Versão Inglês

Ano:  1941  Vol. 9   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 112 a 120

 

TEST PARA DESMASCARAMENTO DE SURDEZ SIMULADA CONTRIBUIÇÃO (1)

Autor(es): DR. ANGELO MAZZA (2)

CLINICA DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA SANTA CASA DE MISERICORDIA DE S. PAULO (SERVIÇO DO DR. MARIO OTTONI DE REZENDE)

Cabe a nós otologistas, no que se refere a simulação, o papel inverso do da clinica.

Naquela o paciente culposamente propõe o diagnostico. Compete-nos, com os elementos semioticos de que dispomos, desfaze-lo.

Na verdade, o capitulo da surdêz simulada vem merecendo, de ha muito, o valor que lhe compete. As multiplas provas de despistamento provam-no de sobejo.

Entre nós a clinica está em grande parte sindicalisada e distribuida pelos Institutos de Previdencia que são as Caixas de Aposentadoria e Pensões. Instituições essas, cuja finalidade é o amparo na doença e na velhice. Daí torna-se obvio a possibilidade; não rara, de individuos, pouco escrupulosos, simularem surdêz, afim de conseguir o benefício maximo da Aposentadoria.

Deste modo, essa possibilidade não é mais privativa das classes militarisadas. Além da caserna transferiu-se para a clinica civil.

O otologista avisado, em face de um simulador, dificilmente será ludibriado; ao menor gesto dubio, uma contradição, uma atitude falsa e a simples entonação de vóz pódem revelar a má fé do paciente.

Considerando o carater subjetivo da surdêz, outras vezes, a tarefa é das mais arduas, sobretudo quando o individuo alía, ao maquiavelismo e à astucia, as qualidades inatas de exímio comediante e, dignas de figurar em qualquer ribalta.

Beck, nos E. Unidos, discutindo um trabalho sobre o assunto, de Mc Farland, cita até a existencia de educadores profissionais de candidatos com o fito de auferir vantagens economicas em organisações trabalhisticas. E' visando esses obstaculos, ás vezes dificeis de transpôr, que nos propuzemos trazer á casa, mais um test de desmascaramento, ao lado dos inumeros já existentes.

Antes de o analisarmos detidamente, cabe-nos declarar que o mesmo foi posto em pratica em um simulador, o qual, apresentou-se como candidato a aposentadoria, por 3 vezes, alegando surdês absoluta nas primeiras vezes, e, quasi total, na ultima. Foi, em face dessa tenacidade irritante, que lançamos mão, de uma variante pessoal, do test calorico, que, ora se segue:

Em seguida á excitação calorica do labirinto pedi em voz baixa, ao mesmo, olhar sucessivamente para cima, baixo e para os lados, pelo que fui atendido obedientemente. Este fato foi constatado com espanto, mesmo, por pessoas leigas, ligadas ao serviço otologico.

PRINCIPIO

O principio fundamental do test consiste na redução da capacidade simuladora, por um meio fisiologico.

Consta a prova de 2 episodios, um seguindo-se ao outro automaticamente.

I° - Excitação do ap. vestibular (meio fisiologico).
II° - Logo a seguir, ordenar um movimento qualquer.

Quanto ao 1.° - o excitante preferido pela maior facilidade é o calorico. (Prova termica de Barany). Em relação ao volume de agua evitar as pequenas e as grandes quantidades.

Na 2a. parte cabe tambem uma anotação. Antes de iniciarmos a prova insinua-se ao examinando é a visão que nos interessa e não a audição. Ordena-se, em vóz baixa, após a excitação do vestíbulo, olhar sucessivamente, para baixo, para cima, para a esquerda e para a direita. Escolhemos os movimentos do globo ocular, porquanto o nistagmo já faz parte da reação vestibular.

Antes de iniciarmos a sua critica passemos em revista os princípios que regulam as demais provas de surdês simulada.

Numerosos e variados são os tests conhecidos. Desde o mais simples ao mais complicado. Desde o arbitrario ao técnico. Do reflexo ao fisiologico e desde o inteligente ao engenhoso. Nenhum deles é exclusivo ou infalível. Não existe regra preestabelecida para a aplicação dos mesmos. As qualidades pessoais e intelectuais do paciente determinam a execução desta ou daquela prova. Contudo, quando, isoladamente, positiva é suficiente para condenar o réu.

Para fins didaticos dividiremos os "tests" em 2 grandes grupos: Objetivos e Subjetivos.

OBJETIVOS: - São independentes de qualquer informação do paciente. Estão nesta categoria os chamados tests reflexos.

SUBJETIVOS: - São aqueles, em que o examinador está a mercê dos dados conferidos pelo paciente.


OBJETIVOS:

Cocleo-palpebral de Sabrazés: consiste no ato de piscar quando é produzido um ruido intenso "ad concham".

Cocleo-pupilar: o ruido, neste reflexo, causa a miosis seguida de uma dilatação lenta.

Prova do canto de Barth: pede-se ao paciente que cante. O canto bem modulado mostra que o paciente ouve a sua vóz.

Reflexo psicogalvanico de Veraguth e Albrecht: consiste em intercalar o indivíduo num circuito com um galvanometro. Uma excitação sonora intensa é registrada pelo aparelho.

Reflexo cocleo-vascular é a prova pletismografica - o indivíduo contem em sua mão fechada uma pera de borracha. Está ligada a um tambor de Marey. As modificações circulatórias da mão, serão registradas pela agulha.

Prova de ensurdecimento de Lombard: baseia-se no controle da vóz pela audição. A perda desta o individuo perde a capacidade de regular a tenacidade da vóz.




Examinada assim, a estrutura intima de cada test, verifica-se que, todos, sem distinção, interferem com o aparelho acústico exclusivamente.

Em todo o exame otologico pericial, além de aparelho coclear, o vestibular sempre fez parte. A excitabilidade anormal deste vem em abono da sinceridade do paciente. E' todavia um exame subsidiario de pericia, ou melhor, um complemento do laudo.

A via vestibular para fins intencionais de despistamento parece-nos ainda não havia sido utilizada. Dentre todos os métodos acima citados, o unico (de Ramadier) poderia colidir com
o nosso. - Dispõe de uma corrente galvanica a qual, como é notorio, é tambem um excitante do labirinto vestibular. Este, porem, elimina a reação vestibular para considerar, apenas, o ruido musical (acufenos) que a correne produz ao fechamento do circuito. Interéssa-lhe somente a reação auditiva. E' pois, diametralmente oposto.

VANTAGENS DO TEST:

1.º - E' fisiológico
2.° - E' completo
3.° - De facil manejo
4.° - Necessita de escasso aparelhamento
5.° - E' praticavel tanto no consultório como em ambulatorios e hospitais.
6.° - E' aplicável fitos casos de simulação total, uni ou bi-lateral, em particular, nestes.

1.° - E' FISIOLOGICO: Quando excitamos um dos labirintos com a prova calorica, como resultado dessa excitação periferica desencadeamos a clássica reação vestibular. Esta reação complexa; no seu conjunto, é constituida por impulsos tonicos musculares objetivos (nistagmo, inclinação do corpo ou quéda) e sobre tudo pela sensação vertiginosa puramente subjetiva; o paciente acusa uma sensação ilusoria de deslocamento, isto é uma falsa sensação de movimento; Esta sensação erronea subjetiva, caracterisa e constitua ó elemento fundamenal da vertigem.

As reações objetivas não são sertão conseqüências ou fenomenos contingentes.

Estes elementos objetivos è subjetivos não são árbitrarios, guardam relação entré si e são função dos movimentos dá endolinfa: Conclua-se que, a vertigem é um fenômeno conciente, psico-sensorial, no dizer de Escat. Este autor decompõe a sensação vertiginosa:

a) Conciencia da perda do equilibrio, sentimento de queda, de inclinação, em geral, de um só lado.
b) Sensação visual da rotação de todo o campo visual para o lado oposto à inclinação.
c) Mal estar em geral, visinho de angustia."

Embora não tenhamos confirmação anatomica, os fatos clinicos evidenciam a condução do influxo vestibular até a cortex, onde, parece existir a sua representação. Esses fenomenos concientes (vertigem) agravados pelos fenomenos vago-simpaticos (nauseas e vomitos) devem forçosamente alterar o psiquismo normal do simulador e assim diminuir ou mesmo eliminar a sua capacidade simuladora.

2.° - E' COMPLETO: Porque examina ao mesmo tempo os 2 componentes funcionais do aparelho auditivo: coclea e vestibulo. Na ordem cronologica o test examina em 1.° lugar:
APARELHO VESTIBULAR: Si a resposta da excitação obtida estiver no limiar da normalidade e não faltar nenhum elemento da reação vestibular, estamos autorizados, pelo menos em bôa parte, a duvidar da sinceridade do examinado. Na ausencia de um elemento da reação, deante de uma hipo ou hiperexcitabilidade pode-se dar por finda a prova, pois temos grandes probabilidades de uma coclea tambem alterada. Isto que foi dito, muito embora não seja absoluto, as excepções são rarissimas. - Quanto ao aparelho Coclear é examinado na 2a. fase e diante de uma resposta vestibular completa, digo praticamente normal.

3.° - DE FACIL MANEJO: De fáto consta de uma simples prova calorica.

4.° - FAZ-SE mister apenas, de uma seringa e agua fria.

5.° - E' exequivel em qualquer lugar.

6.° - Pode ser igualmente usado para surdéz bilateral total e unilateral total, ou semi-total.

O test foi idealisado e posto em pratica para surdez simulada bilateral, e conforme foi verificado na historía clinica, podemos, no entretanto, aplica-lo na simulação unilateral total.

Embora não tenhamos experiencia pessoal, proceder-se-ia, nesse caso, a prova calorica no lado são e aproveitando-se o tempo de latencia, obtura-lo logo a seguir. Inutilisamos assim o lado são e completa-se a 2a. parte com a intenção de despistar o lado suposto doente.

CRITICA: - Só poderá ser usada na surdez total preponderantemente bilateral.

Nas lesões do tipo periferico, embora rarissimamente a alteração da coclea pode coexistir com um aparelho vestibular indene.

Na surdêz do tipo central o vestibulo reagirá bem, mas o test será negativo devido a ausencia da 2a. parte.

Não esquecer nas lesões unilateraes a compensação funcional do labirinto são.

Como toda prova so tem valor quando positiva.

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Estas ligeiras notas foram esboçadas depois de serem consultados varios tratados classicos modernos e antigos. Alguns dêles fazem menção, como exame complementar, o aparelho vestibular, do pseudo surdo. Ballenger no seu tratado classico de 1940, chama-o de test calorico. Neste livro, como naquêles, este consiste simplesmente na verificação da função do labirinto estatico. Daí tiram algumas palidas deduções. Percorrendo com mais vagar a literatura, deparamos com um artigo de Russel, de Chicago. Este autor passa em revista os varios processos e refere-se ainda, ao test calorico cujas palavras textuaes reproduzo: "O test calorico tem algum valor como meio de suspender a função coclear ao mesmo tempo que se examina o ouvido do outro lado, em caso de surdez absoluta unilateral. Si ao mesmo tempo da irrigação do ouvido normal, o paciente responder a pergunta da presença ou da ausencia da vertigem ele mostra que não é realmente surdo, no suposto ouvido afetado." (Russel: Laryngoscope Vol. 44 - Pag. 209 - 1934).

Analisando estas palavras verifica-se que o autor cita este test (calorico).

1.°) com o unico fito de anular a função coclear do lado são.

2.°) Aproveitando a função coclear neutralisada do lado normal, pesquizar a audição do lado oposto, indagando na reação subjetiva experimentada.

Estas duas premissas nos autorizam a concluir que o test calorico serve, apenas, para os casos de surdez unilateral total.

Contestamos e consideramos muito duvidoso o fáto de uma simples prova calorica eliminar, de vêz, a função auditiva.

Embora involuntariamente, o test submetido hoje á apreciação da casa tem algo em comum com o citado test calorico: a irrigação do ouvido.

Diverge porem:

1.° - Na intenção: a nossa prova é realisada intencionalmente. Os fenomenos concientes desencadeados pela irrigação desviam a atenção da simulação para a sensação subjetiva. A capacidade simuladora será, ipso fato, eliminada ou reduzida.

O test calorico visa apenas, o mascaramento do lado são.

2.° - Na finalidade: a nossa prova, ainda, tem indicação formal na surdez total e bilateral, o que não acontece no test calorico que é unilateral.

3.° - Na estrutura do metodo: A 2a. parte do test isto é os movimentos sucessivos dos olhos não constam no test calorico.

ABSTRACT

The autor suggests a modification of the malingering caloric test in cases of the fake total deafness, especially bilateral.

Patient is submitted to a routine vestibular examination. Before this is carried out, patient must be induced to believe that his eyes are to be examined.

There are 2 phases to be test:

lst Stimulation of vestibular apparatus (Caloric test).

2 sd Ask patient to look up, down and to right and then to left.

The subjective vertigo produced by the irrigation, distracts the patient, eliminating or considerably reducing his malingering capacity.

The autor stresses the following Advantages of the test:

1) - Positive results indicate Malingering
2) - Condítions of both vestibule and cochlea are determined.
3) - The procedure is símple and can be carried out in any private consulting roam,
4) - It is physiological because it is based on a frequent psychic phenomenon of neuro-psychiatry.




(1) Trabalho apresentado à Secção de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina em 17-4-1941.
(2) Adjunto da clínica.

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