Versão Inglês

Ano:  1937  Vol. 5   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: -

Páginas: 275 a 278

 

FISTULA CONGENITA E CISTO DERMOIDE DO DORSO DO NARIZ (1)

Autor(es): DR. GABRIEL PORTO

(Oto-laringologista do Instituto Penido Burnier - Campinas)

Os cistos dermoides do dorso do nariz constituem ocorrência clínica das mais raras. Dos trabalhos de Powell (6) e Luongo (3) conclue-se, que na literatura americana existem apenas três casos. Maior número de observações encontramos nas revistas européias, onde, entretanto, ainda são escassas as publicações sôbre o assunto.

Zausch (11) estudando a gênese das fístulas nasais congenitas distingue as fístulas primárias das secundárias; nestas últimas devendo-se pensar na formação de um dermoide. As fístulas primárias seriam resultantes da fusão incompleta de uma fenda fetal. A gênese causal das secundárias seria a mesma dos cistos dermoides.

O diagnóstico da afecção que estudamos apresenta, principalmente na infância, certa dificuldade. O especialista, via de regra, é procurado pelo fato de um abcesso no dorso do nariz. E somente quando constata o insucesso do tratamento cirúrgico, procurando mais profundamente a causa do mal, atina com o diagnóstico. Foi o que sucedeu em nossos dois casos. Verneulen (8) nos afirma ser este erro com frequência cometido.

Em nossa 2.a observação, bastante semelhante a primeira, uma criança de 4 anos procurou-nos com abcessos bilaterais e simétricos no dorso do nariz ao nivel do ângulo interno do olho. Na linha mediana do nariz na união dos terços médio e inferior observava-se pequeno pertuito onde apontavam alguns pêlos. Pela pressão no dorso do nariz eliminava-se certa quantidade de cebo. A palpação sentia-se cordão fibroso no dorso do nariz. Só com o exame clínico metódico, exigindo as vezes o auxílio de lentes, consegue-se precisar estas minúcias que permitem firmar o diagnóstico. Um orifício na linha mediana do nariz onde apontam alguns pelos é característico das fístulas congênitas. A gravura de Streit, (fig. 1 ) melhor que qualquer descrição dá uma idéia exata desta curiosa afecção. E' preciso entretanto, assinalar que na infância o pertuito apresenta-se diminuto, só adquirindo grande desenvolvimento na puberdade. E' por este motivo que nos primeiros anos de vida o diagnóstico se reveste de dificuldades sérias.


   
FIG. 1      FIG. 2



As fístulas congênitas e os cistos dermoides uma vez diagnosticados devem ser extirpados cirurgicamente. A intervenção que praticámos em nossos dois casos, com pleno êxito consistiu em uma incisão circular em torno do pertuito, prolongada por incisão vertical na linha mediana, extendendo-se até a raiz do nariz (Fig. 2). Estas incisões permitiram a extirpação completa das fístulas congenitas e a curetagem cuidadosa da cavidade cística, donde foram retirados pelos e matéria cebácea. Os cistos, via de regra, não se comunicam com a cavidade nasal, terminam geralmente entre as cartilagens próprias do nariz.

OBSERVAÇÃO I

J. A., 6 anos, brasileiro, masculino, branco, residente em Pedregulho. Ficha N.° 20.352, Data: 3 de Outubro, 1933.

O pai do paciente nos procurou informando que ha 8 dias o nariz do menino inchara e surgira uma fistula.

Criança bem constituida e apresentando no dorso do nariz pequeno pertuito por onde se escoa pus sempre que, se exerce pressão na raiz do nariz.

Rinoscopia - mostrou-se sem significação.

O paciente passou seis dias em observação, apresentou melhoras e voltou a casa procurando-nos novamente em 24 de Outubro de 1933, queixando-se de inflamação nos olhos, febre e dôr em uma perna consequente a uma injeção de protinjetol.

Observamos então descolamento da pele no dorso do nariz, retenção de pus. Praticamos pequena incisão no abcesso e uma série de curativos.

17 de Novembro 1933: Verificava-se cicatrização completa da ferida operatória; sómente pelo pertuito mediano do nariz escoava-se um pouco de pus. Propuzemos então operação radical, visando extirpar o cisto.

4 de Abril 1934: Volta o doentinho a nossa presença afim de ser operado. Apresenta-se então o pequeno orifício na linha mediana com o mesmo aspecto e na parede lateral esquerda do nariz ao nível do ângulo interno do olho a pele apresenta-se macerada por processo supurativo.

5 de Abril 934: Realiza-se intervenção cirúrgica sob anestesia clorofórmica.

Técnica cirúrgica: Incisão circular em torno do pertuito da linha mediana prolongada por outra incisão vertical na linha mediana até ao nível do ângulo interno do olho. Dissecção cuidadosa de toda fistula; encontra-se depois diverticulo entre as cartilagens próprias, cheio de granulações, matéria cebácea e pelos. Após cuidadosa limpeza deste diverticulo observamos que ele se comunica com a fossa nasal esquerda. Gaze iodoformada. Três pontos de sutura com crina.

7 de Abril 1934: Retirada dos pontos; deixou o hospital.

10 de Abril 1934: Em curativos diários; bom aspecto local.

21 de Abril 1934: Alta, curado. Cicatrização perfeita. Bom resultado estético.

Recentemente tivemos informação que o doentinho continua inteiramente curado.

OBSERVAÇÃO II

F. M., 4 anos, brasileiro, masculino, branco e residente em Campinas.
Ficha N.° 22.510. Data: 26 Dezembro de 1934.

Compareceu ao nosso consultório contando-nos que ha 10 dias sofrera contusão no dorso do nariz e queixando-se de tumefação nasal.

Ao exame externo observa-se coleção flutuante com tendência a se exteriorizar em dois pontos simétricos nas faces laterais do nariz ao nível do ângulo interno do olho. No mesmo dia sob anestesia pelo cloreto de etílio praticam-se 2 incisões esvasiando-se os abcessos. Apezar do paciente submeter-se a curativos diários, dois mêses depois, isto é em 26 de Fevereiro de 1935, não se verificára ainda cicatrização, surgindo de quando em vez supuração em ambos os lados da pirâmide nasal.

Firmado o diagnostico de cisto dermoide pratica-se em 20 de Março 1935 a intervenção cirúrgica sob anestesia clorofórmica. Técnica: incisão circular no orifício de excreção do cisto prolongando-se pela linha mediana da pirâmide nasal e encontrando incisão transversal ao nível do ângulo interno do olho. Ressecção da fístula e curetagem de toda cavidade cística, que se apresenta cheia de pelos e matéria cebácea. Sutura da pele com seda preta, permanecendo abertas somente as porções da face lateral do nariz destruidas por um processo de supuração.

23 de Março, 1935: Deixou o hospital em bôas condições.

9 de Abril, 1935: Alta em bôas condições, cicatrização perfeita. Resultado estético bom,
cicatriz visivel somente nas paredes laterais do nariz onde a pele havia sido destruida por processo de supuração.

15 de Junho, 1936: O paciente nos procura com laringite post-sarampo. Permanece a cura da afecção nasal.

RESUME

DR. GABRIEL PORTO - Fistule congenitale et kyste dermoide du dos du nez.

Après une révision de la litterature, l'A. démontre la rareté des fistules congénitales et des kystes dermoides du nez. Ensuite il met en évidence les difficultés diagnostiques chez l'enfant. ll décrit le traitement chirurgical réussi dans ses deux cas, et finit en présentant deux observations de kystes dermoides du nez. Bibliographie. Deux desseins illustrent le texte.

BIBLIOGRAFIA

1) Comunicação á Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Dezembro de 1936.
2 ) - CAMBRELIN - Fistule congénitale du nez - Arch. Int. d. Lar., 2.° Sem. 1121 - Set. 1930.
3) - LUONGO, ROMEO A. - Dermoid cyst of the nasal dorsum - Arch. of Otolar. XVII, 755, jun. 933.
4) - MALFATTI - Sur les kystes dermoides du nez. - Ann. d. Mal. d. l'or. e. d. lar. XLIX, 78, jan. 1930.
5) - NAGER, F. R. - Medial nasal fistulas. - Arch. of otol XVI, 428, Set. 1932.
6) - POWELL, L. S. M. D. - LAURENCE, KAN - Dermoid Cyst of the fosal Dorsum. - Arch. of Otolaryng. XIX, 67, jan. 1934.
7) - TRAMPNAN - Kyste dermoide du nez. - Rev. d. Laryng. d'Otol., LIII, 412, Março 1932.
8) - VERMENLEN, B. S. - Congenital Fistulae and Dermoid Cists on the Dorsum of the nose. - Acta-Oto-Laryng., pag. 48, Vol. XVI, 1931.
9) - WALDAPFEL - Fistule nasale médiana congénitale. - Arch. Int. d. Laryng., XXIV, 358, 1929.
10) - WISKOWSKI - Kyste dermoide au niveau de la racine du nez. - Arch. Int. d. Laryng., XXIV, 1092. Set. 1928.
11) - ZAUSCH, FRITZ - Die angeborenen Missbildungen und Formfehler der Hals- Nasen- Ohren-Heilkunde, A. Denker und O. Kahler - zweiter Band, S. 354.

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