Ano: 1937 Vol. 5 Ed. 4 - Julho - Agosto - (5º)
Seção: Progressos da O. R. L.
Páginas: 379 a 384
RESUMO DOS METODOS USADOS NO TRATAMENTO DA MENINGITE SECUNDARIA ÁS INFECÇÕES DOS OUVIDOS E DOS SEIOS DA FACE (1)
Autor(es):
JOSEPHINE B. NEAL, HENRY W. JACKSON e EMANUEL APPELBAUM
New-York.
A meningite secundaria ás infecções dos ouvidos e dos seios póde ser causada pelo estreptocóco, pneumocóco, B. da influenza, ocasionalmente pelo estafilocóco ou por combinação de dois ou mais destes organismos. Mais raramente outros organismos tomam parte na infecção, como o esteptotrix, B. Coli, B. Friedlander e o torula. Quando a meningite é secundaria á pneumonia ou a infecções das vias aereas superiores, é quasi provavel ser a mesma, frequentemente, secundaria a uma sinusite. Em determinados casos, entretanto, poderá existir uma bacteremia primaria com subsequente ou talvez simultanea localisação nos seios, ouvido médio ou mastoide e meninges.
Quanto mais longamente observarmos esses casos de meningites presumivelmente secundarias a um fóco primario de infecção, tanto mais nos convenceremos de quanto é inadequado nosso conhecimento do parentesco. Acreditamos que esse assunto poderia ser esclarecido, se estudos bacteriologicos mais cuidadosos fossem feitos sobre esses fócos de infecção durante a vida e, sobretudo, na autopsia.
Muitas tentativas foram feitas para tratamento dessas formas de meningite. Podem ser divididas em tres grupos: 1 ) processos cirurgicos; 2) terapeutica sôrologica e 3) agentes quimicos.
Processos cirurgicos: usamos o termo processos cirurgicos em sentido geral. A remoção do fóco infeccioso, o mais cedo possivel, está, claramente, indicada. Torna-se evidente a grande dificuldade senão a impossibilidade, da erradicação completa desse fóco. Nesse caso, a drenagem por meio de outros metodos poderia ser tentada.
Diferentes maneiras de drenagem têm sido experimentadas. Em nossa experiencia, o metodo mais radical, estabelecendo a como a laminectomia ou a trepanação da cisterna magna, não apresenta vantagens sobre as punções lombares repetidas ou, existindo o bloqueio, sobre as punções cisternais ou ventriculares. Naturalmente, estabelecendo-se a drenagem permanente, tornar-se-á uma desvantagem se o sôro ou agentes quimicos forem administrados pela raque. A drenagem espinal forçada ou a perivascular foram empregadas mais extensivamente estes 4 ou 5 ultimos anos. Tivemos consideravel experiencia com esse metodo e, como resultado, não o recomendamos. Acreditamos que pouco mais do liquido espinal póde ser obtido dessa maneira do que deixando, no mesmo espaço de tempo, a agulha de punção lombar no local e administrando, adequadamente, ao paciente , líquidos, per ós. Alem disso não existe, em nossa opinião, vantagem em continuar a drenagem durante muitas horas. Sabemos que, apezar do uso desse método, o liquido espinal torna-se, freqüentemente, tão purulento que a drenagem é impossível. Em alguns casos, a autopsia mostra um extenso edema na base do cérebro, ainda que pareça existir livre drenagem do liquido antes da aplicação desse método. Foi-nos comunicado que, em certos casos de meningite tuberculosa tratada por drenagem forçada, o cérebro apresentou hydrosis na autopsia. Isso, naturalmente, se aplica apenas ao uso de drenagem espinhal forçada em meningite.
Terapeutica sôrologica: os sôros, no tratamento da meningite, deram mau resultado, excepto na meningocócica. Na meningite pneumocócica usámos, frequentemente, os sôros específicos sem uma simples cura; no entanto, em muitos poucos casos, tivemos conhecimento de curas após a sua administração.
Na meningite estreptocócica empregámos sôro anti-estreptocócico com curas ocasionais. Usualmente não acreditamos que a cura seja devida ao sôro. Em dois casos, no entanto, nos quais, uma escarlatina complicada de otite média foi seguida de meningite estreptocócica hemolitica, acreditamos ser justificavel atribuir a cura á acção especifica do sôro antiescarlatinoso. Quando uma meningite estreptocócica é secundaria a uma escarlatina, pensamos ser aconselhavel o uso do sôro anti-escarlatinoso ou do sôro convalescente.
Os resultados com o uso do sôro especifico na meningite gripal, em casos que pareciam ser primarios e em outros que eram, presumivelmente; secundarios, foram todos precarios. Como em regra, houve um periodo de melhora e em alguns casos a cura efetuou-se; por isso, continuamos a usar o sôro. E' possivel que, futuramente, um sôro mais potente possa ser fabricado.
Em casos de meningite devida ao estafilocóco, a organismos do grupo colon, o pyocyaneus, etc., deve ser usado, se vantajoso, o bacteriofago.
Em pequeno numero de casos empregámos, tambem, as vacinas autogenas, ambas intraespinal e subcutaneamente. Com o uso desse metodo obtivemos duas curas: uma de meningite estafilocócica e outra de meningite gripal. Na maioria dos casos, o curso da meningite é muito curto para se admitir esse tratamento.
Agentes quimicos: antigamente o uso de varios agentes quimicos foi apoiado por numerosos pesquizadores. Injectámos, intraespinalmente, violeta genciana, acrivioleta, acriflavina e etilhidrocupreina hidroclorica (optochina), sósinhos ou em combinação com sôros. Temos a impressão de que esses agentes são de valor duvidoso e, ocasionalmente, podem ser nocivos. Parámos, por isso, de empregal-os, com a possivel excepção da optochina na meningite pneumocócica. A via intra-carotidea, para a injeção de sôros e agentes quimicos, tem sido utilizada ultimamente. Nunca empregámos nem apoiámos esse metodo. Primeiramente, não vemos nenhuma vantagem em seu uso, desde que é tão grande a rapidez da circulação do sangue; em segundo, em um caso sob nossa observação e em outros que nos foram comunicados, esse metodo de injeção produziu a trombose dos vasos cerebrais. Temol-o, pois, como um processo perigoso.
Ha poucos mezes o uso de para-aminobenzenosulfonamido despertou grande atenção. Ficou provado, por pesquizas em animais, que sua acção é de grande efeito no estreptocóco hemolitico, no meningocóco e no pneumocóco. Em outros organismos seu efeito parece duvidoso, mas as pesquizas apenas começadas já mostram que ele póde atuar em infecções com o B. da influenza. Presentemente, estudos clinicos não estão confirmando os resultados das experimentações em animais com o pneumocóco. O modo de acção desse agente quimico não é conhecido. Por ex., in vitro, pesquizadores dizem ser mais altamente bacteriostatico para o pneumococo do que para estreptococo. No homem, entretanto, dá-se ao contrário. De passagem, póde-se notar que certas correntes estreptocóco hemolitico hemolizam apenas, em laminas de sangue de cavalo e em media que não contem glicose. A questão toda vem sendo ativamente investigada e novas informações vão-se rapidamente acumulando.
Usamos Prontosil e sulfanilamido comumente em forma de Prontylin, nos casos de miningite devido ao estreptocóco hemolitico, ao pneumocóco e ao B. da influenza. Empregámos, tambem, esse agente quimico em alguns casos de meningite meningocócica e meningocóccemia, mas isso não pertence a presente discussão.
Tratámos nove casos de meningite pneumocócica. No momento, apenas um se curou. Tratava-se de um caso do tipo 31 que se desenvolveu dentro de 24 horas em seguida a uma operação do etmóide e a uma amigdalectomia. Sete faleceram e um encontra-se, ainda, em tratamento.
Em dois casos de meningite gripal empregou-se esse agente quimico, alem do sôro especifico, com uma cura.
O uso do Prontosil e Prontylin nos casos de meningite estreptocócica hemolitica produziu resultados que nos pareceram assombrosos. Enquanto o numero de casos é ainda pequeno, os resultados têm sido quasi uniformemente favoraveis. Tivemos 12 casos. Em cada um o diagnostico foi feito pela cultura do estreptocóco hemolitico do liquido espinal. Todos, excepto um deles, possuidor de uma pan-sinusite, foram secundarios a infecções dos ouvidos ou das mastoides; nove restabeleceram-se, dois faleceram e o decimo segundo encontra-se, ainda, sob observação. Um caso fatal era portador de otite média e mastóide duplas. Existia, tambem, o aspéto clinico de um abcesso do cerebro e, quando foi executada a operação sobre a mastoide, a dura foi encontrada prestes a ser destruida. O paciente faleceu dentro de 12 horas após a primeira dóse de Prontosil. O segundo caso tratava-se de uma pansinusite grave e antiga e a meningite já tinha muitos dias de duração. Opaciente encontrava-se em estado grave e faleceu dentro de 24 horas após administração de Prontosil.
Num periodo de mais de 26 anos, durante o qual existiu a divisão da meningite, na meningite estreptocócica hemolitica o numero de casos fatais foi, uniformemente bastante alto. No fim de 1936, vimos 274 casos de toda a qualidade de meningite estreptocócica, muitos dos quais eram da variedade hemolitica. Desses casos, somente 15 se curaram, 9 dos quais foram causados pelo estreptocóco hemolitico. Houve uma dezena de curas nas quais existia uma infecção associada de meningocóco com estreptocóco hemolitico. Tres dessas curas operaram-se em pacientes nos quais a meningite se desenvolveu após escarlatina. Em dois casos o sôro anti-escarlatinoso foi usado e no terceiro grandes quantidades de sôro convalescente e pequenas de Prontosil e Prontylin.
Podia-se admirar se estivessemos, no momento, tratando com especies menos virulentas de estreptocóco hemolitico. Foram iniciadas pesquizas com o fim de determinar se assim é. Pareceria notavel se tivesse havido uma subita mudança na virulentaa. Durante o ano de 1936, vimos 20 casos de meningite estreptocócica hemolitica, tendo todos morrido, com excepção de um, secundario a escarlatina, ao qual já nos referimos. A dose de sulfanilamido é, ainda, mais ou menos empirica. Aconselhamos o uso de quantidades mais moderadas, 5-10 cc. de Prontosil cada 4 horas e 5-15 gr. de Prontylin cada 6 horas. Para creanças, seguimos, geralmente, as recomendações de Long e Bliss, dando um 1 cc. de Prontosil por libra de peso em 24 horas. Em dois desses casos fatais de meningite pneumocócíca, injectou-se, no, espaço sub-araquinoidêo, uma solução salina de 0,8% de cristais de Prontylin. Desde que Marshall, Emerson e Cutting tenham demonstrado que após a administração oral, a concentração de sulfanilamido no liquido espinal é quasi igual áquela no sangue, a injeção intra-espinal pareceria desnecessaria.
Houve enorme discussão sobre os efeitos toxicos do sulfanilamido. Tais efeitos não foram por nós observados em gráo alarmante. Concordamos, naturalmente, que possa existir, ocasionalmente, algum paciente sensivel a esse como a outros quaisquer agentes quimicos. E' aconselhavel fazer-se repetidas contagens de sangue durante o periodo de tratamento.
Concluindo, desejamos realçar os seguintes pontos no tratamento dessas formas de meningite: 1) O fóco de infecção deve ser removido o mais cedo e o mais completamente possivel. 2) A drenagem precoce e repetida do liquido espinal é muito importante. 3) O uso de sôros especificos póde, ás vezes, ser de valor. 4) O bacteriofago é recomendado quando vantajoso. 5) O sulfanilamido é a contribuição de maior valor no tratamento da meningite devido ao estreptocóco hemolitico. Póde ser, tambem, de valor em outras formas de meningites purulentas secundarias a infecções do ouvido ou dos seios.
J. E. DE REZENDE BARBOSA
(1) The Laryngoscope - vol. XLVII - maio, 1937 - n.º 5 - pag. 317 - "Symposium on bacterial meningitis". Trabalho apresentado á Academia de Medicina de New-York, Secção de Oto-Laringologia, em 21 de Abril de 1937.