Versão Inglês

Ano:  2003  Vol. 69   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 599 a 604

PDFPDF PT  
 

Papilomatose laríngea recorrente: experiência de 10 anos

Recurrent laryngeal papillomatosis: a 10-year experience

Autor(es): João Aragão Ximenes Filho1,
Lucinda Simoceli2,
Rui Imamura3,
Domingos Hiroshi Tsuji4,
Luiz Ubirajara Sennes5

Palavras-chave: papiloma/classificação, cirurgia, avaliação de resultados

Keywords: papilloma/classification, surgery, outcome assessment

Resumo:
Introdução: Os papilomas de vias respiratórias são tumores benignos, de caráter recorrente e progressivo, induzidos por vírus. Sua etiologia está relacionada com infecções por papilloma virus humano, sendo descritas duas formas clínicas: juvenil e adulta. Objetivo: Comparar as duas formas de apresentação, juvenil e adulta, observando se há diferenças epidemiológicas ou clínicas entre elas. Desenho do Estudo: Coorte histórica. Material e Método: Realizou-se estudo dos pacientes atendidos na Clínica Otorrinolaringológica do HC-FMUSP com diagnóstico de papilomatose laríngea entre 1990 e 1999. Cinqüenta e um pacientes foram identificados, mas sete não confirmaram o diagnóstico. Assim, 44 indivíduos foram a base desta revisão, sendo 47,72% da forma juvenil e 52,27% da forma adulta. Resultados: Não houve predomínio entre os sexos (p=0,98). A idade média de início dos sintomas foi de 5,3 anos na forma juvenil e 42,6 anos na forma adulta. A dispnéia foi mais prevalente na forma juvenil (p=0,03). A taxa de recidiva geral foi de 66%, sendo de 76,2% na forma juvenil e 56,5% na forma adulta (p=0,17). A incidência de recidiva precoce (<3 meses) foi maior na forma juvenil (p<0,001). Observamos 13% de transformação maligna na forma adulta da doença. Conclusões: Na forma juvenil, ocorreram recidivas precoces associadas a quadros de dispnéia, necessitando de múltiplas intervenções. Na forma adulta, também observamos alta taxa de recidivas, com índice elevado de transformação maligna. Tratamentos que aumentem o tempo entre as recidivas se fazem necessários nas duas formas de apresentação da doença.

Abstract:
Introduction: Airway papillomas are benign tumors with high recurrence and induced by virus. Papillomatosis's etiology is related with papilloma human virus infection. Two clinical forms are described: juvenile and adult. Objective: The aim of this study was to compare the two clinical forms of the papillomatosis, juvenile and adult, observing if there are epidemiological or clinical differences between them. Study Design: historical cohort. Material and Method: We studied the patients followed in the ENT Department of HC-FMUSP with diagnosis of laryngeal papilomatose between 1990 and 1999. Fifty-one patients were identified, but seven did not confirm the diagnosis. Thus, 44 individuals were the base of this study, being 47,72% of juvenile form and 52,27% of adult form. Results: There was no prevalence between gender (p=.98). The mean age at the beginning of the symptoms was of 5,3 years in juvenile form and 42,6 years in adult form. Dyspnea was more prevalent in juvenile form (p=.03). General recurrence was 66%, being of 76,2% in juvenile form and 56,5% in adult form (p=.17). The incidence of early recurrence (<3 months) was higher in juvenile form (p<.001). We observed 13% of malign transformation in adult form of the disease. Conclusions: In juvenile form, we have identified early recurrences associated with dyspnea, requiring multiple interventions. In adult form, we have also observed elevated recurrences, with high index of malign transformation. Treatments that increase the time between recurrences are necessary in two forms of papillomatosis.

INTRODUÇÃO

O papiloma é considerado o tumor benigno mais comum da laringe, com grande tendência a recorrência e progressão, independente do tratamento instituído1. Alguns autores o descrevem como uma condição pré-maligna2. Geralmente, manifesta-se com rouquidão, mas pode cursar com obstruções agudas de vias aéreas. A glote é o sítio mais comum de acometimento. Alguns pacientes apresentam lesões em outras regiões, como na cavidade oral, particularmente no palato. Para seu tratamento, muitos procedimentos podem ser necessários, causando frustração tanto em médicos como nos pacientes.

