PRÓTESE BUCO-MAXILO-FACIAL - Nariz e palato artificiais.
Autor(es): DR. MÁRIO GRAZIANI (1)
CLINICA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA STA. CASA DE MISERICORDIA DE S. PAULO (Serviço do Dr. Mario Ottoni de Rezende)
Nos domínios da prótese restauradora maxilo-facial, um dos capítulos sem dúvida mais interessantes e, ao mesmo tempo, que maiores dificuldades oferece, é a prótese nasal.
A construção de uma prótese nasal é de êxito problemático, porque por mais bem adatada e por mais perfeito que seja o seu dispositivo de fixação, nunca é possível igualar-se perfeitamente a côr e o aspecto natural dos tegumentos da face. Por mais hábil que seja aquele que se encarregar da pintura da peça, a ninguém é dado o privilégio de igualar as cousas vivas; apenas se imita. Entretanto, com essa imitação, consegue-se muitas vezes obter resultados tais, que a prótese constitue um admirável paliativo, reintegrando o paciente em seu afazeres cotidianos, livre do terrível olhar dos curiosos.
O nariz é a parte do rosto que mais concorre para a formação e individualização da fisionomia e portanto, o elemento de maior valôr no conjunto harmônico da face.
Podemos, assim, calcular a amargura e a sensação de inferioridade de um individuo portador de deformidades graves do nariz ou então, desprovidos totalmente dêsse precioso apêndice.
Apresentaremos aqui um caso de restauração protética do nariz e da abóbada palatina, caso êsse da nossa Seção de Cirurgia da Boca do Serviço de Oto-nino-laringologia do Hospital da Santa Casa (Serviço do Dr. Mário Ottoni de Rezende) e que nos foi confiado pelo Dr. Rebelo Neto, ilustre chefe da Seção de Cirurgia Plástica do mesmo serviço.
Não constitue, o caso em apreço, novidade alguma, de vez que a restauração protética de partes perdidas da face já era conhecida e praticada em épocas remotas, principalmente a prótese nasal. Os antigos construiam narizes de madeira. O imperador Oton III, por ocasião de sua visita ao túmulo de Carlos Magno, fez substituir a ponta que faltava do seu nariz por uma de ouro. Albrecht menciona um caso de prótese nasal, construída, em ouro, no ano 1000 da nossa éra. E Ambroise Paré já construía narizes artificiais em ouro ou em prata.
Contudo, nosso intúito ao publicarmos o presente caso, é realçar a grande importância dos serviços odonto-estomatológicos anexos aos grandes hospitais. Não, é obvio, tendo em vista a prática da dentisteria restauradora em seus múltiplos aspectos. Mas visando a clínica e a cirurgia especializada das enfermidades buco-maxilares, nas quais os dentes desempenham importante papel, e visando também outros ramos da odontologia, ou sejam alguns importantes serviços que ao odontologista é dado prestar. A prótese buco-maxilo-facial, por exemplo.
A prótese buco-maxilo-facial é do domínio do odontologista; êle é, conforme explica Kukulies, o profissional que não só domina as relações anatômicas que se deverá ter em conta na intervenção, como é o profissional que dispõe em seu laboratório dos meios técnicos precisos para a confecção de partes artificiais da face.
Em virtude do atual desenvolvimento da prótese odontológica, dos progressos no que diz respeito aos materiais e aos métodos de que se utiliza, ela está apta, mais do que nunca, a extender seus benefícios a todas as partes da face onde se torna necessaria uma restauração estética ou mesmo funcional.
São frequentes as enfermidades que ocasionam destruição extensa e são também frequentes certas operações cirúrgicas que exigem resecções extensas tanto de tecidos moles como de tecido ósseo. Haja vista as resecções do maxilar e da mandíbula - operações que exigem a restauração protética das partes perdidas, assunto êsse que notabilizou Claude Martin. Haja vista, ainda, as extensas perdas de substância ocasionadas pelas manifestações sifilíticas, cancerosas, etc., e as perdas de substância determinadas por acidentes, armas de fogo, etc.
Fig. 1 - Máscara facial e nariz modelado em cera.
Fig. 2 - Nariz e palato artificiais, conjugados.
Fig. 3 - Perfil, antes da restauração.
Fig. 4 - Perfil, após a restauração.
Fig. 5 - Antes da restauração.
Fig. 6 - Após a restauração. Os óculos são usados apenas para melhor dissimular.
O caso que apresentamos é uma destruição produzida por lupus sifilítico, enfermidade que se localiza geralmente no nariz, produzindo uma série de mutilações ou deformações, entre as quais a atrofia ou destruição do nariz. O caso é agravado pelo fato da paciente ser mulher e jovem, e ainda pela circunstância de existir concomitantemente grandes perfurações palatinas que destruiram grande parte do palato duro e do véu do paladar e também uma grande perfuração no faringe.
Porém, procuramos tirar partido da existência dessas lesões perfurantes, utilizando como meio de fixação de nossa prótese nasal, uma lâmina oclusora palatina. E essa lâmina, ao mesmo tempo que se prestou ao fim em aprêço, serviu também para a oclusão protética entre a bôca e o nariz, agindo como palato artificial, de vez que as comunicações naso-bucais ocasionam grandes transtôrnos funcionais. Além disso, serviu essa lâmina para suster uma arcada dentária artificial, visto tratar-se de uma. bôca desdentada.
O aparelho construido divide-se em três partes: a) lâmina palatina; b) nariz, com seu dispositivo de fixação; c) óculos. Todas essas peças são separadas, adatando-se, porém, por meio de encaixes, quando colocadas em seu devido lugar. A fig. 2 mostra o aparelho, com as duas partes principais em conexão.
A lâmina palatina apresenta, no lado nasal, um resorte penetrante que sustenta, dentro da cavidade nasal, um dispositivo metálico em forma de encaixe. No lado bucal assenta-se uma fileira de dentes, perfeitamente articulados com a arcada inferior.
O nariz, construido em vulcanite, foi modelado primeiramente em cera sôbre a máscara facial (fig. 1 ). Após a adaptação perfeita da peça em todo o seu contorno, o polimento da face externa foi dado apenas com lixa não muito fina, de maneira a não polir perfeitamente, ficando uma superfície áspera e sem brilho, para imitar melhor a pele. A fixação da peça é assegurada por meio de um pino de 4 cms. de comprimento, que sái da face interna e, dentro da cavidade nasal, vai penetrar e firmar-se no encaixe da lâmina palatina. A pintura foi feita com côres a óleo, usando-se uma combinação de ocre, cinábrio, branco de zinco, siena e ultramarino. Adicionando um pouco de essência de terebentina, conseguimos uma côr fôsca que muito se assemelha ao aspecto natural da pele. Com essa pintura, a peça pode ser lavada e é indiferente às influências exteriores.
Os óculos não agem como elemento de fixação; a sua função é apenas a de dissimular, escondendo, no dorso do nariz, a passagem brusca do artificial para o natural. Apoiam-se num encaixe levemente escavado no nariz artificial e podem ser retirados a qualquer momento sem que isso prejudique a estabilidade do nariz.
(1) Odontologista da clinica.