Versão Inglês

Ano:  1953  Vol. 21   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 109 a 125

 

A EXTIRPAÇÃO DAS AMÍGDALAS PALATINAS EM CRIANÇAS TUBERCULOSAS (*) - PARTE 1

Autor(es): DRS. MOZART TAVARES DE LIMA FILHO (1)
FÁBIO BELFORT (2)
DÉCIO FLEURY SILVEIRA (3)
GASTÃO PINTO MIRANDA (4)

Muito se tem discutido a influência que a operação de amígdalas pode ter sôbre a evolução do processo tuberculoso. Existem ainda dúvidas várias que assaltam o espírito do clínico e do otorinolaringologista, que os levam muitas vêzes a temer a indicação de uma amigdalectomia com receio de prejudicar o paciente.

Na criança tuberculosa o problema torna-se muito sério, pois são frequentes, como se sabe, as infecções amigdalianas repetidas que levam muitas vêzes o médico a indicar uma operação.

No presente trabalho analisamos a experiência adquirida no Hospital para crianças tuberculosas "D. Leonor Mendes de Barros" (Mandaqui) e, ao mesmo tempo, fazemos uma revisão da literatura sôbre o assunto. Ao lado disso, estudamos a anatomia patológica das amígdalas extirpadas, procurando comparar nossos achados com os encontrados nos vários trabalhos revistos.

Nosso trabalho foi dividido em 4 partes. Na 1.º fazemos um estudo do nosso material, procurando avaliar especialmente a influência da operação sôbre o processo tuberculoso pulmonar. Na 2.º, parte realizamos um estudo da anatomia patológica e da patogenia da amigdalite tuberculosa. Na 3.º parte debatemos as razões da amigdalectomia nos tuberculosos, mencionando os maus resultados publicados por alguns autores e procurando explicá-los racionalmente. Além disso sugerimos a padronização das indicações e contra-indicações. Na 4.º parte apresentamos o resto no conclusões.

1.º PARTE

EVOLUÇÃO DO PROCESSO TUBERCULOSO NAS CRIANÇAS QUE SOFRERAM AMIGDALECTOMIA

Nosso material compreende 55 crianças internadas no Hospital "D. Leonor Mendes de Barros" (Mandaqui), que sofreram amigdalectomia nos anos de 1950 e 1951. Procuramos estudar a influência que a operação teve sôbre o processo tuberculoso e sôbre 6 estado geral do paciente.

Para se ter uma idéia precisa do problema, julgámos de interêsse estudar os casos na época da entrada, na época da operação e o tempo entre a entrada e a operação. Estes dados dão idéia do estado do processo tuberculoso na época da intervenção.

Composição do Material

Sexo - 24 dos pacientes pertenciam ao sexo masculino e 31 ao sexo feminino.

Côr - 33 brancos, 14 mulatos e 8 pretos. Vemos por estes dados que embora houvesse maior número de brancos, o número de indivíduos não brancos era bastante grande, atingim de 40% do total. Isto é de importância pois o grupo dos não brancos, apresenta maior susceptibilidade à tuberculose.

Idade - Em relação à idade dos nossos pacientes na ocasião da operação, classificamo-los em 4 grupos, conforme o quadro que se segue:


Quadro 1 - Classificação dos pacientes de acôrdo com a idade.


Êste quadro é de grande interesse, pois mostra que a maioria dos nossos pacientes (31) pertencia às idades mais vulneráveis à tuberculose, principalmente os 8 casos de 1 a 2 anos, nos quais a doença tem, muitas vêzes, um decurso rápido e fatal, e o grupo de 11 a 15 anos, onde aparecem as formas malignas de reinfecção, a tísica da puberdade.

Tempo decorrido entre o internamento e a amigdalectomia - O estudo do tempo de hospitalização antes da intervenção serve para dar uma idéia da atividade do processo na época da operação. Sabemos que as formas primárias têm um longo período de regressão que, em geral, leva 2 anos; por outro lado, as tuberculoses de reinfecção raramente podem ser consideradas curadas num prazo menor, mesmo com o uso dos antibióticos.

O quadro 2 nos dá de uma maneira sintética o intervalo entre internação e operação.


Quadro 2 - Tempo decorrido entre o internamento e a operação.


Vemos, pois, que 40 dos 55 casos foram operados dentro do 1.º ano de internamento, portanto num tempo, via de regra, insuficiente para tornar o processo tuberculoso inativo.

Classificação radiológica - Uma avaliação mais precisa do material estudado nos é dada pela sua classificação radiológica. Achamos que a classificação dos doentes apenas na época da intervenção não seria suficiente para se ter uma noção precisa dos casos, pois muitos deles já apresentavam uma modificação do seu quadro radiológico, nessa época. É o passado de um determinado doente que nos permitirá a avaliação do verdadeiro estado do seu processo tuberculoso. Procuramos fazer a classificação anátomo radiológica na entrada e na ocasião da operação (Quadro n.º 3).


Quadro 3 - Classificação anátomo-radiológica dos 55 pacientes na entrada e na ocasião da operação.


Êste quadro nos mostra que embora na ocasião da operação 9 casos apresentassem lesões cicatriciais, muitos deles apresentavam lesões bilaterais escavadas, no internamento no hospital, o que torna-os casos potencialmente graves, desde que se tenha em conta o tempo de evolução do processo tuberculoso.

Tratamento feito antes da operação - Evidentemente a evolução do processo tuberculoso será determinada em grande parte pelos métodos terapêuticos utilizados. Procuramos estudar os vários tipos de tratamento usados nos nossos doentes no período de hospitalização precedente á operação. Não nos referimos ao tratamento pré-operatório imediato, pois não houve nenhum tratamento especial.

O quadro n.º 4 dá o tratamento utilizado nos 55 doentes, antes da operação.

Embora a estreptomicina tenha sido usada na maioria dos casos, em 24 ou 43,8% nenhuma terapêutica especifica foi empregada.


Quadro 4 - Tratamento antes da operação.


Influência da amigdalectomia sôbre as crianças tuberculosas

Modificações imediatas - Levamos em consideração aqui as modificações que se deram dentro de um mês após a amigdalectomia. Baseamo-nos principalmente nos achados radiológicos. Sómente uma criança teve piora radiológica dentro do primeiro mês. Tratase do caso n.º 18, uma menina de 7 anos que apresentava uma disseminação hematogênica bilateral na ocasião da entrada no hospital, em 11-11-1947. Com tratamento geral ela teve grande regressão das suas lesões radiológicas, apresentando na ocasião da operação, em 26-4-50, imagens cicatriciais em ambos os campos superiores e hipoventilação do lobo superior esquerdo. Logo após a operação teve quadro febril, com emagrecimento de 2 quilos, apresentando um processo de disseminação micronodular em ambos os campos superiores. Ao mesmo tempo o exame do conteúdo gástrico, que nunca apresentára bacilos, revelou pela primeira vez bacilos ácido-alcool resistentes.

Resultados tardias - Dos 55 pacientes observados, 41 tiveram alta médica do hospital por se acharem com o seu processo estabilizado, classificados sob as denominações de inativos ou estacionários, segundo a classificação da National Tuberculosis Association (1950). Os 14 restantes permanecem internados.

Nos pacientes do 1.º grupo a alta se deu num tempo variável após a operação, o que se vê no quadro 5:


Quadro 5 - Tempo de alta apos a amigdalectomia.


Os 14 pacientes que permaneceram no hospital tiveram um tempo de observação variável, como mostra o quadro n.º 6:


Quadro 6 - Tempo de observação após a amigdalectomia nos pacientes que permaneceram internados.


Vemos, portanto, que se exceptuarmos 15 pacientes que tiveram alta médica antes de 3 mêses após a operação, todos os nossos pacientes tiveram um tempo de observação suficiente para avaliação da influência da amigdalectomia sôbre a evolução do processo tuberculoso. Os 15 pacientes que tiveram um período de observação menor, apresentavam, ao ter alta do hospital, característicos de lesão inativa ou estacionária.

O quadro radiológico dêstes 55 pacientes no final da observação foi por nós classificado em 6 itens dispostos no quadro n.º 7:


Quadro 7 - Estado dos 55 casos observados no final da observação.


Vemos assim que dêste grupo de 55 pacientes por nós observados, somente 1 teve uma piora progressiva, indo finalmente à morte por tuberculose generalizada. Êste caso não corresponde ao relatado no grupo de peiora imediata, pois aquele entra aqui na rúbrica regressão com campos de enduração, por ter tido melhora logo a seguir e alta médica cerca de 2 anos após a operação. O caso com peiora tardia e progressiva é o n.° 1, o qual apresentava localizações ósseas múltiplas desde o início, com abcessos frios, cuja tuberculose progrediu inexoravelmente apesar de todo o tratamento, levando o paciente à morte em maio de 1952, quasi 2 anos após a operação. A influência que a amigdalectomia poderia ter tido sôbre a evolução do caso é dificilmente avaliável.

Se considerarmos os nossos casos no conjunto, pode-se dizer que não tiveram a evolução diferente da encontrada em outros doentes internados no hospital, que não sofreram intervenção. Um estudo comparativo de material dêste tipo torna-se contudo difícil, pois muitos são os fatores que se modificam e que viriam necessariamente influir na evolução da tuberculose.

Baciloscopia - As formas de tuberculose encontradas na criança sendo na sua maioria primo-infecções, apresentam em regra uma pequena eliminação de bacilos sendo, frequentemente, negativas as pesquisas nos exames microscópicos do escarro ou do conteúdo gástrico.

Os 55 casos estudados por nós apresentaram na entrada os seguintes achados:

Pesquisa de bacilos ácido-alcool resistentes no suco gástrico: negativa em 38; positiva em 13

Pesquisa de bacilos ácido-alcool resistentes no escarro: positiva em 4.

Na ocasião da operação tiveram pesquisas baciloscópicas apenas 41 com os seguintes resultados:

Cultura de suco gástrico: negativa - 1

Pesquisa de bacilos ácido-alcool resistentes no suco gástrico: negativa - 37; positiva - 3

Depois da operação, após o 1.º mês, foram examinados 54 pacientes: Suco gástrico negativo - 38; Cultura de suco gástrico negativa - 10; Suco gástrico positivo - 6.

Procuramos analisar mais detidamente estes 6 pacientes que tiveram suco gástrico positivo (casos 18, 35, 38, 48, 49 e 53), afim de verificar se esta positividade coincidiu com uma piora radiológica ou se foi apenas uma eliminação passageira de bacilos.

O caso 18 (já citado anteriormente) tratava-se de uma menina internada em novembro de 1947, apresentando uma disseminação hematogênica bilateral e que apesar disto teve repetidas pesquisas de bacilos ácido-alcool resistentes negativas no conteúdo gástrico até à operação, realizada em 26-4-50. Nesta ocasião ela apresentava grande regressão das lesões parenquimatosas, com apenas discreta lipoventilação do lobo superior esquerdo. Um mês após a operação apresentou suco gástrico positivo, ao mesmo tempo que se notava ao exame radiológico uma acentuação da disseminação nodular intrapulmonar, tendo emagrecido 2 quilos. Com o tratamento estreptomicínico houve regressão das lesões e negativação do conteúdo gástrico, tendo alta médica em março de 1952.

O caso 35 tratava-se de uma menina preta de 4 anos e meio, entrada em 25-4-50, com uma infiltração do lobo medio e adenopatia hilar bilateral. Exame de conteúdo gástrico negativo para bacilos ácido-alcool resistentes. Operada em 10-5-50 apresentou bacilos no conteúdo gástrico em 26-7-1950, sem haver modificação do quadro radiológico. Posteriormente houve regressão do processo com bronquiectasias residuais. O conteúdo gástrico não mais demonstrou bacilos e uma cultura foi negativa em 1-10-51.

O caso 38 é de uma criança branca, masculina, apresentando 13 mêses na entrada em 25-4-48. Nesta ocasião apresentava adenopatias hilares bilaterais. Suco repetidamente negativo. Em fins de 1949 apresentou uma infiltração no segmento anterior do lobo superior esquerdo. Os exames de laboratório persistiram negativos. Na ocasião da operação em 22-3-50 a imagem radiológica havia diminuido e não se modificou no pós-operatório imediato. Em 3-4-50 teve um suco gástrico positivo, achado que não mais apareceu apesar de repetidos exames. Houve regressão da imagem com calcificação e o menor teve alta em 30-1-1951.

O caso 48 é de uma menina branca com 8 anos na internação, em 17-9-47. Nesta época apresentava imagem cavitária de 5 cm no lobo superior direito, com disseminação bilateral de pequenos nódulos. A pesquisa de bacilos ácido-alcool resistentes no conteúdo gástrico foi positiva. Após 95 gr. de estreptomicina fechou-se a cavidade, desapareceu a disseminação e repetidos exames de conteúdo gástrico foram negativos para bacilos ácido-alcool resistentes. Na ocasião da operação em 10-5-50 notava-se ao exame radiográfico sómente turvação do ápice do pulmão direito e o exame do conteúdo não revelava bacilos. Em 6-6-1950 um exame de conteúdo revelou raros bacilos álcool-ácido resistentes. Nenhuma modificação radiológica foi verificada então. Os exames repetidos de suco gástrico irão mais revelaram bacilos e a cultura do conteúdo gástrico foi negativa para bacilos de Koch. Os exames planigráficos não revelavam lesão ativa pulmonar. Teve alta médica em maio de 1952.

O caso 49 tratava-se de uma menina preta, de 3 anos, internada em 24-3-49 com uma infiltração de todo o hemitorax esquerdo e uma, disseminação de pequenos nódulos em todo o pulmão direito. Suco gástrico positivo nesta ocasião.

Após tratamento com estreptomicina e PAS houve diminuição da sombra radiologica esquerda, regressão da disseminação à direita e aparecimento de calcificações múltiplas em ambos os hemitorax. Repetidos exames de suco gástrico foram negativos desde 20-11-50. Operada em 14-3-51 teve suco gástrico negativo em 7-4-51, sendo positivo em 28-8-51. Neste tempo não se notou modificação da imagem pulmonar, Com melhora progressiva do estado geral, teve alta a pedido em maio de 1952 com exames negativos no conteúdo gástrico.

O caso 53, menina de 10 anos, branca, internada em 2-4-49 apresentava nessa ocasião grandes adenopatias cervicais bilaterais e opacidade total do hemitorax esquerdo com desvio do mediastino para este lado. O escarro foi positivo para bacilos álcool-ácido resistentes em 4-4-49. Na ocasião da operação, em 18-10-50, persistiam as adenopatias cervicais e uma fístula rnentoniana, embora menos extensas, a radiografia era estacionária e o suco gástrico negativo. Em 2-2-51 teve suco gástrico positivo que, logo a seguir, negativou-se persistindo assim até maio de 1952. Com o emprêgo da radioterapia houve grande diminuição das adenopatias, embora Houvesse persistência do quadro radiológico.

Considerando estes casos, em seu conjunto, vemos que no primeiro a positivação coincidiu com uma piora imediatamente ligada, à operação, podendo ser imputada diretamente a ela.

Nos casos 38 e 48 a positivação foi imediatamente ligada à operação. Embora não tivesse havido progressão radiológica, pode-se ligar a positivação diretamente à operação.

Nos casos restantes, o aparecimento do bacilo foi tardio e não parece ter havido ligação alguma com a amigdalectomia.

Pêso - O pêso é bem um reflexo do estado geral, por isso é de valor conhecer a influência que a operação teve sôbre êle.

Aqui é de interesse salientar que das 52 crianças que apresentavam anotação do pêso na ocasião do internamento, 47 apresentavam pêso abaixo do normal, 3 pêso normal e 2 acima do normal, de acôrdo com a idade (tabela da Dra. Ema de Azevedo). Depois da operação a maioria das crianças aumentou de pêso, na seguinte relação: mais de 2 quilos - 21; 1 a 2 quilos - 14; menos de 1 quilo - 5.

Imediatamente após a operação só uma criança teve perda de pêso. E no decurso da observação tambem só foi notada diminuição em um paciente.

Comportamento dos pacientes cujas amígdalas revelaram lesões tuberculosas ao exame histológico.

Das 55 crianças examinadas, 6 apresentaram lesões tuberculosas nas amígdalas. Foram os casos 1, 7, 9, 22, 26 e 31.

O caso 1 tratava-se de paciente de 9 anos, masculino, preto, com contágio materno. A radiografia revelou hipoventilação do lobo superior do pulmão esquerdo. A pesquisa de bacilos alcool-ácido resistentes foi negativa no conteúdo gástrico, na internação, e a hemossedimentação era de 75 mm. na 1.º hora. Apresentava, na mesma ocasião, fístula sub-maxilar direita, abcesso frio na região tibial anterior esquerda e otite supurada direita. Eram mau o estado geral. Até à amigdalectomia tomou 30,0 gr. de estreptomicina. Houve baixa na hemossedimentação, melhorou o estado geral e continuou negativo o conteúdo gástrico. Após a operação progrediu o processo pulmonar, elevou-se a hemossedimentação, piorou o estado geral. Entretanto, continuou negativa a pesquisa de bacilos alcool-ácido resistentes no conteúdo gástrico, Evoluiu para a morte quasi dois anos após.

Caso 7 - J. S. - Paciente de 2 anos, masculino, branco, com contágio de tía. A radiografia revelou condensação no lobo inferior e medio direitos e adenopatias paratraqueais direita e esquerda. Ao exame, submacicês no terço inferior do hemitorax esquerdo. Na internação era bom o estado geral e negativa a pesquisa de B. K. no conteúdo gástrico e a hemossedimentação 12 min. na 1.º hora. Antes de internado fez biópsia de gânglio cervical, que era tuberculoso. Teve grande adenopatia cervical - Tomou 10,0 gr. de estreptomicina antes da operação. Radiografia dos pulmões revelou antes da operação início de calcificação das adenopatias e diminuição das imagens de condensação. Após amigdalectomia fez radioterapia dos gânglios cervicais, com regressão das adenopatias. Teve alta médica, em bom estado geral, 1 ano e 6 mêses após a operação.

Caso 99 - E. J. A. - Paciente de 2 anos, feminina, branca. Na entrada a radiografia revelava infiltração do lobo inferior esquerdo e adenopatias hilares bilaterais. Teve pesquisa de bacilos alcool-ácido resistentes positiva na internação, a hemossedimentação 45 mm. na 1.º hora e era bom o estado geral. Tomou 15,0 gr. de estreptomicina antes da operação e continuou positivo para bacilos alcool-ácido resistentes o conteúdo gástrico, mas à radiografia houve regressão da infiltração e das adenopatias, com início de calcificação. Após a amigdalectomia tomou mais 25,0 de estreptomicina e teve conteúdo gástrico negativo e melhora progressiva do quadro radiológico e do estado geral, tendo tido alta médica 1 ano após a operação.

Caso 22 - J. B. - Paciente de 4 anos, masculino, branco, com contágio paterno. Na internação apresentava bom estado geral, pesquisa de bacilos álcool ácido resistentes negativa no conteúdo gástrico, hemossedimentação 6 mm. na 1.º hora. A radiografia revelou aumento hilar direito e estrias na base direita. Antes da operação houve aumento de pêso, continuou baixa a hemossedimentação e a radiografia revelava trama aumentada nas bases pulmonares. Após a operação os exames continuaram negativos para bacilos alcool-ácido resistentes, hemossedimentação baixa, bom estado geral e radiografia inalterada. Teve alta médica, 3 meses pós a operação.

Caso 26 - T. O. - Paciente de 5 anos, feminina, branca, com contágio paterno. Na internação a pesquisa de bacilos alcool-ácido resistentes foi negativa no conteúdo gástrico, a hemossedimentação 90 min. na 1.º hora. A radiografia revelou adenopatia paratraqueal direita. Disseminação de pequenos nódulo em ambos os hemitoraces, principalmente na base direita. Teve, um ano após internada, em radiografia, opacidade do hemitorax esquerdo, por condensação pulmonar e derrame. Em radiografias subsequentes, houve clareamento e depois regressão dessas imagens. Após a operação com pesquisa direta no conteúdo gástrico e cultura para bacilos alcool-ácido resistentes negativa, hemossedimentação baixa e regressão progressiva, das imagens radiológicas, teve alta médica (3 meses depois da operação).

Caso 31 - A. L. S. - Paciente de 13 anos, masculino, preto, com contágio de pai e irmãos. Na internação a pesquisa de bacilos alcool-ácido resistentes foi negativa no conteúdo gástrico e hemos sedimentação de 35 mm. na l.º hora. A radiografia revelou condensação de segmento do lado inferior direito e adenopatia inter-brônquica direita. Antes da operação houve regressão radiológica das imagens de condensação, continuava negativo o conteúdo gástrico e a hemossedimentação era baixa. Após a operação, em bom estado geral, com baixa hemossedimentação e regressão das imagens, com induração, teve alta médica (1 ano e 1 mês após a operação).

Vê-se portanto, que dos 6 casos que apresentaram lesões histológicas tuberculosas na amígdala, sómente um teve evolução má, tendo os outros 5 obtido alta médica, com suas lesões inativas.

Técnica operatória

Como pré-operatório, além das normas habituais, prescrevemos, como preventivo de hemorragias, apenas o veneno de jararaca, em injeção intramuscular, cerca de duas horas antes da intervenção, prática que vimos seguindo há anos, em centenas de casos, com resultados superiores aos obtidos por meio de qualquer outro método. Pensando na possibilidade de complicações pulmonares pós-operatórias por germes não específicos, empregámos a penicilina profilaticamente. Trata-se de precaução, apenas, visto como não empregamos anti-bióticos nem antes nem depois das amigdalectomias em pacientes não tuberculosos, sem que tenhamos de assinalar complicação alguma evitável por meio da medicação antibiótica.

No caso especial de pacientes tuberculosos, poderíamos sugerir o emprêgo da estreptomicina, como possível preventivo da ativação de lesões tuberculosas pulmonares, emprêgo que nos parece racional se admitirmos a possibilidade da ativação de lesões pulmonares post-amigdalectomia. Como anestésico empregàmos o éter em 49 intervenções e o trileno em três, sem acidentes.

Em todos os casos empregàmos a técnica clássica de Sluder. Em adultos sería justificável o emprêgo do bisturi elétrico, sempre que admitíssemos a possibilidade de ativação de lesões pulmonares pela queda de germes na circulação.

2.ª PARTE

ANATOMIA PATOLÓGICA E PATOGENIA DA AMIGDALITE

TUBERCULOSA

É muito antigo o conhecimento da tuberculose da amígdala. Já Virchow a conhecia, porém a considerava rara, atribuindo mesmo a êste órgão certa imunidade. Antes da descoberta do bacilo, foi reconhecida como entidade clínica e patológica. Cornil, em 1875, e Deplous, em 1878, mencionam casos de ulcerações da faringe e amígdalas, diagnosticados só pelo exame clínico. Se bem que não ofereça macroscopicamente alterações características que facilitem ou permitam o diagnóstico clínico, pois o processo inicial originase na intimidade e profundeza das criptas epiteliais e raramente leva á extensas destruições teciduais, a infecção tuberculosa amigdaliana tem sido bem estudada, sobretudo do ponto de vista histológico, por cujo meio se firmaram sempre os diagnósticos. Sôbre este assunto defenderam tese: Brüggemann, Lachmann e Lasagna. Ganhou interesse a questão quando alguns autores encontraram alta e significativa porcentagem de amigdalite tuberculosa na tuberculose pulmonar aberta, seja nas autópsias, seja nos doentes, como mais adiante veremos, e principalmente quando se procurou estabelecer uma correlação entre a infecção amigdaliana e o comprometimento dos gânglios linfáticos cervicais. Mais tarde aventou-se o problema da repercussão que a amigdalectomia poderia ter sobre fócos tuberculosos outros, existentes no organismo, sobretudo nos pulmões, por cuja disseminação seria responsabilizada.

Reagem as amígdalas com grande facilidadee frequência aos agentes patogénicos. O processo inflamatório agudo esboça-se com afrouxamento e descamação limitada do epitélio superficial das criptas. Esta perda de epitélio, tida como lesão inicial ou infecção primária nas amigdalites em geral, é o ponto de partida para a penetração das bactérias no tecido amigdaliano. Advém, em seguida a exsudação serosa e emigração leucocitária das criptas, dada a relativa permeabilidade do epitélio. Deste modo formam-se diminutos ou volumosos tampões nas criptas; aí se depositam afinal leucocitos degenerados, muco, detritos, germes microbianos e células epiteliais em decomposição.

Em geral formam-se múltiplas e pequenas lesões iniciais e pela confluência, em extensão e profundidade, dos diversos fócos, desenvolve-se o processo inflamatória, com os seus diversos aspectos anátomo-patológicos, desde a simples inflamação catarral, como foi acima descrita, até os processos destrutivos mais graves, de modo semelhante ao que se passa com as lesões inflamatórias do apêndice.

Descreveu Aschoff, em verdade, um quadro característico para as lesões inflamatórias agudas do apêndice; tratava-se de um grande acúmulo de leucocitos neutrófilos, de fôrma cônica, estando o ápice voltado para a mucosa, túnica na qual se notava ligeira depressão e pequena solução de continuidade do epitélio. Em sua substituição via-se um exsudato fibrino-purulento. Era esta a infecção primária do apêndice, orgão semelhante à amígdala, de onde a clássica denominação de "amígdala intestinal" (Sahli). Posteriormente Aschoff identificou nas amígdalas o mesmo modo primário, inicial, de reagir diante dos agentes bacterianos, no que foi seguido por Dietrich.

A amigdalite crônica se caracteriza pela proliferação degenerativa do epitélio lesado e por alterações reparativas do tecido linfático. Há nítida hiperplasia dos folículos linfáticos e os centros germinativos se apresentam muito desenvolvidos. No interstício proliféra um tecido de granulação com ou sem áreas de exsudação fibrinosa e que se mostra regularmente infiltrado por linfocitos e plasmacélulas.

No seu aspecto histológico as lesões tuberculosas das amígdalas, como aquelas de outros órgãos, pulmões, gânglios linfáticos, etc., se caracterizam pela presença de alterações teciduais próprias da inflamação específica. Estabelecida a lesão primária com o afrouxamento e descamação do epitélio superficial das criptas, sob a ação do bacilo de Koch, sobrevem a reação inflamatória conjuntivo vascular. Inicia-se assim a formação de um exsudato composto de fibrina, granulocitos e alguns linfócitos. Ainda pelo efeito dos bacilos que aí se encontram, dá-se posteriormente a necrose dêste exsudato e a propagação das alterações inflamatórias às zonas vizinhas. Em tôrno do foco exsudativo, da área de caseificação assim chamada, em sentido radiado, proliferam as células do tecido conjuntivo intersticial: aumentam o seu volume, e os seus núcleos se tornam grandes e vesiculosos. Originam-se assim as células épitelióides e as células gigantes de Langhans, tentando englobar e organizar o fóco inicial da caseificação. Quer dizer: prolifera em redor da área necrótica inicial um tecido de granulação, constituído de células epitelióides e de gigantocitos, de forma aproximadamente esférica ou ovalar, a que se dá o nome de tubérculo. Na periferia vê-se um halo de infiltração linfocitária.

Na tuberculose da amígdala formam-se nódulos epitelióides típicos, com ou sem gigantocitos, que se localizam sob o epitélio superficial das criptas, mostrando, portanto, uma situação sub-mucosa de início. Depois aumentam de tamanho, podendo tornar-se confluentes e conglomerados e se estendem então ao tecido linfático. Prontamente dá-se a proliferação regenerativa do epitélio, que em alguns casos mostra zonas de paraqueratose e reticularização progressiva. A persistência do fóco necrótico de caseificação é relativamente rara, e excepcional c o encontro de zonas extensas de caseose. Usualmente há forte hiperplasia de todo o tecido linfático.

Já Piffl notara que os nódulos tuberculosos se localizavam preferentemente na sub-mucosa do tecido adenóide logo abaixo da cripta epitelial. Robertson falava das "criptas infectantes das amígdalas" e Mitcheli era de opinião que as lesões tuberculosas admitiam diversas situações na amígdala: em tôrno das partes profundas das criptas, logo abaixo da mucosa, na proximidade da abertura das criptas ou nas partes mais profundas, junto à cápsula. Pluder e Fischer achavam em alguns casos de tuberculose das adenóides, que os tubérculos se situavam parte dentro e parte entre os folículos linfáticos. Ruge descreveu as lesões como se ocorressem preponderantemente dentro dos foliculos,ao menos em um dos seus casos. Foi, porém, Weller quem classificou e estudou metódicamente os diversos tipos de tesões histológicas, encontradas na tuberculose amigdaliana, a êles atribuindo significação clínica particular. Distingue este A. três tipos fundamentais: 1) Infecção críptica focal. Localizam-se neste caso os tubérculos na sub-mucosa e se restringem a uma ou mais criptas, às vezes de áreas surpreendentemente extensas. Os folículos linfáticos são poupados ou só tardiamente se tornam comprometidos pelo processo inflamatório. Frequentemente estas lesões são unilaterais. 2) Infecção folicular. Neste grupo às lesões atingem os folículos linfáticos e os seus centros germinativos; distribuem-se das uniformemente pelo tecido inter-folicular e são em geral bilaterais. 3) Num terceiro grupo coloca as lesões reconhecíveis pela aparência mais grosseira, resultantes de infecções crípticas múltiplas e extensas. São as lesões ulcerativas semelhantes ao lupus. Finalmente frisa que êstes tipos críptico e folicular podem ser encontrados isolados ou combinados, do que resultaria o tipo mixto. Interpretando os seus achados, Weller acredita que a "área de infecção críptica", sub-mucosa, comumente unilateral, evoluindo sem envolver os folículos, ou só tardiamente o fazendo, representaria processos focais de infecções vindas de fóra, isto é, tratar-se-ia então ou de infecções primárias da amígdala no sentido de Ranke ou de auto-infecções, por exemplo com o bacilo existente no escarro. A infecção folicular, constituída de lesões disseminadas, geralmente bilaterais, tomando os folículos linfáticos, representaria o resultado de disseminações hematogênicas do bacilo. Os tipos mixtos são encontrados nos casos de tuberculose pulmonar avançada, com escarro rico em bacilos e com disseminações miliares generalizadas, comparáveis àquelas que ocorrem no fígado, baço, rins, etc.

Não se faz por uma só via a disseminação dos baciluos tuberculosos nas amígdalas. Em primeiro lugar vamos distinguir a infecção primária no sentido de Ranke. Por inalação ou ingestão de bacilos tuberculosos dá-se a contaminação críptica e o desenvolvimento das lesões específicas, com o consequente comprometimento dos g. linfáticos do pescoço. Éstes casos devem ser raros. Conforme tivémos ocasião de verificar, no que há sobre o assunto, são casos que requerem maior documentação e bases anátomo-patológicas mais sólidas. No entanto, os conhecidos estudos feitos por Schürmann, por ocasião do célebre acidente de Lübeck, não deixaram dúvidas quanto à possibilidade de uma infecção primária das amígdalas por ingestão dos bacilos tuberculosos. Mas êste tema foge um pouco ao que mais nos interessa e esclarecimentos diversos sôbre êle poderão ser encontrados em Leitner, entre outros.

Como séde de processos de reinfecção tuberculosa podemos discriminar nas amígdalas três vias: 1) via hemática; 2) via linfática; 3) contaminação direta da superfície amigdaliana pelos bacilos existentes no escarro. Trata-se nestes três casos de uma infecção tuberculosa secundária da amígdala. O fóco inicial deve existir em outro órgão. Cabe aqui uma distinção de carater geral. Há sempre certa confusão ou imprecisão de termo quando os autores falam em tuberculose primária de certos órgãos, por exemplo: tuberculose primária da amígdala, dos óssos, da tireóide, do epidídimo, etc. Significa o afirmado que tais órgãos entraram em contacto com o bacilo tuberculoso pela primeira vez e por êle exclusivamente se acham atacados. É necessário, porém, acentuar que o termo primário aí empregado, cronológicamente, isto é, no desenvolvimento temporal, pode não ser exato, pois deve existir um fóco tuberculosa anterior, localizado em outro ponto do organismo, pulmão ou intestino em geral, a partir do qual se dera a disseminação de bacilos, ocasionando assim a colonização em tais órgãos. Dêste modo e para evitar confusão, seria mais apropriado distinguir uma lesão primária no sentido de Ranke, quando o órgão, por exemplo, a amígdala, entrasse em contacto com o bacilo tuberculoso pela vez primeira, sem que houvesse comprometimento de qualquer outro órgão, no qual pudesse estar assentada uma lesão tuberculosa; e uma tuberculose secundária da amígdala, caso exista esta lesão tuberculosa anterior em outro órgão.

Na tuberculose secundária das amígdalas, Bandelier, v. Scheibner, Strassmann, Weller, Newhart e colaboradores e Rössner, entre muitos outros, consideram como mais provável a via esputógena, o que se torna fácil de compreender nos casos de tuberculose pulmonar avançada, progressiva. Há muitos anos, mostrára Seifert, com efeito, que o escarro infectado tinha papel decisivo na infecção tuberculosa amigdaliana. Nas criptas epiteliais encontrariam os bacilos lugar propício à colonização.

A êste respeito são interessantes as experiências de Cornet (1899). Esfregando culturas de bacilos ou escarro infectado na mucosa bucal, faringeana ou das amígdalas de cobaias, conseguia provocar lesões especificas, desde que a superfície críptica não fosse íntegra. Caso contrário a infecção não ia por diante. Orth em 1879 já conseguira, contudo, produzir a tuberculose das amígdalas e gânglios linfáticos regionais em cães, alimentando-os com material tuberculoso e clamava a atenção para a via utilizada. Trabalhando com tinta da India, Gerber injetava a parede faringeana de cães e cobaias. Sacrificando os animais a intervalos de tempo variáveis, as partículas eram achadas nos g. linfáticos cervicais, pleura apical e depois no próprio tecido pulmonar. O mesmo aconteceria coma disseminação tuberculosa. Êste fato porém, fére frontalmente as conclusões de Vanzetti e sua escola. Na verdade, assim se expressa o Tratado de Anatomia Patológica Especial Italiano: "A doutrina da disseminação tuberculosa a partir da tuberculose oro-faringeana para os g. linfáticos cervicais superficiais e profundos, com sucessiva propagação para os g. linfáticos peri-tráqueobrôquicos e ao pulmão... não se dá pela falta de anastomose entre sistema linfático cervical e tráqueo-brônquico". No entanto, Wood, que esfregava bacilos tuberculosos nas amígdalas de cães, obtinha a infecção não só da amígdala, como também dos g. linfáticos cervicais e mais tarde dos g. bronquiais e mesenteriais. Baup repetiu tais experimentações de Wood, regulando, porém, a dosagem de bacilos. Com isto esperava limitar a infecção à amígdala, o que não se deu, pois em todos os casos houve participação dos g. linfáticos cervicais. Aberta está ainda, portanto, a questão.

Pela via sanguínea conseguia Krauspe provocar a tuberculose amigdaliana com injeções de bacilos. Depois de 6-8 dias começavam a aparecer os tubérculos epitelióides típicos no tecido infático. Goodale provou que diminutas partículas de carmin, injetadas nas criptas, são rapidamente absorvidas e prontamente vistas no tecido inter-folicular. Mais tarde chegavam aos folículos. Estes trabalhos foram confirmados pelos de Hendelsohn e Kayser. Contudo os folículos, resistem mais, a participar dos diversos tipos de experimentação. Hendelsohn só após intensa e continua aplicação de pó nas criptas é que via algumas partículas dentro dos fóliculos linfáticos e Arnold observou que folículos e seus centros germinativos ficavam relativamente livres de partículas, mesmo quando o tecido inter-folicular estivesse densamente invadido.

Admite-se também a via linfática retrógrada, quer dizer: a contaminação das amígdalas por uma linfadenite tuberculosa cervical. Mas o problema é muito discutido. Na opinião de Bandelier, Orth e Wentenhöffer o assunto precisa ser bem esclarecido e provado experimentalmente. Consideram-na muito pouco provável Schienker, Wada e o próprio Bandelier, entre outros. Contudo na experimentação animal há casos bem sucedidos. Blum injetava substâncias inertes e organismos vivos em g. linfáticos cervicais de Cobaías e os encontrava mais tarde nas amígdalas e cavidade bucal. Mesmo a clínica contribue com preciosos esclarecimentos em casos relacionados com as vias de disseminação. Descreveram van Zwaluwenburg e Grabfield uma pleurite apical que ocorria com mais frequencia em indivíduos que mostravam lesões tuberculosas das amígdalas (95 % dos casos). Desde que não existisse a infecção amígdaliana a pleurite apical aparecia em somente 11% dos casos. Sugere-se com isto que deva existir uma via comum de infecção a partir das amígdalas e linfáticos cervicais para atingir a pleura apical e daí os pulmões.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial