Versão Inglês

Ano:  1937  Vol. 5   Ed. 4  - Julho - Agosto - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 323 a 338

 

CONSIDERAÇÕES EM TÔRNO DAS PETRITES - PARTE 1

Autor(es): DR. PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ (*)

I - Introdução

Conhecida desde 1740, quando Morgagni, ao fazer uma necroscopia, encontrou o primeiro caso da afecção, só em 1927 recebeu a inflamação do rochedo o nome de petrosite, que lhe foi dado pelo alemão Haymann (58), muito embora atribuam os autores americanos tal designação a Profant (1931 ).

Segundo as leis de terminologia médica, os termos que designam processos inflamatórios tomam o sufixo ite, do grego itis, terminação de adjetivos. O radical deve também ser grego e ser substantivo. Só em casos excepcionais, o radical é latino (papilite, celulite) e adjetivo (conjuntivite, vaginalite). Em casos ainda mais raros, o radical é um nome próprio (descemetite, bartolinite). A regra geral é, porém, radical grego e substantivo: pleurá, pleurite; rinós, rinite; etc.

Por esta regra, teríamos que formar a palavra de pétra, as (é), rochedo, e não de petrosus, como fizeram os americanos (alguns até de petrous), nem de pétros, ou (ó), pedra. De pétra + ite, teremos petrite, como de métra, as (é) a madre, o útero, tivemos metrite.

Convém lembrar aqui o termo sugerido por Moulonguet (102) : rocherite. Pelo critério seguido por êste autor, devíamos dizer pavillonite, trompite, etc., em francês. E, em outras línguas; rocherite daria penãsquitis, em espanhol; rochedite, em português; rocchitis em italiano; Felsenbeinitis, em alemão; e assim por diante. E' inútil acentuar que a proposta de Moulonguet deve ser definitivamente desprezada.

Por êstes motivos, vemos que a inflamação do rochedo deve ser petrite e não petrosite.
Em trabalho recente, procura Tobeck (161 ) estabelecer as bases da nomenclatura dos processos inflamatórios do rochedo. Mostra que todas as denominações, que só se referem à ponta, devem ser postas a margem, por isso que o processo pode não atingir esta parte do osso. O nome petrosite talvez pudesse parecer justo, como o único que se refere a todas as infecções da ponta em geral. Mas, a seu ver, traz idéias falsas a respeito da afecção, pois lembrará com certeza a mastoidite, parecendo assim que a petrite é, como essa deixa transparecer, uma inflamação dos espaços pneumáticos do rochedo. Ora, está suficientemente demonstrado, que, na pirâmide de estrutura esponjosa, também podem se desenvolver infecções partidas da orelha média. O autor acha, por isso, que devemos dar à afecção o nome de "inflamação extra-labiríntica otogênica do rochedo", com os subgrupos "em rochedo pneumático", "em rochedo não pneumático", e as sub-divisões de sede: supuração das células do rochedo "do trato superior", "posterior-, "inferior" e "anterior".

Quer me parecer que petrite é um termo feliz; por êle se entende a inflamação do rochedo. Não vem ao caso o tipo da inflamação, se é osteomielite, se osteíte. Não é justo supor-se, como Tobeck dá a entender, que a mastoidite só se verifique em mastóide pneumática. Tal não é, pelo menos, a opinião geralmente admitida.

Quanto aos nomes por êle propostos, não são designações, mas definições. A divisão em grupos de acôrdo com os tratos celulares não pode ser usada na clínica. Além de haver uma série enorme de divisões dos grupos celulares do rochedo, que variam de autor para autor, o próprio Tobeck já assinala ser comum a fusão dos grupos superior e posterior, e às vêzes até a de todos quatro por êle descritos.

Está provado que a petrite pode ser da parte basal do rochedo, isto é, da parte que fica, entre a sutura petro-escamosa e um plano que passa pelo orifício do conduto auditivo interno; ou da ponta, isto é, da parte que vai do orifício dêsse conduto ao ápice do rochedo. A petrite da base pode ser chamada basopetrito (de basis, eus, base), e a da ponta acro-petrite (de ákra, as, ponta, vértice). O termo petro-apexite, além de híbrido, é invertido: devia ser apexo-petrite, porque o órgão é o rochedo e não a ponta.

Quando, num rochedo fortemente pneumatizado, o processo invadir a totalidade da pirâmide ou quási, atingindo destarte tanto a porção basal como a apical, teremos uma petrite generalizada ou pan-petrite.

II - Anatomia do rochedo

a) As faces ou paredes.

O rochedo é descrito por certos anatomistas como uma pirâmide de três faces; por outros, como uma de quatro. Isto que, até pouco, tinha interesse meramente especulativo, passou a ter grande importância clínica com o desenvolvimento que tem tomado o estudo das petrites.

Em rigor o rochedo é formado por quatro faces. Tal assertiva é fácil de ser provada por meio de um corte que procure separar o pirâmide da escama e da mastóide, o mais próximo possível da inserção da primeira nas segundas (Fig. 1 ). Por meio dêste corte, veremos que o rochedo tem, de fato, quatro faces, as quais, com o máximo rigor topográfico, são na realidade: a ântero-súpero-externa; a póstero-interna; a ântero-ínfero-externa e a ínfero-interna. Delas a de menor importância na petrite é a ântero-ínfero-externa, que, ainda assim, é a parede correspondente à trompa e a grande parte do canal carotídeo.

b) Divisão clínico-topográfica.

Sob o ponto de vista clínico, como já vimos, temos que dividir o rochedo, de acôrdo com Lempert, em duas partes: 1 ) uma basal, que vai da sutura petro-escamosa ao lábio externo do orifício do conduto auditivo interno; 2) outra apical, que fica entre êste lábio externo e o vértice do rochedo.

Tal divisão se impõe, porque, por não ter sido admitida há mais tempo, tem sido causa de confusão entre a petrite da base e a da ponta. A clínica vem repetidamente demonstrando, que a inflamação de células peri-labirínticas pode ficar confinada à porção do rochedo que se acha aquém do conduto auditivo interno, rompendo, já na fase terminal, a vítrea, por exemplo, da face póstero-interna, sem que, até a morte do paciente, haja a menor co-participação da ponta no processo inflamatório. Doutras vêzes, a infecção estende-se de início à ponta, e aí se localiza, não tomando quási parte no processo a porção que chamamos basal. E' intuitivo que, em um terceiro caso, a invasão pode ser generalizada. Mas é patente, por isso mesmo, que a afecção apresenta localizações especiais que, de certo, lhe modificarão a feição clínica, e das quais as mais importantes são as que acabo de referir: a petrite da base, baso-petrite; a da ponta, acro-petrite; a generalizada, pan-petrite.

c) Contextura da pirâmide.

A opinião dominante a respeito da difusão dos processos inflamatórios da caixa ao rochedo é a que considera, como fator principal dêste acontecimento, a pneumattização intensa do osso. "Quanto maior o grau de pneumatização, tanto maior a facilidade com que a infecção se difunde", dizem Friesner, Druss, Rosenwasser e Rosen. E o mesmo asseveram Profant, Tato (86), Moulonguet (104) , etc. Isto não quer, porém, dizer que caiba razão a Kopetzky (69) em afirmar que "quando não há pneumatização, não pode haver mastoidite; e quando há mástoidite deve haver pneumatização", aplicando a frase ao rochedo, pois se assim acontece com a mastóide, deve lógicamente acontecer com a pirâmide. Se o processo inflamatório mastóideo é análogo ao pétreo, não resta dúvida que os dois ossos não são iguais, e que pode haver petrite em osso diplóico e até em osso escleroso, o que aliás tambem acontece com a mastóidite.

Não é possível, contudo, negar-se que, quanto maior a pneumatização, quanto mais amplas as células, mais fácil e mais rápida a invasão pelo processo oriundo da orelha média.

O estudo da frequência da pneumatização do rochedo tem sido atacado com energia nos últimos tempos. Alguns trabalhos dizem respeito à mastóide e ao rochedo, outros só a êste, alguns só à ponta. Em verdade a petrite pode atingir qualquer parte do rochedo, mas o maior interesse dos pesquisadores tem se voltado preferentemente para a ponta. Na mór parte dos estudos relativos à petrite, trata-se na realidade de acro-petrite.

Estes estudos da estrutura do osso têm sido feitos, quer em ossos macerados, quer em ossos sêcos, por meio da anatomia, por meio da histologia, por meio da radiologia. Uma vez que êles representam uma das partes fundamentais do estudo das petrites, precisamos encara-los com minúcia e vagar.

Os tipos de mastóide, extensivos à piramide, são, para certos autores, três: pneumático, diplóico e escleroso: A maioria admite, contudo, quatro: os três ora citados, e o mixto.

Em rigor devemos, porém, admitir seis tipos: 1) o pneumático; 2) o esponjoso ou diplóico (também chamado errôneamente diploético) ; 3) o escleroso ou ebúrneo; 4) o pneumo-diplóico ; 5) o pneumo-escleroso e 6) o diplo-escleroso. Temos assim três tipos principais e três secundários ou combinados. O tipo pneumático cinde-se, por sua vez, em três grupos: a) pneumático de células grandes; b) pneumático de células médias; c) pneumático de células pequenas. Êste último pode às vêzes ser confundido com o diplóico, normalmente quando a diploificação é muito extensa. Em radiografias, conforme veremos adiante, é quási impossível distinguir os dois tipos, mesmo quando tiradas de temporais isolados sêcos.

O primeiro trabalho acêrca da pneumatização da ponta baseou-se no estudo radiográfico e foi publicado por Brock em 1926. Achou êste autor que o ápice era pneumatizado apenas em 7,2% dos casos.

Escudado no exame radiográfico de 604 pirâmides, Kraus (81) verifica ser a pirâmide pneumática em 25%.



FIG. 1
Secção do rochedo na vizinhança da escama. A-B - parede ântero-súperoexterna; C-D - parede póstero-interna; E-F - parede ínfero-interna; G-H - parede ântero-ínfero-externa.



FIG. 2
Corte da ponta do rochedo de tipo pneumático, célula única (temporal 18, esquerdo)



FIG. 3
Corte da ponta do rochedo de tipo pneumático, células grandes (temporal 18, direito).



FIG. 4
Corte da ponta do rochedo tipo pneumático, células médias.



Belinoff e Balan, pelo estudo de 40 temporais em que foram feitas secções várias, obtiveram a estatística seguinte, quanto à estrutura do ápice: 35% pneumáticos; 22,5 % diplóicos e 42,5% esclero-diplóicos. Já Gleason, levando a efeito a operação de Almour em 48 cadáveres, não encontrou o ápice pneumático nem uma só vez.

O estudo de Yamashita é mais completo do que os anteriores. O cientista japonês fez um estudo minucioso de 100 temporais, obtendo os seguintes cifras para o rochedo: pneumáticos 22% no segmento basal e 6 % no ápice; parcialmente pneumáticos em 45% no segmento basal e 36% no ápice; diplóicos e esclerosos 33% na base e 58% no vértice. Podemos dizer que, nêste estudo, 42% das pontas eram pneumáticas.

Em 1933, resolve Glick fazer o estudo tomando por base a histologia. Parecerá, à primeira vista, que êste processo seja rigorosamente fiel. No entanto, Gordon Wilson (48) acha que êle poderá induzir a êrro, pois, durante a preparação, os cortes podem sofrer alterações. Glick estudou 50 temporais, e verificou que a ponta era pneumática em 35% dos casos.

Tobeck (158) levou a efeito um estudo muito acurado. Tomou de cem temporais macerados, que radiografou estereoscópicamente em três posições. Obteve assim 300 estereografias, portanto 600 rádios simples. As indicações obtidas foram controladas pela trepanação da ponta em vários lugares. Ao contrário da cifra média admitida de 35%, Tobeck só achou 13% de pontas pneumáticas: totalmente pneumáticas em 3%, e parcialmente em 10. Em compensação, dividiu as diplóicas ou esponjosas em de malhas grossas e de malhas finas, achando para a primeira 15%. Como com toda razão acentuam Friesner, Druss, Rosenwasser e Rosen, "no tipo da estrutura anatômica do temporal não têm sido estabelecidos critérios definidos, e a interpretação pessoal do observador é um fator de importância".

Por meio da dissecção anatômica, estudou Carmack 94 temporais achando células no rochedo em 32% dêles.

Estudo igualmente muito minucioso levaram a efeito Myerson, Rubin e Gilbert (111 ). Tomaram de cadáveres 200 temporais (cem pares), estudando-os na posição normal e em relação ao crânio (com o cérebro intacto), e ainda, após serem retirados. Tanto in loco, como após a retirada, foram examinados por meio de radiografias e secções amplas. Acharam os autores, para a mastóide: 38% pneumáticas; 25% diplóicas; 2 % diplo-esclerosas; 30% esclerosas; 3 % pneumo-diplóicas e 2 % pneumáticas. Para o rochedo: 11 % pneumáticos; 11 % diplóicos; 6,5% diplo-esclerosos; 71,5% esclerosos. Esta estatística de pneumatização é a mais baixa que tem sido consignada até
agora, o que é explicável pela presença de 36 temporais de crianças (14 de menos de 1 ano), como os próprios autores acentuam.

Hagens (56) resolveu estudar 25 temporais em secções grosseiras e 25 em cortes histológicos. Nêstes o ápice era pneumático em 40% dos casos; naqueles em 28%. O autor achou que a ponta era pneumática, entre os dois grupos, em 28% dos casos.

Já diversa é a estatística anatômica de Friesner, Druss, Rosenwasser e Rosen, referente a 24 temporais. Havia rochedos pneumáticos em 16,6% ; diplóicas em 8,5%; de tipo combinado ou mixto em 75% . A ponta, estudada histológicamente, era pneumática em 5 %, diplóica em 65 % e de tipo mixto em 30 dos casos. Mas, dos 20 pacientes, dez tinham idade inferior a 10 anos.

Reunindo as radiografias de 60 casos clínicos de manifestações óticas, Tato (145) achou 65,5% de rochedos acelulares e 34,5% de rochedos pneumatizados.

Estudo anatômico de valor é o de Ziegelman. Êste autor estudou 9 7 temporais do adulto, nos quais fez, em várias incidências, 4 a 7 cortes. Encontrou o autor quanto à mastóide: 28,8% pneumáticas: 5,1 % esclerosas; 56,7% mixtas. Para a pirâmide: a) face anterior: em 17 casos, pneumática; em 19, diplóica; em 5 esclerosa e em 56 mixta; b) face posterior: em 22 casos, pneumática; em 16 diplóica; em 6 esclerosa e em 53 mixta; c) face inferior: em 14 casos, pneumática; em 22, diplóica; em 8 esclerosa, e em 53, mixta. Quanto à ponta, era pneumática em 6 casos, diplóica em 72, esclerosa em 1 e mixta em 18.

A diversidade nas porcentagens obtidas resulta mais da terminologia, do modo de classificação, dos meios empregados, do que própriamente de fatores raciais ou somáticos. Tomei por exemplo, de 200 temporais isolados, sêcos, dos quais oito exemplares eram de crianças, e os demais de adultos.

O primeiro trabalho foi feito pela radiografia dos ossos. Por êste meio, verifiquei que, quanto às mastóides, havia: 41,5 % de pneumáticas; 13,5% de diplóicas; 29% de pneumo-diplóicas, 6,5% de esclero-diplóicas; 2 % de esclerosas; e 7,5% de pneumo-esclerosas. Quanto à ponta, 28,5 % eram pneumáticas; 31,5 diplóicas; 36% pneumo-diplóicas e 4%. esclero-diplóicas. Em 5%, dos casos a ponta direita era de tipo diverso do da ponta esquerda. Das 57 (28,5 % ) pontas pneumáticas, em 12 (21 % ) se tratava de células pequenas; em 24 (42,1 % ) de células médias; em 21 (36,8%) de células grandes. A pneumatização da ponta era extensa em 38 casos (66,6%) e limitada em 19 (33,3%).



FIG. 5
Corte da ponta do rochedo de tipo pneumático, células pequenas.



FIG. 6
Corte da ponta do rochedo de tino diplóico.



FIG. 7
Corte da ponta do rochedo de tipo escleroso.



FIG. 8
Corte da ponta do rochedo de tipo pneumo-diplóico.



Do estudo radiográfico conclue-se que não há relação entre a estrutura da mastóide e a da ponta. Não parece assim, exata a assertiva de Kopetzky (77) de ser possível, clinicamente, ter-se uma orientação da estrutura do rochedo pela extensão da pneumatização da mastóide. Como acabamos de ver, nesta série de temporais havia 41,5% de mastóides pneumáticas para 28,5% de pontas dá mesma natureza.

Após o estudo radiográfico, resolvi fazer o anatômico. As pontas foram serradas no sentido transverso ao eixo, a cêrca de 1,5 cents. do extremo da pirâmide. As cifras estão longe de corresponder, quanto à ponta, ao resultado do estudo radiográfico. Assim achei 35,5%, de pontas pneumáticas; 15,5% de diplóicas; 8,5 % de esclerosas; 13,5 % de pneumo-diplóicas; 13 % de pneumo-esclerosas e 14% de diplo-esclerosas. Em 22 vêzes o ápice direito divergia do esquerdo. Nesta divergência foram computados até os tipos de pneumatização, isto é, foram julgadas divergentes pontas que eram pneumáticas de células pequenas à direita, e de células médias à esquerda. Isto explica a alta porcentagem de ápices de estrutura diversa no mesmo indivíduo.
Dos 35,5 % ápices pneumáticos, 22,5 % eram de células pequenas; 6 % de células médias; 7 % de células grandes.

Se resumirmos êstes dados nos tipos clássicos, teremos: pontas pneumáticas 35,5 % ; diplóicas 15,5%; esclerosas 8,5%, mixtas 40,5 %.

E' de notar a diferença entre os dados radiográficos dos ossos isolados, sêcos, portanto em condições que a clínica nunca poderá facultar, e que permitem estudo muito mais perfeito do osso; e os fornecidos pelo estudo anatômico: 28,5% na rádio para 35,5 no corte anatômico, para as pneumáticas; 31,5% na rádio para 15,5 % nos cortes, para as diplóicas; 0 % de esclerosas na rádio, para 8,5 % nos cortes; 40 % na rádio para 40,5 % nos cortes, para o tipo mixto. Daí salta uma conclusão aos olhos: o exame radiográfico, prova de grande importância no estudo das petrites, precisa de ser considerado com o máximo cuidado, tanto mais quanto, como bem o diz Law, a pirâmide é a parte do crânio mais difícil de ser exposta radiogràficamente.

d) As grandes células.

Gordon Wilson (47), referindo-se a Meltzer, que menciona células grandes a ocuparem toda a ponta da pirâmide, declara nunca as ter visto. "Não digo que estas células não existem;
é notóriamente difícil provar a negativa. Mas nunca as encontrei". Em 1927, tive oportunidade de descrever uma pirâmide completamente ôca, ocupada por um espaço celular único, que media 29 milímetros de comprimento por 9 de largura e 14 de altura. Esta célula é mencionada por Profant, Eagleton (30), Kopetzky ( 70), Myerson (111 ), Voss e outros, como sendo a maior até hoje encontrada. Myerson, Rubin e Gilbert (111 ), em seus 200 temporais, não encontraram nenhuma com tais dimensões. Yamashita, em sua monografia, refere-se, porém, a uma maior, pois mediu 30 mm. de comprimento por 9 de largura e 19 de altura.

Nos 200 temporais que estudei, encontrei 4 células da ponta, células únicas, que tomavam a ponta inteira, e que ligavam por assim dizer diretamente a orelha média ao extremo do ápice rochoso.

O temporal n.° 18, lado esquerdo (Fig. 2), era ocupado por uma cavidade que media 32,5 mm. de comprimento por 14 de altura e 9 na maior largura. O temporal n.° 18, lado direito, apresentava uma célula do rochedo que media 31 mm. x 12 x 11. A parede anterior desta célula era o próprio canal carotídeo, reduzido a uma lâmina transparente.

O temporal n.° 49, lado direito (Fig. 20), tinha um espaço pneumático de 22 mm x 12 x 10. As paredes eram de osso ebúrneo de 1 mm. de espessura, menos para o lado do canal carotídeo. Aí a parede era como papel.

O temporal n.° 77, lado direito, tinha a estrutura do rochedo ocupada por uma célula de 22 mm. x 11 x 7. A parede posterior era de mais de 1 mm. de espessura, mas a ântero-superior era em extremo delgada. O canal carotídeo distava, a um centímetro da ponta, cêrca de 4 mm. da célula, mas, no extremo do ápice, era de menos de 1 mm. esta distância.

Temos aí casos que mostram como é em geral fácil a infecção localizada na caixa ou no antro chegar diretamente às células do temporal, e como é fácil o acesso a estas cavidades, tanto pela via posterior, como pela do canal carotídeo.

E' claro que a sintomatologia das petrites tem de variar muito de acôrdo com o tamanho destas células e a espessura de suas paredes. Uma célula enorme, como a do temporal n.° 49, lado direito (Fig. 20), dificilmente dará um síndromo de Kopetzky ou de Gradenigo, pois a célula romper-se-á fácil e precocemente no canal carotídeo.

e) O ângulo de inserção do rochedo.

A cirurgia do temporal sofreu, com o estudo das petrites, modificações fundamentais, o que exigiu que se refundisse em parte a anatômia do osso. Certos fatores outrora de ordem meramente teórica, passaram a ter indiscutível importância prática. Nenhum tratado, que eu saiba, ocupou-se até hoje, por exemplo, em referir qual a medida do ângulo formado pelo eixo da pirâmide com a parte superficial externa, lateral, do osso em posição. Ora, a chamada operação de Almour tem como reparo anatômico básico o eixo do conduto auditivo, e é pois indispensável saber-se se êste reparo oferece segurança suficiente para servir de base a qualquer sugestão operatória.



FIG. 9
Corte da ponta do rochedo de tipo pneumo-escleroso.



FIG. 10
Corte da ponta do rochedo de tipo diplo-escleroso.



FIG. 11
Rádio da ponta do rochedo de tipo pneumático, célula única (temporal 18, direito, Fig. 3).



FIG. 12
Rádio da ponta do rochedo de tipo pneumático, células médias.



Segundo a autoridade de Testut e Latarjet, o eixo do conduto orienta-se no mesmo sentido (ou quási) do eixo do rochedo. Em sendo assim, para saber-se qual a direção do eixo do conduto, o mais fácil é medir o eixo da pirâmide. Não sendo, porém, isto fácil de obter-se, achei que podia se fazer um cálculo da variação dêste eixo, medindo-se o ângulo formado pela aresta posterior ou borda superior do rochedo com a corda do arco da escama e da mastóide (Fig. 21 ). Com um fio metálico rígido, colocado em contacto com os pontos anterior e posterior do arco referido, e paralelamente à arcada zigomática, media a transferidor o ângulo borda superior-corda da escama e da mastóide. E' claro que, embora êste ângulo não seja o mesmo formado pelo eixo do rochedo-corda da escama e da mastóide, variará matemàticamente de acôrdo com tôdas as variações dêste segundo, e pode ser medido com muito mais facilidade, e, sobretudo, com muito maior precisão.

Nos 200 temporais, verifiquei que êste ângulo variava de 40 a 70 graus, nas seguintes porcentagens:

45° em 7%
48° em 6,5%
50° em 24%
52° em 16%
55° em 20%
60° em 11,5%

Só em 4 casos mediu 40° e só num 70.

E interessante dizer que, em um temporal de uma criança de um dia, o ângulo mediu 50° e que, portanto, a idade não parece influir sôbre a abertura. Os ângulos só coincidiram rigorosamente em dez temporais, o que dá uma porcentagem de menos de 5.

Vê-se, dêstes dados, que o eixo do rochedo (e, por conseguinte, também o eixo do conduto auditivo externo) não pode absolutamente servir de ponto de reparo para a cirurgia delicada do rochedo. Se grande número de pacientes têm sido operados com sucesso pelo método de Almour, isso se deve mais ao sexto sentido e a habilidade pessoal. Quer me parecer, no entanto, que a cirurgia moderna não pode ser tão empírica. "Por meio de um trépano orientado em uma direção que forme um ângulo de mais ou menos 20-25 graus com o eixo do conduto auditivo externo, faça-se uma abertura logo para trás do orifício da trompa, diretamente abaixo do tecto da caixa", diz textualmente Almour (2), repetem Kopetzky (69), Bigler, e outros. Não creio que com reparos tão pouco precisos seja possível a um hábil otologista, absolutamente senhor da anatomia da região, intervir com consciência no rochedo, fazer a cirurgia talvez mais delicada e difícil da cirurgia.

f) Os grupos celulares.

Há muito esforçam-se os anatomistas por classificar os grupos celulares que se distribuem no temporal.

Mouret classificou êstes espaços celulares em oito grupos: 1 ) o supra-atical, no tecto da caixa; 2) o supra-labiríntico, entre a vítrea do rochedo e a cápsula labiríntica; 3) o da parede superior do conduto auditivo interno; 4) o retro-labiríntico, ao longo da trompa; 6) o sub-labiríntico; 7) o da parede inferior do conduto auditivo interno; e 8) o occípito-jugular.

Revendo tal estudo, menciona em 1911 Girard sórnente sete grupos, descrevendo-os minuciosamente, da origem ao ponto de terminação: 1 ) um que vai do soalho da caixa, sob o labirinto, até a ponta, ocupando desta a região póstero-inferior; 2) um que parte da porção superior da caixa, vai por diante do caracol ao longo do canal carotídeo e da trompa, chegando à parte ânterosuperior da ponta; 3) um que nasce do soalho do aditus, circunda a parte empolar do canal semicircular vertical, e dirige-se para a ponta; 4) um que, oriundo do antro, passa por baixo da alça do canal semicircular vertical, e termina no mesmo ponto a que vem ter o grupo anterior; 5) um que nasce ainda do antro, segue a borda superior do rochedo, e alcança a ponta; 6) um que sai igualmente do antro, segue por trás do canal semicircular vertical, e segue até a ponta; e 7) um que se origina do região intersinuso-facial, passa por baixo do aqueduto do vestíbulo, e vai se reunir às vias sub-labirínticas. Estas vias foram aproveitadas pelo Prof. Ramadier para estabelecer a divisão dos focos de petrite. Três são anteriores: a) supra-labiríntico anterior; b) ante ou pre-coclear; c) sub-labiríntico anterior. E três são posteriores: a) trans-labiríntico; b) supra-labiríntico posterior; e c) sub-labiríntico posterior.

Schlander reduz a três as vias celulares: 1 ) uma ao longo do tegmen e sóbre o conduto auditivo interno, até a ponta; 2) uma da parede interna do antro; e 3) uma por baixo do caracol.

Myerson, Rubin e Gilbert (111) admitem dois grupos principais: o supra-coclear e o infra-coclear. O primeiro é cindido em: a) células da superfície anterior; b) células da borda superior e c) células da superfície posterior. O grupo supra-coclear divide-se também em três sub-grupos: a) células pre-cocleares: b) células sub-cocleares: c) células retro-cocleares. Consideram os autores as células da ponta sob título à parte, pois não pertentem a nenhum dos grupos mencionados. Por meio de um plano arbitrário que passa pela parede superior da parte horizontal do canal carótideo, dividiram-nas em dois grupos; supra-carotídeo e póstero-ínfero-carotídeo.



FIG. 13
Rádio da ponta do rochedo de tipo pneumático, células pequenas.



FIG. 14
Rádio da ponta do rochedo de tipo diplóico.



FIG. 15
Rádio da ponta do rochedo de tipo diplóico (tipo infantil).



FIG. 16
Rádio da ponta do rochedo de tipo escleroso.



Em estudo recente, dispõe Tobeck as células em quatro agrupamenttos: 1) o grupo posterior, em que as células vão do antro à ponta, passando ao redor do canal semicircular posterior, e pela parte mais elevada da superfície posterior do meato auditivo interno; 2) o grupo superior, em que a pneumatização vai do ático à ponta, por cima do canal semicircular, e em contacto com a parede superior do rochedo; 3) o grupo inferior, que parte do hipo-tímpano, alcançando a ponta por baixo do labirinto e do meato auditivo interno; 4) o grupo anterior, que, tomando por ponto de partida a trompa, vai passar por baixo da carótida para alcançar a ponta.

Desde 1920, Mouret e Seigneurin provaram que os espaços celulares do temporal, seja qual fôr sua localização, pertencem à caixa do tímpano, de que são meros prolongamentos. Negaram a existência de células isoladas ou aberrantes, o que documentaram do seguinte modo. Injetaram na caixa, pela trompa, vinte cents. cúbicos de alcool a 95°, colorido pelo azul de metilênio. A princípio eram injetados sob pressão enérgica dez cents. cúbicos, e, depois de certo lapso de tempo, nova dose de igual volume. Após descolamento do periósteo da escama, das duras cerebral e cerebelar e do seio lateral, notaram, a princípio, que certos pontos das corticais externa e interna apresentavam colorido azul esverdeado devido ao corante. Verificaram que só as verdadeiras células pneumáticas fixavam o corante, e que nem uma só célula, mesmo nas regiões mais profundas do temporal, deixou de ser invadida pelo soluto de azul. Em alguns cortes, foram encontradas células petrosas que pareciam isoladas, mas foi fácil achar o trato celular que unia estas células às da parede superior e interna do antro. Em outros, puderam expôr estas células intermediárias, descobrindo prolongamentos do sistema celular até sob o gânglio de Gasser, até a vizinhança da carótida, etc.

Em trabalho recente, Tremble reproduz as experiências de Mouret e Seigneurin, usando temporais sêcos, radiogràficamente selecionados, que encheu com metal fusível (metal de Wood). Todas as células, da mastóide ao ápice do rochedo, encheram-se de chumbo.

Provam estas experiências que o sistema pneumo-celular do temporal é único, achando-se diretamente dependente da caixa do tímpano.

Poder-se-á dividir estas cavidades pneumáticas em grupos topográficamente prefixados, como o fizeram os autores citados? E' evidente que não. No osso pneumatizado, estas células se
distribuem a esmo, as da parede anterior invadindo a parede posterior, as sub-labirínticas invadindo a zona da trompa, etc. Qualquer divisão não passa de mero artifício, e não apresenta nenhum valor, nem do ponto de vista meramente anatômico, nem do ponto de vista cirúrgico. O rochedo é em geral um osso diplóico ou pneumático em cujo centro, embutido como em uma embalagem bem cuidada, vamos encontrar o macisso labiríntico. As células envolvem-no por completo, e não podem ser divididas em grupos, pelo que observei em alguns de meus exemplares. O próprio Tobeck (159) declara que os tratos posterior e superior podem se reunir: "em regra geral isso acontece até de tal modo, que não é mais possível fazer-se a separação". "Muitas vêzes é difícil também de se dizer se existe sómente um trato posterior ou um superior, ou se ambos existem, sendo em tais casos aconselhável falar-se em trato póstero-superior". O mesmo diz o autor em relação aos grupos inferior e anterior.

E', pois, evidente, que a classificação dos grupos celulares não é anatômica, dependendo exclusivamente de artifício.

g) As vias de acesso à ponta.

As vias pelas quais pode a infecção, pelo interior do rochedo, chegar a seu ápice, são um corolário da distribuição das células. Admitem os autores um número variado de vias, da mesma sorte que, como vimos, são as mais variadas as classificações dos grupos celulares.

Profant, por exemplo, admite duas vias: 1) a antro-epitimpânica, e 2) a hipo-timpânica. Na primeira, estendem-se as células do antro e do ático por cima do caracol, e por trás e para cima do canal semicircular superior, até as células da face anterior da ponta, passando por trás, para cima ou para diante do orifício do conduto auditivo interno. Na segunda, as células, partindo do hipo-tímpano, passam por baixo do caracol e do conduto auditivo interno, atingindo as que se acham sob a parede posterior da ponta.

A três grupos atribue Lange os focos infecciosos profundos do rochedo. O primeiro corresponde às células que se distribuem para diante da cóclea e sôbre ela; o segundo, às que se difundem para trás do labirinto, na região do orifício do conduto auditivo interno; o terceiro compreende as células que se acham por baixo da cóclea.

Diversas dos anteriores são as três vias referidas por Kopetzky e Almour. A primeira, parte do ático ou do antro, passa por cima ou por baixo do canal semicircular superior, e ganha a ponta seguindo sob a parede póstero-interna do rochedo. A segunda vai das células peritubares ao ápice. A terceira estende-se diretamente das células tubares ao canal carotídeo,ou atinge êste por intermédio de deiscências da parede anterior da caixa, alcançando a fóssula do gânglio de Gasser.



FIG. 17
Rádio da ponta do rochedo de tipo pneumo-diplóico.



FIG. 18
Temporal grandemente pneumatizado com uma célula da ponta de 32,5 mm.



FIG. 19
Temporal grandemente pneumatizado com uma célula da ponta de 31 mm.



FIG. 20
Célula única da ponta, de 22 mm., com paredes espessas



FIG. 21
O ângulo corda da escama e mastóide - borda superior do rochedo. A-B - borda superior; A-C - corda dó arco da escama.



Fig. 22
Corte do rochedo passando pelo vestibulo. Disposição do tecido areolar em tôrno do labirinto, sem sistematização dos grupos celulares. A-B - parede ântero-súpero-externa; C-D - parede póstero-interna; E-F - parede ínfero-interna; G-H - parede ântero-ínfero-externa. A seta indica a parede do canal carotídeo, no joelho dêste conduto ósseo.



Segundo Ziegelmann, a via preferentemente seguida pela infecção margeia a face posterior do rochedo.

Em estudo recente, mostra Kepes que a via natural de acesso ao ápice é através da raiz do zigoma. Nas preparações em que foi verificado certo grau de pneumatização, as células iam da apófise zigomática à ponta. Vê-se que, da parte terminal da apófise zigomática e da escama, parte um trato de células que vai, sem interrupção, sob a face ântero-súpero-externa do rochedo, até o ápice.

Não cabe aqui entrar-se em considerações acêrca do modo por que a infecção, partindo da caixa do tímpano, chega à ponta. E' inútil, porém, salientar que estas vias celulares são o fator capital dêsta difusão do processo infeccioso.

Do estudo destas vias seguidas pela infecção, chegou-se ao conhecimento das vias de acesso cirúrgico à ponta, em casos de acro-petrite.

III - Diagnóstico

Para chegar-se a diagnóstico, nas petrites, é necessario: 1.° - conhecer os diferentes tipos de processo: 2.° - considerar as diversas fases do mal; 3.° - levar em conta a duração e o carater da inflamação.

a) Os tipos clínicos.

A inflamação supurada do rochedo pode obedecer a quatro tipos, de acôrdo com Lempert:
1 - labirintite supurada
2 - perilabirintite supurada
3 - acro-petrite supurada
4 - combinação da primeira com a segunda.

A petrite supurada, aínda segundo Lempert, pode, por sua vez, apresentar-se sob as seguintes formas:

l.ª - acro-petrite independente, secundária a otite média aguda supurada sem mastoidite;
2.ª - acro-petrite concorrente acompanhada de mastoidite simultânea, secundária a otite média aguda supurada;
3.ª - acro-petrite secundária, resultante de perilabirintite supurada, manifestada algum tempo após mastoidectomia.

A divisão de Lempert não corresponde, todavia, às localizações anatômicas do processo. Embora o autor divida a pirâmide em dois segmentos, um basal e outro apical, não leva tal divisão em conta na classificação das petrites. Temos, por conseguinte, de considerar os três tipos de petrite atribuídos à ponta - acropetrite - e mais três tipos idênticos de baso-petrite, uma vez que a clínica tem provado exuberantemente que o processo pode: 1 ) cingir-se à parte perilabiríntica e ficar, pois, externa ao orifício do conduto auditivo interno; e 2) cingir-se à ponta, sem lesar quási a região perilabiríntica. Tais manifestações dependem em grande parte de condições anatômicas preformadas, isto é, da distribuição dos espaços celulares intra-pétreos, por isso que, conquanto a petrite possa manifestar-se em osso esponjoso ou mesmo escleroso, é mais fácil de observar-se em osso pneumático. Pelo estudo histológico de 22 casos de petrite, Haymann (57) verificou que a propagação se dá principalmente, se não sempre, por intermédio das células, não observando nenhum só caso de processo osteomielítico extenso, o que prova tratar-se quási sempre de osteíte.

Antes de entrar própriamente no estudo do diagnóstico da petrite, é necessario estabelecer uma preliminar. Convém, de fato, pôr em evidência que petrite é a inflamação das cavidades pneumáticas do rochedo e de seus septos intercelulares, do mesmo modo que mastoidite é a inflamação da mucosa das células da mastóide dos septos entre elas existentes. Quando a cortical do rochedo ou da mastóide já foi atacada, e o processo ósseo se exteriorizou, teremos não mais uma simples petrite ou mastoidite, mas uma complicação dêstes processos: o abcesso sub-dural ou o abcesso sub-periósteo, em tudo por tudo absolutamente idênticos.

O diagnóstico de petrite implica, destarte, no diagnóstico do processo cingido ao interior da pirâmide, sem lesão perfurante ou destruidora das paredes desta, por isso que, petrite em rigor, é sómente o que Ramadier, Kopetzky e outros chamam petrite fechada.

Apresentar-se-á a acro-petrite com a mesma sintomatologia que a baso-petrite? A pergunta é difícil de ser respondida, porque: 1) o sintoma inicial é dôr, e esta depende da distribuição
dos filetes nervosos, a qual, como se sabe, varia de indivíduo a indivíduo; 2) a inervação das células da ponta não foi até hoje estudada, e não se sabe mesmo, com segurança, a que nervo atribuí-la. Dizem os clássicos, que a inervação do orifício da trompa, da caixa do tímpano, do antro, e das células da mastóide é fornecida pelo chamado plexo de Jacobson, resultante de anastomoses entre o glossofaríngeo, o facial, o pneumogástrico e os cervicais. Mas nada se disse até hoje a respeito da inervação sensitiva das células do ápice.

A clínica dificilmente resolverá o problema, não só porque o próprio doente muitas vêzes não pode dizer com precisão o ponto exato em que a dôr se localiza, como porque, na maior parte dos casos, esta varia de local durante a evolução do processo, e varia de local de um doente para outro.

Num dos trabalhos teóricos mais exaustivos publicados acêrca desta questão, o de Eagleton (29), vemos que as conclusões são mais didáticas do que clínicas. Eagleton atribue a dôr em geral ao oftálmico, partindo da observação de ser êste nervo firmemente aderente à dura da face anterior da pirâmide. Ora, a observação de Hovelacque é contrária a tal pontto de vista: o oftálmico na realidade não tem relação nenhuma com a face superior do rochedo. A primeira conclusão. de Eagleton diz que "a observação, tanto anatômica como clínica, vem mostrar que dôr atrás do ôlho deve ser a primeira manifestação de congestão ou cárie granulosa do ápice do rochedo". Mas êste sintoma, se as paredes do osso estão intactas, dificilmente pode ter qualquer relação com o oftálmico. No entanto, Eagleton atribue a dôr extra-ocular dos estádios iniciais a provável tração exercida na área de aderência do oftálmico. A dôr provém dêste nervo quando a lesão é da base do rochedo, e é oriunda do próprio gânglio de Gasser, nas lesões da ponta. Que assim seja quando a cortical é laminular, pode se admitir; mas, quando a cortical tem até um milímetro de espessura (como no temporal fig 20, e está intacta, a dôr deve ser causada pela própria inervação mucosa. O que me leva a assim pensar é sobretudo a observação, feita repetidas vêzes, de lesões graves - abcessos extra-durais, abcessos encefálicos, etc. - dá ponta, dá vertente anterior do rochedo, da sutura petro-esfenoidal, com lesão histológica do oftálmico e do próprio gânglio de Gasser, sem, manifestação dolorosa, na região ocular (casos de Turner, de Friesner e Druss etc); a observação de dôr ocular em casos de lesão assente na fossa cerebelar, o que teóricamente é um contrassenso, segundo Eagleton, Porta e outros, que não admitem tal fato.

E' ainda Eagleton de, parecer, que a dôr facial é, na mór parte dos casos, óssea de início, porque, em regra geral desaparece prontamente quando o tecido necrótico da mastóide ou das células perilabirínticas é retirado. Isto é uma prova justamente em contrário da origem extra-rochosa da dôr, por isso que a irritação das terminações nervosas tem que se dar através de uma cortical íntegra, sendo a dôr muitas vêzes inicial. Se a dôr da petrite é devida à sensibilidade dural, teremos com maior razão de admitir que a dôr de ouvido da otite média aguda com empiema da caixa tem a mesma origem. Mas tanto não é isto exato, que uma simples paracentese faz em geral a dôr desaparecer.

Como bem o diz Grünberg, "a causa das intensas dores que de regra acompanham os processos inflamatórios da orelha média é a grande riqueza da membrana e da caixa em nervos sensitivos. Nêstes casos a intensidade da dôr depende mais da pressão do exsudato sobre a mucosa inflamada, do que do processo inflamatório". Kerrison também atribue a dôr a aumento de tensão por entumescimento dos vasos da caixa ou a pressão e distensão pela coleção líquida (sôro ou pus).

Quanto à localização da dôr, declara ainda Grünberg: "Nas inflamações da orelha média, em casos em que o sistema celular pneumático, muito desenvolvido, se acha atingido pelo processo, as informações sobre a localização da dôr são em regra muito menos exatas do que nas lesões da orelha externa".

Parece, pois, que, na baso-petrite, a dôr não deve diferir quási da dôr da mastoidite. Na acro-petrite a dôr deve ser mais profunda, mas no caso de petrite pura, isto é, antes das complicações resultantes da perfuração das paredes do rochedo terem se manifestado, a dôr geralmente não tem o tipo da dôr de irritação do trigêmeo.

O sinal de Van Voorthuysen não está ainda comprovado. Lembra êste autor a compressão digital do ápice do rochedo no cavurn, pouco para trás do pavilhão da trompa. Deverá ser êste toque doloroso nos casos de acro-petrite.

Em conclusão: talvez seja possível fazer-se pela dôr o diagnóstico de uma petrite da ponta; mas não é possível distinguir-se a petrite da base de uma simples mastoidite, por meio dêste sintoma.

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