Versão Inglês

Ano:  1937  Vol. 5   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 369 a 374

 

DOIS CASOS DE CIRURGIA DO LARINGE (1)

Autor(es): DR. GABRIEL PORTO (Oto-laringologista do Inst. Penido Burnier - Campinas)

(LARINGECTOMIA TOTAL - OPERAÇÃO DE SAINT-CLAIR-THOMSEN)

Voltando hoje ao assunto do cancer endo-laringeu apresentamos a esta Associação dois casos de neoplasia tratados cirurgicamente visando focalizar dois pontos de importância capital: a curabilidade do cancer endo-laringeu e as vantagens de um diagnóstico precoce. Somente quando estas noções tiverem se estratificado no sub-conciênte do nosso meio médico e do público, nós especialistas poderemos aperfeiçoar os métodos terapêuticos e alcançar o elevado grau de progresso técnico a que já atingiram outros paises, menos importantes que o nosso.

Procurando contribuir para o progresso de nosso meio e reconhecendo a repercussão que as palavras proferidas neste recinto exercem em todo nosso Estado, ousamos Snr. Presidente, abusando da benevolência de nossos prezados colegas, abordar novamente a questão do cancer endo-laringeu, ainda ha pouco brilhantemente focalizada pelo distinto e operoso colega Rafael da Nova.

Nossas observações podem ser resumidas em poucas palavras. A primeira refere-se a um distinto colega bastante conhecido em São Paulo e que nos procurou 1933. Apresentava então um neoplasma endo-laringeu, bastante desenvolvido atingindo ambos as cordas vocais e a caminho da exteriorização. O mal datava de um ano, consultara já varios especialistas e o laringologista que o tratava aguardava o aparecimento da asfixia para executar traqueotomia paliativa. Iniciamos nossa ação praticando imediatamente uma biopsia e entregando o material para exame histo-patológico ao ilustre Prof. Walter Haberfeld. O laboratório confirmou a clínica revelando carcinoma plano celular não corneificado. A única solução para o caso era a laringectomia total, por nós executada em 20 de Nov. de 1933. A técnica usada foi a extirpação do laringe de baixo para cima, em um só tempo, sem traqueotomia prévia - processo de Périer. As sequências operatórias foram boas: o paciente restabeleceu-se rapidamente apesar de ter sofrido esfacelo dos primeiros aneis da traquéia. Dois mêses depois de operado manifestou-se curiosa complicação; no ponto de contato da extremidade distal da cânula com a traquéia, desenvolveu-se um tecido de proliferação ameaçando asfixia. O exame histo-patológico deste tecido revelou inflamação crônica. Com o auxilio de uma cânula de prata longa, construiria especialmente para o paciente e com aplicações de radioterapia profunda desapareceu este tecido de proliferação., cuja causa parece ter sido a irritação da cânula na parede traqueal. Submeteu-se o paciente ainda a inúmeras aplicações de radioterapia profunda praticadas pelo Dr. Rafael de Barros, e hoje decorridos mais de três anos se encontra em magníficas condições.

A segunda observação refere-se a um homem de 52 anos com um neoplasma da corda vocal direita. O paciente nos foi encaminhado, pelo ilustre colega Mario Ottoni de Rezende. A laringoscopia indireta revelou neoplasia no terço médio da corda vocal direita que se apresentava com bôa mobilidade. Após exame pre-operatório praticamos a operação de Saint-Clair-Thomsen - tireotomia e ressecção da corda vocal direita, traqueotomia. Permanência da cânula traqueal durante dois dias. Sequências bôas. O exame hiato-patológico da peça (fig. 1) retirada no áto cirúrgico, feito pelo Dr. Monteiro Salles revelou tratar-se de carcinoma plano-celular corneificado (fig. 2).

No primeiro caso encontramos uma neoplasia bastante desenvolvida, cuja extirpação exigiu laringectomia total. E' talvez em São Paulo o primeiro caso em que se pode falar de cura do cancer endo-laringeu pois a intervenção já permitiu uma sobrevida de mais de três anos. Em idênticas condições, conhecemos em Campinas mais dois laringectomizados com sobreviria de 5
anos. A segunda observação ainda recente refere-se a um câncer inicial do laringe extirpado pela tireotomia (operação de Saint-Clair-Thomsen). O interesse do caso está na técnica cirúrgica que acreditamos pela primeira vez em São Paulo.



Fig. I
Aspecto da peça operatoria.



Fig. II
Microfotografia do neoplasma excisado.



Cotejando a laringectomia total e a operação de Saint-Clair-Thomsen ressaltará a superioridade desta última intervenção. A tireotomia constitue mesmo a operação ideal do cancer laringeu. De técnica relativamente simples, pouco mutilante, apresentando elevada percentagem de cura
( 76% ), baixa mortalidade e permitindo restauração da voz quasi normal, é uma intervenção cujos resultados merecem amplamente serem divulgados.

Infelizmente, entre nós onde o cancer laringeu é regra geral tardiamente diagnosticado bem poucas vezes podemos recorrer a esta operação. Quasi sempre os neoplasmas do laringe se iniciam no terço médio da corda vocal determinando rouquidão. A laringoscopia indireta feita precocemente e completada pelos exames clínicos e de laboratório firma o diagnóstico surpreendendo a corda vocal, ainda com boa mobilidade. E' a ocasião ótima para a tireotomia. Em alguns casos de tumor muito pequeno podemos dispensar a biópsia e recorremos imediatamente a operação de Saint-Clair-Thomsen. O exame histo-patológico praticado depois da intervenção virá nos trazer informações seguras não só sôbre o diagnóstico como sôbre a extensão do processo neoplásico. A biópsia elemento de indiscutivel valor e indispensavel na maior parte das vezes é precizo ser interpretada juntamente com a clínica. A lição histórica de Sir Morrel Mackensie no caso do imperador Frederico III, onde os exames histo-patológicos do grande Virchow só tardiamente revelaram a etiologia do mal deve estar sempre presente na memória de todos os laringologistas. Passada a hora da tireotomia o cancer do laringe exige intervenções mais mutilantes das quais a mais vulgarizada é a laringectomia total. Operação que tem a vantagem de assegurar a extirpação integral do tumor endo-laringeu e a desvantagem de suprimir a respiração nasal e a voz. A natureza remedeia esta mutilação concedendo aos pacientes a pseudo voz faringéia.

E' portanto profundamente lastimavel que entre nós a operação de Saint-Clair-Thomsen não possa ser empregada correntemente e que a maior parte das vezes sejamos obrigados a recorrer a laringectomia total, única e exclusivamente porque ainda não fazemos o diagnóstico precoce do cancer laringeu. E a quem cabe a culpa deste estado de coisas? A nosso ver e já o afirmamos uma vez nesta Casa a culpa tem que ser dividida entre os doentes, os clínicos e os laringologistas.

Os pacientes são culpados porque em geral só tardiamente dão importância ao sintoma rouquidão; os clínicos porque a maioria das vezes pensam em sifile e instituem longo tratamento antiluético acarretando perda de precioso tempo, quando deviam exigir um exame laringoscópico e finalmente alguma culpa tambem cabe aos laringologistas que ainda hesitam em recorrer precocemente a uma biópsia nos casos duvidosos.

Entretanto, o diagnóstico do cancer laringeu não apresenta dificuldades. Precoce e constantemente estabelece-se a rouquidão e a laringoscopia indireta aliada aos exames clínicos (reação de Wassermann, exame radiográfico do torax, etc.) a maior parte das vezes estabelece o diagnóstico. Referimo-nos evidentemente á forma clássica do cancer laringeu inicando-se no terço médio da corda vocal. No cancer da sub-glote localização mais rara e de prognóstico mais sombrio o diagnóstico pode apresentar sérias dificuldades. Em um de nossos casos recebido de S. Paulo com o diagnóstico de estenose cicatricial post-luética só depois de aberto o laringe pudemos suspeitar a existência de um neoplasma, confirmada pela biópsia.

Na América do Norte diz-nos Wright da Clínica Mayo que depois que os médicos passaram a considerar toda rouquidão que dura mais de um mês como suspeita de cancer, o diagnóstico já se faz precocemente. Para que nos venha a suceder o mesmo precisamos portanto trabalhar afim de ser divulgada entre os clínicos a famosa lei de Simon, que apesar de suas excepções tem a grande vantagem de sintetizar em poucas palavras o sintoma principal e as condições em que aparece o cancer laringeu.

Já por várias vezes foram debatidos nesta Associação os resultados da radioterapia profunda no tratamento do cancer do laringe. Apesar dos progressos já obtidos que podemos classificar de magníficos adotamos a opinião de Ducuing, do centro anticanceroso de Toulouse, esposada também por Regaud, Hautant, Coutard, Tapia, Vallat e outros que o cancer da corda vocal exige o tratamento cirúrgico.

A operação de Saint-Clair-Thomsen dá 76% de curas duradouras, percentagem que talvês ainda possa ser melhorada com o auxílio da radioterapia.

O dia portanto, em que o cancer da corda vocal for precocemente diagnosticado e tratado "lege artis", poucos casos necessitarão a laringectomia total e a morte por tal afecção constituirá uma raridade.

Resumindo nosso estudo apresentamos uma série de considerações que justificam a proposta que submetemos á apreciação de nossos colegas, pedindo ao Snr. Presidente que a ponha em votação.

a) Considerando que a questão do cancer do laringe desperta atualmente vivo interesse entre os laringologistas do Estado de São Paulo;

b) Considerando ainda que entre nós o diagnóstico do cancer laringeu via de regra é feito tardiamente;

c) Considerando que a falta de conhecimentos sôbre a sintomatologia das neoplasias laringéias por parte dos clínicos e do público constitue o maior entrave para o diagnóstico precoce;

d) Considerando finalmente que o cancer no início é curavel por operação conservadora.

Propomos que a Diretoria da Secção de Oto-laringologia entre em entendimentos com a Diretoria da Associação Paulista de Medicina afim de realizar, durante o ano de 1937, uma campanha educativa visando divulgar noções básicas sôbre o cancer do laringe.

Esta campanha que deverá ser patrocinada pela Associação Paulista de Medicina consistirá na publicação de um artigo sintético sôbre o assunto- em todas as revistas médicas do país, na publicação de outro artigo escrito especialmente para o público nos jornais leigos em conferências pelo rádio, etc.

O Presidente da Secção de Oto-laringologia nomeará uma comissão que se encarregará da redação dos artigos a serem publicados na imprensa médica e leiga e tomará todas as providências necessárias para que seja levada avante a execução desta campanha.




(1) Comunicação á Ass. Med. do Inst. Penido Burnier em 7 de Janeiro de 1937 e á Secção de Oto-Laringologia da Ass. Paulista de Medicina em 17 de Fevereiro de 1937.

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