Ano: 1941 Vol. 9 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (2º)
Seção: Trabalhos Originais
Páginas: 330 a 360
VALOR SEMIÓTICO DA PROVA DOS BRAÇOS ESTENDIDOS (*) - Parte 2
Autor(es): DR. OSWALDO LANGE (**)
CAPITULO II
A PROVA DOS BRAÇOS ESTENDIDOS NA FISIO-PATOLOGIA DO SISTEMA LABIRINTICO
De maneira geral, quando um paciente é submetido a uma excitação labiríntica, quer se trate de uma excitação artificial como a que é produzida pelas provas calóricas, rotatória e galvânicas, ou de uma excitação patológica espontanea, nota-se o aparecimento de reações tônicas que se manifestam principalmente para o lado da musculatura dos olhos, do tronco e dos membros superiores. Estas modificações tônicas são parcelas de uma reação geral, tendente ao reforço dos musculos sugeitos ao controle do labirinto excitado.
Nos olhos, o reflexo é mais perceptível porque dá lugar a contrações rítmicas compensadoras de ordem cortical que constituem a componente rapida do nistagmo vestibular. No tronco e nos membros superiores - principalmente quando estes estão estendidos horizontalmente para a frente - ha um desvio tônico que, tal seja sua intensidade, pode produzir a queda do paciente.
A particularidade principal de todos os movimentos tônicos reacionais que se passam para o lado do tronco e dos membros superiores reside em que eles se fazem sempre para o mesmo lado que a componente lenta do nistagmo. Em outras palavras, as reações tônicas dos membros superiores - unicas que nos interessam neste estudo - se fazem de sorte a produzir um desvio destes membros para o lado oposto àquele que dá sentido ao nistagmo; si este bate para a direita, por exemplo, o desvio dos braços estendidos se fará para a esquerda, e vice-versa.
Para melhor entendimento, recordaremos alguns pormenores da anatomo-fisio-patologia do sistema vestibular. O labirinto posterior ou aparelho vestibular, orgão principal das reações tônicas que regem o equilíbrio do homem no espaço, compreende, essencialmente, os três canais semi-circulares - orientados segundo os planos principais nos quais se movimenta o corpo (horizontal, sagital e frontal) - dispostos ao redor de duas formações amputares - a sacula e a utricula; todos estes orgãos são revestidos interiormente de epitelio que em certos pontos se diferencía pela inclusão de elementos sensitivo-sensoriais.
Nos canais semi-circulares esta diferenciação se faz na parte ampular, juntando-se os elementos diferenciados em formações especiais denominadas cristas amputares, cujo epitelio ciliado é excitado pelos deslocamentos do líquido endolinfatico. Na sacula e na utricula, este epitelio diferenciado é excitado principalmente pela pressão ou distenção exercidas pelos otolitos: os otolitos das saculas denominam-se "sagittae", sendo "lapilli" a denominação daqueles encontrados nas utriculas. Os deslocamentos destes otolitos, que se fazem desde que a posição da cabeça se modifique em relação ao tronco, produzem reações tônicas especificas nos musculos flexores, estensores e elevadores (lapilli) e, tambem, nos adutores e abdutores (sagittae).
Os deslocamentos do liquido endolinfatico no interior dos canais semi-circulares, tambem produzem reações tônicas especificas. Estas reações serão variaveis conforme o plano do canal excitado, ou melhor, mais excitado, porque, evidentemente, por melhores que sejam as posições da cabeça, é praticamente impossível colocá-los, experimentalmente, em posição tal que não se produzam, associadamente, deslocamentos líquidos no interior dos outros canais.
Por outro lado, os canais semi-circulares não têm uma orientação perfeitamente horizontal, frontal e sagital em relação à cabeça e sim em relação ao eixo do rochedo; como o eixo deste osso sofre, no decurso da evolução cento e filogenetica, uma angulação em relação ao eixo fronto-occipítal, resulta que, realmente, os canais semi-circulares tem uma orientação ligeiramente angular em relação ao plano ideal considerado. Assim, o canal horizontal forma, com o plano horizontal, um angulo de 30° aberto para a frente; resulta que, quando se intenta excitar este canal (prova rotatória), deve-se pôr a cabeça do doente com inclinação de 30° para a frente. O que fica dito para o canal horizontal, tambem pode ser repetido, mutatis mutandi, em relação aos outros canais. Daí as posições especiais da cabeça, indicadas por varios pesquizadores (Bárany, Bruenings, Kobrack), para as excitações que devem visar, isoladamente, este ou aquele canal semi-circular; as posições da cabeça deverão variar não somente em relação ao canal que se quer excitar, mas tambem em relação ao tipo de excitante que se quer empregar.
Esta especificidade da excitação, no entanto, é, principalmente para os canais frontal e sagital, mais teorica do que real; estes dois canais, em virtude do desvio fisiológico do eixo do rochedo, apresentam um paralelismo paradoxal (o canal frontal de um lado é paralelo ao canal sagital do lado oposto) do que resulta a impossibilidade de, ao menos em certas provas (rotatória e galvanica) isolar, tão somente pela mudança da posição da cabeça do doente, os reflexos tônicos originados no canal frontal de um lado daqueles que nascem no canal sagital do lado oposto.
Deixemos, porem, para os oto-neurologistas estas complicações técnicas relativas ao modus faciendi das provas que pesquizam a sanidade dos varios segmentos do aparelho vestibular; essas provas, de uso corrente em oto-neurologia, são de técnica relativamente facil. Parte técnica e esquemas da interpretação de seus resultados foram magnificamente compendiados no ótimo livro de Baldenweck (7).
Tendo ficado estabelecido, em paginas anteriores, que as modalidades da prova dos membros superiores estendidos a serem vistas neste trabalho, se referiam exclusivamente aquelas em que o paciente não sofre deslocamentos da cabeça, é evidente que só interessa, aqui, a fisiologia dos canais semi-circulares horizontais. Para a excitação experimental destes canais utilisam os otologistas duas posições principais: na prova rotatoria, a cabeça do doente deve estar ante-fletida formando angulo de 30° com a horizontal e fixa de modo a não sofrer inclinações laterais; para a prova calorica, a cabeça deve estar em retro-flexão de 60.° (1.ª posição de Bruenings).
Nos canais semi-circulares horizontais, o deslocamento do líquido endolinfatico determina sempre, como fenómeno primitivo, uma excitação do orgão sensitivo-sensorial ampular, excitação esta que se traduz sob o ponto de vista clínico, por desvios tônicos que se fazem no mesmo sentido que a corrente endolinfatica. Si esta se faz, no ouvido direito, por exemplo, da direita para a esquerda, os reflexos tônicos se manifestam tendentes, tambem, ao desvio para a esquerda; nestas condições, desviam-se os olhos, o tronco e os braços para o lado esquerdo. Nos olhos, ha uma reação compensadora, provavelmente de origem cortical, que tenta repôr os globos oculares em sua posição primitiva, mercê de contrações clônicas bruscas e rítmicas; é o nistagmo que, como é obvio, baterá para o lado oposto ao do desvio tônico de origem vestibular; assim, quando houver desvio tônico para a esquerda, o nistagmo baterá para a direita. Nos membros e no tronco, tal seja a intensidade da excitação e si concomitantemente não houver correção volicional, o desvio tônico pôde determinar a queda do paciente (vide figuras 8 e 9).
FIG. 8
Figura representando as reações labirínticas normais. A produção experimental (provas calóricas, rotatória) de uma corrente endo-linfatica da esquerda para a direita, produz reações tônicas repuxando os olhos, a cabeça, os membros superiores (desvio do index) e o tronco (quéda), tudo para a direita. Nos olhos, a reação compensadora cortical, gera o nistagmo para a esquerda (vide figura 9). (Aproveitado de P. Cossa - Physio-patologie du systéme nerveux - Paris - Masson - 1 vol. - 1937).
FIG. 9
Esquemas para explicar a reação tônica ocular (desvio lento) provocada na mesma direção que a corrente endo-linfatica (A), e, em B, a origem da reação compensadora cortical que gera o nistagmo batendo para o lado oposto.
(Reproduzido de P. Cossa - Physio-patologie du systéme nerveux - Paria - Masson - 1 vol. - 1937).
Estas reações tônicas podem ser provocadas ou espontaneas. Provocadas quando, no homem normal se praticam as provas rotatória, calórica ou galvânica. Espontaneas, quando produzidas por uma lesão do sistema vestibular: si a lesão for irritante e unilateral (face inicial das labirintites agudas), haverá hiperexcitabilidade labiríntica desse lado e, consequentemente, reações tônicas com desvio para o lado oposto (lado são) ; si a lesão for destrutiva (labirintites agudas, nevrites do vestibular), o déficit vestibular acarretará a preponderancia da ação do labirínto do lado oposto e as reações tônicas se processarão para o lado lesado. Em outras palavras e exemplificando: a irritação do labirinto direito produz desvios tônicos para a esquerda, ao passo que as lesões destrutivas desse labirinto ou de suas vias, produzem desvios tônicos para o lado direito.
As provas otológicas para exame do aparelho vestibular visam, em última análise, produzir momentaneamente o mesmo desequilíbrio das funções tônicas vestibulares: tanto na prova rotatória, como na calórica, o que se produz é um deslocamento do líquido endolinfatico - ampulópeto ou ampulófugo - o qual excita as cristas ampulares, excitação esta que é a causa determinante das reações tônicas; nas provas experimentais (e esta afirmativa vale apenas para os canais semi-circulares horizontais, unicos que interessam aqui), os desvios tônicos se fazem na direção da corrente endolinfatica (1.ª lei de Ewald).
Evidentemente, não cabe estudar,aqui, os desvios tônicos provocados pelas provas experimentais seja calórica, voltaica ou rotatória; elas pertencem ao domínio do otologista. Embora o neurologista as deva conhecer e saber interpretar seus resultados, elas não reterão a nossa atenção, reservada para os desvios espontaneos. São as causas dos desvios espontaneos dos braços estendidos, encontraveis na patologia neurológica, que constituem a cogitação principal deste trabalho. O mais vem sendo dito, a título de adendo, para melhor entendimento.
As reações tônicas labirínticas têm representação clínica, repetimos, nos desvios corporais e na tendencia à queda. Si mandarmos o paciente estender horizontalmente seus membros superiores, os braços sofrerão um desvio paralelo, facilmente perceptivel, mórmente se a prova for precedida de fechamento dos olhos, o que impede a correção volicional que o doente inevitavelmente tentará.
Será preciso não esquecer que os abalos nistágmicos que, nessas circunstâncias, surgem nos olhos, sendo resultantes de uma reação compensadora (cortical ou sub-cortical), se processarão em direção contraria à do desvio dos membros superiores; nos pacientes portadores de lesão do sistema vestibular ou de suas vias de conexão com o sistema nervoso central, si os braços desviam para a esquerda, por exemplo, o nistagmo baterá para a direita. O mesmo ocorre com a vertigem que, via de regra, surge nas lesões ou nas excitações labirinticas experimentais; sendo uma sensação subjetiva de tipo cortical e portanto cruzada, a vertigem se manifestará dando ao indivíduo a impressão de que ele vai cair para o lado oposto àquele em cuja direção seu corpo e seus membros são desviados.
...Baseiam-se nestes princípios gerais as aplicações da prova dos braços estendidos em oto-neurologia. Ela poderá ser praticada segundo duas modalidades técnicas. Na primeira, o doente de olhos vendados, conservará os dois membros superiores estendidos horizontalmente, em plano perpendicular ao do tronco e paralelos entre si: é a prova dos braços estendidos propriamente dita. Si houver alteração patológica do sistema vestibular, principalmente lesões que atinjam o canal semi-circular horizontal, logo os braços entrarão a desviar-se para um dos lados. Si a lesão é irritativa, o desvio se fará para o lado oposto; si, ao contrário, a lesão tiver carater destrutivo, a reação tônica predominante do labirinto são, determinará o desvio para o lado homologo ao lesado.
A outra modalidade constitue a chamada prova da indicação de Bárany. O doente, de olhos vendados, será convidado a tocar, com a ponta do dedo indicador, uma mira colocada pelo observador em sua frente e no plano horizontal passando por seus ombros. O movimento será executado com pontos de partida diversos: de cima para baixo, de baixo para cima, dos lados para o plano mediano. Como na prova anterior, aqui tambem. poderá haver desvios tônicos que se traduzirão por erros na indicação. O movimento poderá ser repetido varias vezes, em continuo vae e vem, tendo o observador o cuidado de deslocar sempre a mira, para que o doente não tenha informações subjetivas sobre o erro na indicação. Agindo assim, muitas vezes o desvio aumentará progressivamente (vide figuras 16 a 19).
Em recente estudo, Arslan e Majer, se referem, abundantemente à identidade entre as duas provas acima mencionadas. São deles estas palavras textuais: "Non vi sono differenze fondamentali tra le due prove se non nel fatto che in quella dell'indicazione, l'assimetria tônica viene "dimostrata" attraverso una contrazione muscolare volontaria (Wodak), la quale non agisce nè sensibilizzando, cioé determinando un aumento del fenomeno, nè inibendo l'assimetria ma piuttosto determina, e non in tutti i casi, una deformazione dell'assimetria stessa. In questi ultimi tempi, oltre ad identificarne i meccanismi d'azione, vari AA. si sono adoperati a dimostrar el medesimo valore semeiotico e clinico (Camis, Barré (1926), M. J. Fischer, ed altri). Secondo M. H. Fischer anzi, che in collaborazione con Wodak esegui in argomento una lunga serie di ricerche di carattere fisiologico, la deviazione delle braccia tese costituisce una prova esatta e piu semplice, come quella che mette piu direttamente in evidenza, senza l'intervento di fattori psichici e corticali, la variazione del tono muscolare. Wodak, che pur alla prova dell'indicazione ha dedicato un lungo studio, lo ritiene un reattivo meno sensibile della prova della deviazone, d'accordo in questo anche con Bárany" (11).
Em ambas as formas, repetimos, o erro de indicação ou ó desvio paralelo dos braços estendidos são reações distônicas, parcelas de uma reação tônica desequilibrada e generalisada. Espontâneos ou provocados experimentalmente, os desvios tônicos dos membros superiores são acompanhados de desvio do tronco com tendencia à queda e de desvios lentos dos olhos, estes últimos com a reação compensadora constituiria pelo nistagmo.
Este conjunto, acompanhado da sensação subjetiva de vertigem, constitue a representação clinico-neurológica de alterações do sistema vestibular, seja na sua aparelhagem periférica de recepção ou nas vias condutoras de suas incitações sensitivo-sensoriais até o neuro-eixo. A harmonia deste conjunto de reações é apanagio de lesões do sistema vestibular periférico. Mesmo quando provocada pelas provas experimentais - sejam calóricas, voltáicas ou rotatórias - a resposta tônica tem, nos síndromos vestibulares. periféricos este caráter harmonico processando-se os desvios, todos no mesmo sentido e com igual intensidade e proporcionalidade. Nas lesões destrutivas, evidentemente, não haverá resposta alguma: ainda quando ausentes, e porque todas as respostas não se deem, o síndromo vestibular periférico é harmônico. Realmente, é muito difícil conceber a possibilidade de uma lesão isolada de um dos canais semi-circulares ou dos sistemas otolíticos em um conjunto tão delicado e intercomunicante como é o sistema vestibular. Mesmo as lesões do nervo vestibular não têm carater parcelado.
Não se dá o mesmo nos sindromos vestibulares, centrais. A desharmonia sindrômica encontra nestes casos é explicada pelas intrincadas conexões das vias vestibulares centrais, pela complexidade, funcional e anatomica, dos nucleos vestibulares bulbo-protuberanciais e pelo fato de que, no neuro-eixo, se dissociam as fibras emanadas dos varios segmentos do sistema tibular. Recordemos alguns destes detalhes.
Chegado ao sulco bulbo-protuberancial, o nervo vestibular divide-se em varios feixes de terminação, que se articulam com as celulas dos nucleos de Deiters, de Roller, triangular e de Bechterew, dos quais partirão as conexões centrais vestibulares. Destas, um primeiro contingente é constituido pelas fibras ascendentes que, juntando-se à fita longitudinal posterior vão se terminar nos nucleos oculo-motores do motor ocular comum, do patético e do motor ocular externo: é por este sistema vestíbulo-mesencefálico, originado exclusivamente no nucleo de Bechterew segundo alguns pesquizadores, que transitam os estimulos vestibulares determinantes dos desvios lentos e conjugados dos olhos. Outro contingente importante é constituido por fibras descendentes vestibulo-espinhais que, partindo principalmente do núcleo de Deiters, vão se articular com as celulas das pontas anteriores da medula; por estas fibras transitam os impulsos tonígenos de origem vestibular para o tronco e para os membros. Conexões importantes mantem os núcleos vestibulares com os núcleos do teto do cerebelo, por intermédio do cerebelo, os núcleos vestibulares mantem conexão indireta com a córtex cerebral (zona pré-motora segundo Delmas-Marsalet, zona temporal segundo Spiegel), graças a uma via cerebelo-denteado-rubro-talamo-cortical (figura 10).
FIG. 10
Esquema das conexões centrais dos nucleos vestibulares.
NB - nucleo de Bechterew; D - nucleo de Deiters; N.D.S. - nucleos de Roller; BLP - bandeleta longitudinal posterior; F. R. - fita de Reil; F.P. - feixe piramidal; N.T. - nucleos do této do cerebelo; III, IV e VI, nucleos motores oculares.
Apud Lhermitte, Masquin e Trelles - Précis d'anatomo-physiologie normale et pathologique du systérne nerveux - Paris - Masson - I vol. - 1937.
Segundo os autores americanos que acompanham o modo de pensar de Jones (9), as vias vestibulares centrais teriam um trajeto ainda mais complicado, mercê da sub-divisão das fibras vestibulares em dois ramos distintos: um feixe condutor dos estimulos partidos do canal semi-circular horizontal e, outro, veiculador dos estimulos oriundos dos canais semi-circulares posteriores (frontal e sagital). O feixe proveniente do canal horizontal, chegado ao bulbo raquidiano, subdividir-se-ia em dois ramos, um dirigindo-se para a parte média afim de, misturando-se com a fita longitudinal, ascender até os nucleos óculo-motores; outro encaminhando-se, pelo pedunculo cerebeloso inferior, para os nucleos cerebelares. O feixe dos canais semi-circulares posteriores, chegado ao bulbo, tomaria logo direção ascendente e, ao nivel da protuberancia, dividir-se-ia, tambem, em dois ramos, um para o cerebelo, outro para os nucleos oculo-motores (vide figura 11 ).
FIG. 11
Esquema das vias vestibulares centrais segundo Isaac Jones (vide explicações no texto).
Apud J. Jones - "Equilibrium and Vertigo - 1 vol. Baltimore - 1918.
Compreende-se facilmente o grande alcance do esquema proposto por Jones, si ele puder ser confirmado integralmente pela anatomo-histologia. Jones o ideou baseado na observação clínica, seguida do exame anatomo-patologico, de varios doentes com lesões vestibulares centrais. Segundo este esquema, de grande importancia para os oto-neurologístas pois permite diagnósticos topográficos muito precisos, as lesões bulbares determinariam o desaparecimento ou a perversão das reações espontaneas ou provocadas dependentes dos canais semi-circulares horizontais. Ainda mais, si a lesão bulbar for postero-lateral, serão perturbados somente os efeitos tônicos deste canal sobre os membros (lesão da via deitero-espinhal), ao passo que as lesões postero-medianas determinariam disturbios para o lado dos reforços tônicos oculares (lesão da bandeleta longitudinal posterior em sua porção bulbar); si a lesão atingir o corpo restiforme ou o pedunculo cerebeloso inferior, ficarão interrompidas as vias vestibulo-cerebelotalamo-corticais referentes aos canais horizontais e o resultado será a ausencia do elemento vertigem: nas lesões bulbares com tal localização, praticadas as provas otológicas, o doente apresentaria nistagmo, desvios dos braços estendidos e tendencia à queda mas não acusaria vertigem.
Os mesmos resultados, mutatis mutandi, serão obtidos em relação às funções dos canais postero-verticais si a lesão for protuberancial; evidentemente, a localização na protuberancia, mais anterior, mais postero-mediana ou mais lateral daria as mesmas dissociações que nos sindromos vestibulares centrais de origem bulbar. As lesões protuberanciais dariam, tambem, sindromos vestibulares não harmônicos: comprometida a bandeleta longitudinal posterior, não se daria o desvio tônico para o lado dos olhos; lesado o contingente vestibulo-espinhal, não se processaria mais o desvio dos membros superiores e do tronco; lesado o pedunculo cerebeloso médio, ficaria abolido o contingente vertiginoso.
Segundo o esquema proposto, na decussação de Wernekink, se entrecruzariam as fibras vestibulares que, depois do desvio pelo cerebelo, se encaminham para o cortex. Seria por estas fibras que transitariam as reações corticais determinantes da sensação subjetiva da vertigem labiríntíca; pela mesma região passariam as fibras que, partidas dos nucleos oculo-motores iriam levar à cortex cerebral a informação dos impulsos tonígenos labirínticos e que seriam, portanto, responsaveis pelas contrações rítmicas compensadoras que constituem o nistagmo. Daí a conclusão de que as lesões pedunculares de tipo destrutívo abolem, no sindromo das reações labirínticas provocadas, a sensação de vertigem e o nistagmo: o doente apresentaria apenas os desvios lentos de carater tônico tanto para o lado dos olhos (desvio conjugado), como nos membros superiores e no tronco. Característica do sindromo peduncular, por lesão nas proximidades da comissura, seria essa interessante dissociação verificada no decorrer das provas Oto-vestibulares: o doente, à excitação tanto dos canais horizontais como verticais, apresentaria desvios tônicos mas não teria vertigem nem nistagmo. Evidentemente, si a lesão fosse mediana, atingindo, no entrecruzamento citado, as fibras de ambos os lados, o doente apresentaria o mesmo sindromo vestibular dissociado, tanto por excitação do ouvido direito como do esquerdo.
As idéias de Jones, documentadas de maneira convincente, revolucionaram completamente alguns conceitos clássicos sobre a sistematização das vias vestibulares centrais. Como tudo o que é revolucionário, seu esquema simplista demorou muito a ter aceitação. Só agora começa ele a ser utilizado devidamente. Entre nós chamou a atenção para o valor deste esquema, em reiteradas vezes, o Dr. Mario Ottoni de Rezende que, em magnífico relatório apresentado ao Primeiro Congresso Brasileiro de Oto-rino-laringologia, reunido em Outubro de 1938, no Rio de Janeiro (10) mostrou, documentado em casos pessoais, a grande utilidade prática e o grande alcance teórico dos ensinamentos de Jones. Relembrando as grandes dificuldades que, às vezes, apresenta o diagnóstico topográfico das afecções bulbo-protuberanciais, já denunciadas anteriormente por Enjolras Vampré no que se refere ao bulbo-raquidiano (11), Mario Ottoni de Rezende poude mostrar o grande valor do estudo acurado das dissociações do sindromo vestibular provocado, para a localização exata das lesões no neuro-eixo.
Sobre o mesmo assunto, manifestou-se, tambem, com sua palavra autorizada, o Professor Adherbal Tolosa, em conferencia feita perante a Associação Médica do Instituto Penido Burnier de Campinas (12) em 2 de Junho de 1940. Comentando a necessidade imprescindível do auxilio mutuo entre o otologista, o oftalmologista e o neurologista para o diagnóstico lesional e topográgico de alguns processos intra-cranianos, referiu-se o catedrático de Neurologia da Faculdade de Medicina de São Paulo ao caso, observado em seu Serviço, de um paciente portador de um síndromo hipertensivo intra-craniano, acompanhado de sinais indicadores de lesão peduncular; o exame vestibular, mostrando a dissociação assinalada por Jones, como característica das lesões dessa região, trouxe elemento comprobatório de grande importancia para a hipótese diagnóstica anteriormente formulada e, posteriormente, confirmada pelo exame anatomopatológico.
Tudo o que está acima mostra a complexidade dos sindromos vestibulares centrais e justifica o que dissemos paginas atrás, quando nos referimos à dificuldade de interpretação dos resultados da prova dos membros superiores estendidos nas afecções do tronco cerebral. Poderá ser argumentado que, si o esquema de Jones codifica toda a sintomatologia vestibular e facilita a interpretação de suas irregularidades, o mesmo deve acontecer com a prova dos membros superiores estendidos. Infelizmente isto não se dá por duas razões principais, sendo a primeira a de que Jones não se referiu a esta prova, residindo a segunda em que este autor, ao esquematisar os disturbios da prova da indicação, forneceu argumentos que levam a admitir que esta prova não é, como o queriam outros pesquizadores, perfeitamente identica à do desvio, espontaneo ou provocado, dos membros superiores estendidos.
De fato, analisando a prova da indicação de Bárany, Jones nela inclue, como elemento principal, o sistema piramidal voluntário. Ao lado dos outros elementos - vestibular, cerebeloso, sensitivo - ha tambem a parte motora voluntária. O ato de apontar, para Jorres, é uma ação motora de origem cerebral. Si a uma pessoa normal ordenarmos que aponte com o dedo um objeto colocado em sua frente, ela o fará sem erro, mesmo de olhos fechados; si excitarmos seu aparelho vestibular, ela não poderá mais acertar sem o controle visual. Este erro, sempre segundo Jones, é causado pela vertigem consequente ao estimulo. Ele foi levado a esta conclusão por ter verificado que nos doentes em que não havia vertigem, não havia desvio da indicação; e, ainda mais, ele demonstrou a afirmativa pelo método experimental.
Esta afirmativa do autor americano é contrária à concepção, geralmente aceita, de que o desvio da indicação é causado por disfunção cerebelo-vestibular exclusiva e está em franco desacordo com os ensinamentos clássicos sobre o assunto. Para Jones, as vias nervosas responsaveis pelos desvios da indicação são as mesmas que aquelas usadas pelo ato de apontar. Elas começam na área motora da cortex cerebral e terminam na via final comum do nervo periférico inervador da musculatura empregada para o ato de apontar. Assim sendo, a via compreende, como toda a via motora, dois neurônios principais: o neurônio piramidal que é o principal e, como acessório, a via cérebro-cerebelo-espinhal, esta última com funções meramente coordenadoras.
Ora, na prova dos membros superiores estendidos, o fator piramidal voluntário é secundário; muito maior importancia tem a sensibilidade proprio-ceptiva e o equilíbrio tônico. O elemento piramidal atúa, apenas, -no sentido de manter a contração muscular, fornecendo-lhe a necessária energia. Daí a preponderancia da ação tônica vestibular, mórmente quando este aparelho esteja excitado ou quando exista um desequilibrio de ação entre um lado e outro. Resulta a impossibilidade de aplicar o esquema de Jones à fisio-patologia da prova dos membros superiores estendidos, ou melhor, esta esquematisação apenas poderia ser aplicada às lesões que se assestam nos pontos onde as vias fisiologicas dessas duas provas coincidem, isto é, na parte correspondente ao contingente vestibulo-espinhal, parte central do bulbo-raquidiano e da protuberancia. Ora, sendo estas, justamente, as partes em que existe maior complicação sindromica, causada, seja pela maior desharmonia nos sindromos vestibulares, em virtude das dissociações dos varios sistemas de- fibras dos canais semi-circulares horizontais e verticais, seja pelo intrincamento dos sistemas oriundos de outras partes do nervo-eixo, é obvio que a esquematisação é impossivel no que diz respeito à prova do desvio dos membros superiores estendidos, quanto às lesões vestibulares centrais, principalmente no que diz respeito aos desvios espontaneos.
Aparentemente, existe profunda separação entre as idéias de Jones e o conceito clássico a proposito da identificação entre a prova da indicação de Bárany e a prova do desvio conjugado dos braços estendidos. Contudo, parece-nos que essa divergencia é apenas aparente e dependente de uma interpretação erronea dos fatos. Realmente Jones refere-se, sempre, aos desvios do index provocados e não aqueles espontaneos; ele diz que, depois da excitação labiríntica provocada; não ha desvio do index quando não ha vertigem; neste caso, a lesão está nas vias ascendentes cerebelo-rubro-tálamo-corticais ou nas descendentes, córtico-medulares.
Evidentemente, não são essas as vias do reflexo tônico labiríntico espontâneo para os membros superiores. Mesmo as considerações anatômicas preliminares de Jones não deixam duvidas a este respeito: a via deste reflexo, no qual não ha outra participação cortical além daquela necessária para manter os braços elevados e estendidos, é vestíbulo-bulbo-espinhal, sendo o feixe, deitem-espinhal a via descendente. Portanto, nas lesões do contingente cerebelo-tálamo-cortical não ha supressão desta reação tônica labiríntica. Em ultima análise, as lesões da via cerebelo-tálamo-cortical dissociam os resultados destas duas provas sómente quando elas sejam pesquizadas após a excitação labiríntica experimental: não ha o desvio do index na prova da indicação mas persiste o desvio tônico dos braços estendidos. Nos desvios espontaneos, no entanto, os resultados das duas provas concordam (evidentemente a concordancia só é possivel quando for interrompido o controle visual).
Resulta de tudo o que foi dito, que haverá conciliação nas duas teorias si considerarmos que na prova dos braços estendidos ha sempre desvio, desde que a lesão não interrompa o contingente deitero-espinhal. Deduz-se- daí o valor maior dessa prova em relação à da indicação, o que aliás, já tinha sido entrevisto pelo proprio Bárany. Infelizmente e dado o intrincamento das vias vestibulares centrais, mesmo admitindo que as lesões desse sistema sempre produzam desvios conjugados dos braços, não é possivel uma sistematisação dos resultados da prova. Realmente, tem sido descritos desvios em todos os sentidos - horizontal, frontal, sagital - e, às vezes, mixtos. Alguns destes desvios são atribuidos às lesões das vias vestibulares, outros às lesões do sistema cerebelar. Os ecléticos, quando os encontram, salvam-se das dificuldades, atribuindo-os a lesões mixtos, vestibulo-cerebelares.
Quando muito, poder-se-ia dizer que não ha desvios laterais dos braços estendidos após a excitação experimental do labirinto, quando a lesão se assestar no contingente vestibulo-espinhal e tiver carater destrutivo. Si a lesão tiver a mesma localisação mas, ao envez de destruir, produzir a excitação desse contingente, haverá um desvio mais intenso: neste ultimo caso, tambem haverá desvio espontaneo dos braços estendidos e, tal seja a altura da lesão (na protuberancia estão situadas as fibras dos canais verticais) haverá, concomitantemente, um desvio no sentido vertical. Este desvio vertical, raramente atinge os dois lados; no geral dá-se um desvio vertical de um só dos membros superiores.
Este fenomeno de ascensão de um dos braços, que tem sido encontrado reiteradas vezes e por pesquizadores diferentes, constitue, segundo alguns, não uma disfunção vestibular mas um sintoma de afecção do cerebelo ou de suas conexões. Ele parece constituir o exagero ou a perversão de uma reação tônica normal já descrita em capítulo anterior, a reação de elevação espontânea de Hoff e Schilder (armtonus de Fischer e Wodak). Esta prova, nos individuos com lesões do neuro-eixo, não tem valor definido, não só quanto às indicações referentes ao sistema lesado, como no que respeita à topografia da lesão. Ela tem sido registrada em casos de lesões de tipo e localisação muito diversas. Como ha maior tendencia a considerá-la como indicadora de lesões do sistema cerebeloso, nos reservamos para estudá-la melhor no capítulo seguinte.
No momento, resta apenas reafirmar, que, pela impossibilidade de conseguir uma sistematisação perfeita nos seus resultados, a prova dos braços estendidos não fornece, nas afecções do sistema vestibular central, as mesmas indicações fieis que póde dar quando esteja lesado o aparelho periférico. Nas lesões centrais ela tem maior valor semiótico quando provocada experimentalmente. A complexidade das vias vestibulares centrais, as interferencias dos varios segmentos do sistema vestibular entre si e as interdependencias do sistema vestibular com o sistema cerebeloso, são as razões principais que não permitem atribuir um valor semiótico preciso aos desvios conjugados espontâneos observados na prova dos membros superiores estendidos. Nas afecções vestibulares centrais, os resultados da prova não têm valor sinão como elemento de presunção. Muitas vezes, até, seus resultados perturbam o raciocínio clínico. Sua interpretação é, sempre, muito delicada.
CAPITULO III
A PROVA DOS BRAÇOS ESTENDIDOS NAS AFECÇÕES CEREBELOSAS
Si, em suas linhas gerais, o resultado das provas dos braços estendidos nos sindromos cerebelares confunde-se com aqueles que esta prova fornece nos sindromos vestibulares, ha uma característica de primordial importancia, sempre patente quando se trata de lesões cerebelares unilaterais: é que o desvio, seja horizontal ou vertical, é sempre maior no lado correspondente à lesão cerebelar. E' nesta característica que se baseia o diagnóstico diferencial entre os desvios por disfunção vestibular e aqueles produzidos por lesão cerebelar.
Explica-se o fato pela diversidade no modo de ação dos dois sistemas. O sistema vestibular tem ação bilateral e suas disfunções - espontâneas ou provocadas - produzem desvios conjugados, com intensidade identica em ambos os membros superiores. O destruição do labirinto esquerdo, por exemplo, tornando única a ação do labirinto direito, é acompanhada de desvios tônicos conjugados para a esquerda: nos olhos, aumenta o tonus do musculo reto esterno esquerdo e do musculo reto interno direito, ao passo que é inibido o tonus dos antagonistas, respectivamente, reto interno esquerdo e reto esterno direito; nos membros superiores estendidos horizontalmente, tambem ha um desvio conjugado para a esquerda, aumentando o tonus dos abdutores do lado esquerdo e dos adutores do lado direito, ao mesmo tempo que é inibido, proporcionalmente, o tonus dos adutores à esquerda e dos abdutores à direita.
Aplica-se para as disfunções labirínticas, a classica comparação do carro puchado por dois cavalos: si em plena corrida o cocheiro puxar uma das rédeas, a da direita por exemplo, o conjunto todo será arrastado para a direita. Este exemplo grosseiro dá uma idéia geral do funcionamento do labirinto quando excitado ou inibido: o labirinto direito será a rédea direita que está na mão do cocheiro; seu estiramento (excitação) puxará o lado direito de ambos os cavalos. Si, pelo contrário, o cocheiro perder essa rédea, os cavalos sentirão apenas a ação da rédea esquerda e irão para a esquerda. Em resumo, cada aparelho vestibular tem ação sobre os musculos dos dois lados do copro. Mesmo estudando a prova da indicação de Bárany, verifica-se que o desvio se faz na mesma direção com a mesma intensidade nos dois lados.
Em relação ao cerebelo, já não se dá o mesmo: este orgão tem ação, quasi exclusivamente lateral. O cerebelo de um lado atúa sobre as ações musculares que se provocam do mesmo lado do corpo. Daí o fato de, na prova da indicação, haver erro apenas no braço homólogo ao cerebelo lesado, ao passo que o membro do lado oposto, aponta acertadamente. Na prova dos braços estendidos, ha desvio apenas do membro homólogo ao lado da lesão cerebelar.
Esta unilateralidade da sintomatologia cerebelósa é muito nítida toda a vez que se ordena ao doente que mantenha os braços estendidos horizontalmente para a frente. O que se discute é a forma pela qual se reveste o disturbio. Para alguns ha, sempre, uma queda do membro homólogo à lesão; esta queda seria devida à hipotonia muscular consequente à lesão cerebelar. Para outros, no entanto, ha um disturbio exatamente inverso: tendencia à elevação do membro homolateral à lesão. Algumas vezes tem sido assinalada a abdução e, muito mais raramente, a adução.
Parece que estas anormalidades todas, encontraveis na prova dos braços estendidos, devam ser atribuidas à existencia, na cortex cerebelar, de centros encarregados da direção do movimento. Existiriam centros para os movimentos de abaixamento, de elevação, de adução e de abdução, isto é, não movimentos simples, mas movimentos de conjunto. Daí os desvios provocados pelas lesões cerebelares, desvios globais de orientação que se traduzem, em clínica, pelas muito conhecidas marcha ebriosa e marcha em estrela de Babinski-Weil. Seriam, no dizer de Bing "des centres chargés de tenir la balance égale entre les differents groupes musculares antagonistas" (13), de tal sorte que, rompido o equilíbrio por uma lesão cerebelar, não haveria mais a sinergia necessária para a movimentação harmônica.
Para André Thomas e Durupt, os centros cerebelares para os membros superiores e inferiores seriam decomponíveis em centros secundários que corresponderiam a um segmento de membro ou a uma articulação e presidiriam à elaboração. de uma função estenica, orientada em uma direção determinada (estensão, flexão, abdução, adução, rotação para fora, rotação para dentro). Nas lesões cerebelares esta função seria hipostenica para certos musculos e hiperstenica para seus antagonistas. Estes centros teriam, tambem, uma função estatotônica que interviria eficazmente na manutenção e restabelecimento do equilíbrio.
Bárany referiu-se a estes centros e deu-lhes localisações especiais, bem determinadas, na cortex cerebelosa, procurando justificar com eles, a diversidade dos desvios tônicos que se observam nas lesões desse orgão. Infelizmente não ha, até hoje, demonstração cabal da existencia de tais centros no cerebelo humano, apesar de serem em grande número os pesquizadores que se dedicaram ao estudo da cito e mielo-arquitetura do orgão; no que diz respeito às localisações cerebelosas, a única coisa bem assentada é a diferenciação entre a porção media (vermis) e os hemisférios. No vermis estariam os centros reguladores dos movimentos da cabeça e do tronco. Nos hemisférios se localizariam os centros para os membros: segundo Mills e Weisenburg os membros superiores seriam regidos pelos lóbulos cerebelares superiores.
Mesmo a fisiologia do cerebelo não está ainda de todo esclarecida e, a este proposito, Spiegel reconhece que hoje sabemos, aproximadamente, as mesmas coisas que resultaram das clássicas investigações de Luciani. De qualquer forma, não cabe aprofundar, aqui, o assunto.
De maneira geral, dispõem-se em duas categorias principais os disturbios consequentes às alterações cerebelares: modificações do tonus muscular e transtornos na movimentação. O efeito da destruição de um segmento do cerebelo é duplo: de um lado, ha hipostenia de um grupo muscular (diminuição de resistencia ou passividade) e, de outro, ha hiperestenia do grupo muscular antagonista. Esta anisostenia muscular, segundo André Thomas, explica toda a sintomatologia cerebelosa.
Interposto como anexo ao neuro-eixo, o cerebelo atúa modificando a corrente dos influxos nervosos que, da cortex ou dos nucleos cinzentos extra-piramidais, se dirigem para a fibra muscular. O páleo-cerebelo (nucleos do této) está apenso ao sistema páleo-cinético extra-piramidal; ao sistema voluntário néo-cinético corresponde o néo-cerebelo (cortex cerebelosa). Transformando os influxos voluntários ou automáticos, corrigindo-lhes os excessos, proporcionando-lhes o anteparo da contração sinérgica antagonista, o cerebelo atúa sobre a inervação tônica e sobre a coordenação e sinergia dos movimentos do lado homólogo do corpo. Essencialmente, o sistema cerebeloso é um aparelho reflexo encarregado de assegurar a cooperação funcional dos diferentes agrupamentos musculares (sinergia) para manter a harmonia e a medida do movimento (eumetria). Alem disso ele influe na regulação do tonus estático (hipotonia de postura) e cinético (isostenia).
Entre os transtornos do tonus muscular estudam-se, de um lado, o carater pendular dos reflexos, a passividade Thomas, o "rebound reflex" de Stewart-Holmes, - e, de outro, a hipertonia manifestada pela catalepsia cerebelosa e pelas reações tônicas desproporcionadas que veremos adiante. A aparente disparidade de verificações clínicas relacionadas com o tonus muscular - casos com hipertonia e casos com hipotonia, outras vezes casos mixtos - foi explicada pelas localisações especiais das lesões cerebelares: as lesões corticais (néo-cerebelo) determinariam hipertonia, ao passo que a hipotonia seria característica das lesões nucleares, (páleo-cerebelo).
Entre os transtornos da movimentação são mais estudados a dismetria, a adiadococinesia, a assinergia, as perturbações da marcha, os disturbios da palavra, os tremores intencionais e o desvio do index. Este último, portanto, estaria incluído entre os disturbios dependentes da anisostenia muscular, ao passo que a prova do desvio dos braços estendidos pertenceria ao grupo dos disturbios do tonus muscular.
Baseiam-se nos princípios gerais acima relatados as variedades que podem apresentar as provas dos membros superiores estendidos e do desvio da indicação nos doentes cerebelares: homolateralidade dos disturbios, anisostenia e distonia, são os princípios básicos que orientarão a interpretação das provas que passamos a estudar.
Vimos, no capítulo anterior, que o fenomeno da convergencia, encontrado por Fischer e Wodak em pessoas normais, é atribuído à ação do cerebelo (convergencia dos membros superiores durante o movimento de elevação rápida) e que sua inversão, a divergencia, é observada nos doentes cerebelares (Ugo Quadri, Marinesco) e que esta divergencia é mais nítida no lado correspondente à lesão cerebelar. Diga-se o mesmo em relação à reação de ascenção espontânea de Hoff e Schilder que tambem é frequente e exagerada nos cerebelares.
Nos doentes cerebelares, mesmo na atitude estática de manutenção dos membros superiores estendidos, ha uma dívergencia mais nitidamente pronunciada no lado homólogo à lesão. A este fenomeno, muito frequente, Guettich denominou reação do desvio (14). Ao mesmo tempo, na grande maioria dos casos, ha, tambem, tendencia à elevação desse mesmo membro, homolateral à lesão. Este fenomeno tambem é considerado por alguns como característico das lesões cerebelares unilaterais (Ugo Quadri, Marinesco). Como tal, seria grandemente util sua pesquiza para a localisação da lesão.
Infelizmente, a patologia do cerebelo não é simples em virtude dos importantes contingentes que ele envia ou recebe pelos pedunculos cerebelósos inferiores, médios e superiores. Pode-se dizer, mesmo, que a grande maioria dos casos de síndromos cerebelares encontrados na clínica são mixtos-bulbo-cerebelares, ponto-cerebelares ou pedunculo-cerebelares - em alguns dos quais, mercê de entrecruzamentos, os disturbios cerebelares não se localizam do mesmo lado que a lesão. Não cabe aqui entrar em minucias, abundantemente reunidas em ótima monografia do Prof. A. de Almeida Prado sobre o assunto (15). Lembramos aqui estes detalhes apenas para refutar áqueles que querem fazer da prova da ascensão e divergencia de um dos membros superiores, uma indicação firme de que o processo lesional é cerebelar e estritamente homolateral à lesão.
Um caso que tivemos ocasião de acompanhar durante largo lapso de tempo, nos parece bastante demonstrativo. Tratava-se de um homem (A. C. S. N. 3.172) portador de nítido sindromo protuberancial inferior por lesão vascular à direita: o doente apresentava, bem patente, o síndromo alterno de Millard-Gubler (paralisia facial à direita), ao lado de um hemisíndromo sensitivo à esquerda e nistagmo vertical espontaneo. Alem disso, havia um síndromo cerebeloso esquerdo com assinergia, dismetria, adiadococinesia. Toda a sintomatologia clínica, nos membros, era do lado esquerdo; nem um sinal autorizava a pensar em lesão dupla. Portanto o síndromo cerebelar devia ser atribuído à mesma lesão que produzira o síndromo de Millard-Gubler e esta lesão, repetimos, estava situada à direita. Sendo assim, o síndromo cerebeloso esquerdo fora produzido por uma lesão à direita e, o que complica mais o problema, por uma lesão protuberancial baixa (o síndromo de Millard-Gubler têm subido valor localisador para as lesões do terço inferior da protuberancia).
Este caso está em observação ha cerca de quatro anos. O doente foi visto pelo Prof. Enjolras Vampré, pelo Prof. Adherbal Tolosa e, até pelo Prof. Alajouanine, ilustrado neurologista francez que esteve, em 1939, em nossa cidade; nenhum destes autorizados neurologistas poude explicar a anormalidade sindrômica.
A não ser que existam duas lesões, uma à direita realisando o síndromo de Millard-Gubler e outra realisando, isoladamente, o síndromo cerebeloso, o caso constitue uma excepção à regra geral dos sindromos mixtos cerebelo-protuberanciais. No caso de lesão dupla - raciocínio que não concorda com a regra geral que manda filiar todos os disturbios a uma unica lesão e que, por outro lado, não está de acordo com a clínica pois o doente nada mais apresenta que leve a pensar na existencia dessa outra lesão - a segunda lesão estaria localisada, seja na parte média da protuberancia atingindo o pendunculo cerebeloso médio à esquerda, ou no limite entre a protuberancia e o pedunculo cerebral. Neste ultimo caso a lesão estaria comprometendo o pedunculo cerebeloso superior seja abaixo (parte superior esquerda da protuberancia) ou acima do entrecusamento de Wernekink (parte inferior do hemi-pedunculo cerebral direito).
A principio julgamos mais provavel tratar-se de uma lesão do pedunculo cerebeloso superior, acima do entrecrusamento de Wernekink. Uma lesão vascular, provavelmente trombósica, localisada no grupo das arterias circunferenciais longas de protuberancia, poderia produzir uma lesão suficientemente extensa em altura para provocar, por si só, toda a sintomatologia neurológica apresentada. No entanto, a hipótese foi logo afastada por ser inviavel. Realmente, tal lesão, forçosamente, apanharia tambem o pedunculo cerebeloso superior direito, antes do seu entrecrusamento e, consequentemente, o doente teria apresentado, ao menos passageiramente, a sintomatologia cerebelosa bilateral. Alem disso, uma lesão com tal amplitude deveria, tambem forçosamente, atingir os núcleos do V par, nervo trigemeo, ou suas fibras que emergem no terço médio da protuberancia; ora, o doente não apresentava qualquer distúrbio sensitivo na face.
Restaria, para explicar o hemisindromo cerebeloso esquerdo outra hipótese que nos pareceu mais viavel mas que não foi ainda registrada nem siquer, pelo que sabemos, comentada. A lesão poderia ter atingido, não o pedunculo cerebeloso direito, mas o continente córtico-pontino-cerebeloso que da cortex direita, depois de se articular com os núcleos pontinos, se dirige para o hemisfério cerebeloso esquerdo. Neste caso a lesão poderia estar localizada no terço inferior da protuberancia (vide figura 12), ser de pequeno tamanho, e produzir toda a sintomatologia que o doente apresentava.
FIG. 12
Ultra-esquema para mostrar a localização da lesão no caso A. C. (S. N. 3.172) - Lesão em X, terço inferior da protuberancia produzindo sindromo de Millard-Cubler, (lesão nuclear do VI e VII pares craneanos e lesão do feixe piramidal), hemisindromo sensitivo à esquerda (lesão da fita de Reil), nistagmo vertical espontâneo (lesão da bandeleta longitudinal posterior), mioclonias do véo do paladar (lesão do feixe central da calota) e hemisindromo cerebeloso à esquerda (provavelmente por lesão do contingente cortico-ponto-cerebeloso à direita).
1-2: feixe cortico-ponto-cerebeloso (da cortex direita para o cerebeloso esquerdo.
3-4: pedunculo cerebeloso superior com (5) decussação de Wernekink - 6 nucleo rubro - 7 e 8: feixe rubro - espinhal com a decussação de Forel.
Este caso, como se vê, não pode ser resolvido satisfatoriamente tão somente pelos sinais clínico-neurológicos. Enquanto não tivermos outros elementos, porem, a única coisa que podemos afirmar é que existe uma lesão protuberancial inferior direita e um síndromo cerebeloso à esquerda, dissociação que, repetimos, escapa à regra geral dos síndromos cerebelares por lesões protuberanciais (homo-lateralidade da lesão e do síndromo cerebelar).
FIGS. 13-14-15
Caso A. C. (S. N. 3.172) - Hemisindromo cerebeloso e hemisindromo sensitivo à esquerda.
O doente tinha tendencia ao desnivelamento dos membros superiores (elevação e divergencia do membro superior esquerdo) toda a vez que era convidado a pôr seus braços na posição test. Estando com os olhos abertos, corrigia constantemente esta tendencia, apezar do tremor intencional. Interrompido o controle visual, entretanto, o deficit sensitivo conduzia ao abaixamento do membro superior esquerdo.
Toda esta digressão foi feita para chamar a atenção para este caso cuja sintomatologia cerebelosa era particularmente rica. E entre os sinais cerebelosos encontrados reações tônicas que confirmam os resultados acima assinalalos, no que diz respeito à prova dos braços estendidos (vide figuras 13, 14, 15). Com os braços estendidos e parados e com os olhos abertos, notavam-se a reação de divergência de Fischer e Wodak, a reação do desvio de Guettich, a reação da elevação espontânea de Hoff e Schilder. Mandando movimentar os braços estendidos até a posição horizontal, todos os fenomenos se exageravam. A rotação da cabeça para os lados exagerava as reações reflexas fundamentais da cabeça sobre os membros de Hoff e Schilder. Neste doente, a interrupção do controle visual, entretanto, ao envez de aumentar a elevação e a divergência do membros superior esquerdo, determinava a queda do membro superior: o aparente paradoxo é explicavel si nos lembrarmos que o doente, alem do hemisindromo cerebeloso, apresentava, tambem e do mesmo lado, um hemisindromo sensitivo. Veremos no último capítulo a grande influencia do fator visual na evidenciação de disturbios sensitivos pela prova dos braços estendidos. Aqui fica consignado que nos cerebelosos, a prova dos braços estendidos demonstra a discronometria mesmo com os olhos abertos.
Todos os sinais descritos primeiramente no estudo da fisiologia normal do tonus, já foram utilisados com denominações diversas e por varios estudiosos para o estudo das lesões cerebelares.
Assim, Barré e Kabaker (16) descreveram a tendencia à elevação do braço com o nome de "fenomeno de ascenção do braço" considerando-o como frequente nas lesões dos pedunculos cerebrais (lesões das fibras do pedunculo cerebelar superior). O doente por eles observado apresentava, em resumo: ptose da pálpebra direita, estrabismo externo por paralisia total do réto interno direito, paralisia vertical do olhar, ligeira paresia facial de tipo central à direita, sindromo piramidal esquerdo e hemisíndromo cerebeloso à esquerda. A prova dos braços estendidos mostrava ascensão constante dos dois braços acima da horizontal porem mais acentuda à esquerda, com ligeiro desvio de ambos para a esquerda, porem mais acentuado no membro esquerdo. Portanto, lesão peduncular direita com sindromo de Weber e hemisíndromo cerebeloso à esquerda, com positividade da prova dos braços estendidos, indicando um aumento do tonus dos elevalores e abdutores à esquerda. Provavelmente a lesão atingira o peduculo cerebeloso superior esquerdo acima do entrecrusamento de Wernekink. Neste caso havia concordancia com a regra geral dos síndromos cerebelares dependentes de lesão do pedunculo cerebelar superior acima de seu entrecrusamento (sindromo contro-lateral à lesão).
No mesmo trabalho vem citada uma comunicação de Barré (Tumeurs du III.º ventricule - Congrès d'Alienistes e Neurologistes - Lyon - 1934) na qual este autor se refere, pela primeira vez, ao fenomeno da ascenção de um dos membros superiores. Interessante notar que, na observação em que foi encontrado o sinal, a autopsia revelou a existencia de um cisto eisticercótico no III.º ventrículo. Baseado neste caso e numa observação absolutamente identica relatada por VIavianos (Athenas), Barré chegou a formular a hipotese de que o sinal era típico das compressões altas do tronco cerebral, causadas por tumores do terceiro ventrículo.
Já vimos atrás, porém, que este sinal não tem valor localisador no sentido absoluto. No caso que relatamos atrás, por exemplo, a lesão era protuberancial. Veremos outros em que o processo era localisado em outras partes do tronco cerebral.
Draganesco e Voicoulesco (17) descreveram, sob o nome de sinal da assimetria dinâmica dos dois braços, um fenomeno que nada mais é que uma variante das provas citadas acima. Ordena-se ao doente que, com os olhos fechados, execute, em movimento lento, a ascenção paralela dos dois membros superiores; chegados os braços à horizontal, dá-sé brusca ordem de parada. Verificaram os autores que, nos doentes cerebelares, um dos braços, sempre aquele homolateral à lesão nos três casos que examinaram, continúa o movimento e se eleva mais que o outro. Os autores consideram este sinal como pertencente à série dos sinais cerebelosos, descritos por Babinski. Durante a execução da prova, o doente deverá manter os olhos abertos. Já dissemos acima que nosso doente A. C. apresentava esta anormalidade (vide figura 13).
Haveria, aqui, não uma simples perturbação do tonus muscular como nas provas que vimos anteriormente, mas uma verdadeira discronometria do movimento como a definio Thomas (18). Este autor descreveu, nos hemisíndromos cerebelosos, uma discronometria do movimento, mêrce da qual a parada não se dá à mesma altura no movimento da ascenção dos braços. Esta falta de controle no "quantum" do movimento, esta falta de frenação ao estímulo motor voluntário, que faz com que o braço comprometido ultrapasse, sempre, de alguns centimetros, o plano de parada do braço são, é um deficit que deve ser filiado, em última analise, à hipermetria descrita por Babinski: ele é devido ao comprometimento da função de fixação do cerebelo, função bem estudada por Noica (19).
A discronometria do movimento poderá explicar os desvios que sofrem as provas da indicação e dos braços estendidos, na vigencia de afecções cerebelares. Observa-se, geralmente, nos movimentos verticais, um desvio para cima e nos horizontais, um desvio para fora.
Voltemos um pouco atrás e retomemos um assunto que já foi ventilado em capítulo anterior. Ele será mais inteligivel agora, dado que podemos compreender melhor a função cerebelosa. Referimo-nos às relações entre a prova dos braços estendidos e a prova da indicação de Bárany e, secundariamente, às relações entre os desvios labirínticos e as funções tônicas cerebelosas.
Ao contrário do que ocorre nas afecções vestibulares, os desvios cerebelares afetam um só lado (homolateral à lesão) e não mantêm relação com a fase lenta do nistagmo. Alem disso, e para provar que o desvio cerebeloso não tem a mesma origem que os desvios tônicos labirínticos, a oto-laringo-neurologia demonstra que a direção do desvio tônico labiríntico espontâneo pode ser alterada e até invertida pelo desvio tônico provocado pelas provas calórica, rotatória e galvânica; pelo contrário, um dos característicos principiais do desvio uni-lateral provocado pelas lesões cerebelósas é que ele não é influenciado pelas provas labirínticas. Si, por exemplo, um paciente portador de uma lesão destrutiva de um segmento do cerebelo direito apresentar um desvio da prova da indicação para a direita (braço direito sempre se desviando para fora), a execução das provas labirínticas irá produzir o aparecimento dos desvios tônicos normais à essas provas nos olhos, no tronco e nos membros, sem alterar a direção do desvio espontâneo do braço direito para fora: si nesse doente, por exemplo, for feita a excitação do canal semi-circular horizontal direito pela prova rotatória ou calórica, o doente apresentará um desvio do braço esquerdo e do tronco para a esquerda, mas o braço direito continuará desviando-se para a direita.
Interessante notar urna particularidade, de alto valor diagnóstico: si nesse mesmo caso figurado acima (lesão destrutiva do cerebelo direito produzindo desvios da indicação do braço direito para a direita), o deficit cerebeloso entrar em compensação completa, desaparecerá consequentemente o desvio espontâneo da indicação pera a direita e, este é o fato que queremos frisar, às provas vestibulares, tambem não se dá o desvio nessa direção, isto é, qualquer seja o tipo de excitação vestibular utilisado, ao lado de reações tônicas processando-se normalmente, falta sempre a reação do desvio tônico do braço direito para a direita.
Poderíamos lembrar o que dissemos páginas atrás sobre a aparente divergencia entre fones e outros oto-neurologistas, acerca, da diversidade de natureza entre as provas da indicação e dos bracos estendidos e a falta do desvio do index quando a lesão é destrutiva e está localisada nas vias cerebelo-talamo-corticais. Poderíamos lembrar o que naquele lugar dissemos, isto é, que a nosso ver, a aparente discordancia tem origem numa diversa apreciação dos fatos.
De fáto, assim é: tudo se baseia em que, referindo-se à prova do index, Jones não especifica bem o que quer dizer. Tudo seria sanado si ele empregasse expressão mais precisa, indicando que, o que desaparece nas lesões destrutivas cerebelares, é a cronometria do movimento no sentido regido pelo centro de direção afetado. Só o movimento nesta direção é alterado nas reações consequentes às provas otológicas; os outros podem se processar normalmente. Sendo, por outro lado, o cerebelo um orgão cujas funções são larga e facilmente compensadas pela ação suplementar de outros centros nervosos (cortex e sistema extra-piramidal), ocorre que, frequentemente, desaparece mesmo o desvio espontâneo que existia inicialmente.
Já vimos atrás que, para explicar os desvios espontâneos de tipo cerebeloso, Bárany supuzéra a existencia de centros (cortex cerebelosa), especiais para os movimentos em cada direção, de tal sorte que, pela destruição de um destes centros, se daria um desvio no sentido contrário por predominancia dos antagonistas: a destruição do centro do movimento de adução, por exemplo, determinaria o aparecimento de um desvio para fóra.
Infelizmente, esta hipótese de Bárany e que ele julgou demonstrada por algumas excitações. experimentais, não foi confirmada senão parcialmente, parecendo que não existe uma organisação da cortex cerebelosa no sentido somatotópico, como aquela que existe na cortex cerebral e nos nucleos opto-estriados. Por outro lado, Kurt Goldstein, tendo verificado, com seus casos pessoais e em cuidadosa revisão bibliográfica, que, na grande maioria dos casos, os desvios espontâneos por afecção cerebelósa se fazem para fora e que se fazem no mesmo sentido os desvios tónicos do individuo normal nas provas que pesquizam o tonus de posição estáto-cinético, julgou desnecessário invocar a presença de centros de direção na cortex cerebelosa: o desvio espontaneo cerebeloso seria, apenas, um exagero da tendencia à abdução e elevação encontraveis normalmente (reações do desvio para fora e da elevação espontânea).
Para que a prova de indicação de Bárany dê resultados dignos de consideração é necessário que o paciente não possa, visualmente, controlar a direção de seus movimentos. Baldenweck recomenda que o doente, durante todo o decorrer da prova seja conservado de olhos vendados e que o observador modifique constantemente a situação do ponto de mira, deslocando-o sempre no mesmo sentido que o desvio, afim de que o doente não tenha noção do erro cometido; para este fim, Torrigiani recomenda a utilisação de uma haste graduada que pode ser colocada vertical ou horizontalmente, conforme o sentido do desvio; o método apresenta duas vantagens: o doente sempre toca na haste, não tendo, portanto, noção do desvio e, por outro lado, este é imediatamente traduzido em numeros (vide figuras 16, 17, 18 e 19).
Alem disso, é preciso que nos movimentos alternados de elevação e abaixamento que é solicitado a fazer, o doente não tenha um ponto fixo de reparo inferior, o que lhe permitiria, até certo ponto, corrigir o desvio; por essa razão é de má técnica permitir que o doente, quando sentado, baixe suas mãos até alcançar o joelho.
Em geral, para que o paciente saiba qual é a manobra que deve executar, é habito mandar praticar a prova na primeira vez com os olhos abertos. Esta pratica tambem é de má técnica porque, tal seja a natureza e a intensidade do distúrbio, o doente percebendo-o com os olhos abertos, procurará logo depois compensar os desvios; é mais recomendavel que o médico execute ele mesmo a prova diante do doente ou a faça executar por pessoa normal. O observando verá o que se exige dele e praticará a prova sem intenções préconcebidas. Não é aconselhavel, tambem, depois de realisar a prova, retirar a venda dos olhos do doente, sem ter colocado os membros superiores em posição de repouso: não agindo assim, ele perceberá o desvio e, si a prova tiver que ser repetida em outra sessão, já os resultados não serão os mesmos. Tudo o que se disse demonstra, tambem, a necessidade de praticar a prova em quarto isolado, sem a presença de terceiros que, inadvertidamente, por suas expressões orais, poderiam despertar a desconfiança do doente.
FIG. 16
Caso E. K. (S. N. 5.020) - Hemisindromo cerebeloso esquerdo. Na prova dos braços estendidos ha, ao contrário de elevação e divergencia, abaixamento e convergencia do membro superior esquerdo.
FIG. 17
Caso E, K. (S. N. 5,020) - Hemisindromo cerebeloso esquerdo. Na prova da indicação, no entanto, depois de varios movimentos sucessivo, ha divergência, desvio para fóra.
FIG. 18
FIG. 19