Versão Inglês

Ano:  1941  Vol. 9   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Notas Clínicas

Páginas: 397 a 402

 

ACIDENTE TARDIO NA OPERAÇÃO DE ERMIRO DE LIMA (1)

Autor(es): DR. ANTONIO QUEIROZ MUNIZ (2)

CLINICA OTO-RINO-LARINGOLOGICA DA FACULDADE DE MEDICINA DA BAIA

A observação clinica, que motivou a feitura do presente trabalho, será sem duvida alguma, assunto que, despertará à atenção dos que, como nós, constituiu a mesma surpreza, aliás não muito agradavel.

Na literatura especializada, que nos foi possível consultar, nada encontramos de referencia a hemorragias tardias em intervenções nas cavidades para-nasais, parecendo assim, ser a presente, a primeira a ter registro.

A etmoidectomia trans-maxilar de Ermiro de Lima, é sem duvida alguma, uma das grandes conquistas na cirurgia do etmoide, a qual além de evitar as intervenções endo-nasais, onde era a mucosa desrespeitada, poupa ao cirurgião o desprazer de mutilar uma fisionomia, com uma cicatriz desgraciosa, como as mais das vezes soe acontecer nas intervenções por via externa.

Além de mais, tem ele, a grande vantagem, de atuarmos sobre o etmoide através o seio maxilar, porque como sabemos, não é possivel a integridade desta cavidade com um etmoide doente. Aqui afirmamos com a nossa estatistica, nunca encontramos um seio maxilar perfeito todas as vezes que, praticamos uma etmoidectomia à Ermiro de Lima.

Para praticarmos a intervenção de Ermiro de Lima, mistér se faz que, tenhamos bom conhecimento anatomico da região, sem o que é impossivel a precisão nos pontos de reparo, fator principal para que se a execute sem acidentes.

Antes de abordarmos o acidente em apreço, precisamos por em evidencia alguns tempos mais importantes da trans-maxilar, para que melhormente possamos justificar o que adiante iremos afirmar.

Nada diremos sobre o tempo maxilar, por ser bastante conhecido de todos na intervenção de Caldwell-Luc. O tempo etmoidal é que penso não estar bem vulgarisado entre nós, razão pela qual faremos algumas considerações em torno do mesmo. Para melhor evidenciarmos o valôr do conhecimento preciso dos reparos anatomicos no tempo etmoidal, citaremos a opinião de Raugé.

"Nada mais importante, nada de mais complicado que esta zona circunscrita, onde parecem se acumular, com as minudencias anatomicas, todas as dificuldades descritas da região". Apreciaremos em linhas gerais os dois primeiros tempos da intervenção por serem os que estão mais ligados à apreciação do acidente.

1.º tempo etmoidal: Ao nivel do angulo supero-interno do seio maxilar, à altura do ostio maxilar e ao bordo da fossêta oval de Fiol, fazemos uma abertura horizontal com auxilio da pinça de Struycken, dirigindo a abertura para traz até o nivel da parte posterior do seio e para diante até o angulo antero-supero-mediano onde praticamos a resecção da base da apofise unciforme.

Ao nivel da cauda do cartucho medio devemos evitar descer muito com a abertura, afim de nos distanciarmos o mais possivel do tronco esfeno-palatino.

2.° tempo: Executado o primeiro tempo, estamos de caminho aberto para a curetagem da bula etmoidal e assim com os cuidados devidos chegarmos ao teto do etmoide e para fora o osso plano. Pontos essenciais para uma intervenção precisa e sem tropeços.

Eis a observação:

T. L., com 29 anos, solteira, baiana, residente nesta Capital. Internada no serviço da C.O.R.L. em 12 de Março de 1941.

Foi operada em 15 de Março, por ser portadora de sinusite maxilo-etmoidal dupla, tendo sido feita a intervenção de Ermiro de Lima do lado direito, correndo a operação e post-operatório normalmente.

Foi praticado o exame da coagulação, sanguínea e tempo de sangramento, sendo que o primeiro acusou o tempo de 6 minutos e o segundo 3 minutos.

Em virtude de crises hepatica e anexiais que se manifestaram em periodos que marcavamos a intervenção do lado esquerdo, tivemos que esperar três meses, para que podessemos efetuar o que desejavamos, o que foi feito em dias de junho próximo passado.

O ato operatório correu sem o menor embaraço. O post-operatório bem até o 7.° dia, quando ocorreu o acidente - hemorragia profusa.

Ao chegarmos ao serviço tivemos a noticia de que a nossa operada F. L. fora acometida pela madrugada de uma fortissima hemorragia, a qual apesar da medicação feita - Gluconato de calcio a 10 % na veia - continuava a perder sangue. Sem perda de tempo removemo-la para a sala de operações, onde antes de apelarmos para o tamponamento, empregamos todos os meios clínicos possíveis - arhemapectol oral 40 c.c., arhemopectol injectavel 10 c.c., hemostasen 5 c.c., soro fisiologico 500 grs. esperamos pelo espaço de 2 horas, sem que conseguíssemos o nosso intento.

Diante disto, resolvemos com o auxilio do Dr. David Bastos, abrir o seio maxilar, o que foi feito com uma ligeira infiltração anestesica nas margens da incisão operatória.

Desbridadas as partes moles, caímos em plena luz do seio maxilar, onde havia pequeno depósito de coagulos.

Da abertura etmoidal descia um fio de sangue constante e em toda à cavidade etmoidal havia coagulo sanguíneos. Fizemos uma limpeza do seio e do etmoide, e em seguida tamponamos cerradamente o etmoide e o seio maxilar com gaze iodoformada de 2 cmts. de largura, só assim conseguimos debelar à hemorragia.

Decorridas 48 horas retiramos a mecha de gaze sem o menor acidente. Nos dias que se seguiram à expoliação sanguínea, fizemos soro glicosado 250 grs, diariamente peio espaço de 5 dias. Como medicação de carencia - vitaminas K, B e C, ao lado de uma terapeutiea enérgica para o fígado - extrato hepatico injetavel e boldo-jurabeba "per os".

A nossa doente teve alta curada em 30 de julho próximo passado.

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO NOSSO CASO

Ao que se nos afigura,, julgamos que, a hemorragia não teve como fator uma lesão vascular por causa mecanica.

Pelo enunciado linhas acima, vimos que a paciente era uma hepatica cronica e com um processo anexial, tendo passado no hospital entre a primeira intervenção e a segunda o periodo de 90 dias em virtude de crises anexiais que impossibilitavam à intervenção.

Estamos inclinados à admitir, e com muita probabilidade de certeza, de estarmos em presença de uma sindrome hemorragica, na dependencia de fatores condicionados a insuficiencia hepatica e condições que a ela se vieram unir, correlata a uma alimentação deficiente.

Em primeiro lugar, no caso em questão, temos que levar em conta, a insuficiencia hepatica, como sendo a responsavel pelas perturbações na esfera da coagulação sanguínea e no trofismo vascular.

Sabemos que, o figado dentre as suas multiplas funções é o produtor de fibrinogenio, elemento de grande relevancia no complexo mecanismo da coagulação sanguínea. O fibrinogenio que se encontra normalmente dissolvido no plasma sanguíneo, é sob à ação da trombina transformado em fibrina, que irá formar o coagulo sanguíneo, auxiliado ainda pela ação das celulas das paredes vasculares. A trombina não existe dissolvida no sôro sanguíneo, mais sim, sob a forma de pro-trombina, a qual nela se transforma sob a influencia dos sais de calcio no sangue e de um produto elaborado pelos trombocitos - a tromboquinase.

Além da sua função na coagulação produzindo a tromboquinase, têm as plaquêtas a função de aglutinar, indo constituir a rolha obturadora no mecanismo da hemostasia. Daí poderemos tirar conclusões bem logicas de que a insuficiencia hepatica poderá ter acarretado uma perturbação acentuada na elaboração do fibrinogenio, constituindo assim um dos fatores no desenrolar da hemorragia em questão.

Ao lado desta perturbação no ambito da coagulação, não nos devemos esquecer de que, em diateses hemorragicas, os estudos de Aschoff e Koch, vieram evidenciar que o afrouxamento do cimento inter-celular do endotelio vascular é o responsavel pelas hemorragias na dependencia de uma avitaminose. Em apoio as idéias de Aschoff e Koch, aí estão os modernissimos estudos de Castex e outros, onde estudando varios doentes com alterações vasculares notaram que num grande numero deles existia um deficit de vitamina A. Sabemos que, o organismo humano não pode sintetisar a vitamina A, ou a recebe diretamente em alimentos como o leite, manteiga, ovos, etc., ou sob a forma de uma provitamina - o caroteno - a qual é encontrada nas verduras. O caroteno assim veiculado nos vegetais é transformado no figado em vitamina A sob a interferencia de um fermento - a carotinase.

Como vimos, a doente em apreço teve um prazo forçado entre uma intervenção e outra, e por conseguinte uma permanencia de 90 dias hospitalares, com um periodo de subalimentação (valor vitaminico) condicionado ao estado hepatico, como tambem em se tratando de um estabelecimento de caridade, onde não é possivel uma alimentação completa neste sentido.

Assim estamos vendo que ao lado da perturbação fribrinogenica, temos na dependencia da insuficiencia hepatica, o comprometimento do metabolismo da vitamina A, não só porque á alimentação da doente era pobre em tal vitamina, como tambem era insuficiente o figado para transformar o caroteno existente em reserva no individuo normal, quando houvesse desaparecido a vitamina A.

Os estudos de Glanzemann em 1931, evidenciaram que, uma alimentação pobre em vitamina A, produz no homem e no rato uma diminuição acentuada dos trombocitos.

Ainda como fator preponderante na hemorragia, julgamos o figado, pela perturbação do metabolismo da vitamina K, que pelos estudos modernos, é a mesma necessaria na sintese da protrombina a qual é elaborada em grande parte pela celula hepatica, elemento em torno do qual gira todo mecanismo da coagulação sanguinea.

Pelas experiencias de Stanley-Brown e Brancroft, Butt, Snell, etc., ficou demonstrado que a vitamina K, provinda da alimentação é absorvida no intestino, necessitando para tal a presença de bilis.

Estamos a ver que ao lado do metabolismo vitaminico prejudicado pelo mau funcionamento hepatico, temos o mesmo metabolismo prejudicado para não dizer abolido em virtude de uma alimentação defeituosa.

Ainda na dependencia de carencia alimentar, tivemos certamente perturbado o metabolismo da vitamina C, a vitamina do trofismo vascular, de real valor no auxilio a vitamina K. Nesta mesma crise, com certeza foi tambem abolida a vitamina P, a vitamina da permeabilidade vascular de Szent-Gyorgi o sintetizados da vitamina C.

CONCLUSÕES

l.° - Ao nosso ver a hemorragia processou-se na dependencia de uma insuficiencia hepatica.

2.° - Com uma alimentação deficiente e um fígado insuficiente, houve um grande embaraço no metabolismo das vitaminas A, K, C e P.

3.° - Perturbação no metabolismo vitaminico, refletindo-se principalmente na produção de pro-trombina, acarretando uma insuficiencia na coagulação, e ainda sobre o trofismo vascular.

4.° - As hemorragias cutaneas em placas em todo o trajeto da jugular externa e face lateral do pescoço e em pontos do hemi-torax esquerdo, falam em favor de uma síndrome hemorragica, refletindo por conseguinte um desequilibrio vascular e sanguíneo.

5.° - Acidente remediavel por todo aquele que estiver familiarisado com a cirurgia maxilo facial

BIBLIOGRAFIA

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JOSE' GUILHERME WHITAKER - Hemorragias post-tonsilectomias - Revista Brasil. de O.R.L. Page. 3 a 5 - Janeiro-Fevereiro 1941.
JOSE' GUILHERME WHITAKER - Vitaminas em oto-rino-laringologia - Revista Brasil de O.R.L. Pag. 87 e 88.
JOAO SUASSUNA FILHO - A vitamina K em face da oto-rino-laringologia Revista Brasil. de O.R.L. Pag. 143 a 144 - Março-Abril de 1941.
A. INACIO DE MENEZES - O antro maxilar - Pag. 73 - Baía 1920.
DUTRA DE OLIVEIRA - Vitaminas e aminoacidos - São Paulo 1941 - Pg. 255.




(1) Trabalho apresentado em sessão da Sociedade Oftalmologia e Oto-Rino da Baía, em 6-8-1941.
(2) Assistente da Clinica.

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