A papilomatose recorrente é usualmente caracterizada segundo a idade de instalação e a severidade do quadro. Quanto à idade de acometimento, pode ser classificada em juvenil ou adulto. Essa ultima é definida quando a doença se instala após os 20 anos de idade3. Em relação à severidade da doença, é dividida em benigna ou agressiva. É dita benigna quando a doença está limitada à laringe, com poucas ou nenhuma recorrência. A papilomatose agressiva é definida por múltiplas recorrências, com disseminação para árvore traqueobrônquica, progressão da doença antes da puberdade, atipia epitelial e desenvolvimento de carcinoma de células escamosas4.

Quanto à etiologia, experimentos clínicos e estudos com microscopia óptica e eletrônica têm sugerido relação da papilomatose laríngea com infecções virais5,6. Somente com o desenvolvimento da biologia molecular e de diferentes técnicas de hibridização do DNA viral foi possível a demonstração desta relação, tendo sido confirmada pela técnica de PCR (polymerase chain reaction)7,8,9. Recentemente, foi possível definir que o papilloma virus humano (HPV), um DNA-vírus pertencente ao grupo de vírus lentos da família Papovaviridae é o agente causal da papilomatose laríngea.

Na forma adulta, demonstrou-se que a papilomatose laríngea é causada pelos tipos 6 e/ou 11 dentre os mais de 80 tipos já identificados7,10. Nas lesões localizadas, apenas um tipo é encontrado, diferente das lesões múltiplas, onde ambos os tipos podem ser detectados. Papilomas laríngeos múltiplos são mais seriamente infectados pelo HPV do que as lesões isoladas. Além disto, na ocorrência de infecção massiva por HPV tipos 6 e/ou 11, o prognóstico é muito pior11.

Na forma juvenil, tem sido descrito associação entre infecção por HPV do colo uterino materno e incidência de papilomatose recorrente12. Os mesmos tipos de HPV encontrados em condilomas de cérvix uterino foram identificados em papilomatose laríngea13. Desta forma, as crianças parecem adquirir a doença no canal de parto, após o contato com condiloma acuminado.

Outras diferenças entre as duas formas clínicas da papilomatose laríngea têm sido descritas. Realizamos este estudo no intuito de obter informações sobre os aspectos clínicos e evolutivos da doença e sobre os resultados terapêuticos a longo prazo, traçando um perfil dos pacientes acompanhados neste serviço com diagnóstico de papilomatose recorrente de laringe, comparando-os com os dados de literatura. Assim, nosso objetivo foi comparar as duas formas de apresentação, juvenil e adulta, tentando caracterizar cada uma destas formas, a fim de observar e/ou confirmar diferenças entre elas quanto aos parâmetros por nós avaliados.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Casuística
Realizou-se estudo retrospectivo através da revisão de prontuários de todos os pacientes diagnosticados, tratados e seguidos com diagnóstico pré-operatório de papilomatose laríngea pela Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, durante o período de janeiro de 1990 a dezembro de 1999. Cinqüenta e sete pacientes foram identificados. Destes, somente cinqüenta e um prontuários puderam ser recuperados e revisados. Dos 51 pacientes, sete não confirmaram o diagnóstico pré-operatório, sendo excluídos do estudo. Os 44 pacientes restantes foram a base desta revisão.

Método
Avaliação dos pacientes
Os pacientes foram avaliados ambulatorialmente no pré e pós-operatório por telescopia rígida de 70o (10 mm) e/ou nasofibroscopia flexível, ambas conectadas a um sistema de vídeo, para a caracterização morfológica, localização da lesão e documentação. Nas crianças que não permitiam a realização do exame endoscópico, foi realizada a laringoscopia direta diagnóstica e no seguimento dessas crianças. Nossa revisão analisou os pacientes em relação à idade de instalação dos sintomas, sexo, raça, quadro clínico, antecedentes pessoais, localização dos papilomas, tipo de tratamento adotado, número de recidivas, complicações e história de traqueotomia.

Classificamos os casos em forma juvenil ou adulta segundo a divisão utilizada na literatura, sendo 20 anos a idade limite entre as duas formas. Considerou-se forma adulta quando os sintomas se instalaram após 20 anos de idade3.

Análise estatística
Nas comparações entre as duas formas de apresentação clínica da papilomatose laríngea, realizamos comparação através do teste de Qui-quadrado ou teste exato de Fisher. Utilizamos também o Risco Relativo (RR) com seu respectivo Intervalo de Confiança (IC) de 95%. Foi considerado índice de significância de 95% (p<0,05).

RESULTADOS

Dos 44 pacientes estudados, 21 (47,72%) apresentaram a forma juvenil e 23 (52,27%) a forma adulta.

Aspectos Demográficos
Dos 44 pacientes estudados, 21 eram do sexo masculino, sendo 10 do grupo juvenil e 11 do grupo adulto. Vinte e três eram do sexo feminino, sendo 11 do grupo juvenil e 12 do grupo adulto. Comparando os dois grupos, não encontramos diferença estatística em relação ao sexo dos pacientes (p=0,98). Quanto à raça, 23 eram brancos, cinco negros, 13 mulatos e nenhum amarelo. Também não encontramos diferença na distribuição das raças nos dois grupos.

Idade de início dos sintomas
A idade de início dos sintomas variou de dois meses a 75 anos com uma idade média de 28,9 anos para a população avaliada como um todo. No grupo de forma juvenil, a idade de instalação variou de dois meses a 17 anos (média de 5,33 ± 2,86 anos). Para a forma adulta a idade de início variou de 20 a 75 anos (com idade média de 42,61 ± 12,75 anos).

Antecedentes Pessoais e Sintomatologia
Apenas no grupo adulto encontrou-se antecedentes de tabagismo e etilismo, sendo 12 pacientes tabagistas e 2 etilistas.

Quanto à sintomatologia inicial, observou-se clinicamente que 24 pacientes apresentavam-se apenas com disfonia (54,54%), 17 com disfonia e dispnéia (38,63%), dois pacientes com disfonia, disfagia e sangramento (4,54%) e um com apenas dispnéia (2,27%).

Comparando os dois grupos, observamos que 12 dos 21 pacientes do grupo juvenil apresentaram dispnéia em alguma fase de sua doença, enquanto apenas seis dos 23 doentes do grupo adulto apresentaram tal sintomatologia (p=0,03). Nos outros sintomas, não encontramos diferenças estatísticas.

Localização Intraoperatória dos Papilomas
Após a inspeção e palpação das lesões por laringoscopia direta (microcirurgia), foi possível a análise das localizações dos papilomas. Na forma juvenil, durante a primeira cirurgia, observaram-se 12 pacientes com lesão glótica (57,14%), 3 (13%) com lesões na supraglote, um com lesão em subglote (4,47%) e 5 (23,8%) pacientes com lesões em mais de uma região da laringe. Na forma adulta, observaram-se 15 pacientes com lesão glótica (65,21%), 1 (4,34%) com lesões na supraglote, nenhum com acometimento exclusivo da subglote e 7 (30,43%) pacientes com lesões em mais de uma região da laringe. Não houve diferença estatística quanto à localização das lesões quando comparamos os dois grupos. A localização das lesões observada no intra-operatório está demonstrada no Gráfico 1.

Tipo de Tratamento
Trinta e oito pacientes dos 44 avaliados foram submetidos à ressecção cirúrgica dos papilomas sob laringoscopia direta com utilização de pinças frias (microcirurgia de laringe convencional). Em seis pacientes realizou-se a vaporização dos papilomas com laser de CO2, sendo que três eram do grupo juvenil e três do adulto. Não houve um critério clínico ou epidemiológico específico para se definir a técnica cirúrgica utilizada. O laser de CO2 passou a ser o método de escolha para o tratamento cirúrgico dos papilomas desde que foi adquirido em nossa clínica, em 1998.

Número de Recidivas e de Cirurgias
De um total de 44 pacientes, 29 apresentaram recidiva da papilomatose, 16 de 21 do grupo juvenil (76,19%) e 13 de 23 do adulto (56,52%), sem diferença estatística entre os grupos (p=0,17) (Gráfico 2).

Realizou-se um total de 139 cirurgias na população avaliada nestes 10 anos, 73 no grupo juvenil, com média de 3,47 cirurgias por paciente e 66 no grupo adulto, com média de 2,8 cirurgias por paciente. O número de cirurgias em cada forma de apresentação está comparado no Gráfico 3 (p=0,17).

Com relação ao tipo de tratamento utilizado e a incidência de recidivas, observamos que dos seis pacientes operados com o laser de CO2, cinco apresentaram recidivas, enquanto dos 38 operados com pinça fria, 24 tiveram recidivas dos papilomas. Não encontramos diferença estatística entre o tipo de tratamento utilizado e a incidência de recidivas (p=0,33).

Intervalo entre as Recidivas
Nos três primeiros meses, observamos diferença entre os grupos (p<0,001), com maior incidência de recidiva precoce na forma juvenil. Não houve diferença entre três e seis meses (p=0,39), entre seis meses e um ano (p=0,46), entre um e dois anos (p=0,14) ou após dois anos de seguimento (p=0,06). Estes dados estão resumidos no Gráfico 4.

Traqueotomia
Dois pacientes da população avaliada necessitaram de traqueotomia de urgência sendo que os dois eram do grupo juvenil e tinham, respectivamente, três e seis anos na ocasião da cirurgia, momento também em que fora diagnosticada a doença. Os dois permaneceram com a traqueotomia por aproximadamente três meses, até a ocasião da ressecção dos papilomas. Após a retirada da cânula, não mais apresentaram problemas respiratórios ou a necessidade de nova traqueotomia a despeito da recidiva da doença que ocorreu nos 2 casos.

Complicações
Não encontramos nenhum caso de morte decorrente da doença papilomatosa nesta população apesar de alguns pacientes apresentarem sintomatologia respiratória importante e necessidade de traqueotomia.
Em três casos pudemos constatar no exame anatomopatológico a presença de carcinoma espinocelular na peça cirúrgica. Destes três pacientes, dois haviam realizado três cirurgias prévias, todas com exame histopatológico constatando papilomatose laríngea e um com duas cirurgias prévias com o mesmo diagnóstico. Os três casos eram da forma adulta, demonstrando uma taxa de 13% de transformação maligna nesta forma de apresentação da doença.



Gráfico 1. Localização das lesões papilomatosas observadas no intra-operatório na primeira cirurgia e na primeira recidiva nas duas formas clínicas



Gráfico 2. Percentual de recidiva nos grupos juvenil e adulto.



Gráfico 3. Número de cirurgias realizadas nos grupos juvenil e adulto



Gráfico 4. Intervalo entre recidivas nas formas juvenil e adulta;
* p<0,01; RR=4,75 (6,21-3,62)



DISCUSSÃO

As classificações existentes para a papilomatose são confusas e contraditórias. Algumas se baseiam na idade de instalação dos sintomas enquanto outras na severidade da doença. Muitos associam a forma agressiva com o surgimento dos sintomas antes da puberdade. No entanto, cerca de 33% dos jovens apresentam a forma não agressiva da papilomatose3. Assim, neste estudo, optamos pela classificação segundo a idade, pois julgamos que esta é a forma mais prática, sujeita a menos vieses, bem como nos possibilitou comparações que nos ajudaram a melhor caracterização da papilomatose laríngea.

Tem sido proposta a predominância do sexo masculino na papilomatose3. Em nossa casuística, contudo, não observamos diferença estatística entre os grupos de forma juvenil e forma adulta no que diz respeito ao sexo. Também não observamos diferenças quanto à raça. Quanto à idade média de início dos sintomas, esta foi de 28,9 anos. No grupo adulto, a média das idades de instalação foi de 42,6 anos e no grupo juvenil, de 5,33 anos.

Os sintomas incluíram: mudança de voz, disfonia, afonia, estridor e dispnéia. O diagnóstico foi realizado através da anamnese, exame físico e exames complementares que incluem laringoscopia e/ou broncoscopia e radiografia simples de tórax para afastar outras causas de dispnéia. Aproximadamente 55% dos pacientes apresentaram apenas disfonia como seu primeiro sintoma. No entanto, pudemos observar uma maior prevalência de dispnéia na forma juvenil. A causa mais provável para este fato deve-se às dimensões proporcionalmente reduzidas da laringe infantil, em especial da região subglótica, causando obstrução em estágios menos avançados da doença.

Com relação à localização da lesão, observamos que cerca de 61% dos pacientes apresentaram acometimento isolado da glote na sua primeira intervenção (57% no grupo juvenil e 65% no adulto). Não observamos diferença estatística entre os dois grupos quanto à localização da lesão tanto na primeira apresentação, como nas recidivas subseqüentes. Sabe-se que a papilomatose acomete com mais freqüência a região glótica, preferencialmente a porção anterior da laringe. Entretanto, os papilomas podem envolver todo o trato aerodigestivo, incluindo fossas nasais, faringe, traquéia, brônquios e, às vezes, o esôfago14. Os papilomas traqueais crescem mais lentamente e permanecem sésseis por longo período15.

Com relação às recidivas, observamos taxa de 76% nos pacientes do grupo juvenil e 57% no grupo adulto, o que não se mostrou estatisticamente diferente. Porém, o intervalo entre as recidivas foi menor no grupo juvenil, com maior incidência de recidiva nos três primeiros meses. Um outro dado importante é que a forma juvenil apresentou um risco 4,75 vezes maior de recidiva nos três primeiros meses quando comparado a forma adulta da papilomatose. No entanto, parece haver outros fatores, além da idade, envolvidos na recorrência além da forma de apresentação da papilomatose. Supõe-se que a presença isolada do HPV não seja suficiente para causar a doença. São identificados HPV em cordas vocais de pacientes sem papilomatose16, sugerindo que um evento adicional deve ser necessário para produzir infecção clínica por HPV como: efeito de hormônios esteróides, trauma, sepsis, desnutrição, imunossupressão ou a concomitância de outras viroses17. O HPV parece migrar da mucosa de aspecto normal para áreas de trauma (junção escamociliar) causadas pela exérese prévia, promovendo a recorrência18. Steinberg et al. (1988)19 observaram que o genoma de Papova virus pode ser encontrado tanto em tecidos comprometidos como em tecidos adjacentes de aspecto normal. Possivelmente, estas áreas normais serviriam de origem para re-infecções, levando à recorrências17,19. A prevalência de infecção por este vírus nas duas formas de apresentação da papilomatose ainda não foi claramente definida, bem como a velocidade de cicatrização após o trauma cirúrgico. Talvez a reepitelização pelos tecidos adjacentes seja mais rápido nos indivíduos mais jovens o que poderia contribuir para a recidiva mais precoce observada no grupo juvenil.

Ainda com relação a recidivas, o grupo adulto necessitou de 2,8 procedimentos por paciente, em média. No grupo juvenil, a média de cirurgias por paciente foi de 3,47, ligeiramente maior do que o grupo anterior. Tem-se descrito uma média de 4,5 a 13,7 procedimentos na forma adulta. A média do número de cirurgias necessárias no grupo juvenil é cerca de 2,24 a 4,44 vezes maior do que no grupo adulto3,20. A ausência de diferença entre os grupos deste estudo quanto ao número de recidivas pode estar relacionada ao fato de existirem indivíduos do grupo adulto com evolução mais agressiva, sugerindo que a associação entre a forma juvenil e a agressividade não ocorre de forma tão linear como tem sido proposto.

A incidência de traqueotomia em pacientes com papilomatose laríngea observada na literatura varia de 1,8 a 64%3. Na nossa casuística, 9,5% dos pacientes do grupo juvenil (4,5% do total) necessitaram de traqueotomia por aproximadamente três meses, até a ocasião da ressecção dos papilomas. Esta cirurgia pode estar associada à disseminação da doença para traquéia, brônquios e pulmões21. Por outro lado, os pacientes que necessitam de traqueotomia são aqueles que apresentam a forma agressiva da doença. Portanto, provavelmente, teriam disseminação para vias aéreas inferiores independentemente da realização ou não da traqueostomia15. Apesar destas diferenças, a maioria do autores concordam que, se possível, a traqueotomia deve ser evitada e, quando necessária, a decanulação deve ser programada o mais precocemente possível.

Quanto ao tratamento, vários métodos têm sido descritos incluindo utilização de antibióticos, hormônios, eletrocoagulação, crioterapia, radiação, ultra-som, exérese cirúrgica, vacina autógena2, aplicação intralesional de cidofovir22,23 e utilização de microdebridador para remoção das lesões24. Entretanto, nenhuma medida foi suficientemente eficaz no controle de múltiplos papilomas e recorrências. O tratamento convencional para papilomatose consiste na remoção das lesões com pinça fria ou através da vaporização a laser. Esse último proporciona a combinação de um método preciso de excisão com boa hemostasia, principalmente para lesões friáveis15,25. Nas últimas décadas, tornou-se o procedimento de escolha para o tratamento de papilomatose laríngea recorrente, devido suas vantagens em relação as microcirurgias convencionais, crioterapia e cauterização25,26. Um protocolo com microcirurgia e utilização de laser de CO2 tem sido seguido nos últimos anos em nosso serviço, necessitando de maior número de casos para permitir uma comparação com os resultados obtidos com o tratamento convencional com a pinça fria, a fim de confirmamos ou não as vantagens da utilização do laser no tratamento da papilomatose laríngea.

Não observamos, em nosso estudo, nenhum caso de morte decorrente da doença papilomatosa e/ou conseqüentes ao seu tratamento, apesar de alguns terem cursado com dispnéia importante. No entanto, diversas complicações da doença ou do seu tratamento têm sido apresentados como sinéquias, membranas laríngeas, formação de tecidos de granulação, estenoses, perfuração traqueal, fístulas tráqueo-esofágicas, bronquite, pneumonia, pneumotórax, hemorragias, insuficiência respiratória e morte16. A freqüência e severidade da injúria tecidual são proporcionais ao número de procedimentos.

O carcinoma espinocelular foi evidenciado em três indivíduos com diagnóstico prévio de papilomatose laríngea recorrente. Cerca de 40% dos carcinomas espinocelulares invasivos de laringe apresentam o tipo 16 do HPV27. Não se pode, contudo, afirmar que a transformação maligna na papilomatose ocorre exclusivamente associada à presença do HPV, ou se trata-se de um fenômeno paralelo associado a outros estímulos carcinógenos a que a laringe está exposta.. Co-fatores capazes de modificar genes celulares e/ou controladores intracelulares como álcool, tabaco, Vírus Herpes Simplex e Citomegalovírus podem agir como iniciadores responsáveis pela oncogênese8,28,29. A associação de HPV e carcinoma de células escamosas de laringe e faringe está em investigação.

CONCLUSÃO

A papilomatose laríngea é uma doença freqüentemente benigna, com tendência de recorrência e progressão. Na forma juvenil, ocorrem recidivas precoces associadas a quadros de dispnéia, necessitando de intervenções repetidas. Na forma adulta, também observamos alta taxa de recidivas, com índice elevado de transformação maligna. Tratamentos que aumentem o tempo entre as recidivas se fazem necessários nas duas formas de apresentação da doença.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Élö J, Hídvégi J, Bajtai A. Papova viruses and recurrent laryngeal papillomatosis. Acta Otolaryngol 1995; 115(2):322-5.
2. Neumann OG, Ahmed MM. A new approach to the treatment of laryngeal papilloma in adults. J Laryngol Otol 1978; 92(4):325-31.
3. Lindeberg H, Oster S, Oxlund I, Elbrond O. Laryngeal papillomas: classification and course. Clin Otolaryngol 1986; 11:423-9.
4. Pou AM, Rimeli FL, Jordan JA, Shoemaker DL, Johnson JT, Barua P, Post JC, Ehrlich GD. Adult respiratory papillomatosis: human papillomavirus type and viral coinfections as predictors of prognosis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1995; 104:758-62.
5. Ullmann EV. On the etiology of the laryngeal papilloma. Acta Otolaryngol (Stockh) 1923; 5:17-38.
6. Boyle WF, Rigs JL, Oshiros LS, Lenette EH. Electronmicroscopic identification of papova virus in laryngeal papillomas. Laryngoscope 1973; 83:1102-8.
7. Brandsma JL, Lewis AJ, Abramson A, Manos MM. Detection and typing of papillomavirus DNA in formaldehyde fixed paraffin-embedded tissue. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1990; 116:844-8.
8. Dekmezian RH, Batsakis JG, Goepfert H. In situ hybridization of papilloma virus DNA in head and neck squamous cell carcinomas. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1987; 113:819-21.
9. Duggan MA, Lim M, Gill M, Inoue M. HPV-DNA typing or adult-onset respiratory papillomatosis. Laryngoscope 1990; 100:639-42.
10. Smith EM, Pignatari SSN, Gray SD, Haugen TH, Turek LP. Human papillomavirus infection in papillomas and nondiseased respiratory sites of patients with recurrent respiratory papillomatosis using the polimerase chain reaction. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1993; 119:554-7.
11. Quiney RE, Wells M, Lewis FA, Terry RM, Michaels L, Croft CB. Laryngeal papillomatosis: correlation between severity of disease and presence of HPV 6 and 11 detected by in situ DNA-hybridization. J Clin Pathol 1989; 42:694-8.
12. Bennet RS, Powell KR. Human papillomaviruses: associations between laryngeal papillomas and genital warts. Pediatr Infect Dis J 1987; 6:22-32.
13. Abramson AL, Steinberg BM, Winkler B. Laryngeal papillomatosis: clinical, histopathologic and molecular studies. Laryngoscope 1987; 97:678-85.
14. Benjamin BN, Gatenby PA, Kitchen R, Harrison H, Cameron K, Basten A. Alpha-interferon (wellferon) as an adjunct to standart surgical therapy in the management of recurrent respiratory papillomatosis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1988; 97:376-80.
15. Doyle DJ, Gianoli GJ, Espinola T, Miller RH. Recurrent respiratory papillomatosis: juvenile versus adult forms. Laryngoscope 1994; 104:523-7.
16. Rihkanen H, Peltomaa J, Syrjanen S. Prevalence of human papilloma virus (HPV) DNA in vocal cords without laryngeal papillomas. Acta Otolaryngol 1994; 114:348-51.
17. Steinberg BM, Topp WC, Schneider PS, Abramson AL. Laryngeal papillomavirus infection during clinical remission. N Engl J Med 1983; 308:1261-4.
18. Kashima H, Mounts P, Leventhal B, Hruban RH. Sites of predilection in recurrent respiratory papillomatosis. Ann Otol Rhinol Laryngol 1993; 102:580-3.
19. Steinberg BM, Gallagher T, Stoler M, Abramson AL. Persistence and expression of human papillomavirus during interferon therapy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1988; 114,27-32.
20. Benjamin B, Parsons DS. Recurrent respiratory papillomatosis: a 10-year study. J Laryngol Otol 1988; 102:1022-8.
21. Weiss MD, Kashima HK. Tracheal involvement in laryngeal papillomatosis. Laryngoscope 1983; 93:45-8.
22. Pransky SM, Brewster DF, Magit AE, Kearns DB. Clinical update on 10 children treated with intralesional cidofovir injections for severe recurrent respiratory papillomatosis. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 2000; 126:1239-43.
23. Wilson WR, Hashemiyoon R, Hawrych A. Intralesional cidofovir for recurrent laryngeal papillomas: preliminary report. Ear Nose Throat J 2000; 79:236-8, 240.
24. Patel N, Rowe M, Tunkel D. Treatment of recurrent respiratory papillomatosis in children with the microdebrider. Ann Otol Rhinol Laryngol 2003; 112:7-10.
25. Strong MS, Vaughan CW, Healy GB, Cooperband SR, Clemente MACP. Recurrent respiratory papillomatosis: management with the CO2 laser. Ann Otol Rhinol Laryngol 1976; 85:508-16.
26. Mcgill T, Friedman EM, Healy GB. Laser surgery in the pediatric airway. Otolaryngol Clin North Am 1983; 16:865-70.
27. Hoshikawa T, Nakajima T, Uhara H, Gotoh M, Shimosato Y, Tsutsumi K, Ono I, Ebihara S. Detection of human papillomavirus DNA in laryngeal squamous cells carcinomas by polymerase chain reaction. Laryngoscope 1990; 100:647-50.
28. Shen CY, Ho MS, Chang SF, et al. High rate of concurrent genital infections with human cytomegalovirus and human papillomavirus in cervical cancer patients. J Infect Dis 1993; 168:449-52.
29. Zur Hausen H. Human genital cancer: synergism between two-virus infections or synergism between a virus infection and initiating events? Lancet 1982; 2:1370-2.




1 Doutor em Otorrinolaringologia pela FMUSP. Médico Assistente (voluntário) do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
2 Doutoranda do Curso de Pós-Graduação em Otorrinolaringologia da FMUSP.
3 Médico Assistente Doutor da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do HC-FMUSP.
4 Prof. Livre Docente e Responsável pelo Grupo de Voz da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP.
5 Prof. Livre Docente e Associado da Disciplina de Otorrinolaringologia da FMUSP e Diretor do Serviço de Bucofaringolaringologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP).

Endereço para Correspondência: João Aragão Ximenes Filho - R. Paula Ney, 700 ap. 1202 Fortaleza CE 60140-200. Tel (0xx85) 268 3641 - E-mail: joaoximenesf@bol.com.br

Artigo recebido em 30 de maio de 2003. Artigo aceito em 17 de julho de 2003.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial