Versão Inglês

Ano:  2003  Vol. 69   Ed. 5  - Setembro - Outubro - (19º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 721 a 726

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Distonia laríngea respiratória

Laryngeal breathing dystonia

Autor(es): Mariana Dantas Aumond Lebl1,
Noemi G. de Biase2,
Paula Angélica L. Silveira3,
Paulo Augusto de Lima Pontes4

Palavras-chave: distonia, corda vocal, estridor

Keywords: dystonia, vocal fold, stridor

Resumo:
A distonia laríngea respiratória (DLR) é uma desordem rara caracterizada por espasmos da musculatura adutora das pregas vocais durante a fase inalatória da respiração, com manifestação clínica de dispnéia e estridor. O diagnóstico etiológico do estridor laríngeo, entretanto, nem sempre é fácil de ser realizado, principalmente em situações emergenciais, de forma que a DLR pode não ser diagnosticada, o que nos leva a supor ser mais freqüente do que usualmente é descrita. O diagnóstico da DRL requer primeiramente a realização de uma história médica e exames laringológico e neurológico apropriados, com ênfase na verificação da presença de características distônicas e na exclusão de outras etiologias causadoras de movimentos paradoxais de pregas vocais. Muitos tratamentos foram propostos para a DLR, mas nenhum deles apresentou resultados satisfatórios. O uso da Toxina Botulínica do tipo A (Botox®) no músculo tireoaritenoídeo tem oferecido melhoras admiráveis, apesar dos poucos casos descritos. Apresentamos dois casos clínicos de pacientes com DLR tratados com Botox® que apresentavam o fechamento glótico inspiratório causado tanto pelos espasmos anômalos dos músculos tireoaritenoídeos, como pela movimentação paradoxal da epiglote. Dentro da classificação proposta por Koufman e Blabock para as distonias laríngeas, inserimos um novo subtipo de DLR caracterizado pela presença de paroxismos de adução de estruturas glóticas e supraglóticas durante a respiração.

Abstract:
Laryngeal Breathing Dystonia (LBD) is a rare disorder characterized by inappropriate adduction of the true vocal cords during inspiration, resulting in stridor and dispnea. However, sometimes it is difficult to recognize the underlying etiology of the stridor, specially in emergencial situations, and LBD may be occasionally misdiagnosed, which makes this disease perhaps more frequent than it has been taught. The diagnosis is further supported by the finding of dystonic features and by exclusion of other causes of paradoxical vocal cord motion. There has been no satisfactory treatment for the disease. Botulinum toxin type A (Botox®) injection into the thyreoarytenoid muscle has been shown to be very effective, but only few cases have been reported. The authors describe the clinical presentation of Laryngeal Breathing Dystonia in two patients with complaints of stridor. Evaluation by laryngoscopy revealed paradoxical vocal cord motion and malacia of the epiglottis. Treatment was attempted by injection of Botox® in the adductor muscles. In this article the diagnostic approach of this disease is evaluated in accordance to the earliest concepts on laryngeal dystonias. Based on the classification system for laryngeal dystonias presented by Koufman and Blabock, the authors propose the recognition of a new subtype of DLR.

Introdução

Distonias são desordens neurológicas do processamento motor central caracterizadas por movimentos involuntários anormais ou espasmos incontroláveis induzidos por uma atividade. Estes movimentos podem ocorrer em qualquer parte do corpo e agravam-se com estados de fadiga, estresse e emoções. A distonia é na maioria das vezes idiopática, mas pode ser secundária a outras desordens. Nas crianças, os sintomas geralmente são de início focal seguidos de generalização para outras partes do corpo, enquanto que em adultos os sintomas geralmente permanecem focais1. Em 1982, Marsden e Sheehy relataram a relação existente entre a Síndrome de Meige (blefaroespasmo e distonia orofaringomandibular) e o torcicolo distônico e as distonias laríngeas2.

As distonias laríngeas são classicamente divididas em dois tipos, ambos caracterizados por mudanças na qualidade vocal: a distonia adutora, também denominada disfonia espasmódica e a distonia abdutora. Ambas se devem a espasmos da respectiva musculatura laríngea durante a fala, sendo a voz consideravelmente menos comprometida no riso, no canto, na tosse, no sussurro e no falsete3 e sem comprometimento da função respiratória da laringe. Na disfonia adutora a voz é tensa estrangulada com quebras fonatórias freqüentes e esforço vocal. Na disfonia abdutora há soprosidade vocal intermitente, prolongamento das consoantes surdas e quebras vocais de afonia. Brin e Blitzer, em 1991, identificaram um terceiro tipo de distonia laríngea, denominada distonia laríngea respiratória (DLR), na qual a anormalidade se dava na função respiratória da laringe4. Posteriormente, outros autores relataram casos semelhantes5,6. A distonia laríngea respiratória (DLR) é uma desordem rara em que os pacientes apresentam estridor inspiratório persistente, pausas respiratórias inapropriadas e ausência de disfonia. O exame destes pacientes demonstra a presença de movimento paradoxal das pregas vocais (MPPV) durante a inspiração. O estridor geralmente desaparece durante o sono e piora com o esforço e a maioria dos pacientes não apresenta dessaturação do oxigênio arterial. Pode haver ainda dificuldades de deglutição por falta de coordenação entre a respiração e a deglutição. Muitos pacientes apresentam outras distonias focais como blefaroespasmos, distonia mandibular, torcicolo ou tremor dos membros superiores. Trauma crânio-encefálico e desordens degenerativas como atrofia sistêmica múltipla e esclerose lateral amiotrófica também têm sido associadas a essa desordem7. A eletromiografia de laringe é útil no diagnóstico das distonias laríngeas, sendo que os achados mais comuns são: potenciais alargados, potenciais polifásicos e tremor irregular. Outras alterações incluem: potenciais pequenos, número reduzido de unidades motoras, tremor regular, potencial de denervação, descargas pseudomiotônicas e quebras na atividade voluntária1. A toxina botulínica é o tratamento mais efetivo descrito para a disfonia espasmódica de adução e o tratamento da distonia abdutora ainda é controverso8. Anticolinérgicos1 e aplicação de toxina botulínica em um ou ambos músculos cricoaritenóideos posteriores6 são tratamentos propostos para esta doença. Muitos tratamentos foram tentados para a DLR com pouca melhora. O uso do Botox® no músculo tireoaritenóideo tem oferecido melhoras admiráveis, apesar dos poucos casos descritos5. A toxina botulínica é produzida pela bactéria que causa o botulismo, a Clostridium Botulinum. Há pelo menos 7 tipos de toxinas sorologicamente diferentes produzidas por esta bactéria, todas elas agentes neuroparalíticos extremamente potentes, sendo a neurotoxina do tipo A a mais potente. Quando injetada em doses mínimas, a toxina botulínica bloqueia a descarga de acetilcolina nas junções neuromusculares e provoca uma hipotonia muscular seletiva que leva a uma paralisia flácida4, o que é extremamente conveniente para os pacientes portadores de espasmos fonatórios e respiratórios4. A paralisia gerada pelo Botox é transitória, durando até 6 meses, e os efeitos colaterais são mínimos: soprosidade e uma certa dificuldade de deglutição nas duas primeiras semanas. Koufman e Blabock, em 20026, após a avaliação clínica, laringoestroboscópica e eletromiográfica de 100 pacientes com distonia laríngea concluíram que a divisão tradicional das distonias focais laríngeas em adução/abdução representa uma forma muito simplificada de classificação e propõem uma outra classificação com dez subtipos de distonias laríngeas, incluindo a DLR, que facilita o diagnóstico e prediz a resposta ao tratamento com Botox®. Estes autores analisaram os 100 pacientes segundo a classificação proposta e obtiveram os seguintes resultados: distonias adutoras (glóticas, supraglóticas, tremor distônico, de adução com tremor) - 80%, distonia adutora pura (glótica) - 41%, distonia abdutora - 4%, distonias mistas (de abdução com componente adutor compensatório, de adução com componente abdutor compensatório, de abdução com tremor) - 11%, distonia respiratória - 2%, distonias não focais (Síndrome de Meige, paralisia cerebral, outras) - 3%. Na distonia focal laríngea de adução supraglótica, a fluência da fala é mais severamente afetada; os paroxismos são de fechamento de toda endolaringe, que passa a apresentar uma aparência "esfinctérica" e os pacientes com este tipo de distonia têm boa resposta ao Botox®. No tremor distônico as hiperaduções glóticas são rítmicas e ausentes durante a respiração e os pacientes não respondem tão bem ao tratamento com Botox® como em outras distonias laríngeas. A distonia de abdução com componente adutor compensatório tem seu componente abdutor mais pronunciado após injeção de Botox® no músculo tireoaritenoídeo com a voz permanecendo distônica e com maior soprosidade.

No presente artigo, os autores relatam dois casos clínicos de pacientes com DLR tratados com Botox® que apresentavam o fechamento glótico inspiratório causado tanto pelos espasmos anômalos dos músculos tireoaritenóideos e cricoaritenóideos laterais, como pela movimentação paradoxal da epiglote.

Este artigo tem por primeira finalidade discutir os fatores clínicos, laringoscópicos e eletromiográficos que auxiliam no diagnóstico da distonia laríngea respiratória (DLR) por meio de uma revisão sobre os atuais conceitos em distonias laríngeas. Visa ainda inserir, dentro da classificação proposta por Koufman e Blabock para as distonias laríngeas, um novo subtipo de DLR em que há flexão posterior da epiglote seguido de proposta terapêutica.

São relatados dois casos de pacientes com quadro de dispnéia com suspeita diagnóstica de Distonia Laríngea Respiratória. Estes pacientes foram submetidos a anamnese; nasofaringolaringoscopia, com objetivo de avaliação funcional da faringe e laringe do ponto de vista fonatório e respiratório; telelaringoscopia, a fim de se observar possíveis alterações de cobertura de pregas vocais e do restante da laringe e eletromiografia de laringe, com objetivo de realizar avaliação funcional dos diversos músculos laríngeos. A seguir foram apresentadas as medidas terapêuticas às quais estes pacientes foram submetidos e seus respectivos resultados. Os achados clínicos destes pacientes foram comparados com os achados da literatura após levantamento bibliográfico na base de dados Medline.

Relato de Casos Clínicos

CASO 1

Paciente masculino, 21 anos, estudante, procedente do Rio de Janeiro, branco, com história de dispnéia há um ano, sem relação com esforços. O paciente negava queixas vocais, engasgos, sintomas de refluxo gastroesofágico ou movimentação anômala de partes do corpo. Negava ainda história familiar de distonia ou de outras doenças neurológicas. Ao exame nasofaringolaringoscópico, a base da língua encontrava-se posteriorizada e observou-se malácia de epiglote. A telelaringoscopia não evidenciou outras alterações. Foram realizadas amigdalectomia lingual e remoção parcial da epiglote, sem melhora do quadro. Em novo exame foi constatado movimento paradoxal da laringe, com fechamento glótico no final da inspiração, acompanhado de fechamento faríngeo. A eletromiografia de laringe evidenciou atividade elétrica em músculos adutores (tireoaritenóideos e cricoaritenóideos laterais) à inspiração. Foram injetadas 10 unidades de toxina botulínica (BotoxÒ) no músculo tireoaritenóideo esquerdo sob controle eletromiográfico. Como o paciente referiu pouca melhora, após 15 dias foi realizada nova aplicação de 10 unidades de Botox® no músculo cricoaritenóideo lateral do mesmo lado. O paciente permaneceu assintomático por 5 meses, quando novamente foram injetadas 10 unidades de Botox® nos músculos tireoaritenóideo e cricoaritenóideo lateral esquerdos. Como houve persistência parcial da dispnéia, foram injetadas 10 unidades de Botox® no músculo tireoaritenóideo contralateral. O paciente manteve-se bem por mais 6 meses, quando novamente necessitou da terapia com toxina botulínica. Na ocasião foram injetadas 10 unidades nos dois músculos tireoaritenóideos e no músculo cricoaritenóideo lateral esquerdo, estando assintomático já há 5 meses.

CASO 2

Paciente masculino, 55 anos, natural de Pernambuco, residente em SP há 31 anos, vigilante, negro, ex-tabagista, ex-etilista, com queixa de dispnéia há 1 ano associada a estridor inspiratório e expiratório. O paciente referia exacerbação dos sintomas em momentos de ansiedade. Negava queixas vocais, engasgos, sintomas de refluxo gastroesofágico ou movimentação anômala de partes do corpo. Negava ainda história familiar de distonia ou de outras doenças neurológicas. Ao exame nasofaringolaringoscópico o paciente apresentava à inspiração, retroposicionamento da base da língua, movimento paradoxal das pregas vocais e epiglote que se fletia posteriormente contribuindo para o estridor (Figura 1). Esta flexão da cartilagem epiglote era seguida de movimento de anteriorização da língua com pronta elevação da epiglote. A telelaringoscopia não evidenciou outras alterações. A polissonografia do paciente evidenciou índice de apnéia/hipopnéia dentro do limite de normalidade e não foi observada a presença de estridor laríngeo durante o sono, permanecendo o paciente com saturação basal de oxiemoglobina de 95%. A eletromiografia de laringe do paciente mostrou presença de recrutamento em músculos adutores bilateralmente (cricoaritenóideo lateral e tireoaritenóideo) durante a inspiração. Foram injetadas 5 unidades de Botox® no músculo tireoaritenóideo esquerdo. Após a aplicação o paciente referiu soprosidade vocal e engasgo com líquidos, que persistiram por duas semanas. O paciente apresentou melhora apenas parcial do quadro devido à persistência do movimento paradoxal da epiglote durante a inspiração. Foi então optado pela paralisia do músculo responsável pela flexão posterior da epiglote e o paciente foi submetido à aplicação de 10 U de Botox® no muro ariepiglótico direito (Figura 2) com diminuição dos episódios de movimento anômalo da epiglote e melhora importante do quadro respiratório (Figura 3).



Figura 1. Flexão posterior da epiglote durante a inspiração.



Figura 2. Injeção de Botox® no muro ariepiglótico direito via transcutânea transluminar.



Figura 3. Ausência de movimento paradoxal de pregas vocais e epiglote durante a inspiração após injeção de Botox® no músculo tireoaritenóideo e no muro ariepiglótico.



Discussão

O movimento paradoxal das pregas vocais (MPPV) é caracterizado pela adução inapropriada das cordas vocais durante a inspiração. Apesar da musculatura adutora ser normalmente ativada durante a inspiração, a contração desta musculatura no MPPV é marcadamente acentuada, como observado pela eletromiografia de laringe destes pacientes, e resulta em estridor inspiratório. Múltiplas causas têm sido apontadas na literatura para o MPPV, sendo a DLR apenas uma delas7. Assim sendo, a avaliação destes pacientes requer a identificação da etiologia do quadro a fim de direcionar propedêutica complementar e o tratamento adequados. Entretanto, o diagnóstico etiológico do quadro dispneico pode ser difícil de ser realizado, principalmente porque muitas vezes estes pacientes se encontram em situações emergenciais, de forma que a DLR pode ser mais freqüente do que usualmente descrito por não estar sendo diagnosticada. De fato, muitos casos de estridor inspiratório pela diminuição da abertura glótica foram atribuídos a paralisia bilateral das pregas vocais em adução por paralisia da musculatura abdutora, condição conhecida como Síndrome de Gerhardt. Marion et al., em 1992, entretanto, relataram os achados eletromiográficos de 6 pacientes com diagnóstico prévio de Sd. de Gerhardt onde havia atividade normal da musculatura abdutora, e espasmos dos músculos tireoaritenoídeos durante a inspiração6. Assim sendo, esta condição representa na realidade uma distonia focal laríngea, com hiperatividade involuntária da musculatura adutora e não paralisia da musculatura abdutora como primeiramente foi proposto. Há ainda na literatura alguns relatos de pacientes com estridor sem uma causa orgânica identificável, diagnosticados como desordem funcional (reação conversiva) causando movimento anormal da pregas vocais8. Esta desordem foi chamada de Estridor de Munchausen10. Chistropher et al., em 1983, descrevem 5 pacientes com paroxismos de dispnéia com diagnóstico primário de asma grave, que persistiram após a terapia da asma12. Estes pacientes não apresentavam evidências de obstrução de vias aéreas inferiores após a realização de propedêutica complementar e, enquanto sintomáticos, apresentavam achado laringoscópico de adução completa das pregas vocais e parcial das pregas vestibulares, mas com as cartilagens aritenóides mantendo sua posição lateral, levando à formação de fenda triangular posterior ampla. Foi diagnosticada nestes pacientes uma variedade de desordens psiquiátricas que variaram de stress relacionados à exacerbação dos sintomas a desordens obsessivo-compulsivas. A movimentação anormal das pregas vocais não era obtida quando o paciente era solicitado a fazê-la conscientemente, de forma que se supôs que esta movimentação anormal deveria ser uma expressão somática inconsciente de sentimentos disfóricos, com características típicas de desordens conversivas e estes pacientes foram tratados com sucesso através de psicoterapia associada a fonoterapia. O autor então conclui que esta desordem funcional deva fazer parte de um espectro de desordens respiratórias relacionadas a anormalidades da laringe. Maschka et al., em 1997, propuseram uma classificação para o movimento paradoxal das pregas vocais, agrupando as causas do MPPV em dois grupos: causas orgânicas (por lesão cortical ou do neurônio motor superior, por lesão nuclear ou do neurônio motor inferior, por desordens de movimento e por refluxo gastroesofágico) e causas não-orgânicas (por desordens de somatização/ conversão ou por simulação)7. As causas orgânicas de MPPV são menos freqüentes que as causas não-orgânicas. Refluxo gastresofágico é geralmente presente em pacientes com MPPV, apesar da relação causa-efeito não ser ainda bem estabelecida entre estas desordens. Tanto pode ocorrer MPPV durante um episódio de refluxo gastroesofágico como pode ocorrer refluxo gastroesofágico durante um episódio de MPPV, devido ao aumento da pressão negativa inspiratória intratorácica.

Pacientes com quadros de compressão do tronco cerebral (ex.: malformação de Arnold Chiari, estenose do aqueduto cerebral, cisto aracnóideo na fossa posterior) são raramente descritos na literatura7 e, pela compressão do núcleo ambíguo, apresentam outras manifestações de disfunção vagal como incompetência velofaríngea, disfagia e refluxo gastresofágico. Estas desordens podem ser diagnosticadas por ressonância nuclear magnética e requerem intervenção neurocirúrgica que normalmente normaliza a movimentação das pregas vocais. Pacientes com MPPV atribuído a disfunção cortical severa após acidente vascular cerebral apresentam alterações neurológicas múltiplas assim como crianças e adolescentes com encefalopatia não progressiva que apresentam também retardo no desenvolvimento neuropsicomotor e freqüentemente obstrução naso ou orofaríngea. MPPV resultante de anormalidade do nervo recorrente é rara na ausência de compressão do tronco cerebral, mas tem sido reportada em pacientes com esclerose lateral amiotrófica, miastenia gravis e infarto medular. MPPV pode ainda estar presente em pacientes portadores de desordens de movimento como distonia laríngea respiratória (DLR), mioclonias, mal de Parkinson e parkinsonismo secundário ao uso de neurolépticos. Causas não orgânicas de MPPV possuem inúmeras denominações como estridor psicogênico e Sd. de Munchausen e geralmente estão presentes em mulheres jovens que com freqüência possuem um diagnóstico prévio de desordem psicológica. Estes pacientes melhoram durante o sono e as pregas vocais aduzem apropriadamente durante a tosse e manobra de Valsava. Podem apresentar ainda voz de qualidade soprosa. Enquanto o MPPV é conscientemente produzido em pacientes simuladores motivados por um ganho secundário obtido com a atenção evocada por estes pacientes durante os episódios de dispnéia, pacientes com desordens conversivas apresentam MPPV não intencionais. O tratamento por meio de psicoterapia e fonoterapia visa reduzir a tensão da musculatura laríngea, diminuir a hiperfunção vocal e melhorar o controle respiratório. Grillone et al.10 estudaram 7 pacientes com diagnóstico de DLR e observaram que 33% dos pacientes eram mulheres e 67% homens, que a idade média do início dos sintomas era de 33 a 62 anos com média de 49,1 anos e ausência de história familiar. Todos os pacientes apresentaram, já no início da manifestação laríngea ou com o decorrer do tempo, outras discinesias como movimentos distônicos oromandibulares, de língua, blefaroespasmo ou tremor. A distribuição quanto ao sexo e história familiar destes pacientes diferem dos achados observados nas distonias laríngeas que comprometem a fonação. Blitzer e Brin, em 1988, em um estudo envolvendo 110 casos de distonia focal laríngea com comprometimento fonatório, observaram que havia uma proporção de 1,4 mulheres para cada homem e história familiar positiva em 23%1. A idade média de início dos sintomas foi de 34,6 anos, outras manifestações distônicas apareceram em 48% e tremor associado em 29%1, representando características comuns aos tipos fonatório e respiratório de distonia laríngea. Fonoterapia, psicoterapia, farmacoterapia com benzodiazepínicos, anticolinérgicos e agentes anti-dopaminérgigos são tratamentos já descritos para a DLR, porém, todos têm resultados limitados. Grillone et al., entusiasmados com o sucesso descrito por Blitzer e Brin no tratamento da distonia adutora laríngea com aplicação de toxina botulínica do tipo A no músculo tireoaritenóideo1 e com relatos iniciais do tratamento de DLR com BOTOX® com resultados promissores4,6, aplicaram em seus pacientes injeção em ambos músculos tireoaritenóideos de toxina botulínica do tipo A reconstituída com solução salina a uma concentração de 25 U/ml, com dose em cada músculo variando de 0,625 a 3,75U de acordo com a gravidade do estridor. Todos pacientes obtiveram o efeito da toxina na laringe em 72 horas, atingindo o efeito máximo em 2 semanas com uma melhora mantida por um período médio de 13,8 semanas. Os efeitos adversos incluíram voz soprosa e aspiração leve de líquidos que reverteram numa média de 2 semanas.

Os dados epidemiológicos dos pacientes por nós reportados coincidem com o que é descrito na literatura para a DLR, sendo os dois pacientes do sexo masculino, adultos e sem história familiar de distonia. Ambos pacientes apresentavam quadros de adução involuntária das pregas vocais durante a inspiração e função muscular normal durante a fala. Esta desordem de movimento tarefa-dependente, confirmada objetivamente pela eletromiografia, é um sintoma típico das distonias, assim como a exacerbação do quadro com o estresse emocional e o desaparecimento durante o sono, como demonstrado por meio da polissonografia do segundo caso descrito. Nenhum dos pacientes apresentava também outro sintoma neurológico localizatório de doença cortical ou de tronco ou outros movimentos distônicos associados. O acompanhamento destes pacientes a longo prazo é importante para que se avalie o eventual aparecimento de sintomas de doenças degenerativas ou outras desordens de movimento, apesar de que as distonias de início na idade adulta tendem a permanecer focais. Os dois pacientes relatados apresentavam o fechamento glótico inspiratório causado tanto pelos espasmos anômalos dos músculos tireoaritenóideos e cricoaritenóideos laterais, como pela movimentação paradoxal da epiglote. Maschka et al. descrevem um caso clínico semelhante de um menino de 14 anos com quadro de estridor e apnéia leve associado à presença de movimento paradoxal das pregas vocais e epiglote rodada posteriormente resultante de laringomalácia leve7. O autor sugere que o efeito Bernoulli que surge na presença da inspiração com a glote fechada possa promover a laringomalácia e influir na severidade do MPPV e que pacientes com quadros semelhantes ao descrito por ele possam se beneficiar de procedimentos que promovam maior patência da via aérea (como adenoamigdalectomia e uvulopalatofaringoplastia) por redução do efeito Bernoulli. Tal opinião não é compartilhada por nós uma vez que o nosso primeiro paciente foi submetido a amigdalectomia lingual e remoção parcial da epiglote, sem melhora do quadro. Acreditamos que o movimento paradoxal da epiglote seja apenas mais uma manifestação distônica caracterizada por espasmos não controláveis do músculo ariepiglótico. Esta opinião é corroborada pela observação da melhora obtida pelo segundo paciente após injeção da toxina botulínica no muro ariepiglótico. A classificação para as distonias laríngeas proposta por Koufman e Blabock nos parece bastante superior em comparação à divisão tradicional destas em adutoras/ abdutoras, uma vez que valoriza a existência dos tipos mistos de distonias laríngeas e a presença concomitante de outras desordens do movimento passíveis de serem encontradas na prática clínica. Desta forma, os casos clínicos por nós apresentados podem ser inseridos dentro desta classificação, como um subtipo supraglótico de distonia laríngea respiratória, caracterizada por paroxismos de adução de toda endolaringe (pregas vocais verdadeiras, falsas e estruturas supraglóticas como a epiglote), que passa a assumir uma aparência esfinctérica, como ocorre durante a deglutição. Observamos ainda melhora importante dos sintomas dos nossos pacientes com a aplicação do Botox® nos músculos adutores, com poucos efeitos colaterais.

Conclusão

O diagnóstico etiológico do estridor laríngeo pode ser difícil de ser realizado, principalmente porque muitas vezes estes pacientes se encontram em situações emergenciais. Assim sendo, a distonia laríngea respiratória (DLR), uma das possíveis afecções causadoras do movimento paradoxal das pregas vocais, com manifestação clínica de estridor e dispnéia, pode ter incidência maior do que usualmente descrito. O diagnóstico da DRL requer primeiramente a realização de uma história médica e exames laringológico e neurológico apropriados, com enfoque tanto na verificação da presença de características distônicas como na exclusão de outras etiologias causadoras de movimento paradoxal das pregas vocais. A eletromiografia oferece dados sobre a atividade dos grupos musculares da laringe e parece ser o exame adicional mais útil nestes casos. O uso do Botox® nos músculos adutores das pregas vocais tem oferecido melhora importante dos sintomas destes pacientes, apesar de poucos casos descritos. A classificação para as distonias laríngeas proposta por Koufman e Blabock valoriza a existência dos tipos mistos de distonias laríngeas e a presença concomitante de outras desordens do movimento. A presença de paroxismos de adução de estruturas glóticas e supraglóticas caracterizada pela flexão posterior da epiglote durante a respiração, como nos casos clínicos apresentados, pode ser valorizada com a criação de um subtipo de distonia laríngea respiratória dentro desta classificação.

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1 Médica Pós-graduanda (mestrado) da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).
2 Médica assistente do Setor de Laringologia e Voz da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de
Medicina (UNIFESP-EPM). Médica do Instituto da Laringe (INLAR).
3 Estagiária do 2º ano da Disciplina de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).
4 Professor Titular de Otorrinolaringologia e Livre-Docente da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM).

Trabalho realizado no Setor de Setor de Laringologia e Voz da Disciplina de Otorrinolaringologia da
Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM)/ Instituto da Laringe (INLAR).

Endereço para Correspondência: Mariana D.A. Lebl - Av. Higienópolis, 1048 apto. 126 São Paulo SP 01238-000 - E-mail: marklebl@hotmail.com.

Artigo recebido em 15 de dezembro de 2002. Artigo aceito em 01 de julho de 2003.

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