Versão Inglês

Ano:  1941  Vol. 9   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 154 a 157

 

OTO-RINO-LARINGOLOGIA E TISIOLOGIA (1)

Autor(es): DR. FABIO BELFORT (2)

Se ha território da medicina do qual podemos dizer que sofreu verdadeira revolução, esse é o da tuberculose. Patologia, terapeutica, biologia do bacilo de Koch, tudo tem sofrido profunda revisão. Como consequencia, e à proporção que os novos conhecimentos sobre a fimatose vão progredindo, os metodos de combate se aperfeiçoam, ao mesmo tempo que surge a necessidade de ampliar os antigos serviços de profilaxia.

Ainda é dos nossos dias a época na qual a tuberculose era tratada pelos três meios considerados soberanos: super-alimentação, repouso e clima. Hoje, porém, a grande parte pertence
a outros metodos e a terapeutica se tornou tão complexa, que se verificou a necessidade de se estabelecer a divisão do trabalho, pelo menos nos sanatórios e dispensários.

Mesmo após o aparecimento da tisiologia como especialidade geralmente aceita, verificou-se que o tisiologo, por si só, não pode dominar a clinica pulmonar, o manejo dos raios X, as técnicas de laboratório aplicaveis ao diagnostico, a pequena e a grande cirurgia ligadas ao mal etc. Por essa razão, a medicina da tuberculose não pode fugir à tendencia geral para o trabalho de "équipe". Tisiologos, radiologistas, analistas e cirurgiões conjugam seus esforços com o fito de aperfeiçoarem os diagnosticos e aumentar a eficiencia do tratamento.

Qual a parte do oto-rino-laringologista nessa luta contra o terrivel flagélo? Eis o que procuro salientar nas linhas abaixo.

1. ° - Diagnostico e tratamento local de lesões tuberculosas dos ouvidos, fossas nasaes, seios para-nasaes e faringe. Somente o especialista pode tratar com acerto uma otorréa evoluindo em terreno tuberculoso, um tuberculoma nasal, uma sinusite que se arrasta em paciente tuberculoso.

2. ° - Diagnostico e tratamento de lesões laringéas de natureza tuberculosa. O numero de doentes de tuberculose pulmonar, apresentando lesões laringéas é consideravel, sendo geralmente avaliado em cerca de 1/3. Ora, esses doentes, alem do tratamento das lesões pulmonares, necessitam de uma terapeutica laringéa que não só lhes beneficie a totalidade do organismo mas tambem lhes alivie os sintomas laringêos.

O diagnostico e tratamento das lesões laringéas, dadas suas dificuldades técnicas, só pode ser realisado pelo laringologista, razão pela qual o tisiologo sempre lhe solicitou a colaboração. Alem de estabelecer o diagnostico da lesão ou lesões laringéas, o laringologista deve fazê-lo o mais cêdo possível, pois a precocidade do diagnostico, aqui como em muitos outros casos, é importantíssima condição para uma terapeutica eficiente. Daí a pratica do exame frequente do orgão vocal no tuberculoso pulmonar, exame que deve ser feito à menor perturbação sentida no laringe. Como regra absoluta podemos estabelecer que todo o tuberculoso que apresentar o mais leve velamento da voz, deve ter o seu laringe examinado.

No que diz respeito ao tratamento, é evidente que apenas o laringologista tem possibilidade de praticar cauterisações, excisões, toques medicamentosos etc., graças no habito do manejo quotidiano do espelho laringêo e do instrumental adequado. O mesmo se pode dizer da instilação e das embrocações com líquidos medicamentosos. Quanto à aplicação da lampada de quartzo, diretamente no laringe, bem como ao controle dos resultados, é superfluo dizer que essa terapeutica, tão gabada no ultimo decenio, necessita de ser realisada por mãos rigorosamente especialisadas e experimentadas.

3.° - Terapeutica da dôr - A instilação de oleos medicamentosos, dos quaes o chaulmoogra se acha em plena ordem do dia, bem como a do oleo de fígado de bacalháo ou, melhor, do morruato de etíla; a aplicação dos mesmos medicamentos sob a forma de pincelagens; a excisão de zonas ulceradas da epiglote; a ablação de tuberculomas laringêos; as galvano-cauterisações; as injeções de anestesicos ou de alcool sobre o laringêo superior; a secção desse nervo; tudo isso representa um conjunto de meios só utilisavel pelo laringologista, com o fito de combater o terrível sintoma produzido pelas lesões da garganta - a odinofagía.

4.º - Amigdalo-adenoidectomía - A contribuição indireta do oto-rino-laringologista à profilaxia da tuberculose se faz sentir, ainda, na ablação das amígdalas palatinas e faringéas infectadas, melhorando as condições geraes de resistencia de creanças que vivam em ambientes suspeitos. Esse serviço vem sendo por mim realisado no Dispensario da Liga Paulista Contra a Tuberculose, desde a sua fundação, já se contando com perto de duas centenas de amigdalectomias e outras tantas adenoidectomías.

5.° - Broncografía - Tambem a pratica da opacificação bronco-pulmonar pelo oleo iodado deve ficar entre as mãos do laringologista associado ao tisiologo, muito embora se tenham descrito processos simplificados, porem muito discutiveis.

Desde ha cerca de 6 anos venho insistindo na sua adoção como pratica quotidiana nos serviços de molestias pulmonares, como se pode verificar nos relatórios anuais apresentados à Liga Paulista Contra a Tuberculose, em conferencias realisadas na Sociedade de Tuberculose de S. Paulo (da mesma Liga) e nas reuniões semanais do Instituto Clemente Ferreira. E' claro que a broncografía deve ser empregada com parcimonia nos tuberculosos pulmonares.

6.° - Traqueotomía - As ultimas fases da tuberculose, com extensas lesões obstrutivas do laringe, exigem, por vezes, a traqueotomía de urgencia e mesmo a preventiva, intervenção que tambem é da alçada do laringologista.

7.º - Endoseopía - Com o desenvolvimento das técnicas endoscopicas, amplos horizontes se abriram ao diagnostico e terapeutica de inumeras pneumopatías, não sendo exagerado afirmar que, por esse caminho, grande avanço será dado na luta contra a peste branca, e isso sómente por meio de metodo sómente accessiveis ao laringologista-endoscopista. O assunto constitue objeto de outro pequeno trabalho aprasentado a este Congresso. No entanto, é oportuno lembrar que dele já tratei, ha cerca de 3 anos, em conferencia realisada na Sociedade de Tuberculose de S. Paulo. De acordo com esse trabalho, podem ser assim resumidos os serviços que a endoscopia peroral pode prestar ao tisiologo:

a) Diagnostico da verdadeira causa de certas hemoptises pseudo-tuberculosas;

b) Diagnostico diferencial entre tuberculose pulmonar e neoplasías bronco-pulmonares, por meio da biopsia direta;

c) Idem, com respeito à tuberculose laringéa;

d) Diagnostico diferencial entre tbc. pulmonar e abcesso pulmonar;

e) Demonstração da existencia de bronquectasías superpostas á tbc. pulmonar. Melhoría do estado geral pelo tratamento endo-bronquico das bronquectasías (drenagem, aspiração, aplicação de drogas diversas, lavagens etc.) ;

f) Pesquisa e tratamento local das estenoses bronquicas na tuberculose;

g) Tratamento local da tbc. limitada a pequenas zonas pulmonares, pela oclusão artificial do bronquio de drenagem. (Em estudo) ;

h) Aplicação endo-bronquica de raios ultra-violeta. (Em estudo) ;

i) Idem de saes de ouro. (Em estudo) ;

j) Pesquisa e tratamento de lesões tuberculosas das paredes traqueaes e dos bronquios;

k) Separação de expectoração dos dois pulmões, para verificação de qual deles elimina bacilos ou se ambos estão eliminando;

l) Destruição, por galvano-caustía ou diatermo-coagulação, de lesões tuberculosas proliferantes, obstrutivas das vias aereas.

E' claro que, neste ligeiro esboço sobre a contribuição da O.R.L. ao diagnostico e tratamento da tuberculose, não pretendo contrapôr o laringologista aos outros especialistas, nem estabelecer á preeminencia dos tubos endoscopicos sobre o resto do armamentário técnico. Como diz Shuster, em artigo sobre "Laringe na tuberculose", publicado nos Archives of Otolaryngology", Janeiro de 1937:

"Provavelmente em nenhum outro campo da Medicina, sem remedio especifico, foi feito tão notavel progresso em combater a incidencia e o decurso de uma molestia tão espalhada como a tuberculose pulmonar. A cooperação inteligente entre o tisiologo e o laringologista conduzirá a resultados egualmente notaveis na prevenção, diagnostico precoce e tratamento eficiente desta seria complicação".




(1) Trabalho apresentado ao 2.o Congresso de Tuberculose reunido em S. Paulo em Maio de 1941.
(2) Oto-rino-laringologista da Clinica Irmãos Belfort, da Liga Paulista Contra a Tuberculose e do Instituto Clemente Ferreira.

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