VARIAS
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11º REUNIÃO DA SOCIEDADE RIOPRATENSE DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA
Montevidéu, 4-6 de Janeiro de 1937.
Como representante da Associação Paulista de Medicina, Secção de Oto-rino-laringologia, e da Revista Oto-laringológica de S. Paulo, venho hoje trazer ao conhecimento destas entidades- o relato dos principais acontecimentos dêste importante certame.
A Sociedade Riopratense é inimiga de discursos. E assim, sem maiores impecilhos, começou a primeira sessão ás 9 horas de 4 de janeiro, no "Club Médico" de Montevidéu. A presidencia foi dada, como uma homenagem a nosso país, ao Prof. João Marinho. O primeiro a falar foi o Dr. Becco, professor adjunto de Buenos Aires, relator oficial do 1.° tema: tumores malignos da rinofaringe. O A. começa por fazer um estudo da anatomia do cavum. Passa a rever em traços largos a anatomia patológica, depois a sintomatologia, as formas clínicas, a evolução,, o diagnóstico, o prognóstico, o tratamento, dos blastomas rinofaríngeos. Estuda, sobretudo, os síndromos paralíticos dos nervos cranianos, chamando a atenção para os casos em que o primeiro sintoma do mal é uma paralisia oculo-motora. Corroboga seu estudo com a descrição algo pormenorizada de 15 casos, acentuando a raridade da lesão: Pormann acha 32 casos em 70.000 pacientes, Ducuing 15 em 17.000 do Centro Anticanceroso de Tolosa, e o A. 16 em 68.000 doentes. Mostra o valor do síndromo ou da tríade de Trotter (hipoacusia, queda do véu palatino e nevralgia do trigêmeo). Não pode tirar conclusões a respeito do tratamento (roentgenterapia, radioterapia, electro-coagulação, etc.), pois a maioria dos pacientes não voltou ao serviço.
Antes de iniciada a discussão, entra, na sala o Prof. Belou, que é saudado pelo Prof. Marinho e pelo Prof. Aráuz.
Oreggia comunica um estudo acêrca das adenopatias do câncer do cavum. Segue-se com a palavra o Prof. Marinho, que apresenta dois casos de neurinoma da rino-faringe, trabalho de Aristides Monteiro. Exponho em seguida um caso de petrite com síndromo de Gradenigo, estudo que provocou uma discussão muito viva, na qual intervieram Podestá, Tato, Aráuz, Marinho, Alonso e outros. Podestá protesta contra a asserção de Ramadier da existência desprezível do plexo venoso peri-carotídeo. Em seus estudos histológicos acêrca da ponta do rochedo tem sempre encontrado o seio, ás vêzes assaz desenvolvido.
Abro aqui um parêntese para declarar que, terminado o congresso e já em Buenos Aires, procurei Podestá, o qual gentilmente me mostrou a sua justamente famosa coleção de cortes do rochedo. Fá-los por um processo especial, muito meticuloso, após 75 dias de manipulação. Estes trabalhos são, sem favor, o que mais me empolgou de tudo que vi relativo à especialidade nas republicas sulinas. O plexo venoso, as vêzes mal desenvolvido, é em geral enorme. Em certos casos há vasos mais calibrosos do que a própria carótida. Tenho aliás, a declarar que Podestá, cuja gentileza equivale à competencia, está a escrever um trabalho a êsse respeito, cujas primícias ofereceu, em carta a mim dirigida, à nossa Revista.
Tato mostrou-se muito preocupado com dois casos de hemorragia grave após a operação de Ramadier. Parece mais inclinado pela de Streit-Eagleton, até porque poupa a audição.
Alonso tem feito a operação de Almour, mas com goivas. Acha que pouco difere da de Ramadier, sem todavia querer negar que esta é muito mais inteligente
De propósito não disse o que provocou tais debates. Os colegas vão ler na íntegra meu trabalho na "Revista", e verão que provo a insegurança do método de Almour, com o estudo do ângulo formado pela flecha da escama e a borda superior do rochedo, feito em 200 temporais.
Bisi é quem fala a seguir. Expõe num quadro muito bem organizado os diferentes tipos de labirintites e seus diversos tratamentos.
Curioso é o estudo do Munyo, Apolo e Iglesias Castellanos, apresentado pelo segundo, acêrca da imobilização crâniocervical por minervas, no tratamento da trombo-flebite do seio lateral.
Concepção sensorial das percepções nos cegos é o trabalho apresentado a seguir por Mercandino.
Porfim tem a palavra Oreggia que apresenta, de parceria com Peluffo, um estudo relativo às ulcerações do pavilhão e do conduto nos lactentes distróficos. Faz ver que estas lesões, evidentemente devidas ao estado geral, às distrofias da primeira; infância, não vêm descritas nem nos tratados de otologia, nem nos de pediatria.
A' sessão seguiu-se o almôço no Retiro do Parque Rodó, do decano da Faculdade de Medicina.
A' tarde, às 1 7 horas, no mesmo local teve lugar a segunda sessão, sob a presidência do Prof. Aráuz.
A primeira comunicação é de Podestá: demonstração de preparações de otite média supurada crônica colesteatomatosa em relação com os benefícios que se poderiam obter com a ossiculectomia. Os diapositivos das microfotografias apresentados corroboram plenamente a asserção do autor.
O Prof. Alonso apresenta em seguida o segundo tema do escrito em colaboração com Roglia: a osteomielite aguda dos maxilares. Como aconteceu com o tema de Becco o trabalho a ser comunicado foi distribuído pela assistência já impresso.
Os AA. dividem o relatório em varias partes:definição, etiologia e patogenia anatomia, sintomalogia, osteomielite
exsudativa, osteomielite necrosante, abcessos subperiosteos, complicações, tratamento, evolução e prognostico.
O Prof. Alonso começa por diferençar muito claramente a osteíte da osteomielite: só há osteíte quando o processo ataca osso laminar (por exemplo, as paredes do seio maxilar), e osteomielite quando o processo se localiza em osso areolar, diplóico, como a parte central da mandíbula.
Entrando no tratamento, Alonso começa por vencer o turismo: se é externo ou masseterino, faz-se uma injeção anestésica alta: se interno, ou pterigóideo, anestesia troncular do maxilar inferior. Mostra-se infenso à abertura externa, e consegue na maioria absoluta dos casos fazer drenagem ampla pela própria cavidade bucal.
O trabalho foi discutido por Bisi.
A seguir Ries Centeno lê seu estudo relativo ao tratamento dos fleimões e abcessos para-amigdálicos pela amigdalectomia total imediata (estado atual da questão). Mostra as vantagens do método, baseado em observação algo extensa, concluindo por declarar que o tratamento de escolha do abcesso da amígdala é 'a amigdalectomia. Na discussão o Prof. Zambrini declara que assim procede sistemàticamente no seu serviço. Não há perigo, ou há os mesmos da operação a frio. Relata dois casos de fleimão do pescoço, dos quais um fatal após amigdalectomias a frio. Bisi também opera a quente. O Prof. Marinho já o tem feito, não no abcesso, mas nas anginas agúdas sem querer, isto é, para estudar o efeito do bismuto. Não viu nenhum inconveniente.
Tato e Montserrat comunicam um trabalho a respeito de cistos da amígdala, e a seguir Chiarino lê outro acêrca dos fibromas faríngeos.
Casterán fala acêrca da técnica fonética na patogenia de algumas laringopatias orgânicas, trabalho feito em colaboração com o Prof. Zambrini.
Tem agora a palavra Irureta, que comunica um caso de quadriplegia post-diftérica, trabalho discutido por mim, pelo Prof. Zambrini, por Tato, pelos Profs. Marinho e Aráuz, e por Casterán.
O Prof. Layera e Mascias leem um estudo referente aos tumores malignos do esôfago, acentuando a falibilidade da terapêutica, seja qual fôr, trabalho discutido por Goulart, Oreggia, Ríus e pelo Prof. Alonso.
Farjat, com um estudo relativo ao método intranasal de Max Halle na operação radical do seio maxilar, encerra a sessão.
A 5 de janeiro pela manhã, efetua-se a terceira e última sessão, sob a presidência, a princípio, do prof. Alonso. Presente o Prof. Segura, passa o Prof. Alonso a presidência ao catedrático de Buenos Aires.
O novo presidente é o primeiro a falar. Expõe suas reflexões acêrca da operação radical pelo conduto, resumindo o que pode concluir de uns trinta casos operados por esta via. Mostra que, por ela, pode se chegar até a ponta da mastóide. A discussão é intensa. Apolo, tendo passado um ano no serviço de Von Eicken, notou que (como se dava alías no serviço de Neumann, em Viena), o entusiasmo pela via do conduto estava arrefecendo. O Prof. Regules focaliza a questão radiográfica. Acha que é a rádio o elemento primordial na indicação operatória, mas êste elemento infelizmente aínda é pouco seguro. Tato acentua as vantagens do processo. O Prof. Marinho tambem se mostra adepto da via do conduto, acentuando que a demora observada na cicatrização nas operações por via externa é sobretudo devida à má nutrição do osso.
Falam aínda Ríus, e, a seguir, o Prof. Alonso. Este viu, em pouco tempo, Von Eicken operar 60 pacientes, aplicando o método a todos os casos. Dois anos depois, isto é, agora em 1936, Von Eicken opera muito menos, selecionando muito os casos. O Prof. Alonso já operou uns trinta casos e está muito satisfeito com o método.
Abrindo novamente um parêntese, devo dizer que, de volta ao Brasil, tive o prazer de auxiliar o Prof. Alonso numa destas intervenções, ficando plenamente convencido da facilidade de se realizar a intervenção pelo conduto, e das suas vantagens. O penso consiste em obliterar a cavidade com acido bórico finamente pulverizado, comprimindo-se a substância para que penetre em todos os recantos.
Tem agora a palavra o Prof. Aráuz que comunica um estudo, feito em colaboração com Del Sel, a respeito de nove casos de abcesso frontal consecutivo a sinusites. Aráuz, que é uma autoridade no assunto, fez uma comunicação deveras curiosa e muito pessoal.
O terceiro a falar fui eu. Expuz a operação de Ermiro de Lima (etmoidectomia transmaxilar sub-mucosa), baseado na observação de 18 casos. Em discussão o Prof. Aráuz interessou-se sôbre a conduta a seguir-se nos casos de polipose. O Prof. Elias Regules pergunta se há, de-fato, grande inconveniente em lacerar-se a mucosa, ou se isso se procura evitar apenas para poupa-la. Tato indaga como agir na presença de células orbitarias largamente desenvolvidas.
Ainda aqui sou forçado a abrir um parêntese. O interesse pela operação de Ermiro de Lima, não foi teórico. Ao chegar a Buenos Aires, no dia em que fui visitar o serviço do Prof. Zambrini, vários colegas mostraram desejo de conhecer a técnica do especialista brasileiro. Para isso conseguiram uma paciente, que operei com o auxílio do próprio Prof. Zambrini, perante vários médicos, não só do Hospital Ramos Mejia (onde está situado o serviço do Prof. Zambrini), como do Hospital Rawson (serviço do Prof. Aráuz). Pude assim, com elementos de ocasião, mostrar as vantagens do método. No dia imediato, visitando o serviço do Prof. Segura, no Hospital das Clínicas, mostrou-me êste interesse pelo processo. Fiz uma demonstração por meio de um óptimo modelo da parede lateral externa da fossa nasal. Interesse idêntico revelou o Prof. Alonso, de Montevidéu.
A comunicação imediata foi entre todas, a que despertou maior curiosidade da assistência: foi a de Leborgne relativa ás novas técnicas de exploração radiológica em oto-rino-laringologia. Leborgne ocupou-se principalmente da radiografia em cortes ou tomografia, apresentando chapas do maior interesse para o especialista. Digno de nota é o fato destas rádios terem sido obtidas com um engenho ideado pelo próprio Leborgne, engenho este que póde ser aplicado a qualquer aparelho radiográfico, e cujo custo não vai além de cem mil réis.
Tive oportunidade de procurar êste distinto colega em seu serviço radiológico. Mostrou-me sua modificação e foi desinteressado e gentil ao ponto de permitir que eu a copiasse. Espero dentro de pouco apresentar a esta sociedade as primeiras chapas conseguidas com o aparelho de Leborgne.
Tem a palavra agora Podestá. Ocupa-se da obstrução tubar, apresentando microfotografias elucidativas de seus pontos de vista.
Trata da salpingite atrófica Ríus. Fala no tratamento pelas injeções de parafina no pavilhão da trompa, tratamento que infelizmente não pôde pessoalmente efetuar.
Manisse Goulart entretem a assembléia com o estudo da dissensibilização nasal na asma e seus equivalentes. Discute o estudo Natino, que tem feito estudos minuciosos sôbre o assunto, mórmente com as anatoxinas. Os resultados são, porém, irregulares.
Encerrando a sessão, Ríus apresenta uma memória referente à menstruação em clínica oto-rino-laringológica.
No "Palacio da Cerveja", adornado com bandeiras enormes dos três países representados, realizou-se a seguir o almôço, em um ambiente de grande alegria e maior cordialidade.
A' noite teve lugar o banquete, no hotel mais luxuoso de Montevidéu, o Miramar.
O dia 6 foi destinado a fins sociais e recreativos. Mas na noite de 5 tive de voltar a Buenos Aires.
Devo salientar que, em Montevidéu e Buenos Aires, fui cumulado das maiores gentilezas. Os Profs. Segura, Zambrini, Aráuz, os colegas Tato, Mercandino, Podestá, Galante, Carminatti, Sala Lopez, Leborgne, mas, sobretudo, Del Sel e o Prof. Alonso, deixaram-me cativos de suas amabilidades sem par. Senti-me em Montevidéu e em Buenos Aires como se aqui estivesse. E' o maior elogio que posso fazer aos fidalgos colegas sulinos, aos quais, aproveitando o ensejo, hipoteco meu mais sincero reconhecimento.
P. MANGABEIRA ALBERNAZ
(Relatório apresentado à Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina, sessão de 17 de fevereiro de 1937).