Versão Inglês

Ano:  1937  Vol. 5   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - ()

Seção: -

Páginas: 475 a 482

 

PETRITE COM SINDROMO DE GRADENIGO. OPERAÇÃO DE RAMADIER (1)

Autor(es): DR. PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ (2)

Desde que Gradenigo descreveu, em 1904, o síndromo da ponta do rochedo, tomou grande impulso o estudo dos espaços pneumáticos da parte pétrea do temporal. A osteíte da ponta da pirâmide rochosa e, posteriormente, a do rochedo em geral, são apenas um corolário do síndromo de Gradenigo.

Imensa é a bibliografia hoje existente a respeito, tanto do síndromo, como da osteíte do rochedo. Quero crer, porém, que os trabalhos básicos sobre o assunto são os de Profant, Almour e Kopetzky, Eagleton, Friesner, Myerson, nos Estados Unidos; de Voss, de O. Mayer, na Alemanha; de Baldenweck e de Ramadier em França. Talvez seja a monografia dêste último o estudo mais completo publicado até hoje sobre o assunto.

Entre nós, o Prof. Morais foi o primeiro a publicar, em 1916, um caso de síndromo de Gradenigo decorrente de um tumor maligno da hipófise, sem qualquer outra sintomatologia além da tríade característica. Foi êste o primeiro caso, na literatura universal, em que o síndromo foi produzido por tumor. Varios anos mais tarde, alguns autores (dentre êles o mais citado é Piazza-Missorici, cujo trabalho é de 1924) publicaram casos idênticos ao de Morais, salientando a origem compressiva, por tumor de vizinhança, do síndromo.

Em 1927 publico dois trabalhos a respeito do assunto. Em um deles, apresentei uma observação de síndromo de Gradenigo produzido por bala na goteira cavernosa. E' êste, também, o primeiro caso da literatura em que o síndromo foi determinado por corpo estranho. Pouco depois publicava Bilancioni observação idêntica. Creio que são os dois únicos conhecidos.

No meu outro trabalho, fiz um estudo crítico minucioso do complexo sintomático, aproveitando para isso o ter encontrado um rochedo ocupado na íntegra por uma célula enorme, até entãoa maior encontrada. Êste caso tem sido lembrado muitas vêzes nos estudos modernos, a êle se referindo Profant, Eagleton, Kopetzky, Myerson, Rubin e Gilbert; Voss; Alonso; Tato; etc..

Há ainda a referir o caso de Schmidt Sarmento, citado em discussão; o de Paiva Gonçalves, em que a cura foi obtida pelo uso de vacina antipiogênica; e por fim o minucioso estudo de Aristides Monteiro, em que, pela primeira vez entre nós, o autor recorreu à operação de Streit, obtendo a cura do paciente.

Quanto aos trabalhos brasileiros referentes à osteite do rochedo ou petrite (imprópriamente chamada petrosite), são muito poucos: o de Roberto Oliva, comunicado o ano passado a esta Associação; o de Ermiro de Lima e Mauro Pena trazido à Segunda Semana de Oto-rino-laringologia e, por fim o de Aristides Monteiro, publicado em outubro findo.

A nomenclatura da osteíte do rochedo é um tanto vasta. Se o processo é da ponta - e então quási sempre se acompanha da tríade de Gradenigo - toma o nome de apexite ou petro-apexite. Se de outra parte do rochedo, é denominada osteíte profunda do rochedo, osteíte coalescente do rochedo (autores americanos), petrosite; em francês, rocherite (Moulonguet).

Não é meu intuito repetir tudo o que se tem dito a respeito das petrites. Lembrarei pela rama o que me parecer mais necessário fixar.

O diagnóstico, por exemplo, da petrite é quási sempre difícil. Dois casos podem se dar: ou o paciente teve a otite e imediatamente depois apareceu a osteíte; ou - o que talvez seja mais freqüente - o paciente teve a otite, seguida de mastoidite, e a inflamação do rochedo surgiu dias depois da intervenção na mastóide.

O síndromo pétreo, pois que a petrite se manifesta por um grupo de sintomas, pode ser resumido no seguinte: 1.° - supuração; 2.° - dôr; 3.° - paralisia do motor ocular externo; 4.° - febre; 5.° - prostração.

A supuração caracteriza-se pelo aspecto do pús (ligado, espesso, na mór parte dos casos), e pela quantidade: o corrimento é abundante. Característica a que Ramadier e Kopetzky dão muito valor é a parada momentânea do corrimento. A supuração cessa quási de súbito por quatro, cinco dias; de repente, volta abundante. Êste sinal, que não é infalível, apresenta, no entanto, caráter diagnóstico da mais alta importância.

A dôr é o sintoma mais constante e é ela que dá o primeiro sinal da petrite. Têm caráter nevrálgico, é pulsátil, em lancetadas. A localização varía: em geral o paciente se queixa de dores de ouvido que tomam a metade do crânio; Ramadier distingue cinco tipos: 1 ) o hemicrânico; 2) o têmporo-parietal; . 3) o facial (tipo nevralgia essencial do trigêmeo); 4) o dentário; e 5) o óculo-orbitário.

Os dois sintomas anteriores acrescidos da paralisia do motor ocular externo formam o síndromo de Gradenigo. E' lógico que, na osteíte da ponta, o síndromo em apreço se manifeste. Mas daí não se segue que toda petro-apexite, e, muito menos, toda petrite se acompanhe de síndromo de Gradenigo.

Na verdade, o síndromo é inconstante nas inflamações do rochedo. Em 35 casos de petrite, dos quais 20 com indiscutível lesão do ápice, não se verificou a participação do motor ocular externo (Ramadier). De onde se conclue que a paralisia do VI.° par não é sintoma de tanto valor quanto a dôr e a supuração.

Mas se, num determinado caso, surgir a tríade de Gradenigo no curso de uma otite média, temos muitas probabilidades de não errar, aventando a hipótese de petro-apexite. O diagnóstico será confirmado se a rádio, em posição de Stenvers ou melhor de Worms-Bretton-Altschull ou ainda de Hirtz (mento-vértice-chapa), demonstrar a fusão, ou sinais de osteíte, do ápice da pirâmide rochosa. Convém desde logo salientar que, se a rádio for negativa, isto é, se nela não forem encontradas as lesões há pouco referidas, não está, por isso, o especialista no direito de excluir ou afastar o diagnóstico de petro-apexite.

A febre é sintoma de importância muito relativa. Em geral não é muito elevada. No caso, que adiante relatarei, não havia febre. Mas o paciente não a tinha nem com as injecções de vacina antipiogênica que lhe foram aplicadas.

A prostração também não é sintoma que traga qualquer elucidação valiosa. Na metade dos casos, o estado geral não se mostra muito comprometido. Em outros, apresenta-se o paciente apático, inapetente, em estado de prostração intensa. Assim se verificou com o meu paciente.

O tratamento da petrite comporta terapêuticas diferentes.

De início, admitamos duas hipóteses: 1.ª - o doente já aparece com a petrite declarada; 2.ª - a inflamação do rochedo manifesta-se dias após uma mastoidectomia.

Em qualquer das hipóteses, devemos encarar dois fatores de alta significação: a intensidade do processo infeccioso, e a reação individual, esta naturalmente ligada em parte aos fatores idade, doença anterior imediata, terreno, etc.

Declarada a petrite de início, compete ao especialista abrir largamente a membrana, abrir largamente a mastóide (se já estiver comprometida) e recorrer a uma vacina antipiogenicas polivalente, de preferência o propidon. Se a petrite apareceu dias depois da intervenção na mastóide, ainda se deve tentar a mesma terapêutica. Com ela muitos casos de cura referem os autores que se têm ocupado do assunto.

Se, porém, a infecção fôr muito violenta, ou o estado geral do paciente mostrar-se seriamente comprometido, temos que fazer imediatamente o esvaziamento petro-mastóideo. Com isso sómente, muitos casos de petrite têm se curado. Mas, de acôrdo com o estado do doente, devemos logo drenar o foco, por isso que, só temos o direito de aguardar o desenrolar dos acontecimentos, se contarmos com reação favorável do organismo.

A intervenção na ponta pode ser orientada pela infecção. Pela inspeção meticulosa da zona da operação, pode-se não raro descobrir o ponto que dá origem ao pús, e assim, ao sabor dias lesões, ou pela fístula existente, chegar-se ao foco, esteja onde estiver.

Ramadier sistematizou os focos principais, de acôrdo com a disposição dos grupos celulares da pirâmide. Admite êle três grupos anteriores e três posteriores. Os anteriores são o super-labiríntico anterior, o pre-coclear e o sub-coclear. Os posteriores são o translabiríntico, o supra-labiríntico posterior e o sub-labiríntico posterior. E' claro que, às vêzes, o processo pode atingir mais de um grupo e até todos.

Para os grupos anteriores, devemos previamente fazer o esvaziamento petro-mastóideo amplo de Guillon. E' o esvaziamento comum, seguido de desbastamento do cotovelo da parede inferior do conduto, de desbastamento da parede anterior, e de desbastamento, levado ao máximo possível, da parede posterior, poupando-se, é claro, o facial. O fim disso é expôr completamente as regiões anterior e inferior da caixa.

Trepanando-se o ângulo ântero-ínfero-interno da caixa, do orifício da trompa para baixo, com uma goiva fina, de 2 mm., chega-se ao canal carotídeo. Aumenta-se o orifício para cima, abrindo-se a trompa e o canal que lhe fica supra-jacente, o conduto do músculo do martelo. Exposta a carótida, faz-se a curetagem dos focos, sempre com a face cortante do instrumento dirigida para trás. No caso do foco ser apical, introduz-se a cureta entre a face posterior do vaso e o canal, e vai se descolando lentamente a artéria. Ao chegar-se a 3-4 cents. de profundidade, tem-se a certeza de estar no ápice do rochedo. Nada mais se tem a fazer que curetar cuidadosamente a região.

Dignos de realce são o não pulsar a carótida nesta região, e o não ser fácil a lesão da artéria, tal a sua espessura, pouco inferior à do vaso do pescoço. No caso, porém, de ser a artéria lesada, basta um tamponamento algo compressivo para ser a hemorragia dominada.

Para os focos posteriores, a trepanação faz-se de acôrdo com sua situação.

Esta, em traços largos, a técnica de Ramadier que me parece mais simples do que a translabiríntica, a de Almour, a de Holmgren-Frenkner, entre as endo-pétreas, e as de Eagleton, Streit, entre as endocranianas. E' claro porém, que todas têm suas indicações.

Observação - Cesar P., branco, 50 anos, casado, lavrador, residente no municio de Jundiaí, apresenta-se à Clínica Oto-rino-laringológica do Hospital da Santa Casa em 6 de outubro passado, a queixar-se de inflamação e dores na região visinha à orelha direita.

Declara que há dois mêses teve dôr de ouvido seguida de supuração abundante. Ha uma semana a supuração cessou e, pouco depois, começou a sentir dores intensas na metade direita da cabeça, acompanhadas de inflamação da região posterior à orelha.

Ao exame, dou com inflamação intensa da mastóide direita, abcesso sub-periósteo, queda do ângulo póstero-superior do conduto, abaulamento do tímpano. Temperatura. 36,6.

Foi indicada a intervenção, que se realizou no dia 7 pela manhã. A mastóide estava gravemente comprometida e fui obrigado a realizar uma operação bastante ampla.

As seqüências operatórias foram normais até o dia 12, isto é, até o 5.° dia após a intervenção, cujo primeiro curativo fôra feito na véspera. No dia imediato começa o doente a queixar-se de dores em toda a metade direita do crânio e na região occipital, o que me obrigou a levantar o penso. A quantidade de pús era excessiva.

No dia seguinte, uma semana pois após a operação, apresenta o paciente as mesmas dores e estrabismo interno à direita( lado operado). O olho direito, no olhar para o mesmo lado, não passa da linha média, e o paciente se queixa de, a certa distância, ver os objetos sempre duplicados.

Estávamos diante de um quadro típico do síndromo de Gradenigo (supuração auricular + dôr na metade do crânio + paralisia do motor ocular externo, VI.º par).

Diante disso, envio o paciente ao radiologista para ser feita uma rádio dos temporais na incidência occipital posterior (Worms-Bretton-Altschull). O resultado foi o seguinte: os dois temporais eram do tipo celular e o osso muito poroso. A ponta do rochedo direito estava destruída, o que facilmente se percebia pela falta de continuidade na borda superior (Fig. 1). Tratava-se, portanto, de um caso típico de osteíte da ponta do rochedo ou simplesmente petro-apexite.

Insistí nos curativos repetidos e procurei levantar as forças do doente. A pesar disso, seu estado foi se agravando dia a dia, o doente quási não dormia e se tornava cada vez mais fraco, motivo pelo qual achei indicado fazer a operação de Ramadier.

A intervenção foi realizada, sob narcose com éter, a 21 de outubro, e não ofereceu nenhuma dificuldade. Cheguei ao ápice por trás da carótida, sem uma gota de sangue. Coloquei um fio de chumbo (fio fusível) até o extremo descolado, e enviei o paciente ao laboratório de radiologia, obtendo-se a rádio da Fig. 2.

No mesmo dia da intervenção, começou o paciente a fazer uso de vacina antipiogênica polivalente do Instituto de Pinheiros. A-pesar da intervenção e do uso da vacina, só veio a ter febre - aliás não excedeu de 37°,1 -no dia 3 de novembro. Em vista do estado de fraqueza do doente, recebeu êle diàriamente injecções tonicardíacas.

A 30 de outubro, isto é, nove dias após a segunda intervenção, o olho direito já mostrava normais os movimentos de lateralidade, conquanto até o dia 9 de novembro o paciente ainda percebesse certa turvação (sic) na vista. O exame do fundo do olho (Dr. Carlos P. Stevenson), feito a 31 de outubro, denotou leve diferença entre as papilas direita (lado doente) e esquerda.

Curioso é notar que o paciente foi operado de mastoidite, no lado oposto ao agora doente, há 14 anos. Cinco a seis dias após a operação, ficou com a vista atrapalhada (sic). O operador declarou-lhe que aquilo, com o tempo, havia de passar. E, de fato, mais de mês após ter tido alta, a visão normalizou-se.



FIG. 1


FIG.2



SUMÁRIO

10. VIII. - Dôr de ouvido seguida de supuração abundante.

29. IX. - Cessação do corrimento e volta das dores.

6. X. - O paciente apresenta-se à Clínica, queixando-se de dores intensas na região mastóidea; abcesso sub-periósteo; queda do ângulo póstero-superior do conduto. Temperatura 36°,6.

7. X. - Mastoidectomia ampla.

12. X. - Dores violentas em toda a metade direita do crânio e na região occipital. Pús abundante no conduto e na brecha mastóidea.

14. X. - Estrabismo interno direito e diplopia. Paralisia completa do motor ocular externo. Radiografia: destruição da ponta, mormente da borda superior.

18 - Estado geral a agravar-se: o paciente não dorme e está muito depauperado. Sem febre.

21. X - Operação de Ramadier. Vacina antipiogênica.

30. X. - Movimentos laterais do olho normais. Aínda o doente tem certa turvação na vista.

9. XI. - Desaparece a turvação.

28. XII. - Cura.

A operação de Ramadier só foi até agora realizada em nossa país por duas veses. O primeiro caso foi apresentado por Ermiro de Lima e Mauro Pena à Segunda Semana Oto-rino-laringológica de S. Paulo (julho de 1936) ; o segundo publicou Aristides Monteiro na revista O Hospital, de outubro do mesmo ano. O casa ora relatado suponho ser o da terceira operação de Ramadier feita no Brasil, e da primeira em S. Paulo. Não é só êste fato a que me leva a apresentar essa observação. Mas ainda a facilidade de execução do método operatório mencionado, sua benignidade, e o resultado favorável obtido, embora, como em alguns casos do próprio Ramadier, a cureta não tivesse trazido material fungoso típico, nem tivesse se escoado pús pela via óssea criada.

RÉSUMÉ

PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ - "Pétrite avec syndrome de Gradenigo. Opération de Ramadier. Guérison".

Résumé général des publications brésiliennes concernant le syndrome de Gradenigo. Le premier cas d'un syndrome de cet type produit par un néoplasme de l'hypophise a été publié par le Prof. Moraes en 1916; le premier cas aussi ou le syndrome a été causé par un corps étranger (balle de revolver dans la gouttière du sinus caverneux) a été communiqué par l'A. à la l.e Sémaine doto-neuro-ophtalmologie (1927). Monteiro a fait la prémière opération de Streit dans un cas de syndrome de Gradenigo, au Brésil.

Description sommaire de la symptomatologie dez pétrites. Rémarquea sur 1'orientation thérapeutique.

Observation - malade de 50 ans. Oto-mastoïdite aigüe 19 jours après une otalgie suivie de suppuration profuse. Opération le 7.Oct..: mastoïdectomie ample, os très compromis. Le 12, douleura pongitives dans la moitié droite du cràne et dans la région occipitale. Du pus abondant dans le conduit et dans la brèche opératoire. Le 14, strabisme convergent à l'oeil droit. Radio: destruction complète de la pointe du rocher droit.

Le 18 l'état du malade est mauvais: le patient ne peut pas dormir, et se trouve três faible. Pas de fièvre.

Le 21, opération de Ramadier. On ne trouve pas de cellules dans la pointe. La curette n'amène pas de fongosités. Les douleurs s'amendent, cessent, et le 30 1'oeil a tous ses mouvements. Le 28 Décembre le malade quitte l'hopital.

Le patient a eu une atteinte de mastoïdite avec strabisme du côté opposé, il y a 14 ans.

Cette opération de Ramadier est la première qu'on fait à S. Paulo, et la troisième au Brésil ( l .e - Ermiro de Lima et Mauro Pena, de Rio de janeiro, Juillet 1936; 2.e - Monteiro, de Rio de janeiro, Octobre 1936).




(1) Trabalho apresentado á Secção de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina e á 11.a Reunião da Sociedade Riopratense de O.R.L.
(2) Oto-rino-laringologista do Hospital da Santa Casa e da Clínica Stevenson - Campinas.

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