Versão Inglês

Ano:  1937  Vol. 5   Ed. 3  - Maio - Junho - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 223 a 236

 

O TRATAMENTO DAS OTITES MEDIAS SUPURADAS CRONICAS PELOS CORPOS ESPUMANTES.

Autor(es): DR. W. MOLLER-DOS-REIS (*)

As otites medias supuradas cronicas não raro surpreendem o especialista pelo polimorfismo de seu aspéto. Ora um processo cronico de longa evolução detido com dois ou treis curativos, ora otites cronicas de inicio relativamente proximo porem resistentes a todo tratamento medico.

Como assinalam Becco e Errecart, estão em jogo nessa classe de enfermos dois fatores primordiaes: de um lado, um estado de inferioridade constitucional ou predisposição morbida constitucional; de outro, uma causa externa, fator determinante ou desencadeante.

A observação mostrou que a estrutura do osso temporal tem grande influencia no tocante aos processos supurativos do ouvido medio. Assim, é perfeitamente sabido que os temporaes pneumatisados são encontradiços nos processos agúdos com tendencia á complicações intra-craneanas ou a exteriorisarem-se atravéz a cortical. Os temporaes eburneos, ao contrario, são característicos dos processos cronicas. Os fátos levaram os estudiósos á duas suposições, quanto á relação existente entre o tipo do osso e o evolver do processo inflamatorio. Sería a supuração a causa da eburnisação, ou, ao contrario, da escleróse do osso decorrería a tendencia á cronicidade? Os estudos de Wittmaack sobre a pneumatisação do temporal, lançaram luz sobre o assunto. Esse autor mostrou que do estado higido da mucósa do ouvido médio, no latente, depende a pneumatisação normal do osso. Em caso contrario, teremos a perturbação do desenvolvimento celular. No que diz respeito á mastoide, os diferentes tipos de apofises em relação com o gráo de desenvolvimento da pneumatisação, são tambem consequencia dos diferentes estados por que passou a mucósa do ouvido medio no latente. Assim, existem as mastoides pneumaticas, diploicas, e eburneas, sendo que nestas ultimas observamos a parada do desenvolvimento dos espaços celulares. No que diz respeito á evolução das supurações do ouvido medio, chegou-se á conclusão de que não é a afeção a responsavel pela esclerose da mastoide, mas, ao contrario, que as mastoides eburnaes determinam a cronicidade do processo supurativo.

Das causas determinantes da cronificação de uma otite media, teremos, ainda, aqueles mesmos agentes responsabilisados por alguns como causas locaes predisponentes á eclosão do processo inflamatorio. A' anomalia de conformação da caixa do timpano em os casos de inclinação acentuada da membrana timpanica, junta Trolsch a profundidade exagerada dos nichos das janelas oval e redonda. Para Wendt a pouca distancia entre o této da caixa e a cabeça do martelo desenpenharia papel importante na passagem á cronicidade das otites medias. Zuckerkandl chama a atenção para os intersticios que se formam no assoalho da caixa em os casos de maior desenvolvimento da fossa jugular. Körner dá particular importancia á gravidade da infeção primitiva, acentuando o fáto das otites estreptococicas e escarlatinosas terem acentuada tendencia a cronicidade.

Bezold, Siebemmann, Cheibe, Oppikofer e outros mostram que a otite media agúda simples, perfurante ou não, quando tratada, não passa á cronicidade. Portmann e Kistler dizem que as otites cronicas são consequentes á fórma necrosante. Para Portmann a percentagem de otites medias necrosantes que passam á cronicidade é de 1 %. Isto, quando tratadas convenientemente. Quando ha negligencia ou ausencia de tratamento, a percentagem será sensivelmente maior.
Foi Bezold o primeiro a chamar a atenção para as duas fórmas essencialmente diferentes de otites medias cronicas supuradas. Descreveu uma fórma caraterizada por perfuração central do timpano com integridade da membrana flacida, e outra diferenciada pela existencia de perfuração marginal, ou localizada na membrana de Schrapnell. O prognostico essencialmente diferente entre essas fórmas, justifica a classificação.

As perfurações centraes da membrana tensa podem ter bordos livres ou aderentes. Quando têm bordos livres não oferecem maiores perigos. As perfurações com bordos aderentes não originariam o pseudo-colesteatoma, como sóe acontecer no epitimpano. Outrossim, produzindo a epidermisação da caixa, conduziriam á cura. Alguns autores mostram, entretanto, que as supurações cronicas mesotimpanicas não são de uma benignidade absoluta, havendo sido descritos diversos casos que originaram complicações intra-craneanas. Von Soubiron descreve dois casos, um de abcesso extra-dural e outro de labirintite difusa, consequentes a essa classe de otites. As otites medias purulentas cronicas meso-timpanicas, representam 60 a 70% no total das otites cronicas.

