Versão Inglês

Ano:  1941  Vol. 9   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Análises

Páginas: 77 a 80

 

ANALISES

Autor(es): Francisco Hartung.

SAMUEL SALINGER (Chicago) - Radioterapia para o carcinoma do laringe. Observações sobre vinte anos de experiencia. Archives of otolaryngology. - Vol. 32 - N.º 5 - Pag. 887 - Nov. 1940.

A terapeutica roentgenologica do carcinoma do laringe apresenta aspectos tão diversos, que não é facil fazer uma apreciação de conjunto sobre a sua evolução, desde a época do descobrimento até os nossos dias. Isto porque o misterio e a facinação que este elemento tem exercido sobre e espírito dos medicas e do leigo não têm permitido um julgamento sereno e desapaixonado da sua verdadeira utilidade na luta contra o cancer. Um dos fatores que tem contribuído para este estado de cousas que não permite uma idéia concreta sobre o que ha de verdadeiro sobre a radioterapia, será a atitude da imprensa, que muitas vezes promete ao leigo sucessos retumbantes, quando na verdade, os meios científicos estão ainda em período de experimentação, em certos e determinados aspectos do problema do cancer. E' suficiente que se estabeleça um novo criterio clinico para a classificação das neoplasias, ou que se discuta o alto preço do radium ou a alta voltagem das maquinas, para que o leigo chegue logo a conclusões sobre o merito terapeutico em estudo.

Os primeiros dias da radioterapia foram como que um máu sonho. No esperança de salvar a vida de doentes ou de evitar-lhes a operação, era uso introduzir pesadas agulhas de radio no tumor ou em sua base, ou entubação por meio de aparelhos portadores de minimas e futeis quantidades de radium. Naquela época da irradiação terapeutica, pouca importância dava-se ao problema da verdadeira indicação. Os cancerosos eram portadores de lesões irremediaveis, que procuravam o especialista a mandado dos clínicos que queriam deles desfazerem-se, ou de doentes que procuravam os especialistas na esperança de salvação movidos pelos anuncios da publicidade. Em muitos casos, não era feita biopsia alguma. Naturalmente mesmo os melhores terapeutas, tinham terriveis problemas diante de si, sempre experimentando novas tecnicas, na esperança de um dia serem bem sucedidos e poderem competir com os metodos cirurgicos. Outros, menos escrupulosos não hesitavam em exagerar os resultados obtidos pela radioterapia. Basta citar este trecho de um livro publicado ha anos: - "O radium é o agente de escolha para o tratamento do carcinoma do laringe, porque ele é aplicado diretamente contra a massa tumoral". "A laringectomia é mutilante. Entretanto, sob bôa tecnica, os seus resultados são superiores aqueles da irradiação. O mesmo resultado pode ser obtido sem as operações mutilantes e com um minimum de perigo para o paciente". Como se vê, uma afirmação mais provocadora e inconsistente não poderia ser escrita. Com o advento da irradiação protraida e fraccionada, segundo a tecnica de Regaud e Coutard, que permitiu doses até então desconhecidas sob um risco reduzido, os radiologistas e radioterapeutas adquiriram outra confiança para atacar prececemente as lesões. Pode-se chegar a respeito a algumas conclusões.

Regaud foi um dos primeiros a chamar a atenção para a radiosensibilidade e a radioresistencia de diferentes tipos de celulas. Desde que se provou que muitos dos tumores da garganta consistem de celulas anaplasticas, e que se demonstrou serem estas sensiveis aos raios gama, concluiu-se que quando predominavam estas celulas, o prognostico seria bom à irradiação. Em consequencia disto, por alguns anos este assunto baseou-se em tais idéias, e as indicações para a terapeutica dependiam principalmente do exame histologico. Aos poucos porém, ficou demonstrado que, quando se tratam de lesões do laringe, outros fatores devem ser tomados em consideração, particularmente o sitio da lesão, isto é, si o tumor afeta a cartilagem. E assim a extrutura histologica do tumor, em vez de ser o elemento preponderante, passou a conjugar-se com outros fatores. Coutard estabelece um limite, demarcado pelas cordas vocais. Diz ele que nesta arca e abaixo delas as celulas são mais altamente diferenciadas, e têm uma tendencia a invadir tecido do musculo, causando fixação o que constitue uma contraindicação formal para a irradiação. Contrariamente, os tumores que se situam acima das cordas vocais, são de aparencia mais anaplasica, e têm um estroma mais frouxo. Diz Salinger que este assunto não é tão simples como parece. Coutard, analisando os seus próprios resultados entre 1922 e 1938, não chega a explicar porque ha anos bons e anos máus. Esta disparidade de resultados explica a sua frequente mudança de tecnica, ora variando as doses, ora modificando dispositivos ou alterando o numero de dias de irradiação, de modo a não se poder bem definir qual seja a sua verdadeira tecnica. Mesmo na hora presente não ha uniformidade de vistas em relação à dosagem a ser aplicada; apenas é firmada a dosagem maxima compativel com a tolerancia de determinado tecido. Diz Coutard que a divergencia entre o emprego de uma alta dose total durante um longo periodo e uma baixa dose total durante um periodo mais curto, mas com uma mais alta dose diaria, é resultado da falta de compreensão de como se devem aplicá-las, pois que ambos os metodos às vezes dão bons resultados e às vezes falham. (Nota do tradutor. esta idéia de Coutard já era divulgada em Viena, ha alguns anos. Parece haver qualquer cousa de muito subtil na orientação de Coutard).

Hautant, no seu excelente trabalho de 1936, estudando a questão da radiosensibilidade, diz que devemos levar em consideração a localisação e a extensão da lesão. Ele dá muito valor ao aspecto radiológico da lesão, e diz que mesmo que um tumor abranja o vestibulo e as margens ventriculares, ainda que bilateral, pode apresentar indicações favoraveis para a laringectomia. Ha casos nos quais a radiografia se demonstra que tambem o espaço pre-epiglotico está interessado, o que diminue as probabilidades de cura por este processo cirurgico. Às vezes, a radiografia revela comprometimento das cartilagens laringeanas, fato que contraindica a radioterapia, seja qual for o tipo de celula. Diz Hautant que uma lesão limitada à corda vocal, pode ser curada pela irradiação, mas ele julga preferivel a cirurgia porque é mais simples, a cura é mais rapida e se conserva a irradiação para a hipotese de recidiva. Os tumores subgloticos, sendo geralmente de celulas de tipo diferenciado e invadindo frequentemente a cartilagem, são inacessiveis aos raios X.

Por outro lado, Harris e Klemperer, analisando 32 casos de carcinoma do laringe, tratados de acórdo com os principios de Coutard, concluiram que a estrutura histologica pouca influencia tem sobre a radiosensibilidade e radioresistencia dos tumores. Dizem eles pouca importancia apresentam o tipo de celula, a contagem mitotica, a anaplasia celular, a reação do estroma e a locação dos tumores, em relação ao prognostico e ao resultado da irradiação. Citam outros autores que chegaram às mesmas conclusões. Para eles a questão da radiosensibilidade é de menor importancia que outros fatores, sobretudo quando a lesão se sitia no entroito laringeo, e quando se tratam de casos que não se pode prometer muito pela laringectomia, pela natureza anaplasica da lesão e pelo perigo de invasão dos linfaticos.

Salinger, depois, discute o perigo de necrose causada pela irradiação. E' um perigo, diz ele que nunca deve ser esquecido, que ameaça a vida do doente cujo laringe é exposto a pesadas doses de raios X. De acordo com Hautant que estudou as causas da radionecrose, ha diferentes causas para esta ocurrencia. A principal deve ser a irradiação de altas doses mal distribuidas. Ele diz que o sitio de predileção é a porção inferior do angulo anterior da cartilagem tiroide, uma região onde a ossificação é mais avançada. Na passagem dos raios X pelo osso, este, composto de um grande numero de moleculas de calcio, absorve o elemento e dá origem a radiações secundarias, que não são filtradas e por isso prejudiciais. O osso é desvitalisado e torna-se o sitio de infecções secundarias que o levam à necrose. Outras explicações oferecidas por Hautant são: 1 - Que a necrose é resultado de irradiação da cartilagem já invadida pelo carcinoma. 2 - A recidiva do neoplasma, particularmente da comissura anterior promove portas de entrada para infecção secundaria da cartilagem, já enfraquecida pela irradiação anterior; 3 - Pode resultar de uma laringite aguda, ocorrendo no periodo de post-irradiação, enquanto que a cartilagem está se refazendo dos efeitos do raio X.

Um outro ponto abordado por Salinger diz respeito ao efeito da irradiação no caso de um subsequente tratamento cirurgico. Quando a operação é realisada em um doente que foi recentemente irradiado, as probabilidades de sucesso são bastante diminuidas, particularmente no caso de laringectomia. Diz porém o autor que é de todo o interesse ser compreendido que ele não é contra a radioterapia. Entende todavia que não se deve encarar o problema do cancer sob uma emoção eufemistica, porque é necessario muito criterio na seleção dos casos, de modo a não submeter à irradiação doentes que têm probabilidades de curas em outros metodos já bastante comprovados. Na sua opinião, não ha razão para acreditar que as lesões intrínsecas do laringe sejam melhores tratada pelos raios X que pela laringofissura ou laringectomia, a menos que haja contraindicações de ordem geral para a cirurgia. E' este tambem o criterio de Chevalier. (Nota do tradutor: como se percebe, embora o A. afirme o contrário, as suas tendencias cirurgicas são indisfarçaveis). Quanto às lesões extrínsecas, que já depassam os limites das possibilidades cirurgicas, é necessario determinar exatamente a extensão de lesão, as condições gerais do doente, e o quadro histologico, antes de submeter o doente ao tratamento radioterapico, afim de julgar si convem arriscar o paciente aos perigos das condrites, necrose e longa convalescença, ou si serão dadas doses apenas como um tratamento paliativo. (Estas palavras confirmam o que dissemos no parentesis anterior).

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