. A congênita, que envolve em si a idéia da herança, deve ser combatida nos focos principais de sua atividade, - os elementos determinantes da decadência humana - pois herança não é mais do que "memória da espécie".

Surdez congênita, dizia Ste. Hilaire, resume-se em uma palavra: degenerescência. São problemas múltiplos a resolver, fatores sociais que vêm atravessando os séculos, avantesmas assustadores que estendem as suas garras mortíferas.

É o alcoolismo, é a sífilis, é a tuberculose, é a consanguinidade, é enfim, a hereditariedade mórbida.

Estes fatores vêm sendo, nas normas do possível, estudados pelas nossas leis, que procuram afasta-los do caminho dos homens ou, pelo menos, atenuar as suas consequências. Ha serviços especialisados, onde se combate a sífilis, a tuberculose, o alcoolismo, e onde a profilaxia exerce a sua ação benéfica. Ainda ha dias, o ilustre Diretor da Saúde Publica do E. de S. Paulo, afirmava, em palestra proferida no Rotary Club de S. Paulo - a que tenho a honra de pertencer - "que em S. Paulo a tuberculose acha-se na fase de equilíbrio, sendo de prever-se que em breve poderemos entrar em fase de regressão".

Não podemos nos alongar sobre os trabalhos de profilaxia efetuados nos diversos departamentos do Estado. Fugiríamos do assunto que aqui nos trouxe, e não nos permitiria a escassez do tempo que dispomos.

Surdez evita-se, e portanto, a profilaxia tem que se exercer o mais precocemente possível, já na vida intra-uterina. A mulher em período de gravidez deve ser interdito, como já se faz nos Estados Unidos, o uso de certos medicamentos prejudiciais ao orgão auditivo, como sejam os salicilatos, o quinino, o arsênico, o chenopódio e outros, dos quais Sexton e Norton mencionam perturbações graves com seu emprego. O hábito do fumo entre as Senhoras, hoje infelizmente tão espalhado em nossa sociedade, constituindo até a nota chic, é tambem fator ponderavel na etiologia da surdez, pela influência nociva da nicotina sobre o nervo acústico, segundo os estudos experimentais de Cozzolino.

Os traumatismos uterinos a que estão expostas as mulheres, ainda podem ser causas provocadoras de lesões funcionais na creança, pela eclosão de uma labirintite intra-uterina, quasi sempre de natureza meningítica. Tudo isso fala bem alto da necessidade indiscutível da profilaxia da surdez pré-natal ou intra-uterina, assunto sobre o qual já nos chamou a atenção em magnifico e recente trabalho sobre "a etapa atual do tratamento da surdez", o Dr. J. E. de Rezende Barbosa.

O que vem, porém, complicar sobremaneira o problema, é que todas as moléstias que vimos passando em revista, são capazes de impressionar os descendentes, creando, desta maneira, a herança mórbida, que se perpetuará, em um grande número de gerações. É o problema da hereditariedade, que se exalça ao máximo pela consanguinidade. Aí reside o principal motivo etiológico da surdez congênita. As nossas leis, já alguma coisa fizeram neste sentido, proibindo certos casamentos consanguíneos. Urge, porém, para o aprimoramento da espécie, ir mais adiante. Já em 1926, de acordo com as conclusões daquela memoravel Semana oto-rino-neuro-oculística, realisada sob a égíde da Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo, foi aprovada uma moção, pela qual "se indicasse aos poderes públicos, a necessidade de providenciar de modo a ser incluído em nossa legislação, o exame pré-nupcial e, de noivos ligados por laços de consanguinidade, como o mais eficaz meio de evitar o nascimento de indivíduos surdomudos".

E que me conste, nada foi feito.

(Depois de concluído este trabalho entretanto, no dia 19 do corrente, o preclaro Snr. Presidente da República promulgou uma lei que, incontestavelmente, vem marcar a aurora de uma nova era social, consagrando definitivamente a família e abrindo urna porta ampla ao exame pré-nupcial, obrigatório em certos e determinados casos. Já é uma esperança).

(Nota do Autor).



Temos estudado sucintamente as causas e as defesas da surdez congênita. Entremos no vasto capítulo da surdez adquirida.

Ainda aí, neste campo imenso da patologia, as providências profiláticas devem exercer unia influência decisiva, tanto mais eficazes quanto mais precocemente forem observadas. É da primeira infância que depende o futuro da decadência funcional do orgão auditivo, excetuando-se raras enfermidades, como a otoesclerose, que, seja dito de passagem, se desenvolve de preferência na puberdade, e baseia-se etiologicamente na disposição liereditária, segundo os recentes estudos constitucionais de Albrecht e Schwartz.

A idade pré-escolar é o centro para o qual devem convergir todos os esforços dos sanitaristas, pois é nela que se desenvolvem, preferencialmente, as causas determinantes de uma futura surdez, e é nela sómente, que com eficiência, a profilaxia produz os seus mais brilhantes resultados.

A profilaxia da surdez, já dizia Parrel, é o único tratamento que possuímos com honestidade e consciência. E este tratamento só é honesto e consciente, digo eu, quando êle se verifica nos primeiros anos da vida, porque depois, na idade escolar, já vamos encontrar a moléstia estabelecida em caráter definitivo. Eu vos falei de causas determinantes. Vejamos, pois, aquelas, pelo menos, que devem ser as mais responsabilisadas.

Comecemos pela mais simples.

O resfriado, de aparência inocente, é fator de alta percentagem na eclosão das otites. A obstrução nasal que ele determina, é o inimigo mortal do ouvido", como dizia Chavanne, e já Lermoyez, o velho mestre da escola franceza, propunha a equação de Coriza x irritação nasal = otite.

A otite, evoluindo muitas vezes de maneira subreptícia, acarreta um catarro da trompa de Eustáquio, que mal tratado no início, constitue o primeiro degráu, pelo qual progressivamente, vai o indivíduo subindo a escada da hipo-acusía.

A medicina contemporânea, que atravessa a fase sugestiva das vitaminas, como já tantas outras que caíram em desuso, oferece, na vitamina A, uma arma eficaz contra os catarros das vias aéreas superiores. É aproveitar enquanto é tempo.

Uma cousa existe, no entanto, que na grande maioria dos casos é a origem do mal. Eu quero-me referir á hipertrofia das amígdalas palatinas, e á presença das vegetações adenoides. Milhares de crianças tidas por desatentas ou imbecis, não são mais do que doentes, cuja capacidade de assimilação foi posta em inferioridade de condições, por uma deficiência auditiva provocada por aquelas afecções, e pela série de perturbações tróficas delas decorrentes. Gradenigo, o eminente otólogo italiano, assim se expressa sobre a profilaxia da surdez: "Tenete presente che ogni bambino portatore di ipertrofia della tonsilla faringea e delle lesione consecutive dell'orechio medio é un candidato alla sordità e per consequenza al sordomutismo e che tra gli allicoi degli Instituti dei Sordomutti si reconnobbe la esistenza perfino de 40 a 50% di adenoidei".

Entre 681 escolares, em plena atividade, que examinei em 1934, em diversos grupos escolares da Capital, afim de confeccionar uni trabalho apresentado ao 2.° Congresso Médico Paulista, encontrei 215 portadores de hipertrofia de amígdalas e vegetações adenoides, um terço aproximadamente sopre o número total de crianças examinadas. Não representará esta cifra enorme, um estado de deficiência orgânica, que poderia ser removido? Eu penso que sim; que esta deficiência é o fruto da alimentação defeituosa de nossos escolares, oriundos, em sua grande maioria, das classes operárias, que lutam com as mais sérias dificuldades. já em boa hora foi instituída a sôpa escolar. Porque não se cuida melhor do sério problema da nutrição da criança, fornecendo-lhe, por pequena remuneração ao seu alcance, uma alimentação sadia?

Nos escolares portadores de hipertrofia de amígdalas e vegetações adenoides, consultando ainda a nossa estatística, 37,5% apresentavam lesões auditivas, o que vem demonstrar claramente a evidente influência de uma sobre a outra.

O modo mais razoavel, portanto, de evitar-se esta grande percentagem de lesões auditivas, é, sem dúvida, fazer a extirpação das amígdalas e adenoides, em idade pré-escolar.

Estas operações não só são profiláticas, como muitas vezes exercem ação curativa sobre a surdez das crianças, por desobstrução do orifício faringeano da trompa de Eustáquio.

A Inspeção Medica Escolar, hoje grandemente ampliada, sob a direção magnifica do Dr. Figueira de Mello, de longe vem exercendo a sua benéfica influência neste sentido, fazendo operar, por uma equipe brilhante de oto-rino-laringologistas, um elevado número de escolares na Capital e no Interior.

Estes benefícios fizeram-se sentir antes mesmo de sua criação oficial, onde, em modestas instalações, no antigo Grupo Escolar Prudente de Moraes, devorado pelas chamas revolucionárias de 32, tive a honra de cooperar, ha cerca de vinte anos, com o seu fundador - o dr.Vieira de Mello - praticando em alta escala aquelas salutares operações.

Infelizmente, entretanto, ainda existem espíritos de abencerragem, e até mesmo na classe médica, que combatem estas operações de tão futurosos resultados, hoje, que a técnica moderna as colocou no gráu mais elevado da cirurgia contemporânea, já pela sua precisão, já pela sua eficiência, já pela sua elegância, como no caso da operação efetuada com o aparelho Sluder-cautérico de Alvaro Costa, brilhante especialista na Capital da República.

Não cabe nos moldes do nosso trabalho, discutir aqui a repisada questão das amígdalas. É sempre oportuno, entretanto, dizer com João Marinho - o professor emérito da Universidade do Rio de janeiro - que "ainda não se viu inconveniente na extirpação das amígdalas, mas sim na teimosia em conserva-las doentes". Está dito tudo, o bom senso do meio termo, que não chega ás raias do intervencionismo sistemático, nem às cautelas descabidas dos conservadores inveterados.

O que é fato inconteste, é que estas operações curam muitas vezes a surdez das crianças, e são o melhor meio de sua profilaxia.

Isto mesmo demonstram as impressionantes observações de Crowe e Baylor, dos Estados Unidos, após onze anos de exaustivos estudos, em laboratórios especialisados para pesquizar as causas e prevenir a surdez, na Universidade de John Hopkins. Estes notaveis experimentadores encontram com elevada frequencia, audição defeituosa dos sons altos e a audição perfeita dos graves, em grande número de crianças, examinadas com os mais modernos e precisos aparelhos de acumetria, o que se punha em contradição aos velhos princípios da Otologia, que só numa lesão nervosa explicariam aquele quadro acústico.

Consideravel número daquelas crianças recuperam a sua audição com a operação das amígdalas e adenoides. Entre outras, porém, em número menor, a audição não se modificou apezar das intervenções. Examinado, então, por meio de um faringoscópio, o naso faringe dessas crianças, constataram os citados autores, que, talvez por motivos de um processo vicariante, (e isto tambem se observa nos adultos), manifestava-se um estado de nasofaringite semelhante à faringe granulosa.

Em consequência da exuberância do tecido linfático, dentro e em volta do orifício faringeo da trompa de Eustáquio, esta obstrue-se, e desta oclusão parcial, resulta uma hipersecreção mucosa e consequente rebaixo auditivo, que pode caminhar até à surdez. Este ponto, porém, só é atingido após anos seguidos. A localisação daquela hipertrofia de tecido linfoide, angustiando o operculo tubário, não permite a sua extirpação cirúrgica sem prejuízo da trompa. Baseados, entretanto, em um trabalho de Heineke, de Leipzig, sobre a susceptibilidade maior às irradiações que apresenta o tecido linfático em relação ao epitélio adjacente, aos musculos e aos ossos, idearam ainda Crowe e Baylor um aparelho especial, com o qual levaram o radium àquela localisação precisa, destruindo assim, sem prejuízo do orifício tubário, o tecido que o asfixiava. Por este modo a audição das crianças póde ser salvaguardada, e aquelas que já são surdas, por obstrução tubárica, podem ser curadas.

Capítulo importante tambem, quando se fala em prevenir a surdez, é o das moléstias infecciosas, que assaltam a primeira infância e contribuem com elevada percentagem no seu aparecimento. O sarampo, a escarlatina e a gripe, são os que mais contribuem na etiologia da surdez. Quando o seu ataque é dirigido somente ao ouvido médio, a surdez é parcial; muitas vezes, porém, a sua ação nefasta faz-se sentir, por intermédio de suas terriveis toxinas, sobre o VIII par craneano, acarretando a nevrite do acústico e a surdez irremediavel. Segundo estatísticas americanas, pertencem ao sarampo 8% dos casos de surdez nas crianças, e 7% à gripe e à escarlatina.

As otites produzidas pelas duas primeiras deixam marcas inapagaveis, sequelas indeleveis - osteites crônicas da caixa e do labirinto. A difteria pode tambem produzir perturbações no orgão auditivo, mas via de regra, de carater transitório, a não ser quando as suas toxinas se fixam no nervo acústico, lesando-o.

Ao tifo tambem enquadra-se o que dissemos a respeito da difteria. As otites produzidas pelas febres eruptivas, (levem ser combatidas o mais urgentemente possível. A paracentese precoce, de que sempre fomos adeptos devotados, e da qual temos colhido, em nossos longos anos de clínica, os mais confortadores resultados, facilita a evolução da molestia, apressando a sua involução até a completa cura. É lógico e compreensivel, que a incisão linear provocada habilmente pela mão do cirurgião, e por onde a caixa do tímpano se desafoga, é mil vezes preferível à rebentação violenta da membrana, que se processa em margens irregulares, que muitas vezes jamais se reconstituirão. Aquele conceito de Neumann - o professor de renome mundial - que preferia fazer 99 paracenteses inuteis a deixar de fazer uma só com indicação precisa, diz bem alto, pela autoridade de sua experiência, da necessidade absoluta desta mínima operação auditiva. Mínima e máxima, atentai bem; mínima pela sua simplicidade, que a coloca ao alcance dos menos destros; máxima porque é dela que depende o futuro de uma lesão auditiva.

A profilaxia das moléstias infecciosas e febres eruptivas, faz-se hoje em S. Paulo de maneira perfeita. É entretanto necessário, para o resguardo do aparelho auditivo, essa maravilha das maravilhas como o chamou Leon Scott, que haja a colaboração sinérgica entre o clínico, ou melhor, entre o pediatra e o otologista. O exame repetido do ouvido é de obrigação no decurso das febres eruptivas se com tamanha intimidade, que otólogo e pediatra se confundem em suas atribuições, não conhecendo ambos este limite perfeito que se estabelece entre os demais ramos das ciências humanas. E assim sendo, ha ponto em que eles se encontram, "nos confins dá otologia e da pediatria" como disse Francisco Hartung, este brilhante especialista de S. Paulo, que, com o prestígio de sua incontestavel autoridade científica, creou a denominação de Pediatotria, lançada pela primeira vez no 1.º Congresso Sul Americano de oto-rino-laringologia reunido em Buenos Aires em Abril de 1940, para designar este campo de ninguem, onde as duas especialidades se conjugam.

Entre as causas provocadoras da surdez, ainda podemos catalogar as insuficiências respiratórias de pura origem nasal, desvios de septo, polipos, etc., que em nosso já citado trabalho, foram. encontractos em proporção de 3,30% ; assim como as causadas por infecções distantes, isto é, as infecções focais. Os traumatismos, quer mecânicos, quer sonoros, expõe o ouvido à graves desordens auditivas. Uns e outros oferecem vasto campo às mais interessantes e bizarras observações, que si o tempo nos permitisse, aqui relataríamos algumas. O ruído, a que estamos expostos nas grandes metropoles, maxime nesta gloriosa e barulhenta cidade de S. Paulo, póde acarretar pipo-acusía, pela irritação contínua dos elementos nobres do ouvido. Habermann notou atrofia do orgão de Corti, e, consequentemente do nervo acústico, em repetidos exames anatômicos procedidos em pessoas que viveram sob a ação prolongada de excitantes sonoros. Estas observações foram confirmadas por Bezold, Gradenigo, Wittmaack e outros. Só isso, si tambem o socego não fosse necessário ao sono reparador, que merecem os que mourejam na luta quotidiana, seria suficiente para impelir os legisladores afim de que se estabelecessem providências enérgicas sobre a Campanha contra o Ruído.

Na última legislatura da nossa Câmara Municipal, de saudosa memória, o então vereador Dr. Antonio Vicente de Azevedo, colega dos mais eminentes, muito propugnou pela Campanha do silêncio. As suas palavras, no entanto, não acharam eco. Ficou tudo no mais absoluto silêncio!

O vestuário pode influir sobre o ouvido. Um colarinho apertado, provocando hiperemia cerebral e do orgão auditivo, produz muitas vezes a transudação da caixa e consequente catarro tubo timpânico.

Passamos, em revista como vimos, atabalhoadamente é verdade, pois os assuntos precipitam-se, as causas etiológicas principais e mais comuns na deflagração da surdez, esta terrível afecção, que priva os seus infelizes portadores das emoções mais suaves da infância, as cantilenas queridas com que nos embalava a doçura de nossas mães.

Ainda compulsando a minha estatística, encontrei em S. Paulo entre escolares em perfeita saúde, 27% de sofredores do ouvido, isto é, 184 sobre 681, dos quais, entre outras afecções, que naquele trabalho estudei com minúcia de detalhes, 8% eram constituidos de pipo-acúsicos, divididos em 5% monóticos e 3% bilaterais. Estes portadores de dureza auditiva repartiam-se entre os que apresentavam otite média seca perfurada (2,2%), otites supuradas crônicas (4,8%), catarros tubários (2,2%) e outras afecções.

Os nossos exames consistiam, além do exame objetivo Oto-rino-laringológico, nas provas principais auditivas de Rinne, Weber e Schwabach, nos exames com os diapasões C, C1, C2, C3, C4 e no da voz conversada e murmurada a 10 metros, em ambiente adequado. Consideramos hipo-acúsicos os que só ouviam a voz cochichada, emitida com o ar residual, a menos de 5 metros.

A cifra percentual por nós encontrada, de 8%, é bastante animadora em comparação com as estatísticas européas. Sinão, vejamos:

No 3.° Congresso de Higiene Escolar reunido em Paris (1910), Gellé e Hennebert apresentam uma relação, onde resumiam as estatísticas de diversos países, da qual citamos os seguintes dados: Wei11, de Suttgard, examinou 5.905 crianças, entre as quais 30% eram hipo-acúsicas; Moure, de Bordéos, achou 1770 sobre 3.588 alunos; Bezold, de Munich, examinou 1.918, encontrando 20,75%.

Laubi relata 10,3% ; Sexton, 13%; Gellé e von Reichardt, um e outro, 22% ; Ostmann, 36% Nager 40,3% ; Ropke, de Solingen, anuncia 23,6% sobre 224 exames; Cronemberg, 44,1% sobre 236 discípulos; Hansberg, de Dortnund, 50% sobre 654; Eugène Felix 31% sobre 1.038 exames; Malherbe e Stackler indicam 36%, e enfim, Courtade, em Paris, acha 37,5%.

A nossa estatística de 8% global sobre 681 examinados, apesar de bem longe das citadas, poderá ser diminuída, no dia em que se fizer meticulosa profilaxia pré escolar, pois repito, na idade escolar, já vamos encontrar lesões bastante apreciaveis. Não é na escola primária que.encontramos o local propício para a prevenção da surdez. Ela, como já vimos, necessita vir de longe, e, si quizermos fazer obra de algum aproveitamento, somos obrigados a descer ao jardim da Infância. Porque não adaptar em cada Grupo Escolar, um jardim da Infância?

As estatísticas que apresentamos dão-nos urna nítida idéia da elevada frequência da surdez entre os escolares. A idade vai aumentando de tal maneira o mal, que, segundo Ranjard, não se póde considerar exagerada a opinião de Von Troltsch, que pretendia encontrar, entre 3 indivíduos de 20 a 50 anos de idade, um surdo, pelo menos de um ouvido.

E que extraordinária influência exerce este orgão, que é com certeza a obra prima da natureza humana, sobre a vida íntima do homem! O ouvido é, na opinião de Nager, de Zurich, a parte mais importante para o desenvolvimento do homem. A palavra, pela qual o pensamento humano - este mundo errante no infinito, no verso de Vitor Hugo - exteriorisa-se, é o fruto dirão da audição. E graças ao ouvido, esse finissimo aparelho receptor da palavra - a criança, antes de frequentar a escola, pela sua adaptação com o ambiente, recolhe os mais variados ensinamentos. E do ouvido ainda, depende a sua formação escolar. Considerae a condição de inferioridade, em que se coloca uma criança, que não pode acompanhar com as outras as explicações do mestre. Que drama doloroso começa a se esboçar nessa alma infantil, onde a alegria se transmuda em teceio, aalacridade transforma-se em desconfiança. Procuremos salvaguardar a espécie humana da surdez, esta noite intérmina do silêncio, e para isso estabelecemos as rotas seguras para prevenir essa dolorosa afecção. Resumindo podemos, pois, condicionar a profilaxia da surdez nos seguintes itens:

1) Profilaxia pré-concepcional.
2) Higiene da infância,
3) Defeza contra os resfriados e moléstias eruptivas e infecciosas.
4) Cuidados necessários com a boca e tratamento precoce das moléstias do ouvido, nariz e garganta.
5) Resguardo do ouvido contra traumatismos mecânicos ou sonoros.
6) Remoção de fócos infecciosos.

São estas, Snrs., as diretrizes a seguir para alcançármos o fim colimado pela nossa modesta contribuição. Os poderes públicos trabalham ativamente neste sentido; é necessário, porém, ir mais adiante.

E de uso corrente, Snrs. Congressistas, ouvir-se a expressão sonora, que a criança constitue o futuro da pátria. Não consintamos que esta denominação, seja unia pura e simples figura de retórica. Façamos do infante o centro para o qual se convirjam todas as forças vitais de nossa energia, afim de que ele - com a colaboração da mãe, do médico e do educador - venha a constituir anais tarde o cidadão util à Patria, de quem depende no futuro "a potência militar, a potência espiritual e a potência reprodutiva da raça".

Abril de 1941




(1) - Trabalho apresentada ao 1.° Congresso Brasileiro de Saúde Escolar reunido em São Paulo a 23-4-941.
(2) - (Oto-rino-laringologista da Sta. Casa de S. Paulo)

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