As otites medias supuradas epitimpanicas com perfuração marginal postero-superior, foram diferenciadas por Wittmaack em:

l.°) Otites medias cronicas supuradas transformativas, em as quaes a epiderme do conduto invade o atico e o antro atravéz o bordo da perfuração marginal postero-superior, caminhando no longo das bridas cicatriciaes que unem os ossiculos da caixa á parede interna desta ou do atico. A epiderme invasora entra em contáto com o epitelio cilindrico de revestimento do ouvido medio, o que ocasiona exudação por parte da mucósa e descamação da epiderme invasora. Nesse tipo de otite o antro e o atico não estão isolados do meso-timpano.

2.°) Colesteatomas secundarios. Essa classe de otites se carateriza como a anterior pela invasão do ouvido medio pela epiderme do conduto, e diferencia-se dela porque, nesse caso, as laminas epidermicas acumulam-se no atico e no antro, e pelo seu aumento de volume desgastam o osso, ampliando as cavidades. Existe concomitantemente supuração fétida.

As otites medias cronicas supuradas epitimpanicas com perfuração localisada em a membrana de Schrapnell são para Wittmaack as otites cronicas colesteatomatosas genuinas. Diz que a invasão do atico pela epiderme precede o aparecimento da perfuração e da supuração. O mecanismo obedeceria á existencia de ninhos epidermicos e de prolongamentos profundos. A perfuração e a supuração fétida apareceriam posteriormente.

Tambem Bezold e Scheibe assinalaram as depressões da membrana de Schrapnell em os casos de obstrução da trompa. A descamação da tunica externa originaria, então, a formação do botão epidermico, o qual em se desenvolvendo, iria comprimir a membrana de Schrapnell para dentro da cavidade de Prussak. A formação do pequeno colesteatoma extra-timpanico, produziria rutura da membrana flacida, invasão do atico pelas laminulas epidermicas, e a infeção das cavidades superiores do ouvido médio.

Mayer admitindo que o colesteatoma possa se originar obedecendo ao mecanismo descrito por Wittmaack, acha, entretanto, que a maior parte dos casos de colesteatoma com perfuração da membrana de Schrapnell sejam secundarios á inflamação agúda do atico e perfuração permanente da membrana flacida. Em apoio de sua afirmação diz que as aticites agúdas não são tão raras como se acredita.

As supurações cronicas do atico que antes se acreditava consequentes á osteites isoladas dos ossiculos, são em realidade colesteatomatosas, em sua totalidade (Von Soubiron).

A secreção com fetidês persistente, a presença de laminulas colesteatomatosas, e a existencia de perfuração epitimpanica, são os elementos da triade que permite o diagnostico de otite media purulenta cronica colesteatomatosa. Não podemos esquecer todavia, que autores ha que recomendam a maior prudencia ao fazer-se o diagnostico da presença de colesteatoma, o qual só poderá ser estabelecido com a constatação da existencia de laminulas colesteatomatosas.

As otites medias purulentas colesteatomatosas com perfuração epitimpanica representam 30 a 40% das otites medias cronicas. Scheibe admite, que em 91 % dos casos de perfurações epitimpanicas exista epidermisação do atico e formação de colesteatoma. Para Ulrich a percentagem seria de 99%.

As otites medias cronicas meso-timpanicas são passiveis de tratamento medico, enquanto que as otites epitimpanicas exigem tratamento cirurgico. A impossibilidade de operar autorizará a que se ensaie a terapeutica desidratante, nesta ultima classe de otites, uma vez que é a humidade o principal fator coadjuvante de sua passagem á agente produtor de complicações intra-craneanas. Com esse fim têm sido empregadas com proveito as lavagens alcoolicas do atico, com a canula de Hartmann.

Parece muito mais logica essa terapeutica que a preconisada por alguns autores e que consiste em lavagens com soluções aquosas seguidas da instilação de alcool, visando desidratar a cavidade. Somos por principio contrarios ao uso de lavagens nas otites cronicas ou agúdas. Dado que o ouvido é nitidamente refratario á agua, não parece logico lançar mão desta terapeutica tão problematica quando se trata de fócos de supuração. No caso da existencia de colesteatoma o uso de lavagens e seringadas com soluções aquosas com mais forte razão será contraindicado.

Quando o colesteatoma passa a fator de complicações intracraneanas, todos são acordes, sem duvida, de que o tratamento unico deve ser o cirurgico.

No tratamento das otites medias supuradas cronicas mesotimpanicas, nunca será demais insistir no tratamento tonico geral. O tratamento anti-luetico é util em alguns casos, sem que se deva ter por norma o exagero da terapeutica em móda. O mesmo diremos, e, com mais forte razão, da calcioterapia.

De outra parte, a ligação estreita entre as otopatias e a patologia do colar de Waldeyer (1), justifica plenamente as intervenções cirurgicas sobre a oro e rino-faringe, quando isto se faz necessario.

O tratamento local da otite media supurada cronica mesotimpanica deve ser baseado em certas particularidades anatomicas inherentes á afeção. Assim, sabemos que o osso temporal é quasi sempre compacto. Perturbação do desenvolvimento das celulas pneumaticas, como vimos. A apofise mastoide é quasi sempre eburnea, e o antro, pequeno, é geralmente a unica celula. Uma vez que a mucósa que reveste as cavidades do ouvido medio é uma unica, devemos admitir que o antro, o aditus, a caixa do timpano, e a trompa, participem do processo inflamatorio.

Em as otites medias supuradas cronicas, sabemos que muita vez, o antro, o atico e os nichos das janelas labirinticas estão cheios de tecido cicatricial, o qual fórma bridas e aderencias, dividindo principalmente a caixa em outras tantas pequenas cavidades. Os ossiculos estão deformados e geralmente imobilizados por anquiloses, algumas vezes existindo aderencias entre eles e as paredes da caixa do timpano ou com o atico. A mucosa que reveste as cavidades do ouvido medio apresenta-se espessada, séde que é de inflamação proliferante produtora de exudato muco-purulento. O epitelio está em geral intáto. Nas camadas sub-epiteliais existe inflamação proliferante. No osso sub-jacente constata-se ligeira osteite condensante.

Nas otites medias purulentas colesteatomatosas a caixa é séde de lesões inflamatorias semelhantes ás observadas na otite media cronica supurada simples. O atico é, porem, atingido por um processo de epidermisação, e, produto da luta constante entre a epiderme invasora e o epitelio cilindrico do ouvido medio é a descamação com exudação e consequente formação do pseudocolesteatoma.

O tratamento local da otite media cronica purulenta simples, deve visar modificar o estado inflamatorio da mucósa das cavidades do ouvido medio. Com esse fito foram ensaiados os mais variados tratamentos.

A instilação das mais variadas substancias tem sido proposta. A insuflação de diversos medicamentos visando com eles atingira séde do processo inflamatorio, nós a fazemos diariamente. Geralmente as instilacões a completam. Com esta terapeutica conseguimos apenas atingir a caixa do timpano, de tão grande responsabilidade nessa enfermidade. Grande importancia terá o tamanho da perfuração. Politzer consciente da dificuldade de penetração dos medicamentos na propria caixa do timpano, recomendou que nos casos de perfuração pequena da membrana timpanica, incline-se a cabeça do enfermo sobre o hombro oposto, e após a instilação da substancia antiseptica no conduto, proceda-se á insuflação de ar pela trompa. O liquido viria ocupar, então, o lugar do ar existente na caixa. Quando a séde principal do processo é o antro, por exemplo, a ação do medicamento instilado ou insuflado no conduto auditivo externo será prejudicada pela quasi impossibilidade do agente terapeutico chegar ao fóco da infeção. Alem disto, uma vez admitido que o medicamento penetre na caixa atravez uma grande perfuração do timpano, não seria logico supor, em existindo bridas cicatricíais e aderencias, que a substancia fosse impregnar toda a mucósa do ouvido medio, constituido então por pequenas cavidades. O mesmo diremos quando se tratar de secreção mucósa e perfuração no quadrante anteroinferior, que sabemos quasi sempre de origem tubar. Embóra seja possivel o tratamento dessa classe de otites atingindo a trompa por via nasal, quer-nos parecer que por se tratar de manobras pouco praticas (dilatações e irrigações pela trompa, electrolise etc.), não lograram entrar na pratica diaria.

Em 1933, Scharfstein, da Clinica Hajek de Viena, publicou no Monatsschrift für Ohrenheilkunde und Laryngo-Rinologie um artigo em o qual preconisa os corpos espumantes no tratamento das otites medias cronicas. Essa terapeutica, de reputação firmada em Ginecologia, é baseada na propriedade de certos corpos espumantes veicularem substancias medicamentosas. Os preparados mais frequentemente empregados são o semori e o spuman. Essas substancias em presença da humidade fórmam uma espuma coloidal que veicúla medicamentos adrede adicionados, os quaes são difundidos por uma superficie aumentada de trezentas e oitenta vezes. A espuma tendo a propriedade de dissolver o muco, possibilita que os agentes terapeuticos atuem sobre a mucósa, impregnando todas as dobras existentes. A pressão do gaz carbonico nascente facilita essa penetração. Assim, a terapeutica pelos córpos espumantes realiza o que se tornava impossivel ao tratamento habitual, oferecendo ao otologista maiores possibilidades. Está ao alcance de cada um comprovar o fáto por nós observado do aparecimento do corpo espumante no rino-faringe, um minuto após sua colocação na caixa do timpano. Os doentes, aliás, constatam esse fáto, principalmente quando se trata da aplicação do spuman com proteinato de prata. E' de prever-se que a espansão se faça igualmente no sentido do atico e do antro. Por essa fórma nos será possível atuar sobre regiões antes dificilmente acessiveis ao tratamento. Dos preparados contendo córpos espumantes, o melhor parece-nos ser o spuman. Além do spuman simples, de suave ação antiseptica e antiflogistica, existem outras fórmulas veículando outros agentes terapeuticos. Assim ha o spuman com 12,5% de acido salicilico, que age como caustico. O spuman com 2 % de sulfato de zinco, adstringente e levemente caustico, nós o empregamos de preferencia em aqueles casos se secreção mucósa e perfuração no quadrante antero-inferior, onde urna oto-salpingite, sem duvida, existe. E de grande utilidade o spuman com 5 % de ictiol, pelas suas qualidades antiflogisticas. As fórmulas contendo 2 % de proteinato de prata, ou 0,15% de nitrato de prata, são bactericidas por excelencia. . Usamos tambem em nossas experiencias o semori, que pouco depois abandonamos por nos parecer algo irritante. O spuman, que existe no comercio sob a fórma de velas de meio e um gramas, póde ser aplicado, após fragmentação, na caixa do timpano, atravez a perfuração da membrana. Após ducha de Politzer e limpeza cuidadósa do conduto auditivo externo e parte acessivel da caixa do timpano, aplica-se o medicamento. Se a perfuração é pequena, coloca-se no conduto uma vela de meio grama, a qual póde ser moldada quando necessario, com o auxilio de um bisturi, ou após paracentése tipo definitivo, aplica-se o medicamento na caixa. Para colocar-se o spuman na caixa do tímpano, o que é sempre preferivel, o melhor é reduzir-se a vela a fragmentos, os quaes uma vez colocados na caixa são dirigidos para a região tubar ou do atico, segundo se queira, com o auxilio de um estilete. Coloca-se depois no conduto auditivo ou na perfuração timpanica, segundo o caso, uma pequena bola de algodão. Costumamos fazer curativos diários ou em dias alternados. Não ha necessidade de humidecer previamente os bastonetes de spuman; o proprio muco o fará. A facilidade com que esse medicamento se hidrata não permite que se o reduza a pó para insuflações.

Observamos em alguns doentes, passageiras perturbações do equilibrio, sem maior gravidade, logo após os curativos. Explicamos esse fenomeno pela compressão feita pela espuma sobre as janela oval e redonda.

Geralmente nota-se após o primeiro curativo ligeiro aumento da secreção, o qual é passageiro, cedendo um ou dois dias após. Scharfstein diz que muitas vezes após a aplicação do spuman em ouvido aparentemente sêco, fica-se surpreso ao ver sair imediatamente uma grande quantidade de muco em mistura com a espuma. Esta constatação, que podemos confirmar, a atribuimos á existencia de muito maior quantidade de muco nas cavidades do ouvido médio, do que se possa imaginar. Este fáto torna possivel que espiritos menos avisados, louvando-se em uma pratica superficial atribuam aos córpos espumantes propriedades nocivas que lhes não são inherentes.

Como vimos, a fórmula do spuman deve ser escolhida de acordo com o caso. As secreções purulentas são rapidamente modificadas pelo emprego do spuman com acido salicilico. Nas secreções catarraes terá perfeita indicação a fórmula com sulfato de zinco. O spuman simples prestará bons serviços principalmente nas creanças. Quando se torna necessario o emprego de um antiflogistico, será indícada a fórmula com ictiol.

Os resultados por nós obtidos foram sensivelmente semelhantes aos relatados por Scharfstein. Sem quaesquer pretensões a aconselhar o emprego dos corpos espumantes como medicação especifica das otites medias cronicas supuradas, parece-nos contudo que pela sua inocuidade e eficiencia o método merece entrar na pratica diaria, ao lado da ionisação e demais processos conservadores.

Resumimos a seguir algumas das observações que possuimos, em apoio do que afirmamos.

Observação N.º 1: J. D. E. 46 anos. Branco. Brasileiro. Funcionaria Publico. R. particular. Res.: Rua Vereador Duque Estrada 97, Niteroi. Ha treis anos tinha corrimento purulento no ouvido esquerdo. Tratou-se durante esse tempo pelos métodos habituaes, sem o menor resultado. Grande perfuração central da membrana tensa. Pequeno polipo na caixa. Secreção purulenta espessa cobrindo todo o assoalho do conduto auditivo externo. Inicialmente após a cauterização do polipo com acido cromico, aplicávamos spuman com com proteinato de prata. A secreção que aumentára passageiramente após o primeiro curativo, tornou-se fluida ao fim do quinto. Passamos então ao spuman com acido sllicilico, do qual fizemos oito aplicações. Como a secreção tornara-se mucósa, mudamos para a fórmula com sulfato de zinco, da qual fizemos treis aplicações. Alta curado. Decorridos onze mezes, a cura persiste.

Observação N.° 2: M. L. B. 26 anos. Brasileiro. Ficha 10016. C. V. B. Matricula em 16-6-936. Conta que ha muitos anos supura o vida direito. Exame: Ouvido esquerdo: nada de anormal. Ouvido direito: timpano quasi totalmente destruido; abundante secreção purulenta enchendo o conduto auditivo externo. Após ducha de Politzer e limpeza do conduto e da caixa, aplicavamos fragmentos de spuman com acido salicilico, na caixa do timpano. Curativos em dias alternados. O doente fez seis aplicações de spuman com acido salicilico, findas as quaes teve alta curado (30-6-936).

Observação N.° 3: F. S. 33 anos. Branca. Brasileira. Ficha 10042. C. V. B. Matricula em 26-6-936. Diz que ha 2 anos tem surdez e purgação no ouvido esquerdo. Exame: Ouvido direito: nada de anormal. Ouvido esquerdo: timpano quasi totalmente destruido. Perfuração central da membrana tensa. Membrana de Schrapnell tambem perfurada. No conduto, secreção purulenta fétida. Curativos em dias alternados: após ducha de Politzer e limpeza da secreção, colocavamos fragmentos de supuman na caixa, e com pequeno estilete os deslocavamos em direção á trompa e ao aditus. Fizemos ao todo quatro aplicações de spuman com proteinato de prata e quatro de spuman com acido salicilico, findas as quaes a secreção purulenta fétida não mais existia. Alta em 22-7-936.

Observação N.° 4. A. M., 11 anos. Branco. Brasileiro. Ficha 364. Clinica Lombardi. Matricula em 2-7-936. Dizem os progenitores que o menino tem, ha treis anos, corrimento fétido no ouvido esquerdo. Exame: Ouvido direito: normal. Ouvido esquerdo: perfuração meso-timpanica. No conduto auditivo externo, secreção purulenta fétida. Pús espesso e abundante. Os paes informam que o doentezinho foi tratado por medico especialista, desde o inicio da enfermidade, sem o menor resultado. Fizemos ao todo cinco aplicações de spuman com acido salicilico. Após ducha de ar, colocavamos fragmentos do medicamento na caixa do timpano, e fechavamos a perfuração com pequena bola de algodão. A supuração, que aumentára, no primeiro curativo, descresceu rapidamente, não mais existindo por ocasião do quinto. Alta curado em 5-8-936.

Observação N.° 5. M. R. Branca. 42 anos. Alemã. Ficha 10084. C. V. B. Matricula em 20-7-936. Queixa-se de que ha 25 anos tem purgação no ouvido esquerdo. Exame: Ouvido direito: normal. Ouvido esquerdo: perfuração da membrana de Schrapnell e aderencia da parte central da membrana tensa ao promontorio. Abundante secreção catarral no conduto auditivo externo. Fizemos ao todo treis aplicações de spuman com acido salicilico e quatro de spuman com sulfato de zinco. Curativos em dias alternados. Após ducha de Politzer e limpeza do conduto, aplicação do medicamento, no atico. A secreção diminuira progressivamente, sendo que no ultimo curativo a espuma não mais se formava, pela ausencia de muco. Alta em 9-8-936. A 5 de Janeiro do corrente ano, tivemos a oportunidade de rever a doente, que continua perfeitamente bem.

Observação N.° 6. A. M. R. 15 anos. Branco. Brasileiro. Ficha 354. Clinica Lombardi. Matricula em 8-8-936. Ha 4 anos purga o ouvido esquerdo. Exame: Ouvido direito: normal. Ouvido esquerdo: perfuração meso-timpanica de fórma arredondada. Abundante secreção purulenta no conduto auditivo externo. Curativos em dias alternados: ducha de Politzer, enchugamento da secreção e aplicação do spuman na caixa do timpano. Fizemos seis aplicações de spuman com ictiol, findas as quaes o paciente teve alta por se achar perfeitamente curado. Dia 11-2-937. Voltamos a ver o paciente, cuja cura persiste.

Observação N.º 7. F. R. Branca. 34 anos. Brasileira. Ficha 10133. C. V. B. Matricula em 11-8-936. Queixa-se de que ha oito mezes tem supuração no ouvido direito. Exame: Ouvido esquerdo: normal. Ouvido direito: perfuração meso-timpanica de reduzidas dimensões. Secreção fétida enchendo todo o conduto auditivo externo. Sob anestesia local com o soluto concentrado de Mangabeira-Albernaz, á base de néo-tutocaina, fizemos paracentése do timpano, tipo definitivo. Quatro dias depois, iniciamos os curativos com o spuman, após ducha de Politzer. Em dias alternados, fizemos oito aplicações de spuman com acido salicilico, na caixa do timpano. Alta curada.

Observação N.º 8. I. R. 12 anos. Branca. Brasileira. Ficha 459. Clinica Lombardi. Procurou o serviço de Oto-Rino-Laringologia em 29-8-936, queixando-se de que desde os dois anos de idade tem corrimento purulento fétido no ouvido esquerdo. Exame: Ouvido, direito: normal. Ouvido esquerdo: membrana tensa quasi totalmente destruida; perfuração da membrana de Schrapnell. No conduto auditivo externo, pús fétido de côr chocolate. Vegetações adenoides. Como a curetagem das vegetações aliáda ao tratamento habitual não trouxesse melhóra da otite ao fim de um mez, iniciamos o tratamento pelo spuman com acido salicilico. Ao todo, oito aplicações do medicamento na caixa, após ducha de Politzer e limpeza do conduto auditivo externo, bastaram para que a supuração cedesse completamente. Até 11 de Janeiro do corrente ano, quando pela ultima vez vimos a doente, a cura clinica persistia.

Observação N.º 9. W. C. 10 anos. Branco. Matricula em 12-9-936. C. V. B. Desde a idade de um ano, tem purgação no ouvido direito. Exame: Ouvido esquerdo: normal. Ouvido direito: perfuração em fórma de rim, da membrana tensa. Pús no conduto. O doente fez seis aplicações de spuman puro e treis de spuman com sulfato de zinco. Alta curado.

Observação N.º 10. E. C. Branca. 28 anos. Casada. Romena. Ficha 10208. C. V. B. Matricula em 21-9-936. Ha 25 anos tem purgação no ouvido direito. Exame: Ouvido esquerdo: normal. Ouvido direito: perfuração da membrana tensa, em fórma de fenda. Abundante secreção purulenta no conduto auditivo externo. Em dias alternados, após ducha de Politzer e limpeza do conduto auditivo e parte visivel da caixa, aplicavamos o spuman na caixa do timpano. Ao todo treis aplicações de spuman com acido salicilico e duas de spuman puro. Alta curada.

Observação N.º 11. Z. L. F. 15 anos. Branca. Brasileira. Ficha 10264. C. V. B. Matricula em 16-10-936. Conta que desde creança tem purgação em ambos os ouvidos. Exame: Ouvido esquerdo: perfuração mesotimpanica arredondada. Supuração fétida. Pús espesso. Ouvido direito: destruição quasi total da membrana timpanica. Pús espesso e fétido no conduto. Após ducha de Politzer e limpeza de ambos os condutos auditivos externos faziamos aplicação na caixa do timpano, de spuman com acido salicilico. Ao todo cinco aplicações, em dias alternados. Alta curada em 11-12-936.

Observação N.° 12. A. D. 3 anos. Branco. Brasileiro. Ficha 10286. C. V. B. Matricula em 23-10-936. Dizem os paes que ha mais de três mezes, tem o menino, purgação no ouvido esquerdo. Exame: Ouvido direito: normal. Ouvido esquerdo: timpano quasi totalmente destruido. Pús espesso no conduto auditivo externo. Fizemos três aplicações de spuman simples, findas as quaes o paciente teve alta curado (5-11-936).

Observação N.° 13. A. C. 34 anos. Branca. Brasileira. Ficha 7288. C. V. B. Matricula em 17-4-933. Conta, então, que desde creança tem purgação no ouvido direito. Tratou-se até 23-11-936 pelos metodos habituaes, sem o menor resultado. Estado atual: Ouvido esquerdo: normal. Ouvido direito: perfuração meso-timpanica. Secreção purulenta fétida no conduto auditivo externo. Após ducha de Politzer e enchugamento da secreção, faziamos aplicações, em dias alternados, de spuman, na caixa do timpano. Ao todo, cinco curativos de spuman com sulfato de zinco. Alta curada.

Observação N.° 14. J. J. F. M. Pardo. 35 anos. Brasileiro. Ficha 15683. C. V. B. Matricula em 27-11-936. Conta que desde creança purga o ouvido esquerdo. Exame: Ouvido direito: normal. Ouvido esquerdo: perfuração da membrana tensa em fórma de rim. Abundante secreção purulenta no conduto auditivo externo. Após ducha de Politzer e limpeza do conduto, aplicação na caixa, de spuman com ictiol. Fizemos ao todo, em dias alternados, sete curativos. Alta curado.

Observação N.° 15. A. S. N. Branca. 33 anos. Casada. Brasileira. Ficha 15531. 1. A. P. S. Matricula em 12-12-936. Conta que desde creança tem purgação fétida no ouvido esquerdo. Ouvido direito: perfuração meso-timpanica. Aderencia do timpano ao promontorio. Ausencia de secreção. Ouvido esquerdo: perfuração meso-timpanica, arredondada. Pús espesso e fétido. Fizemos, na caixa do timpano, quatro aplicações de spuman puro, e três de spuman com sulfato de zinco, após o que demos alta á paciente por se achar perfeitamente curada.

Observação N.° 16. N. F. 17 anos. Branca. Brasileira. Solteira. Ficha 10440. C. V. B. Matricula em 6-1-1937. Diz ter, ha muitos anos, supuração no ouvido direito. Pús espesso e fétido no conduto. Pequena perfuração meso-timpanica no quadrante postero-inferior. Parte da membrana tensa aderente ao promontorio. Ouvido esquerdo: normal. Após melhorarmos a drenagem por paracentese tipo definitivo, iniciamos as aplicações de spuman com acido salicilico. Após cinco aplicações, fizemos mais duas usando o spuman com sulfato de zinco, findas as quaes a paciente teve alta, curada.

Observação N.° 17. A. F. Branco. Brasileiro. 28 anos. Casado. Ficha 10473. C. V. B. Matricula em 23-1-937. Diz que desde criança tem purgação no ouvido direito. Ouvido esquerdo: normal. Ouvido direito: Perfuração da membrana tensa em fórma de rim. Abundante secreção purulenta no conduto auditivo externo. O tratamento foi feito pelo Dr. Souza Netto e por nós acompanhado. Em dias alternados, aplicação na caixa do tímpano, de spuman com acido salicilico. Dez curativos no todo. Alta curado.

Observação N.° 18. R. F. B. 32 anos. Branca. Brasileira. Ficha 10489. C. V. B. Matricula em 2-2-937. Diz que ha trinta anos tem purgação no ouvido direito. Atualmente sente vertigens e dôr de cabeça localizada na região temporal direita. Exame: Ouvido esquerdo normal. Ouvido direito: perfuração total da membrana de Schrapnell, com integridade da membrana tensa, a qual por sinal apresenta um triangulo luminoso quasi perfeito. Pús fétido no conduto, e presença de laminulas colesteatomatósas no atico. Diagnostico: Aticite purulenta cronica colesteatomatósa. Em se tratando de doente estremamente refrataria á cirurgia, resolvemos tentar a terapeutica pelos corpos espumantes, como em caso semelhante fez Scharfstein. Colocação do medicamento no atico, atravez a perfuração da membrana de Schrapnell. Oito aplicações de spuman com acido salicilico, feitas em dias alternados. Desde o segundo curativo, desapareceram as vertigens e as cefalalgias. Ao fim da sexta aplicação o medicamento não dava formação á espuma, em virtude da completa desaparição da secreção. Alta em bôas condições, estando a enferma inteiramente satisfeita.

Observação N.° 19. I. C. M. 30 anos. Branca. Brasileira. Ficha 10499. C. V. B. Matricula em 5-2-937. Queixa-se de que ha muito tempo purgam ambos os ouvidos. Exame: Ouvido esquerdo: perfuração central arredondada da membrana tensa. Secreção purulenta no conduto auditivo externo. Ouvido direito: perfuração mesotimpanica em fórma de rim. Enquanto que para o ouvido direito fazíamos o tratamento habitual, no lado esquerdo aplicavamos spuman com acido salicilico. Cinco aplicações bastaram para obter a cura da otite esquerda. Como o ouvido direito continuasse a supurar, instituímos o tratamento pelo spuman com nitrato de prata. Cura ao fim de quatro curativos. Alta.

Observação N.° 20. M. A. C. 16 anos. Branca. Brasileira. Solteira. Ficha 9190. C. V. B. Matricula em 9-7-935. Acusa supuração fétida no ouvido esquerdo, desde a primeira infancia. Exame: Ouvido direito: normal. Ouvido esquerdo: pequena perfuração arredondada no quadrante postero-inferior. Secreção purulenta fétida no conduto auditivo externo. Dia 26-2-937. Paracentese tipo definitivo. Seis aplicações de spuman com nitrato de prata, na caixa do tímpano. Curativos em dias alternados. Alta curada.

Isto posto, podemos estabelecer á guiza de conclusões:

l.° A medicação geral deve ser instituida, ao lado da terapeutica local, no tratamento das otites medias cronicas.

2.° Os estados inflamatorios da mucósa do ouvido medio, no latente, tem grande influencia sobre o desenvolvimento dos espaços celulares do osso temporal.

3.° A estrutura do osso temporal tem grande importancia no evolver de uma otite, determinando sua passagem á cronicidade ou favorecendo complicações intra-craneanas.

4.° Consequentemente, não é o processo inflamatorio cronico do ouvido medio o responsavel pela esclerose da mastoide. Admite-se, outrosim, mecanismo inverso.

5.º Certas anomalias inherentes á caixa do timpano parecem desempenhar papel coadjuvante na cronificacão do processo.

6.° O prognostico essencialmente diferente entre os processos supurativos cronicos ligados á perfuração central da membrana tensa, ou á participação do epi-timpano, quando existe perfuração marginal postero-superior ou da membrana de Schrapnell, justifica a divisão dessa classe de otites em meso e epitimpanicas.

7.° Embóra geralmente benignas, as otites meso-timpanicas, podem ecepcionalmente originar graves complicações intra-craneanas.

8.° A constatação da presença de laminulas colesteatomatósas, no atito, estabelece o diagnostico de otite media colesteatomatosa. A supuração fétida torna mais sombrio o prognostico, sabido que a humidade favorece o aparecimento de complicações intra-craneanas.

9.° Na impossibilidade de operar um doente portador de otite media cronica colesteatomatósa, deve-se ensaiar a terapeutica desidratante.

10.° Não é aconselhavel o uso das lavagens ou seringadas no tratamento das otites medias.

11.° As otopatias, ligadas frequentemente as enfermidades do colar de Waldeyer, justificam a adoção de medidas cirurgicas sobre as palatinas ou a amigdala de Luscka, quando se faz necessario.

12.° A terapeutica pelos corpos espumantes, possibilita a penetração do medicamento nas diferentes cavidades do ouvido medio. A espuma, formada pelo desprendimento de gaz carbonico, veicula os medicamentos, penetrando em as mais reconditas dobras da mucósa.

13.° As diferentes formulas do spuman, permitem que se lance mão do medicamento de escolha, segundo o caso.

14.° O medicamento deve ser reduzido a fragmenttos, e nunca a pó, pela grande tendencia a hidratar-se. Seria de desejar que se fabricassem tipos especiais para otologia, medindo as
velas cerca de dois centimetros de comprimento e tendo a espessura da grafite de um lapis comum.

15.° A aplicação do medicamento deve ser feita na caixa do timpano, de preferencia, dando-se aos fragmentos a direção desejada. As perfurações de reduzido diametro poderão ser aumentadas, por paracentese tipo definitiva, com o fito de facilitar a drenagem e possibilitar a ação medicamentosa. Nas aticites a aplicação do medicamento será feita diretamente no atico, atravez a perfuração da membrana de Schrapnell.

16.º A terapeutica pelos corpos espumantes, quando bem conduzida, dá ao especialista resultados brilhantes no tratamento das otites medias cronicas.




(1) Preferimos a denominação de colar de Waldeyer, dada pelo Prof. Renato Machado, em virtude da situação se prestar mais á comparação a um colar que a anel ou circulo. A denominação foi esposada pelo Prof. Rocha Lagôa, anatomista de renome.

(*) Chefe dos Serviços de Oto-Rino-Laringologia do Dispensario São Vicente de Paulo e do Instituto de Assistencia e Pronto Socorro do Rio de Janeiro. Assistente da Cruz Vermelha Brasileira.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial