Versão Inglês

Ano:  1941  Vol. 9   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 261 a 266

 

TUBERCULOSE DA TRAQUÉA (1)

Autor(es): DR. FABIO BELFORT (2)

Definição - A tuberculose da traquéa é conhecida ha muito tempo. Sem remontar até ao inicio do século passado, pode-se citar Morell-Mackenzie, o qual, no "Tratado pratico das molestias do laringe, do faringe e da traquéa", de 1880, e que fez época, assim define a "tísica traqueal":

"Assim se designa uma afecção cronica da traquéa, caracterisada pela tumefação e ulceração de tecidos moles, e às vezes pela desnudação e destruição das cartilagens, em seguida a um depósito de tuberculos, provavelmente sempre precedida de uma afecção semelhante para o lado dos pulmões".

Com ligeira modificação, essa definição pode servir até hoje. A grande diferença daquela época para cá é que, outrora, o diagnostico era feito na mesa de necroscopía, enquanto hoje podemos fazê-lo com toda a segurança, por meio de endoscopía. O emprego do broncoscopio trouxe certa animação nesse campo da tuberculose. Recentemente, Samson, Barnwell, Littig e Brugher introduziram a expressão traqueo-bronquite tuberculosa, que pode ser definida como "a infecção especifica da mucosa ou submucosa da traquéa e dos bronquios".

Frequência - A tuberculose da traquéa não é rara. Se os autores se preocupam muito pouco com essa localisação, é por que os sintomas são pouco importantes, se os compararmos aos sintomas pulmonares e laringêos, geralmente presentes. As estatísticas antigas já demonstravam sua consideravel frequência. Heinze, em 1236 casos de t. pulmonar, em Leipzig, observou 99 casos de t. traqueal, sendo que em 80 desses últimos havia lesões laringéas. Morell-Mackenzie, em Londres, em 100 casos de t. laringéa, observou 27 de traqueal. Berthez e Sanné, em 12 casos de t. laringéa, observaram 3 de t. traqueal, ao passo que em outros 4 casos de t. traqueal, não havia lesão laringéa. Modernamente, Brugher, Littig e Culp, em mais de 100 casos, observaram 40% com lesões traqueais. Warren, Hammond e Tuttle observaram 30% em cerca de 200 casos. Essas estatísticas se referem a exames em cadaver.

Com o emprego da endoscopía, estão sendo levantadas novas estatísticas. Samson e seus colaboradores levantaram 55 casos. Myerson, examinando 236 casos, encontrou 9 com lesões traqueais, o que dá 4 %. E' justo supor que o número de casos levantados seria maior se fosse praticada a traqueoscopia sistematica em todos os t. pulmonares. Tem-se observado que a t. traqueal pode permanecer larvada, coexistindo com um bom estado geral. Não tem razão de ser a afirmação de Albrecht de que "A t. traqueal não costuma aparecer senão no período terminal da tisica".

Patogenía - A existência de t. traqueal primitiva genuina, isto é, tuberculose de primo-infecção na traquéa, parece não ter sido abordada até hoje. Os casos denominados primitivos se referem àqueles nos quais o exame clínico mais minucioso não permite descobrir ataque aos pulmões, não existindo, tambem, lesão laringéa, ao passo que na necroscopía foi possivel evidenciar lesões pulmonares, embora muito reduzidas. O problema é de dificil solução. E' o mesmo que surge para a patogenía da t. de todas as porções das vias aereas superiores.

O caso que apresentamos pode ser rotulado como de t. primitiva, pelo menos por enquanto.
Na maioria das vezes, porem, ha lesões pulmonares e, muitas vezes, lesões laringéas. A extensão das lesões pulmonares à traquéa comporta a discussão das mesmas vias que se encontram na patogenía da t. laringéa: Broncogenica, hematogenica e linfogenica. Tambem é necessário pensar na possibilidade muito compreensivel da extensão de um processo laringêo até à traquéa, por simples contiguidade.

Anatomía patologica - Os autores descrevem o início por um simples espessamento infiltrativo da mucosa. Esse espessamento geralmente é reduzido, porem pode ir até a cerca de 1 cm. de espessura da mucosa. Não se trata de uma hiperplasía, como bem faz notar Myerson, porem de uma infiltração. Esta última geralmente corresponde aos trechos membranosos, entre as cartilagens, mas pode corresponder aos próprios aneis cartilaginosos, sendo, nesse caso, mais reduzida, visto como a mucosa adere intimamente à cartilagem. A infiltração é constituída de inumeros pequenos tuberculos que podem se fundir e produzir ulcerações. Nas formas miliares, as granulações se apresentam em grande quantidade, com o aspecto que se observa no laringe. As vezes a cartilagem é atacada e perfurada, surgindo um processo de mediastinite circunscrita que se extende ao esofago, atraindo-o para o lado da traquéa, com formação de fistulas traqueo-esofagianas. As vezes as lesões tomam um aspecto tumoral, constituindo massas tuberculomatosas que obstruem mais ou menos a luz da traquéa.

Formas clinicas - Como se depreende do que ficou acima, podem-se encontrar três tipos clinicos: A forma ulcerosa, mais frequente; a forma tumoral ou tuberculomatosa; e a forma fistulisante.

A forma ulcerosa se apresenta à traqueoscopía sob a aparência de pequenas ulceras superficiais, porem, podem surgir ulceras mais profundas e mais extensas, indo até a 3 cms. de diâmetro.

Na forma tumoral ou vegetante, observam-se tumores de aspecto papilomatoso, roseo ou avermelhado, geralmente situados na parte alta da traquéa, o que permite uma traqueotomía com o fito de aliviar o paciente de sua violenta dispnéa.

Na forma fistulisante nota-se a penetração de materias alimentares dentro da traquéa, sendo essas materias expelidas pela tosse. Em certos casos, porem, a fistula não é traqueo-esofagiana, porem determinada pela abertura de um ganglio supurado que corroe as paredes da traquéa. Nesse caso, a tuberculose da traquéa, em lugar de se desenvolver de dentro para fora, se desenvolve de fora para dentro. Nessas formas fistulisantes tambem têm sido incluidos os casos de tuberculose das paredes da traquéa pela implantação de bacilos oriundos dos pulmões, em doentes traqueotomisados.

Samson e colaboradores, baseados em exames endoscopicos, julgam mais util a seguinte divisão:

a) Formas não ulcerativas e não estenoticas. Ha infiltração e espessamento sub-mucoso circunscrito, com formação de tuberculomas sub-mucosos;
b) Formas hiperplasticas (sic), com formação de tuberculomas sub-mucosos;
c) Formas ulcerativas, com perdas mais ou menos extensas da mucosa;
d) Formas fibro-estenoticas, com estreitamento localisado em um ponto restrito ou tomando o aspecto de cicatriz irregular.

Diagnostico - Os sintomas são muito escassos, às vezes nulos. Em alguns casos se observa dispnéa, em outros o paciente acusa dor espontanea ou à compressão da traquéa. A tosse pode ser de tipo especial.

No nosso caso, o paciente veio à consulta apenas por fraqueza.

A baciloscopía, às vezes, é intermitente e não se encontra lesão pulmonar que a explique, como no caso observado.

A traqueoscopía é o meio de diagnostico mais importante. Pode revelar ulcerações razas, pequenas ou, pelo contrário, ulcerações profundas ou extensas, indo até 3 cms. de diâmetro. Podem ser observados tuberculomas cujo tamanho vai até o de um grão de milho.

A presença de um processo de traqueite difusa fala contra a natureza tuberculosa do processo.

A importância da traqueoscopía pode ser aquilatada pelo relato de Wilson que, tendo recebido 21 casos clinicamente diagnosticados de traqueo-bronquite tuberculosa, conseguiu confirmar o diagnostico em 18, por meio de endoscopía. Nem sempre, porem, se deve praticar a endoscopía nesses pacientes. Segundo Samson e colaboradores, as contra-indicações são as seguintes: Hemoptises recentes, ulcerações laringéas, tuberculose grave e tuberculose parenquimatosa avançada.

A biopsia é excelente meio de diagnostico diferencial, se houver suspeitas que propendam mais para cancer, lues ou escleroma. Se, porem, se tiver suspeita de tuberculose, não se deve praticá-la, pois ha perigo de que o sangue que escorra da pequena ferida vá contaminar zonas pulmonares indenes.

Tratamento - Mutatis mutandis, é o mesmo da tuberculose laringéa. Myerson empregou a coagulação e a aspiração, esta última como paliativo. Tambem usou o nitrato de prata a 5 %. Wilson empregou esta última droga a 20 ou
25 %. Schiffers aconselha o acido latico. Davison, a electrocoagulação. Samson e colaboradores empregaram a rontgenterapia em 12 pacientes, com bons resultados.

OBSERVAÇÃO

N. P., ficha 5374 do Instituto Clemente Ferreira, branco, italiano, casado, operário, veio à consulta geral no dia 22 de julho de 1940. Início da doença ha 1 mês. Fraqueza, tosse, expectoração, emagrecimento rápido. Não tem febre, inapetência, nem suores noturnos. A rontgenfotografía nada apresenta de anormal. A radiografia, idem. No entanto a baciloscopía revela a presença de 6 bacilos, em todo o esfregaço. Tendo sido apresentado à sessão semanal do Instituto, propuz que se fizesse a endoscopía, sendo encaminhado para o serviço de oto-rino-laringología.

No dia l.° de Agosto é praticada a traqueoscopía. Ulceração superficial, sangrante, abaixo da corda vocal direita. No dia 8, repetí o exame, para colheita de material in situ. O material obtido pelo esfregamento do tampão sobre a lesão, não revelou b.K. No dia 12 de Setembro, repeti a traqueoscopía e retirei, novamente, material, tendo o exame revelado raros b. K.

A radiografia repetida no dia 6 de Setembro, ainda foi negativa.

Resolví experimentar a ação do chaulmoogra e pratiquei longa serie de instilações, com certa discontinuidade, pois o paciente faltava, periodicamente, aos curativos.

Último exame, praticado no dia 9 de Abril de 1941, mostrou uma orla de mucosa frouxa, em prolapso, no ponto correspondente à ulceração anterior.

BIBLIOGRAFIA

MORELL-MACKENZIE - "Traité pratique des maladies du larynx, du Pharynx et de la trachée". Trad. de Moure e Bertier, 1882, Paris, Doin.
DENKER-ALBRECHT - Tratado de otorrinolaringología - Trad. de Martinez Amador, Barcelona, Gili, 1928.
COLLET - "Tuberculose du larynx et des voies respiratoires superieures" - 1913, Doin, Paris.
PORTMANN-RETROUVEY -- "Les voies aériennes et la tuberculose- 1936, Masson, Paris.
SCHIFFERS - "Tuberculose de la trachée" - In "Traité pratique d´oto-rhino-laryngologie" de Lannois e outros, 1921, Doin, Paris.
WARREN, W. et al. - "Tuberculous bronchitis" - Amer. Review of Tbc." - vol. 37, Março, 1937.
SAMSON, P. C. - "Tuberculous tracheobronchitis" -- Journ. Thorac. Surg. vol. 6, Junho, 1937.
SAMSON et al. - "Tuberculous tracheobrochitis" -- Journ. Amer. Med. Ass., Maio de 1937.
BRUGHER, J. C. et al. - Tuberculous tracheobronchitis" - Amer. Journ of Med. Sciences, Abr. 1937.
MYERSON, M. C. - "Limitations of bronchoscopy in treatment of tracheobronchial tuberculosis" - Ann. Otol. Rhinal etc. - Setembro, 1938.
DAVISON, F. W. - Treatment of tuberculous tracheobronchitis" - Idem, idem.
KERNAN, J. D. - "Treatment of tuberculosis of trachea and bronchi" - Idem, Junho, 1938.
MYERSON, M. C. - "Tuberculous ulcero- granuloma of the trachea and bronchi" - Idem, Março de 1940.
WILSON, G. E. - "Diagnosis and treatment of tuberculosis of the larynx and contiguous areas" - Archives of otolaryngology, Fev., 1941.




(1) Trabalho apresentado ao 2.º Congresso Brasileiro de Tuberculose, reunido em São Paulo em Maio de 1941.
(2) Oto-rino-laringologista da Liga Paulista Contra a Tuberculose e do Instituto Clemente Ferreira.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial