Ano: 1941 Vol. 9 Ed. 1 - Janeiro - Fevereiro - (6º)
Seção: Associações Científicas
Páginas: 47 a 62
ASSOCIAÇÕES CIENTIFICAS - parte 1
Autor(es): -
SECÇÃO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA
Reunião de 17 de maio de 1940
Presidida pelo dr. Raphael da Nova, secretariada pelos drs. Gentil Miranda e Francisco Prudente de Aquino, realizou-se no dia 17 de maio de 1940, uma reunião da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.
Expediente
Aberta a reunião pelo sr. presidente, este convida o dr. Gentil Miranda, para secretariar a mesa, "ad-hoc", na falta do l.º secretário efetivo.
A seguir, foi lida e aprovada a ata da reunião anterior.
Ainda no expediente, o sr. presidente comunicou a notícia da realização do próximo Congresso pan-americano de oto-rino-laringologia, tendo sido São Paulo escolhido para séde do Congresso, e sob a presidencia do prof. Paula Santos; está certo de que o próximo certamen será corroborado de pleno exito; sobre o que foi o Congresso de Buenos-Aires, falará o dr. Francisco Hartung.
Pediu a palavra o dr. Hartung que propoz à casa oficiar à presidencia do passado Congresso, em dois sentidos: 1) Felicitando a diretoria, pelo sucesso alcançado no referido congresso; e 2) agradecendo a escolha da Capital de São Paulo para a realização do próximo certamen.
Esta proposta foi aprovada por unanimidade.
Por ultimo, no expediente ainda, falou o sr. 2.º Secretário, pedindo aos presentes que não receberam com regularidade o aviso da realização das sessões, avisem à mesa, para que sejam tomadas as providencias.
Ordem do dia:
IMPRESSÕES SOBRE O l.° CONGRESSO SUL-AMERICANO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA, DE BUENOS-AIRES (1) - Dr. Francisco Hartung,
A seguir, o prof. Paula Santos pediu a palavra, dizendo que ouviu com a maior atenção o relatorio referente ao Congresso e que se acha presente á reunião, justamente para comunicar que embora não tenha tido ainda notificação oficial, foi entretanto procurado em nome do antigo presidente, tendo lhe sido comunicada a realização, com sede em São Paulo, do proximo certamen, daqui ha 3 anos, e sob sua presidencia. Essa incumbencia o deixa muito desvanecido, crendo que a homenagem não é feita senão á Faculdade de Medicina, que tem a honra de representar. Pediu a maxima colaboração de todos, pois é na Associação que vem buscar o apoio necessario para maior brilho do Congresso proximo.
ULCERA DE HAYEK (2) - Dr. Ernesto Moreira.
O A. iniciou a comunicação com uma observação, de uma paciente do sexo feminino, de 19 anos de idade, solteira, brasileira, que ha um ano foi examinada por especialista que constatou um desvio do septo nasal e hipertrofia da mucosa dos cornetos inferiores. Após operação teve hemorragia do lado direito, e examinada por outros especialistas, foi constatada uma perfuração do septo cartilaginoso. Os diversos exames para sifilis, tuberculose, Hansen, leishmaniose, foram todos negativos. Era uma perfuração do septo, processo puramente local, sem perturbações funcionais.
Foi feito o diagnostico de ulcera de Hayek.
A seguir, o A. falou sobre a definição e etiologia, a mais das vezes desconhecida, atribuindo alguns à alguma ação mecanica qualquer sobre a mucosa, motivo da denominação popular de "dedose".
Fala ainda sobre a anatomia patologica, sintomatologia e diagnostico, relativamente facil, encerrando assim a sua comunicação.
Comentários:
Prof. Paula Santos: Acha que no diagnostico diferencial deve ser incluida tambem a leishmaniose, que a seu ver é a mais importante.
Fala ainda sobre a questão da radioterapia nas amigdalas e considera-a favoravel, só quando a cirurgia não póde intervir a radioterapia nas amigdalas tem indicação muito limitada; além disso a radioterapia nas amigdalas não limita o seu ponto de ação e dá como consequencia faringites de cura dificil. Considera um absurdo, aplicar essa terapeutica nas crianças.
Dr. Roberto Oliva: Acha que a ulcera deve ser considerada como sendo de Hayek, quando a etiologia não foi absolutamente esclarecida para o lado de leishmaniose, sifilis, etc., porque uma vez que a ulcera tem etiologia determinada, evidentemente será uma ulcera por leishmaniose, sifilis, etc... Quanto á questão de radioterapia nas amigdalas, não pode ser resolvida numa discussão, pois ha bibliotecas inteiras a favor e outro tanto contra essa terapeutica.
Dr. Silvio Ognibene: Citou um caso em que, depois de aplicação da radioterapia nas amigdalas, teve de ser operado, devido a ineficacia da terapeutica; num outro caso, desenvolveu-se uma faringite secca após a radioterapia. Considera, portanto, a radioterapia ineficaz nesses casos.
Dr. Rubens Brito: Está de acordo que se aplique a radioterapia em casos de amigdalas volumosas, pois eles, sob a sua acção, diminuem de volume. Considera infrutifera a ação dessa terapeutica quando ha fócos de infecção nas amigdalas.
Dr. Francisco Hartung: Acha que se deve contra-indicar a radioterapia nas amigdalas nos casos de glomerulonefrite.
Dr. Ernesto Moreira: Respondendo, agradeceu os comentários feitos ao seu trabalho e fez ainda algumas considerações acerca da radioterapia nas amigdalas.
Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião.
Reunião de 17 de agosto de 1940
Presidida pelo dr. Raphael da Nova, secretariada pelo dr. Gentil Miranda, realizou-se no dia 17 de agosto de 1940, uma reunião da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.
Expediente:
Foi lida e aprovada a ata da reunião anterior.
A seguir, pediu a palavra o dr. Francisco Hartung para comunicar á Casa a proxima chegada do ilustre medico argentino dr. Tato, propondo que a Secção se reuna extraordinariamente para a recepção do colega argentino, que se fizesse representar por uma comissão em Santos, no dia da chegada do mesmo, e que se oficie á Sociedade de Buenos-Aires para que delegue credenciais ao dr. Tato, no sentido de representa-la entre nós.
Após discussão, as propostas foram aprovadas, sendo que além do dr. Francisco Hartung que se ofereceu expontaneamente a comissão seria composta por aqueles que da mesma quizessem fazer parte.
Ordem do dia
POLINEVRITE POST-DIFTÉRICA (3) - Dr. Silvio Ognibene.
O A. iniciou a comunicação, dizendo que as complicações após a difteria são mais ou menos frequentes e que as polinevrites post-diftericas não são raras, não sendo, entretanto, encontradas descritas com detalhe nos tratados da especialidade.
A seguir o A. citou cinco casos de polinevrite post-difterica da sua clinica particular, sendo que em todos eles a terapeutica pelo soro veio comprovar o diagnostico estabelecido apezar do exame bacteriologico negativo.
Citou tambem as doses de sôro empregadas que na maioria dos casos não ultrapassou de 30.000 unidades como dose inicial.
Comentários:
Dr. Ernesto Moreira: Pediu um esclarecimento: se as injeções de soro foram feitas por via sub-cutanea, intra-muscular ou endovenosa e se o soro foi concentrado ou diluído.
Dr. Silvio Ognibene: Respondendo, disse que geralmente usou a via sub-cutanea. Num unico caso empregou três ou quatro centímetros cubicos na veia. Uma pratica ótima é dividir o sôro, fazendo parte por uma via e parte por outra.
Dr. Rezende Barbosa: Achou muito interessante o trabalho do A. e fez algumas considerações sobre o emprego do sôro, dizendo que uma vez fixada a toxina difterica no sistema nervoso o saro não tem mais ação para remove-la. Citou ainda casos, dessa natureza, em que o paciente, submetido a anestesia geral, fez aplicação do sôro com ótimos resultados.
A anestesia geral, teria, então, o papel de mobilisar a toxina e prepara-la para o posterior ataque pelo sôro.
Dr. Antonio Corrêa: Como o A., empregou em todos os casos a striquinina, como tratamento, acha interessante que se empregue, como experiencia, esse medicamento.
Dr. Rafael da Nova: Citou duas observações em que procedeu de maneira absolutamente identica ao A., com sucesso definitivo.
Dr. Silvio Ognibene: Agradeceu os comentarios e a respeito do comentario do dr. Antonio Corrêa disse que considera insuficiente a estriquinina, pois o soro combate a toxina na circulação, neutralizando a sua ação.
JURISPRUDENCIA NA COBRANÇA DOS HONORARIOS MEDICOS - Dr. Ernesto Moreira.
O assunto de que vou tratar é alheio ás nossas palestras cientificas, mas não deixa de ter algo de interesse coletivo. Relacionando-se apenas com a minha pessoa, houve por bem a justiça do nosso mais alto tribunal, estabelecer jurisprudencia sobre honorarios medicos. Ha tempo prestei serviços profissionais á irmã de um colega que não clinica, capitalista, e que se havia prontificado a pagar meus honorarios. Não o fazendo expontaneamente recorri ao tribunal que me deu ganho de causa. Não se conformando com o desenrolar dos acontecimentos, recorre á imprensa leiga, e, propositadamente na "Secção Livre", publicou a decisão do tribunal em titulo vexatorio. Achando que não deveria valer-me das mesmas armas para minha defesa, trilhei o caminho aconselhado pelo bom senso e pela etica, dirigindo-me á agremiação da classe a que pertenço e a quem devo dar conta do meu proceder. Pelos documentos anexos, verificarão os meus colegas que não só o tribunal, como as autoridades mais representativas das nossas Escolas Superiores, todos, sem excepção, julgaram bem e valioso o meu procedimento.
São Paulo, 17 de Maio de 1940.
Exmos. Snr. Membros da Comissão de Defesa da Classe da Associação Paulista de Medicina.
O infra-assinado, medico militante, socio fundador dessa Associação, tendo prestado serviços profissionais á irmã de um colega que não clinica, capitalista, e tendo o mencionado medico se prontificado a pagar seus honorarios, deixou de o fazer expontaneamente.
A questão foi ao Tribunal que deu ganho de causa ao abaixo inscrito. Acontece, no entanto, que o colega vencido, não se conformando com a resolução da justiça veiu pela imprensa leiga em artigo de "Secção Livre", como junto inclue, e, maldosamente transcreve os acordãos do Tribunal com sugestivo titulo, onde se vê claramente a má intenção de focalizar o nome do solicitante.
Não se conformando com tal indignidade, dirigiu-se aos professores: Drs. Flaminio Favero (Catedratico de Medicina Legal, da Faculdade de Medicina, da Universidade de São Paulo), Antonio Ferreira de Almeida Jr. (Professor de Medicina Legal da Faculdade de Direito, da Universidade de São Paulo), e, Arnaldo Amado Ferreira (Primeiro Assistente da Cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) solicitando-lhes a opinião, si, havia quebra de etica profissional, ao que os dignos colegas lealmente responderam conforme, a Comissão poderá constatar.
Em vista do exposto, desejava tambem a opinião dos Srs. Membros da Comissão, para dela fazer o uso que for necessario. Sem mais, do colega Obrdo. - Ernesto Moreira.
CONSULTA: I - O dr. Ernesto Moreira, socio-fundador da Associação Paulista de Medicina, dirige-se á Comissão de União e Defesa da Classe para lhe solicitar o pronunciamento sobre o caso seguinte:
II - O dr. X., medico não militante, capitalista, procura o dr. Ernesto Moreira, encarregando-o de prestar os serviços profissionais de que carecia sua irmã, adiantando que se responsabilizaria pelos honorarios daquele facultativo.
III - Mas tal não se verificou, pois o dr. X, se recusou a satisfazer seu compromisso, o que levou o dr. Ernesto Moreira a recorrer ao Tribunal, que lhe deu ganho de causa, condenando aquele ao pagamento dos honorarios.
IV - Em conseqüência o dr. X recorre a sessão livre de um periódico leigo no qual transcreve os acórdãos do Tribunal "com sugestivo titulo, onde se vê claramente a má intenção de focalizar o nome do solicitante". (V. carta dirigida pelo dr. Ernesto Moreira a Comissão de união e defesa da classe).
V - "Não se conformando com tal indignidade" solicita o parecer da Comissão de União e Defesa da Classe para que opinem si houve quebra de etica profissional".
PARECER - E' corrente, praxe mesmo, não cobrar o medico honorarios de outro medico, ou mesmo de membros de sua familia que vivam ás suas expensas. Mas é bem de ver que se trata de um gesto de puro liberalismo, sem apoio em nenhuma lei ou aresto de Tribunal. Não existe nenhum carater de obrigatoriedade. Os principios correntes de etica profissional ainda estão por ser codificados entre nós, e evidentemente a cobrança ou não de honorarios em semelhantes casos, é uma questão de fôro intimo do profissional. Não se lhe pode increpar o procedimento se um dia ele entender efetuar a cobrança de serviços cobrados a um seu colega. Não sabemos mesmo se um coligo de deotonlogia virá sancionar a praxe até agora seguida. No caso concreto, entretanto, ha outra circunstancia que torna ainda mais discutivel o respeito a essa praxe. O dr. X., que se responsabilizara pelo tratamento de sua irmã, não exerce a profissão, que dela não necessita mercê da independencia que lhe assegura a sua situação financeira. Pensamos assim que ao dr. Ernesto Moreira não se lhe pode responsabilizar, no caso, de haver infringido a ética profissional. - Dr. Rubião Meira (Presidente da A.P.M.), dr. Alberto Nupieri, dr. Potiguar Medeiros, dr. J. Alcantara Madeira e dr. Palmieri.
De pleno acordo com a opinião de Nupieri. Observo ainda que se o acusado quizesse se valer dos preceitos da etica medica deveria, antes de atacar desabridamente um colega pela imprensa, submeter o caso aos orgãos legitimos da classe medica. Como o fez revelou absoluta incompreensão de seus deveres para com o colega - São Paulo, 15-VI-40. - Dr. Palmieri.
São Paulo, 7 de Maio de 1940.
Meu caro Moreira. Recebi sua carta, que respondo logo.
A questão de etica profissional que ela apresenta, assim é exposta por você: "tendo eu prestado serviços profissionais á irmã de um colega que não clinica, capitalista e que vive de seus rendimentos, segundo suas proprias palavras, prontificou-se ele, verbalmente, a pagar-me os honorarios medicos, porem, a certa altura, surgiram mal-entendidos, e fui obrigado a recorrer a Justiça. Acresce que a referida irmã vivia com economia propria em casa por ela mesma alugada. Desejava sua opinião no caso presente, para, em ocasião oportuna, justificar á classe a que pertenço, o meu modo de proceder."
Ha um principio de etica medica, determinando que os medicos não cobrem honorarios por serviços prestados á sua esposa, cunhados, ascendentes, descendentes e demais parentes proximos, bem como a seus colegas de profissão, ou pessoas das familias destes, a cuja manutenção os mesmos provejam.
Uma retrição, todavia, existe, ditada pelo proprio bom senso no que toca aos colegas de profissão e ás familias destes: é que esses colegas devem viver da profissão. Se o medico exercer outra atividade extranha á medicina, não pode nem deve ser beneficiado pela gratuidade.
Convem que os medicos se lembrem, ao cogitar da questão dos honorarios profissionais, que a regra geral deve ser o recebimento do preço dos seus trabalhos clinicos, dos responsaveis pela solicitação deles. Pelo fato de haver um pedido de prestação de serviços e uma consequente prestação deles pelo medico, firma-se um contrato tacito entre partes. E a necessidade de pagamento do beneficiado está subentendida, independentemente de qualquer compromisso, como subentendido está o dever do medico de ser dedicado na sua atuação, fazendo bom o contrato vigente.
A deontologia impõe, mesmo ao medico o dever de cobrar o importe de seu trabalho. Poderá ele prescindir disso, mas apenas nos casos em que a própria ética preceitue a excepção, devendo esta ser fundamentada a luz dos preceitos da deontologia.
Deixar o medico de cobrar honorários de quem pode e deve paga-los, é fazer concorrência desleal aos seus colegas, é mesmo desviar-lhes os clientes. Porque tais clientes, procurando outros médicos talvez pagassem o preço do trabalho profissional.
Assim, em face da boa ética, não é o medico livre de cobrar ou deixar de cobrar ao seu bel prazer serviços prestados. Tudo é regido pelas regras da mesma ética de que o medico se faz escravo submisso.
No caso em apreço, e, com os fundamentos acima, não pode haver duas opiniões: devem ser cobrados honorários.
E esta a minha resposta, meu caro amigo, da qual pode você fazer o uso que lhe convier.
Com estima e apreço, seu colega amo. e obrgdo. - Prof. dr. Flaminio Favero.
São Paulo, 12 de Maio de 1940
Prezado Colega Ernesto Moreira - Capital.
Recebi sua carta de 6 do corrente, cem a seguinte consulta.
"Tendo eu prestado serviços profissionais á irmã de um colega que não clinica, capitalista, e que vive de seus rendimentos segundo suas proprias palavras, prontificou-se ele, verbalmente, a pagar-me os honorarios medicos; porem a certa altura surgiram mal entendidos, e fui obrigado a recorrer á Justiça. Acresce que a referida irmã vivia com economia propria, em casa por ela mesma alugada.
Desejava sua opinião no caso presente, para, em ocasião oportuna justificar á classe a que pertenço o meu modo de proceder."
Suponho que o parecer solicitado é sobre se, em face da etica profissional, o medico na situação referida pela carta está ou não autorizado a cobrar honorarios. A meu ver, nada impede, que ele o faça, e isso em virtude de duas circunstancias, cada uma das quais seria por si suficiente.
l.° - O medico do presente caso, em favor de quem se poderia alegar o beneficio da gratuidade, não exerce a medicina, não vive dela, - é capitalista. Ele proprio, naturalmente, sentiu a consequencia dessa particularidade, quando "nos termos da consulta", depois de referi-la, se prontificou a pagar os honorarios.
2.° - Fosse ele medico praticante, o seu vinculo com a doente não está entre os que a etica profissional dispensa, necessariamente, da obrigação de pagar.
Supondo com isso respondida a sua consulta, apresento ao distinto colega, os protestos de minha elevada estima. - A. Almeida Junior.
São Paulo, 17 de Outubro de 1938
Meu caro Ernesto. - Cumprimento-o e faço votos pela sua saude.
Recebi hontem, 16 do corrente, sua missiva de 15 do mesmo, e me apresso em responder.
Pergunta-me o distinto colega: "Ha, no nosso paiz, lei que obrigue um medico prestar serviço a outro, principalmente, como no caso presente, gratuitamente?"
O caso que você figurou foi o seguinte:
"Um colega nosso foi chamado para tratar da irmã de um medico, que não clinica, capitalista, que vive de seus rendimentos, segundo suas proprias palavras. Prontificou-se verbalmente, pagar os honorarios ao colega, porem, a certa altura surgiram mal entendidos e o colega foi obrigado a recorrer á justiça, para receber seus honorarios," etc.
Resposta:
Não ha lei, em nosso paiz, que obrigue a um medico prestar serviços profissionais a outro, gratuitamente. O que existe é preceito de etica, de moral profissional, uma praxe deontologica, que impede ao medico que atende a um colega, cobrar-lhe honorarios pelos serviços prestados. Aliás, este preceito de etica, de moral profissional, já aceito pelos tribunais como o tem provado a jurisprudencia a respeito. Todavia, esta praxe é observada para com o medico que exerce a profissão, para com as pessoas de sua familia cuja manutenção proveja, como é regra, entre nós, não se cobrar honorarios dos estudantes de medicina, "futuros colegas, mormente se discipulos". Excetuam-se os farmaceuticos, dentistas, enfermeiros, parteiras, a quem o medico não tem o dever de tratar gratuitamente.
No seu caso, ou melhor, no caso figurado, o colega não clinica, é capitalista, não vive da profissão, não se trata de sua pessoa, porem responsabilisou-se e comprometeu-se pelo tratamento de pessoa sua parenta, por isso, penso, se o colega que fôra chamado cobrar-lhe os honorarios, não se colocará em contraposição ás regras da etica medica, contra a moral profissional, e tem o direito de reaver o prometido e combinado.
Esta é a minha desvaliosa opinião.
Receba, no mais, o meu abraço e creia na minha admiração. - Dr. Arnaldo Amado Ferreira.
Terminando a sua exposição, o dr. Ernesto Moreira, poz á disposição dos presentes toda a documentação apresentada.
Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião.
Reunião de 17 de Setembro de 1940.
Presidida pelo dr. Raphael da Nova, secretariada pelo dr. Francisco Prudente de Aquino e dr. Julio Cansanção, realizou-se, no dia 17 de setembro de 1940, uma reunião da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.
Expediente:
Aberta a reunião, foi lida e aprovada a ata da reunião anterior.
Em seguida, o sr. presidente comunicou á Casa, o recebimento de um oficio da Secção de Higiene, Molestias Tropicais e Infecciosas, pedindo colaboração para aproxima Semana de Higiene, sendo que essa colaboração deverá constar de um tema relacionado ás duas Secções, apresentado por um relator nomeado pela Secção de Oto-rino-laringologia.
Por proposta do dr. Francisco Hartung, foi aprovada a idéia, de depois de estudada a questão ser feita na proxima reunião, a indicação do tema e do relator.
O dr. Francisco Hartung, ainda com a palavra, comunicou a proxima chegada, provavelmente entre 16 e 22 de outubro, do prof. Tato, lembrando a oportunidade, por esse motivo, da realização de uma reunião extraordinaria.
Essa idéia foi tambem aprovada pela Casa, sendo que a data da reunião extraordinaria dependerá evidentemente da chegada do visitante.
Por ultimo, ainda no expediente, o dr. Homero Cordeiro, comunicou á Casa que este ano vae ser festejado o jubileu cientifico do prof. Marinho; convidou todos os discipulos e amigos a participarem com um trabalho, em um numero especial da Revista Brasileira de Oto-rino-laringologia que sairá em homenagem ao ilustre professor.
Ordem do dia:
AS OTITES DA INFANCIA E AS DISPEPSIAS INFANTIS (4)
Dr. Francisco Hartung.
Inicialmente, lembrou o A. que o dr. Paulo Saes foi a primeira pessoa a chamar a atenção, entre nós, para a relação existente entre as otites da infancia e as dispepsias infantis.
A seguir, o A. citou casos com sintomatologia constituiria por diarréia, anorexia, vomitos, etc., ás vezes com temperatura elevada, outras vezes apireticas e que o exame mais apurado revelou a existencia de uma otite concomitante.
Após operação com drenagem a sintomatologia digestiva regrediu. A temperatura caiu logo e os doentinhos rapidamente entravam em convalescença, desaparecendo os vomitos, as diarréias.
Concluiu, lembrando que em todos os casos de dispepsias infantis, deve-se levar em conta a existencia de uma otite concomitante.
Comentários:
Dr. Paulo Saes: Agradeceu as palavras do dr. Francisco Hartung, dizendo que trabalha na especialidade já ha alguns anos. De fato, já lhe havia chamado a atenção, quando trabalhando em serviço de Higiene Infantil, a existencia de otites latentes, provocando disturbios perfeitamente acordes com os dados apresentados pelo A. Disse sómente que o tratamento energico, cirurgico, como quer o dr. Francisco Hartung poderá encontrar dificuldades, devido á escassez de sintomas. Em todo o caso, o trabalho tem o merito de chamar a atenção principalmente dos pediatras, sob esse ponto de vista.
Dr. Raphael da Nova: Agradeceu o trabalho do A. achando-o muito interessante, dizendo, entretanto, que os casos poderiam ser resolvidos, com a simples paracentese, dada a dificuldade de um tratamento mais energico, com sintomatologia tão velada.
Dr. Francisco Hartung: Respondendo disse que o seu trabalho é apenas de comentarios. As resistencias sociais contra o tratamento mais energico, deve ser vencida com a porcentagem de casos bem tratados. Não discute as vantagens da paracentese, mas acha o tratamento preconizado, de maior vantagem.
COMO OPERAR O NARIZ HEMI-GLOBOSO - Dr. Rebelo Neto.
O A. limitou-se a definir, o que ele considera nariz hemi-globoso, e em seguida descreveu a técnica para corrigir esse defeito.
Comentários:
Dr. Rubens Brito: - Inquiriu ao A. se ele considera indispensavel a colocação de gesso, após, a retirada do fragmento osseo.
Dr. Rebelo Neto: Respondendo disse que não é indispensavel, mas a colocação do gesso torna o post-operatorio mais suave.
Dr. Francisco Hartung: Fez elogios ao trabalho do A.
Dr. Silvio Ognibene: Disse que o sr. Rebelo Neto considera o processo muito simples, unicamente devido a sua habilidade pessoal de operar. Considerou o trabalho de muita oportunidade.
Dr. Roberto Oliva: Disse que o processo preconizado pelo A. é semelhante ao tempo inicial da operação de via de acesso ao etmóide e frontal.
Dr. Mattos Barreto: - Fez varias considerações sobre o trabalho, abordando principalmente a questão do aparelho gessado, usado principalmente pelos cirurgiões plasticos.
Dr. Rebelo Neto: Respondendo agradeceu a todos os comentarios; ao dr. Oliva respondeu que não conhecia nada na literatura, sobre a técnica preconizada.
Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião.
SOCIEDADE DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DO RIO DE JANEIRO
24ª. sessão ordinaria - 6-9-1940
Presidida pelo Dr. Armando Pinto Fernandes e secretariada pelos Drs. Walter Muller dos Reis e Homero Carriço. Compareceram os Drs. Mauro Perna, Sebastião Azevedo, David Adler, Getulio Silva, Jeremias Martins, Clovis Silva e Capistrano Pereira.
O Snr. Presidente dá posse aos novos socios, sendo a seguir procedida á eleição para Socio Honorario do Prof. Pedro Errecart. Passando á ordem do dia, dá o Snr. Presidente a palavra ao Dr. J. P. Rieper para apresentar e fazer projetar o anunciado film intitulado "Film sonóro radiografico da voz humana". O Dr. J. P. Rïeper faz a apresentação do film, explicando detalhadamente o assunto tratado, e a seguir é a pelicula projetada. Ao terminar a exibição, o Snr. Presidente agradece as atenções do ilustre colega Dr. Rïeper para com a Sociedade, a quem devemos o belo espetaculo que nos foi dado assistir.
"A PROPOSITO DE UM CASO DE RINOESCLEROMA".
Drs. Getulio Silva e Capistrano Pereira.
O orador após considerações sobre a enfermidade, apresentou um doente do sexo masculino, portador dessa afeção, tratado com muito bom resultado pelos Raios X. Apresentou, tambem, radiografias e fotografias do caso.
Comentarios:
Dr. Mauro Penna ressalta o incontestavel exito obtido no caso pelos Drs. Capistrano Pereira e Getulio Silva com a Radioterapia. Diz que atualmente é a radioterapia a maior arma terapeutica contra o rinoscleroma. Já havia tido ocasião de vêr, um caso do Dr. GEORGES DA SILVA, tratado no Serviço de Radiologia do Hospital Estacio de Sá, pelo Dr. Osolando Machado, de rinoscleroma, curado, em que o Dr. Silva teve ocasião de completar a cura pela eletro-cirurgia, no sentido de permeabilisar completamente as fossas. Agora mesmo tem acompanhado outro caso, neste Serviço, doente de um outro Serviço da Especialidade, sobre o qual, portanto não lhe cabe comentar, mas que não póde deixar de referir, pois vem obtendo otimos resultados. Cumpre-nos nestes casos, focalisar cuidadosamente as dóses empregadas, pois a colaboração com o radioterapeuta sendo a unica via a ser seguida, todos os dados que se relacionam com os casos de exito devem ser bem anotados.
Respondendo aos comentadores, diz o Dr. Capistrano que os casos de rinoscleroma tratados pela radioterapia, em o nosso continente são relativamente poucos. Publicados, conhece cerca de nove. Dado o desenvolvimento que seu caso apresentava, pareceu-lhe desde logo indicada a radioterapia. De fáto: o método conferiu-lhe excelentes resultados.
"SOBRE UM CASO DE FRATURA DO CRANEO INTERESSANDO O OUVIDO, COM PARALISIA
FACIAL" (5)
Dr. Armando Pinto Fernandes.
Trata-se de um operario do Arsenal da Marinha que sofreu fratura do craneo que foi de abobada e de base-diagnosticada antes do exame radiografico, pela paralisia facial e hemorragia do ouvido médio após essa queda fratura não produziu nem siquer estado de sub-comoção, permitindo ao doente caminhar para casa. A comunicação do fóco de fratura do rochedo com o meio exterior atravez do ouvido médio não favoreceu propagar-se a infeção aos orgams intra-cranianos-apezar de ter havido otite média supurada. Quanto ao ouvido interno, acredita que a surdez acentuada do O. D. que acusou logo após o traumatismo (o que não foi medida), deve ser atribuída principalmente á hemorragia que se processou no ouvido médio enchendo-o, e que o ouvido interno só indiretamente (talvez por hiperemia ou edema de visinhança) tenha sido acometido, pois que será pouco provavel uma recuperação funcional tão grande como a que obteve para elementos tão sensiveis e delicados como o ouvido interno e o nervo auditivo. Não terá sido atingido, portanto, diretamente pela fratura. Atualmente resta um pequeno deficit nas funções coclear e vestibular do O. D., tão pequeno que é praticamente nulo a diferença com relação ao O. E. O facial, sim. Esse estava completamente paralisado e teria sido diretamente atingido pelo traço de fratura embora certamene não seccionado, em vista da regressão total e relativamente rapida. O estado geral do doente, que sempre foi bom, funcionalmente já era excelente com poucos dias de acidente. Atualmente acusa ligeira cafaléa e nada mais de anormal. O que dizer quanto á possibilidade de complicações infeciosas tardias? Elas têm sido verificadas mezes após o acidente. O seu doente entrou no 6.° mez, mas é conservado sob verificação periodica. As fraturas do craneo, segundo o conceito de Araus (1844) que se tornou classico, quando atingem a báse, o fazem por irradiação de fratura da abobada, pois só raramente se apresentam como fraturas de báse isoladamente. Essa irradiação segue em geral uma orientação tal que as do frontal se irradiam ao andar superior; as do temporal ao andar médio e as do ocipital ao posterior. Em o caso presente tal não se deu, pois a abobada fraturou-se no frontal e a base foi atingida no andar médio. Segundo Felizet o ponto fraco do rochedo é o fundo do conduto auditivo externo, no ponto onde se encontram a caixa do tímpano, o caracol, o buraco carotidiano e a escavação formada pela fossa jugular. E' a sede da fratura transversal do rochedo, ou perpendicular ao eixo. Essa localisação explica a sintomatologia apresentada pelo doente. O interesse do caso está, a seu ver, na evolução benigna dessa fratura do craneo. l.° Permitiu que o doente continuasse a se locomover. 2.° a Paralisia do 7.° par cedeu rapida e completamente 3.° Não houve infeção propagada á cavidade craniana.
Comentarios:
Dr. Mauro Penna diz saber das dificuldades de ser obtida a documentação radiologica nos Serviços hospitalares, mas não póde deixar de declarar que o caso apresentado poderia nos fornecer imagens lindas nas projeções especiais para o rochedo-Stenvers e Mayer - No mais o caso está bem claro e só pela beleza da documentação lembra tais posições.
Comentou ainda a comunicação do Dr. Pinto Fernandes o Dr. Capistrano Pereira.
25a. sessão ordenaria - 4-10-1940
Presidida pelo Dr. Pinto Fernandes, secretariada pelos Drs. Walter Muller dos Reis e Homero Carriço, com a presença dos Profs. João Marinho e Ermiro de Lima, Drs. Duarte Moreira,David Adler, Aristides Monteiro, Roberto Marinho Filho, Mauro Perna, Sebastião Azevedo, Georges da Silva, Milton de Carvalho, Getulio Silva, Jeremias Martins e Capistrano Pereira.
Após votação foi eleito Socio Correspondente da Sociedade o Dr. Gabriel Pôrto. Os Profs. Ermiro de Lima e João Marinho dizem da magnifica impressão que tiveram ao visitarem o Serviço do Dr. Pinto Fernandes no Hospital Central da Marinha. O Snr. Presidene agradece sensibilizado as referencias feitas ao seu Serviço.
Ordem do dia:
OS RAIOS ULTRA-VIOLETES NO TRATAMENTO DA TUBERCULOSE DO LARINGE" (6).
Dr. Duarte Moreira.
Lembra o A. a frequencia com que se apresentam as laringites secundarias e chama a atenção para a necessidade do exame laringoscópico sistematico e periodico de todos os tuberculosos, pois surpreendidas em inicio as lesões apresentam muito maiores possibilidades de cura. Mostra que 52% das lesões constatadas eram absolutamente silenciosas e passariam despercebidas, não fôra o exame a que se submetem as doentes, ao dar entrada no Hospital Nossa Senhora das Dôres, de que é laringologista. Estuda os raios ultra-violetas aplicados ao tratamento da tuberculose do laringe, descrevendo resumidamente suas principais partes e as técnicas seguidas no emprego da cada aparelho. Cita o resultado obtido por diversos autores e relata os proprios. Para ter uma impressão pessoal do valôr da actnioterapia na tuberculose do laringe, tratou trinta doentes propositalmente não selecionadas e com lesões pulmonares na maioria extensas e graves. Como fonte de raios ultra-violetes empregou a lampada de Cemack, cujas vantagens e técnica de aplicação, descreve detalhadamente. Com o seu emprêgo não observou reações fortes, gerais ou locais, nem acidentes. Os resultados obtidos fôram bastante satisfatorios. A disfonia desapareceu em 33% dos casos e melhorou consideravelmente em 50%, enquanto sôbre a odinofagia o êxito foi completo: 100 % de curas. Das doentes que apresentavam apenas infiltrações, ficaram curadas 63 % e melhoraram 31 %, não se beneficiando com o tratamento ao restante 6%. Dentre as portadoras de lesões mais graves, infiltro-ulcerosas, 14% curavam-se completamente, 64% obtiveram grandes melhoras, não se modificando o estado de laringe em 22%. Das 30 doentes submetidas á actinoterapia, ficaram curadas 12 (40%), melhoraram 14 (47%), não se alterando apenas 4 (13%). Conclue reconhecendo nos raios ultra-violetes uma arma poderosa que, selecionados os casos, pode ser empregada com absoluta confiança no tratamento da tuberculose do laringe.
Comentarios:
O Snr. Presidente felicita o Dr. Duarte Moreira pela excelencia do seu trabalho, que representa o resultado de um longo estuda feito em seu Serviço do Hospital Nossa Senhora das Dôres.
O Dr. Mauro Penna pede a palavra para homenagear o autor. O trabalho em apreço não permite discussões a não serem objetivas e praticas. Não tem experiencia dos raios ultra-violetes na tuberculose do laringe. Lembra a necessidade dos especialistas frequentarem Serviços de Tisiologia. Lembra ao Dr. Duarte a realização em Buenos Aires do Congresso Pan-Americano de Tisiologia, sendo que no proximo dia 12 segue para lá o Presidente da Sociedade de Tisiologia do Rio de Janeiro. Teria muita satisfação se o Dr. Duarte Moreira, aceitando sua sugestão, enviasse seu trabalho para o referido Congresso. Felicita efusivamente o Dr. Duarte Moreira pelo seu trabalho.
Prof. Marinho: versando o trabalho sobre questão da maxima importancia nessa enfermidade, a terapeutica, sugere ao Dr. Duarte Moreira que forneça detalhes quanto ao estado geral desses enfermos para que se possa ajuizar sobre sua importancia em cada caso.
O Dr. Duarte Moreira diz haver estreita relação entre o estado geral do doente e o laringe. Outros casos melhoram apezar do estado do pulmão não ser dos melhores. Entretanto deve ser acompanhado, sempre, o estado geral do doente. Agradece as palavras do Snr. Presidente. Dr. Mauro Penna e Prof. Marinho.