Versão Inglês

Ano:  1941  Vol. 9   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: -

Páginas: 211 a 216

 

CERCA DE MIL INSTILAÇÕES DE OLEO DE CHAULMOOGRA NO TRATAMENTO DA TUBERCULOSE LARINGÉA (1)

Autor(es): DR. FÁBIO BELFORT (2)

A aplicação do oleo de chaulmoogra à terapia da tuberculose do laringe foi por mim abordada em aula do curso de aperfeiçoamento de tisiología, realisado em Agosto do' ano passado, no Instituto Clemente Ferreira. Essa aula foi publicada na Revista Paulista de Tisiología, numero de Janeiro-Fevereiro de 1941. Volto ao assunto, para tratar de alguns pontos interessantes.

Tendo praticado perto de 1000 instilações em mais de 100 pacientes, julgo poder fazer algumas observações referentes a esse tratamento que venho empregando ha dois anos.
Nem todos os doentes ficaram em tratamento até obterem alta. A maioria abandonou-o, geralmente ao abandonar o Instituto, seja por desanimo de combater o mal, seja por agravamento do estado geral, seja por dificuldades financeiras, que, muitas vezes, os privam até dos meios de transporte até ao estabelecimento. Raros pacientes deixaram de comparecer por não suportarem o tratamento.

Em muitos casos não usei o chaulmoogra, exclusivamente. Não se tem o direito de sacrificar o doente à curiosidade cientifica. Por isso, sempre que julguei oportuno, lancei mão de outros meios, associadamente. É assim que, diante de uma epiglote fortemente infiltrada, aonde sabemos que a galvano-caustía dá brilhantes resultados, não hesitei em prejudicar seu tanto o rigor da experiência e intervir com a alça.

Não dei alta a não ser quando as lesões regrediam, sem apresentar sinais de atividade. É claro que essa alta tem de ser provisória condicionada à sempre possível peora das lesões pulmonares, com agravamento do estado pulmonar.

Os autores estão de acordo em que a parte terapeuticamente ativa do oleo de chaulmoogra (tanto o verdadeiro como o falso), cabe ao acido chaulmoogrico. Parece que esse acido, que dá ao oleo suas propriedades irritantes, que se podem evidenciar facilmente pela deposição de uma gota sobre a lingua ou mesmo sobre uma zona cutanea fina, como seja o dorso da mão. Todos os doentes acusam, às primeiras aplicações, uma intensa sensação de ardôr na garganta. Algumas gotas deglutidas São o suficiente para despertar uma irritação gastrica que dura cerca de 3 dias, impossibilitando o paciente de se alimentar convenientemente, pois o estomago não suporta cousa alguma. Antes do chaulmoogra, usavam-se outros oleos tendo em solução menthol, eucaliptol, tímol, gomenol, etc. Geralmente se empregava o oleo de vaselina. Modernamente existe grande tendência a abandonar os oleos minerais, pois tem-se verificado que não são assimilados pelo organismo, sendo, quando muito, absorvidos sob a forma de gotas que podem agir como corpos extranhos. Pelo contrário, os oleos vegetais são atacados pelos líquidos organicos, sendo inteiramente assimilados.

A intima atuação do chaulmoogra não está bem elucidada. Fenton e Larsell, da Universidade de Oregon, que já realisaram outros belos estudos sobre a fisio-patología das vias aereas superiores, relataram, ha um ano, suas experiências "sobre certas reações dos tecidos laringêos aos agentes medicamentosos" (Archives of Otolaryngology, Setembro de 1940). Entre outras substâncias, estudaram a ação do oleo de chaulmoogra, que empregaram diluido a 1 % em oleo de sésamo. As experiências foram realisadas em gatos e revelaram as seguintes conclusões:

"Microscopicamente o epitelio estava peculiarmente espessado, mostrando uma superfície livre apertada. Cistos de varios tamanhos acorriam profundamente no epitelio, alguns cheios de leucocitos. As camadas epiteliais mais profundas estavam infiltradas por leucocitos, mas a injeção vascular era ligeira".

E claro que se trata de experiências de orientação, cujas conclusões não podem ser aplicadas integralmente ao homem, pois a mucosa do gato pode reagir de maneira diferente. Alem disso, os autores usaram o oleo fortemente diluído, enquanto que emprego o oleo bruto, sem diluição.

De acordo com os citados autores, os medicamentos, de maneira geral, teriam a seguinte ação:

"Os efeitos histologicos observados parecem ser devidos, principalmente, à absorção do conteúdo aquoso das celulas epiteliais pelos medicamentos hipertonicos empregados. Imediatamente depois da aplicação, a natureza se esforça para eliminar o agente irritante por meio de aumento da secreção de muco. As perdas epiteliais, cobertas a princípio por fina camada de muco, recebem reforço, consistindo de grande número de polimorfo-nucleares e linfocitos".

A dose de oleo empregada deve ser a estritamente necessária para cobrir o laringe. Cerca de 1 a 2 c.c., gotejados em todas as direções, bastam para que o oleo atinja, praticamente, toda a mucosa. Algumas gotas que deçam para a traquéa são logo expelidas pela tosse, sem maiores consequências. O metodo de embrocações subentende, na maioria dos casos, a anestesia local, o que não é praticamente possivel quando se teta de atender 12 a 15 doentes por manhã. Alem disso, as embrocações podem determinar, por si sós, lesões da mucosa que serão novos pontos de entrada para um laringe já tão visado pelo bacilo.

No trabalho citado no inicio, tive ocasião de resumir a ação do chaulmoogra em três palavras: Descongestionamento, desinfiltração e epitelisação. Os estudos de Fenton vieram dar uma certa base experimental a essa opinião. A desidratação pelo oleo determinaria a diminuição do edema infiltrativo. O descongestionamento parece ser a consequência da própria irritação, que traz certo gráu de hiperemía, seguida de fenômeno vascular in verso. Quanto à epitelisação, julgo que seja favorecida pela ação fortemente bactericida do próprio oleo.

Eis aí um plinto notavelmente interessante. Sabe-se que é grande a resistência apresentada pelo b.K. frente a numerosos antiséticos, mesmo em grande concentração. No entanto o oleo de chaulmoogra, embora não possa figurar entre os grandes antiséticos, tem uma ação nitidamente bactericida sobre o b.K. Embora isso já fosse conhecido, resolvi verificar o fato, solicitando o concurso do Dr. Mario Sanches, nosso competente chefe de Laboratório. Transcrevo abaixo os resultados dessas investigações, tais como foram apresentadas à reunião semanal dos medicos do Instituto, em 31 de Agosto de 1940:

"Em 6-8-940 pesámos, depois de sêcos, 1 cgr, de bacilos de tipo humano, isolados de um doente do Instituto (fonte 89-B) e emulsionamos com 10 c.c. de solução fisiologica esterilisada. Dessa emulsão tomámos 0,1 . c.c. ou seja 1 decimo de miligrâmo de bacilos e semeamos em meio de cultura de Petragnani-Saenz (tubo controle). Nesse tubo controle houve desenvolvimento rapido e muito abundante, em 6 dias de permanência na estufa a 37° C.

Em outros tubos colocamos a mesma quantidade de emulsão (0,1 c.c. ou 0,1 mgr. de bacilos) em contáto com o mesmo volume de oleo de chaulmoogra (0,1 c.c.). Esses tubos, assim como a emulsão bacilar pura foram colocados em estufa a 37° C. e, após contáto, respectivamente de 24 horas, 3 dias e 6 dias, foram semeados em meio de Petragnani-Saenz. Foi semeado igualmente 0,1 c.c. de emulsão bacilar pura, após 6 dias na estufa a 3 7°. Nesse segundo tubo controle houve desenvolvimento facil e abundante de colonias de b.K., tipo humano, em 7 dias. Nos outros tubos em que foram semeadas as emulsões que tiveram contáto com o oleo de chaulmoogra, durante 24 horas, 3 dias e 6 dias, não houve desenvolvimento, mesmo após permanência de mais de 30 dias das culturas na estufa a 3 7°.

Foram feitos igualmente em meios de gelose comum, controles para germens banais, respectivamente do óleo de chaulmoogra puro e da mistura de emulsão bacilar com oleo de chaulmoogra, após permanência de 6 dias em estufa a 37°. Esses dois tubos de controle permaneceram estereis".

Fato interessante: Observei que, uma vez empregado o chaulmoogra, as lesões ulcerativas tendem a se fechar, principalmente quando são pouco profundas, não tornando a surgir enquanto se usa o oleo. No entanto, lesões infiltrativas e edematosas, podem aparecer, mesmo com o doente sob a ação do oleo. Parece que o oleo mantem certo gráu de antisécía da mucosa, impedindo novas ulcerações por nova implantação bacilar. Talvez o fator lubrificação tambem contribúa, diminuindo o traumatismo pela tosse, que acarretaria pequenas fissuras da mucosa, favorecendo a implantação bacilar. No entanto, não se conseguiria impedir a infecção do orgão por via hematogenica, com localisação sub-mucosa, surgindo, assim, edema e infiltração. E' claro que essas hipoteses vão com as devidas reservas.

Do ponto de vista prático, a ação sobre a odinofagía é das mais importantes. Sendo de ambulatório o serviço que dirijo, não tenho grande frequencia de doentes portadores do que se pode denominar de "grande odinofagía", que geralmente põe epilogo à tuberculose laringéa. Esses casos são muito mais comuns nos sanatórios e hospitais. Os doentes de ambulatório apresentam, com relativa frequência, dores à deglutição, porem estas são bastante toleraveis. Esses casos de "pequena odinofagía" são tratados pelo oleo de chaulmoogra. E' sabido que a principal causa da odinofagía consiste na exposição, pelo processo de ulceração, das terminações nervosas sensitivas. Ora, se o oleo determina o recobrimento epitelial dessas ulcerações, logicamente tem de fazer desaparecer a odinofagía. No entanto, tenho, tambem, observado a odinofagía em casos sem lesões ulcerativas, apenas com lesões infiltrativas da epiglote e aritenoides. Na realidade, a odinofagía é despertada pela compressão das zonas laringéas doentes seja contra as paredes faringéas, seja contra o bolo alimentar ou os liquidos deglutidos. Isso explica porque só se encontra a odinofagía nas lesões das zonas laringéas altas, expostas diretamente à compressão - aritenoides, espaço inter-aritenoidêo, epiglote, dobras ari-épigloticas. Lesões, mesmo ulcerativas, das falsas cordas, das cordas vocais, da comissura anterior, dos ventriculos de Morgagni e sub-gloticas, não produzem odinofagía, pois se acham protegidas dentro do canal laringêo. E claro que, nos casos de grande odinofagía, o chaulmoogra pode ser usado, porem os grandes meios terapeuticos ainda faltam, sendo o laringologista obrigado a lançar mão da classica anestesía do laringêo superior, da alcoolisação ou seção. O processo do enfizema artificial sub-cutaneo, de Souza Soares, parece muito prometedor.




(1) Trabalho apresentado ao 2.º Congresso Brasileiro de Tuberculose, reunido em São Paulo, em Maio de 1941.
(2) Oto-rino-laringologista da Liga Paulista Contra a Tuberculose e do Instituto Clemente Ferreira.

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