Versão Inglês

Ano:  1937  Vol. 5   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: -

Páginas: 237 a 248

 

A RADIOLOGIA DO TEMPORAL

Autor(es): DR. PAULO DE ALMEIDA TOLEDO - Livre Docente da Fac. de Medicina de S. Paulo.

DR. PAULO DE ALMEIDA TOLEDO - Livre Docente da Fac. de Medicina de S. Paulo.

O capitulo que estuda as diversas porções do ouvido e do sistema pneumatico que lhe é proprio, é sem duvida um dos mais cheios de dificuldade, na propedeutica radiologica.

A arquitetura caprichosa do osso temporal; a multiplicidade de elementos que compõem o orgão da audição e, sobretudo, a variabilidade das condições normaes, tornam delicada a interpretação das imagens radiologicas e, com frequência, sucitam erros de diagnostico de influencia decisiva para a terapeutica. Todavia, quando as condições de pesquiza são favoraveis, a suspeita clinica é precisa, os dados anamnesicos são claros, e, principalmente, quando as imagens radiologicas são tecnicamente impecaveis e uma certa experiencia permite olhar a radiografia do temporal no espaço, como si estivessemos contemplando o osso diafanisado, sob angulos diversos, então, o estudo radiologico adquire uma significação e um relevo extraordinarios e tem-se a impressão de que um otorino-laringologista que conhecesse perfeitamente a radiografia da especialidade, não erraria nunca.

E' portanto oportuna uma visão de conjunto sobre esse capitulo que, desvencilhado de tropeços derivados muitas vezes de um conhecimento deficiente, de uma interpretação precipitada e tambem de uma falta de compreensão entre o radiologista e o otologista que usam terminologias diversas, trará sem duvida um precioso contingente de esclarecimentos para a sintomatologia das afecções do temporal.

O assunto tem sido tratado entre nós, em trabalhos de valor, entre os quaes as comunicações de Hartung e Mangabeira Albernaz na Secção de Otorino-laringologia da Associação Paulista de Medicina e a explendida Teze inaugural do Dr. João Ferraz Monteiro, tão prematuramente desaparecido e que orientado por Hartung e Cassio Villaça realisou um admiravel estudo critico e descritivo da radiologia do ouvido.
Esses trabalhos ficaram porem como marcos isolados e é sem duvida necessario reavivar o interesse por um estudo que oferece campo extenso e tão promissor no terreno do diagnostico exato.

Elementos de diagnostico

O temporal, do ponto de vista radiologico oferece á nossa indagação um complicado sistema de cellulas pneumatizadas que se extendem pela apofise mastoide, e porções adjacentes da escama, pela região periantral e mesmo, por vezes á região zigomatica e á ponta da piramide.

Essas celulas, de tamanhos variaveis de caso para caso e, em um mesmo caso, de região para região, abundantes ou escassas, uniformes ou irregulares, são separadas umas das outras por delgadas trabeculas osseas, nos casos normaes, nitidas, bem delimitadas, continuando-se umas com as outras em um sistema areolar perfeito (Fig. 1a).

Circunscrevendo o sistema pneumatico, a cortical, delineando os contornos da apofise mastoide e da piramide, marca em sua continuidade e nitidez, a integridade da estrutura de revestimento. O vestibulo, os canaes semicirculares, os condutos auditivos internos e externo, o antro, são formações anatomicas que resaltam nitidamente nas diversas posições e cuja nitidez de demarcação em virtude da tunica de compacta de que se rodeiam, é um indicio de integridade anatomica.

Na patologia, o temporal se comporta, do ponto de vista radiologico, exatamente do mesmo modo que as outras peças do esqueleto e, em particular, do esqueleto da face.

1.°) Si, por exemplo, o conteúdo das celulas temporaes for expulso pelos produtos de exsudação da mucosa de revestimento irritada por um processo inflamatorio agudo, propagado do ouvido medio, haverá diminuição da transparencia aos RX, tal como acontece em relação aos seios para-nasaes. (Fig. 2). A unica dificuldade consiste em que, para os seios, na mesma radiografia, o lado normal e o patologico aparecem simetricamente dispostos, ao passo que em relação ao temporal, como veremos, o estudo completo exige 2 radiografias simetricas em condições identicas. Pequeno obstaculo, na realidade. E' evidente, e isto cai dentro dos principios gerais de radiologia, que a opacidade em si significa apenas que o ar foi expulso e substituido pelas formações denominadas genericamente: partes moles, isto é: secreções serozas, hemorragicas ou purulentas, mucosa edemaciada ou tecido de granulação, indiferenciaveis aos raios X, pois todas elas os absorvem em identica proporção. A maior ou menor opacidade depende, portanto, exclusivamente da quantidade de ar expulso. E' evidente que, si o ar for substituido por tecido osseo de neoformação (osteomas, esclerose ossea) a densidade propria do osso produzirá opacificação maior, propria das formações calcificadas. Assim sendo, o radiologista poderá acusar a existencia de uma nitida perda da transparencia celular em uma fase em que o otologista verifica somente a reação colateral de edema e congestão da mucosa, a um processo de otite media. E a fase de "mastoidismo". Nessa fase as celulas são menos transparentes porem o sistema trabecular ainda é nitido. Posteriormente, a propagação do processo ao sistema penumatico acarretará, alem da opacidade já existente, alterações sobre o esqueleto, isto é, sobre a trabeculatura, que permitem o diagnostico dos processos de mastoidite ou petrosite.

O edema e o processo inflamatorio da mucosa nos casos agudos, pela deficiente nutrição do arcabouço osseo, que ocasionam, provocam a necrose, fusão e esfacelo das trabeculas intercelulares. (Fig. 3 )

As cellulas, nessas condições, alem de opacas, são mal delimitadas, de contornos irregulares, confluindo pela destruição dos septos osseos e formando por vezes grandes lacunas ou perdas de substancia ossea, cheias de detritos celulares e productos retidos de secreção purulenta: os abcessos, das mastoidites agudas supurativas. (Fig. 4)

Quando a destruição trabecular se distribue em fócos irregulares dá lugar a um aspecto de destruição semelhante aos quadros banaes de osteormielite das outras porções do esqueleto (Fig. 5). Por vezes a descalcificação e a destruição trabecular difusos dão á região trabeculada um aspecto homogeneo, ou finamente granulado, de opacidade quasi completa, muito caracteristico, principalmente si consideramos o quadro comparativo. (Fig. 3)

As zonas de opacidade e os fócos difusos de destruição é que fazem, aliadas ao fócos maiores, mais ou menos irregulares da perda de substancia ossea, o diagnostico de abcesso. Uma area de maior transparencia, bem delimitada, aparecendo em meio a uma trabeculatura conservada, embora exista diminuição da transparencia celular, tem mais probabilidades de ser uma grande celula, possivelmente infectada ou mesmo apenas de mucosa congestionada. Como na patologia geral do esqueleto, a nitidez e a regularidade dos limites dos fócos; depõem contra sua natureza inflamatoria. O processo inflamatorio destroe por necrose e por infiltração que, ambos, progridem de modo irregular. Nas anomalias, como seria o caso das grandes celulas isoladas, a transição é brusca e não existe reação ossea perifocal.

O conhecimento desses fatos é importantissimo para a exata interpretação das mastoidites, quando, com uma sintomatologia clinica pouco tipica, coexistem grandes celulas pouco transparentes na ponta ou no corpo da mastoide. (Fig. 6)

Quando um fóco inflamatorio atinge a superficie externa do temporal, corroendo a camada cortical póde, si apanhado tangencialmente aos raios X, manifestar-se como uma solução de continuidade dos contornos. E o que se dá por exemplo com as gomas do bordo superior do rochedo ou com os abcessos fistulisados da mastoide.

Como expressão ainda da reação do osso aos processos inflamatorios porém já não mais do periodo agudo, mas nos estados de cronicidade ou mesmo na evolução para a cura, encontra-se frequentemente esclerose ossea, que dá ao temporal um aspecto eburneo, semelhante ao das pneumatisações escassas. Assim compreendida, torna-se mais facil e mais racional a propedeutica radiologica das mastoidites.

Analisados de um modo geral os elementos fundamentais do diagnostico é necessario estudar a seguir os meios que nos permitem evidencia-los.

Posições e tecnicas fundamentais

A multiplicidade de orgãos dispostos em um espaço exiguo, a irregularidade de conformação, a superposição de outras peças do esqueleto craneano que se encontram forçosamente na trajetoria dos raios, dificulta extraordinariamente a representação isolada do temporal, principalmente si tivermos em mira o desdobramento em um mesmo plano de todos os seus elementos constitutivos. Acresce a essa circumstancia, a necessidade do elemento de comparação - lado oposto, muitas vezes imprecindivel.

O simples enunciado das inumeras posições principais mais de 20 - propostas para o estudo do temporal indica a insuficiencia de cada uma delas em particular.

O radiologista é obrigado portanto a lançar mão sistematicamente de 2 ou 3 posições fundamentais que, cada uma delas dará indicações sobre uma das porções do temporal: por exemplo a posição de Stenvers demonstra a apofise mastoide, o dorso e a ponta da piramide, o nucleo do labirinto; a posição de Mayer põe em relevo o antro e a região periantral; a posição de Schüller salienta o seio lateral, o conduto auditivo externo e desdobra amplamente o sistema pneumatico (Figs. 7-8-2).

No decorrer das pesquisas sobre a radiologia do temporal, os diversos autores procuram, uns a representação de cada elemento isoladamente em seu maximo de clareza (Radiografias isoladas) outros, posições que permitam a representação simultanea e simetrica de ambos os temporaes e que consigam tornar patente, o quanto possivel, os varios elementos constitutivos do osso (posições comparativas). Essas posições comparativas si bem que nos forneçam ótimo elemento de analise para uma primeira impressão geral (anomalias, assimetrias, diminuição unilateral da transparencia das celulas), nenhuma delas nos apresenta contudo, por si só, possibilidade de analise minuciosa de cada temporal de per si. É o que resulta da propria dificuldade de apanhar mesmo um só temporal em todos os seus elementos.

Para a orientação exata das radiografias tomam-se no craneo, pontos e planos de referencia, sobre os quaes incidem e se inclinam em ángulos variaveis, os raios centraes da ampola de RX.

Além do plano mediano-antero-posterior, devemos considerar outros dois planos ortogonaes que formam com o primeiro um sistema completo de reférencia nas 3 direções do espaço. São eles:

l.°) O horizontal alemão que passa pelos condutos auditivos externos e bordos inferiores das orbitas e, como o nome indica, na posição ereta do individuo, é proximamente, horizontal.

2.° O plano da vertical do ouvido, que, perpendicular ao anterior, passa pelos condutos auditivos externos.

O raio central da ampola pode formar com esses planos angulos variaveis, denominados de acordo com o sentido da rotação "desse raio" a partir do plano de referencia.

Assim, o angulo é denominado dorsal ou ventral segundo a rotação do raio central que caminha no plano mediano, é dorsal ou ventral a partir do plano vertical do ouvido; denomina-se craneal ou caudal quando, o raio incidente, que caminha no plano da vertical do ouvido, faz com o horizontal alemão um angulo aberto para o vertex ou para o tronco.

Para a representação simetrica, na primeira incidencia proposta, a de Schüller, de 1905, o raio central é postero anterior, e dirigido segundo os planos mediano e horizontal alemão, ao mesmo tempo.

Na segunda incidencia, tambem de Schüller, o raio central, perpendicular ao horizontal alemão, está contido nos planos mediano e da vertical do ouvido e incide sobre o vertex craneano.

Na incidencia de Graschey, o raio, incidindo sobre a região bregmatica, é mediano e ao mesmo tempo bicetriz do angulo que formam entre si os planos vertical e horizontal alemão. (Fig. 9)

Outras incidencias como a de Worms, Breton e Altschul podem ser consideradas variantes dessas fundamentaes.

Como salientamos, essas radiografias simetricas nos oferecem um ótimo termo de comparação que é o lado integro. Têm porém todas elas a desvantagem de não darem de cada temporal uma imagem perfeita, sem superposição de detalhes e que distenda o mais possivel as formações do ouvido. Delas, talvez a mais util seja a incidencia postero anterior de Schüller que evidencia ao mesmo tempo as apofises mastoides, o dorso e a ponta das piramides, projetando-se estas ultimas no interior das orbitas. A radiografia isolada, focalisando um só temporal em incidencia ótima para cada uma de suas porções, procura como dissemos, objetivar da maneira mais clara possivel os diversos orgãos do ouvido interno.

Na radiografia isolada, ora o temporal é apanhado em direção sagital, ou aproximadamente sagital, ora em direção proximamente lateral, ora em uma direção que se aproxima do grande eixo da piramide e por isso denominada axial.

Dentre as radiografias sagitaes, a mais conhecida e usada é a proposta por Stenvers em 1917. (Esquema 1) O paciente apoia a testa sobre a chapa, rodando a cabeça 45 graus para o lado doente. O raio central, focaliza a mastoide doente, fazendo com o horizontal alemão um angulo caudal de 12°. Nessa radiografia a piramide é apanhada perpendicularmente, desdobrando-se em toda sua extensão. A apofise mastoide é projetada livre, parcialmente, fora do craneo. Desenham-se bem o nucleo do labirinto e conduto auditivo interno e o dorso do rochedo. (Fig. 7)

As radiografias executadas com direção aproximadamente lateral dos raios são em maior numero e, como principaes, salientaremos as de Henle, Schüller, Lange e Sonnenkalb. Em todas elas o raio incidente, penetrando pela região parietal do lado são, atinge o temporal doente que se apoia sobre a chapa.

Na posição de Schüller (1905), a mais usada, o raio incidente, está contido no plano da vertical do ouvido, e forma com o horizontal alemão um angulo craneal de 25 graus. A cabeça coloca-se em perfil absoluto. (Fig. 1-2-6)

Na posição de Henle (1904) o raio-central, contido no horizontal alemão, determina com o vertical do ouvido um angulo dorsal de 15 graus. Na posição de Lange (1909) os angulos são de 20 graus dorsal e 25 craneal, isto é, trata-se de uma combinação de Henle e Schüller.
A posição de Sonnenkalb (1913) é apenas uma variante da anterior, com os angulos de 15° dorsal e 15° craneal.

Na posição de Schüller que empregamos de preferencia, os condutos auditivos externo e interno superpõem-se. (Esquema 2) Desenha-se perfeitamente a articulação temporo-mandibular; desdobra-se completamente o sistema pneumatico, permitindo o estudo do grupo zigomatico e das celulas da escama; salientam-se o seio lateral, o emissarium mastoideum e o angulo de Citelli. E' uma posição ótima, rica em dados e de execução simples.

Como representação axial, citaremos sómente a posição classica de Mayer (1913). (Esquema 3) O paciente, em decubito dorsal, gira a cabeça de 45° apoiando a mastoide doente sobre a chapa. O raio central faz com o horizontal alemão um angulo cranial de 45° penetra pela região fronto-parietal do lado são, fazendo com o plano sagital do craneo um angulo de 45 graus. (Fig. 8).

Na radiografia assim obtida distinguem-se ótimamente a articulação temporo-mandibular e o seio sigmoideu. Além disso separam-se os condutos auditivos interno e externo e o nucleo do labirinto, que se superpõem na posição de Schüller. E' a posição que melhor permite estudar o antro, as celulas peri-antraes, o atito e o conduto auditivo externo.

A posição é, portanto, acima de tudo, ditada pela suspeita clinica que nos deverá orientar sobre a região provavelmente lesada. E' todavia prudente não nos restringirmos nunca ao exame em uma só posição pois, por vezes a sintomatologia clinica é atipica e alem disso nem sempre existe um paralelismo exato entre os sinais radiologicos e os sintomas apresentados pelo doente.

No decorrer de um exame, a primeira radiografia tirada (Schüller por exemplo) póde nos indicar a necessidade de uma posição de Mayer, caso faça suspeitar lesão do grupo periantral, ou Stenvers caso evidencie opacidade das celulas mastoidéas.

A radiografia do lado são, obtida exatamente nas mesmas condições fornece um paradigma seguro que nos permite caminhar em radiologia da mastoide quasi com a mesma segurança com que exploramos, radiologicamente, os seios da face. (Fig. 1-2-3-6).

E' evidente que a tecnica ideal seria radiografar a mastoide doente segundo as três direções fundamentaes: sagital, lateral e axial, e a mastoide sã em uma ou duas posições fundamentaes.

Em sintese, da analize das diversas tecnicas expostas, resulta uma conduta racional que é ao mesmo tempo ecletica e livre e que consiste primeiro, em não esperar o esclarecimento completo de um caso qualquer com uma unica radiografia e segundo em conseguir um elemento de comparação tecnicamente perfeito com o lado oposto examinado em uma ou mais posições simetricas.

A radiografia comparativa se mostra de utilidade incontestavel principalmente nos estados agudos em que o unico sinal de lesão é a opacidade do sistema pneumatico. Por outro lado, como veremos, embora o desenvolvimento da pneumatisação possa sofrer atrazos de um dos lados durante os primeiros anos de vida, por otites, asepticas ou septicas, a pneumatisação é, de um modo geral simetrica, o que, associado a outros elementos, permite resolver duvidas capitaes de diagnostico (por exemplo si uma grande area clara é um abcesso ou uma celula opacificada).

Os tipos de pneumatisação

O sistema pneumatico do temporal, guarda em seu desenvolvimento um certo paralelismo com o das cavidades acessorias das fossas nasaes; ao mesmo tempo, pela lei geral de simetria, apresenta na maioria dos casos normaes, o mesmo tipo de um e de outro lado. (Fig. 1-10)

Essa simetria, tão util por vezes, fornecendo o termo de comparação necessario para o julgamento de um processo patologico unilateral, sofre, com frequencia, excepções, por disturbios unilateraes da pneumatisação, com os quaes é necessario contar, afim de não emprestar uma significação patologica atual, a um episodio passado. (Fig. 11)

A formação do sistema pneumatico do temporal se inicia no 5.° ou 6.° mez da vida uterina, para só se completar no 5.° ou 6.° ano da vida extra-uterina. Em um primeiro periodo, que se extende até ao fim do primeiro ano, formam-se a caixa do timpano, o recesso epitimpanico, o aditus e o antro mastoideu, por progressiva expansão do revestimento epitelial da trompa.

No segundo periodo, formam-se as cavidades pneumaticas accessorias, isto é os varios grupos celulares do temporal, por transformações sucessivas no osso esponjoso preexistente: 1.º) fun-
dem-se varios espaços medulares, para a formação de espaços maiores que, á proporção que se excavam, são revestidos pela tunica epitelial proveniente do antro; 2.°) das paredes dessas cavidades partem septos osseos revestidos de mucosa, que subdividem as grandes cavidades em um sistema areolar de celulas menores.

Esses processos atingem seu desenvolvimento completo aos 6 anos em geral e, dahi por diante, como nas outras porções do esqueleto, as alterações morfologicas são continuas porém muito
lentas e não modificam de modo sensivel o plano fundamental já estabelecido.

E' evidente, e nisso se baseia a concepção de Wittmaack sobre as anomalias de pneumatisação, que uma alteração inflamatoria ou de outra qualquer natureza, que sobrevenha no fim do 1.° periodo, lesando a mucosa do timpano, impede a pneumatisação do sistema celular da mastoide, que apresentará nesses casos o aspeto conhecido de um osso esponjoso ou diploico. Si o processo inflamatorio sobrevier posteriormente, no 2.° periodo, e acarretar pela sua cronicidade uma irritação permanente da trabeculatura ossea, haverá como em qualquer outra porção do esqueleto uma reação osteoplastica com espessamento trabecular, diminuição das cavidades, condensação ossea, que tem sua expressão no aspecto eburneo do osseo compacto. (Fig. 10)

É possivel e muito provavel, que este mesmo processo de eburnisação póssa se desenvolver no adulto mediante o estimulo de uma inflamação crônica.

Processos patologicos atenuados, poderão, do mesmo modo, provocar alterações menos radicaes na pneumatisação, dando em resultado ás pneumatisações irregulares em extensão e forma, com celulas pequenas e numerosas ao lado de grandes celulas isoladas. Curados esses processos, apresentam-se as celulas, apezar de irregulares em forma e extensão, transparentes e bem delimitadas, caracteristicos fundamentaes da integridade anatomica. Não é licito portanto, deduzir de uma simples diferença de pneumatisação, de um aspecto eburneo ou esponjoso, a existencia de um processo patologico atual. Dahi a necessidade de grande prudencia no julgamento das radiografias comparativas. Por outro lado, como, frequentemente, a pneumatisação, sem perturbações, evolue de modo simetrico, é evidente o valor das alterações celulares quando aliadas á perda da nitidez dos limites e diminuição de sua transparencia.

E' portanto necessario até certo ponto, que o radiologista se liberte do conceito comparativo e possa ler em cada mastoide individualmente os processos patologicos que nela se desenvolvem com as caracteristicas geraes de todo o processo osseo; só assim poderá, sem estar acorrentado á comparação forçada, tirar das radiografias comparativas, todos os dados que elas podem fórnecer. A diminuição da transparencia, a destruição trabecular, a perda da nitidez dos contornos são os elementos fundamentaes que lhe fornecem a chave das interpretações.

Considerações especiaes

Resulta das considerações previas, que os processos patologicos que afetam o temporal traduzem-se de modo caracteristico aos raios X bastando apenas a compreensão do alfabeto radiologico e a escolha de uma posição adequada.

Nas mastoidites agudas quando o ar é expulso das celulas pela secreção mucosa ou muco-purulenta, quando ainda não houve tempo para destruição trabecular, o unico achado radiologico é a diminuição de transparencia. A posição ideal para taes casos é a de Schüller e a radiografia comparativa na mesma posição tem sua indicação maxima.

Quando, prolongando-se o estado inflamatorio, a nutrição das trabeculas osseas é defeituosa e o trabeculado entra em necrose e rompe-se, dando lugar á confluencia de varias celulas, encontram-se, além da diminuição da transparencia, apagamento difuso da estrutura areolar, descalcificação das traves osseas, sequestros de estrutura granulosa ou grandes perdas de substancia ossea de limites irregulares: isto é, abcessos osseos.

Nestes casos, o exame deve ser feito sistematicamente nas 3 posições fundamentaes, de Stenvers, Schüller e Mayer, do lado doente. E' sempre util a radiografia comparativa, preferivelmente na posição de Schüller, a que maior riqueza de detalhes nos oferece. Nos casos crônicos com esclerose ossea de reação, a conduta do radiologista deve ser a mesma que nos casos sub-agudos. A radiografia comparativa poderá evidenciar uma diversidade de pneumatisação, pelo menos da região periantral onde as celulas são menores, decorrente da esclerose ossea que circunscrevem as perdas de substancia se apresentam irregularmente esclerosadas, mal delimitadas com todos os caracteristicos radiologicos, bastante conhecidos de osteomielite.

Facilidade maior para os estados supurativos crônicos existe nas mastoides de tipo eburneo nas quaes é a regra a preexistencia de um estado hiperplastico da mucosa desenvolvido no periodo embrionario e responsavel pela anomalia de pneumatisação.

Eventualmente, si existir um trajeto fistuloso para o exterior, a injeção sem pressão excessiva do contraste, pôde trazer valiosos esclarecimentos sobre a extensão, direção e relações das cavidades fistulisadas.

Colesteatoma

Quando, no decurso das otite medias crônicas, o epitelio cubico da cavidade timpanica, do ático, do aditus, do antro e por vezes dos grupos celulares, é substituido por um epitelio chato derivado do conduto auditivo externo, essas cavidades enchem-se completamente de acumulos de descamacão epitelial, muito ricos em colesterina, de côr branco-acinzentada e cheiro fétido. Esses acumulos epiteliaes, crescendo por aposição continua, assumem no seu desenvolvimento, marcha analoga á das neoformações benignas do esqueleto: destroem as trabeculas osseas por compressão direta e crerem concentricamente, alargando de modo regular as cavidades que os contêm. A cavidade do timpano, o aditus e o antro mastoideu se alargam progressivamente e, por vezes, são destruidos os tabiques osseos que as separam. Mais raramente, são tomadas as celulas mastoideas e a destruição assume sempre os mesmos caracteres de regularidade.

O aspecto mais tipico é representado pelo alargamento consideravel do antro, com destruição da parede postero-superior do atico e communicação ampla entre as duas formações.

Frequentemente o colesteatoma tem tendencia a se desenvolver nas mastoides pouco pneumatizadas, de tipo eburneo ou esponjoso, o que se explica pela facilidade com que a mucosa hiperplasica propria desses tipos sofre a transformação colesteatomatosa. Quando, pelo seu crecimento, as massas colesteatomatosas atinge a periferia do rochedo, pode, destruindo a cortical, gerar fistulas, intra ou extracraneanas. Nota-se ainda com certa frequencia a circumscrição do processo colesteatomatoso por uma area limitante de osso compacto de reação.

Da propria localisação predileta do colesteatoma se infere a posição que melhor permite evidencia-lo: É a de Mayer, a que melhor desdobra o antro, o atito e o aditus, a caixa do timpano e o conduto auditivo interno.(Fig. 12)

Não são porém dispensaveis as outras posições, que permitem verificar a extensão do processo á mastoide ou a corrosão da parede antero-lateral do seio sigmoideu.

E' evidente que outros processos destrutivos, além das mastoidites, dão no rochedo sintomatologia radiologica identica á apresentada em outras peças do esqueleto e que por isso fazem mais parte da osteopatologia geral que propriamente da especialidade. E o caso, por exemplo das gomas do rochedo, da molestia de Paget extensa ao temporal, ou dos tumores malignos do ouvido medio propagados ao osso circumjacente.

Menção especial merecem ainda, embora pertençam mais ao estudo da craneologia, as erosões das pontas das piramides nos tumores do angulo ponto-cerebelar e o alargamento do conduto auditivo interno nos tumores do angulo ponto-cerebelar ou na hidrocefalia, por dilatação da cisterna meati.

O estudo radiologico do temporal tem ainda o merito de por em relevo a situação do seio sigmoideu em suas relações com a mastoide e o rochedo, orientando o otologista quanto aos perigos possiveis de uma trepanação no ponto habitual, em casos de anomalias, das quaes a reais comum é a procidencia do seio. Outras anomalias vasculares muito frequentes (desenvolvimento exagerado do emissarium mastoideum ou do seio petroescamoso, acotovelamentos muito pronunciados do angulo superior do seio lateral, etc., são facilmente demonstraveis, principalmente nas posições de Schüller e Mayer (Fig. 13). Sua verificação pode ser de grande utilidade para a conduta cirurgica o que é facil de compreender.

A posição baixa do tegmem, facilmente verificavel pela radiografia na posição de Stenvers é outra anomalia frequente e que não deve passar despercebida.

Quanto á infecção das pontas das piramides pneumatisadas (petrosites) embora a demonstração dos processos seja mais dificil e se beneficie principalmente pela radiografia comparativa antero posterior, em que as pontas dos rochedos são projetadas no interior das orbitas, os elementos fundamentais de diagnostico são sempre os mesmos: diminuição da transparencia, perda de substancia, irregularidades dos contornos. A posição de Stenvers projetando a ponta da piramide livre de superposições é imprecindivel nesses casos.


ESQUEMA - 1

Posição de Stenvers
(Esquema de Mayer)

1 - Apofise mastoide
2 - Condilo maxilar
3 - Antro
4 - Labirinto
5 - Conduto auditivo interno.


ESQUEMA - 2

Posição de Schuller
(Esquema de Mayer)

1 - Articulação tempero mandibular
2 - Conduto auditivo externo, conduto auditivo interno.
3 - Dorso da piramide
4 - Parede anterior do seio sigmoide
5 - Contorno da apofise mastoide.


ESQUEMA - 3

Posição de Mayer
(Esquema de Mayer)

1 - Condilo
2 - Conduto auditivo externo
3 - Conduto auditivo interno
4 - Antro
5 - Seio lateral.



FIGURA 1
Posição de Schuller.
Mastoide com grande desenvolvimento do sistema pneumatico, simetrico de ambos os lados.
Foco de destruição trabecular na base da mastoide direita.



FIGURA 2
Posição de Schuller bilateral
a - opacidade celular e destruição parcial das trabeculas.
b - aspecto normal.



FIGURA 3
Posição de Schuller
Destruição completa do sistema trabecular e opacidade do sistema pneumatico á esquerda.
Aspecto normal á direita.



FIGURA 4
Posição de Schuller.
Mastoidite com grande abcesso da mastoide. Injeção de contraste.



FIGURA 5
a - Mastoidite. Osteomielite da mastoide.
b - Mastoide normal.
Confirmação cirurgica. Dr. Rafael da Nova.



FIGURA 6
Opacidade celular à direita
Grandes celular, bem delimitadas de ambos os lados.
Posição de Schuller



FIGURA 7
Posição de Stenvers.
Vem-se nitidamente o bordo superior e a ponta do rochedo, os canaes semicirculares e o conduto auditivo interno.



FIGURA 8
Radiografia na posição de Mayer.
Opacidade celular. Mesmo caso da figura 4.



FIGURA 9
Posição de Graschey.



FIGURA 10
Posição de Schuller de ambos os lados.
Notar a identidade da posição e das condições technicas. Mastoides de tipo eburneo.



FIGURA 11
a - Mastoide normal.
b - Mastoide de tipo esponjoso. Notar a nitidez com que se desenha o seio lateral.



FIGURA 12
Posição de Mayer

Colesteatoma.
Alargamento regular do antro e do aditus.
Injeção de contraste no conduto auditivo externo e na cavidade antral.
Confirmação operatoria - Dr. Rafael da Nova.


FIGURA 13
Posição de Schuller bilateral.
Opacidade do sistema celular, pneumatisação escassa. Anomalia do seio lateral, á direita.



FIGURA 14
Opacidade celular. Destruição trabecular difusa da base da mastoide.
Traço de fratura dirigindo-se da articulação temporo mandibular para cima e para traz.
(Confirmação cirurjica - Dr. Rafael da Nova).

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