Ano: 1937 Vol. 5 Ed. 2 - Março - Abril - (6º)
Seção: Notas Clínicas
Páginas: 163 a 170
O ENGORGITAMENTO DOS GANGLIOS DO PESCOÇO (1)
Autor(es): LUTZ SCHALL (Hamburg-Saar).
"O pequeno tem ganglios engorgitados, é escrofulose". Com este diagnostico, já pronto, a Mãe da criança, senta-a sobre a mesa, em frente ao medico, e espera a solução do caso, muitas vezes difícil, afim de que este afaste o receio que traz em seu espirito. Engorgitamento ganglionar e escrofulose são ideias fortemente ligadas no espirito popular. Estas ideias provêm da epoca em que os medicos utilisavam-se da escrofulose para explicar não importa que molestias em que existissem, concomitantemente, engorgitamento ganglionar do pescoço. Os nítidos limites adquiridos, pelo quadro nosologico da escrofulose, de ha 25 anos, graças aos trabalhos de Czerny, Escherich e Moro, só lentamente vem empressionando o espirito publico que estava habituado a liga-la a uma infecção tuberculosa. Muito embora o medico, á simples vista, possa, hoje, garantir que a escrofulose, no sentido até agora compreendido, não existe, não é, no entanto, facil determinar a causa do engorgitamento ganglionar. Poderá tratar-se de sintomas anexos benignos de uma inflamação de decurso rapido e simples, de uma tuberculose do pescoço em inicio que necessitará de tratamento prolongado, dos primeiros sinais de um linfogranuloma ou de uma leucemia linfatica incuravel e de prognostico reservado. Quando pensarmos que os engorgitamentos ganglionares constituem o que de mais comum se observa na idade escolar, podendo serem encontrados, nesta idade, em mais de 50% das crianças, então poderemos considerar o interesse pratico da molestia.
A descoberta de um engorgitamento ganglionar do pescoço, obriga-nos, de principio, a um exame geral da criança, rememorando um aviso de Krecke: "não palpar, mas vêr". Quando de engorgitamento notavel sobretudo, quando de modificações inflamatorias, será inutil uma apalpação imediata. A questão da confiança; entre uma criança medrosa e o medico será dicidida, logo, no inicio do exame. Se nada vemos, deslisemos as mãos, levemente, da nuca para o angulo maxilar, ao longo do maxilar inferior até o queixo e ao longo do musculo externo-cleido-mastoidêo até o osso hioide, de forma a conseguirmos o socego do paciente durante o exame. Se encontrarmos um ou um grupo de nodulos linfaticos do pescoço aumentados, então precisamos estar certos de que, quasi nunca teremos que vêr com um fóco primario da molestia. Para que esta seja encontrada, precisamos ter em mente as relações anatomicas entre os ganglios linfaticos e cada um dos territorios com que se relacionem. No pescoço estas relações não são facilmente determinaveis. Temos que vêr com 2 grandes grupos de ganglios linfaticos que, por vezes, se entrelaçam, determinando a formação de uma primeira e segunda etapa.
O grupo superficial de ganglios linfaticos envolve o pescoço e passa para a cabeça em forma de corôa. Deste destacamos os sub-grupos seguintes:
1) O ganglio sub-mentoneiro, situado na linha mediana abaixo do mento e é o coletor da linfa proveniente da pele do mento, do labio inferior, da mucosa da parte medial do maxilar, inferior e da lingua. A causa mais comum de seu engorgitamento são os fócos eczematosos ou impetiginosos da parte cutanea correspondente. Uma confusão com um quisto do conduto tiro-glosso é possivel.
2) Ganglios mandibulares ou sub-maxilares, situados sob o ramo horizontal do maxilar inferior e coletando a linfa da parte anterior e lateral da cavidade bucal, da pele da bochecha e do labio superior e da parte anterior do nariz. Tomam parte nas inflamações, da mucosa bucal; a estomatite aftosa e ulcerosa engorgitam; fortemente, estes ganglios o que não acontece com a estomatite catarral. Tambem os dentes cariados podem constituir o fóco primario. Um engano com uma parulia poderá se dar, quando de um examesuperficial, e será evitado pela observação da boca.
3) Ganglios parotideanos, situados sob a fascia sobre ou na parotida e coletam a linfa da região frontal e da raiz do nariz, da parte lateral dos olhos e da parte anterior das temporas. Mais comumente serão afetados nas inflamações das palpebras e nas conjuntivites. Deixam-se limitar mais dificilmente que os dos grupos anteriores.
4) Ganglios auriculares: o grupo anterior situado imediatamente anterior ao tragus, e em intima relação com os ganglios parotideanos, o grupo inferior no bordo anterior do externo-cleido-mastoidêo abaixo do lobo da orelha. Recebem a linfa do ouvido externo. O grupo posterior colocado sobre o processo mastóidêo nada tem que vêr com o ouvido, recebe a linfa da parte media do couro cabeludo e tomam parte nas inflamações da mesma região, o que tem acontecido, erradamente, considerar sua supuração como um empiema da mastoide.
5) Os ganglios ocipitais, colocados. de ambos os lados da parte alta da linha da nuca, na parte posterior da cabeça, coletam a linfa proveniente do couro cabeludo da parte posterior da cabeça. Sua inflamação indica, geralmente, a existencia de um eczema produzido por piolhos.
6) Os ganglios retrofáringeanos, situados abaixo da mucosa do faringe, adiante dos musculos profundos do pescoço, coletam a linfa da parte posterior do nariz, do nasofrainge inclusive da amigdala faringéa, da trompa e do ouvido médio. Sua fusão purulenta é a causa anatomica dos abcessos retrofaringeos, tão comuns nas crianças, que se caracterisam pelo estridor, perturbações da deglutição; fixação da cabeça e pela formação tumoral elastica, palpavel pela boca, situada alta sob a mucosa do faringe.
A totalidade da linfa proveniente da cabeça e do pescoço transvasa num segundo grupo de ganglios, situados, profundamente, envolvendo a veia jugular desde a veia facial até a altura do osso hioide. E' preciso saber-se que estes ganglios não recebem somente a linfa que provem do grupo superficial, e que ligações diretas existem sobretudo com o territorio dos ganglios sub-maxilares e auriculares, dos ganglios superiores e retrofaringeanos,e dos ganglios profundos do pescoço. Na pratica basta saber-se que os ganglios profundos do pescoço, palpáveis no angulo maxilar, referem-se a molestias das amígdalas palatinas, ao passo que o grupo médio, palpavel, como uma cadeia, ao longo do bordo posterior do musculo externo-cleido, indica modificação no nasofaringe, muito particularmente uma angina retro-nasal. Os ganglios profundos posteriores estão em relação com os ganglios paratraqueais, os colocados, mais profundamente, na fóssa supraclavicular, provavelmente ligam-se, diretamente, com os ganglios bronquicos.
Ao lado destas relações topograficas é de importancia o conhecimento de que os nodulos linfaticos nas crianças são, já, em maior numero. Isto deve ser considerado um fenomeno parcial do aumento fisiologico de todo o sistema linfoide na criança, cuja regressão terá lugar durante a puberdade. De grande significação, para o aumento dos ganglios linfaticos na criança, é a frequencia das anomalias de constituição. A ideia de uma diatese linfatica ou de linfatismo na criança se forma com a hiperplasia da totalidade do tecido linfatico na qual existe, não tanto um aumento primario dos nodulos linfaticos, quanto uma propriedade particular de reação que, com frequencia, responde por uma lesão. Ainda mais frequente é a concomitancia do linfatismo com a diatese exsudativa, que se caracterisa pela tendencia a perturbações exsudativas inflamatorias da pele e das mucosas, com coparticipação dos ganglios linfaticos regionais, que, pelas recidivas frequentes, não mais regridem permanecendo mais ou menos aumentados e palpaveis. Estas crianças, com tendencias, durante anos, aos catarros das vias areas, ás anginas das amigdalas, palatinas e nasofaringeanas, ás supurações do ouvido médio, formam o contingente principal das chamadas crianças ganglionares. Os ganglios palpaveis, dos angulos maxilares e dos bordos posteriores do musculo externo-cleido-mastoidêo, do tamanho de um grão de feijão, ou maiores, mesmo em períodos de ausencia de sintomas agúdos, orientarão certa e rapidamente para o diagnostico. Uma vista dólhos á garganta deixará vêr, ao lado de modificações inflamatorias, uma hiperplasia de todo tecido do chamado anel linfatico da garganta, cuja tendencia ao desenvolvimento, após operação das amígdalas palatinas, nasofaríngeana e das faixas laterais de tecido linfoide da garganta, é um fato.
O desaparecimento da inflamação em cada caso, com permanencia. de uma linfadenite simples ou de forte periadenite, ou seguido da formação de um flegmão ou abcesso ganglionar, dependerá não somente da especie da molestia primitiva, mas tambem do estado de capacidade de defesa do organismo. Seja recordado a tendencia a abcedação dos ganglios superficiais e a formação de ulceras torpidas nas crianças com perturbações de nutrição. Em regra os ganglios da primeira etapa, são mais sujeitos a fusão purulenta, de onde a observação mais frequente de abcessos ganglionares no grupo de ganglios superficiais do que nos profundos.
Algumas das molestias infecciosas mais frequentes nas crianças, que se acompanham de coparticipação típica dos ganglios linfaticos do pescoço, devem ser, aqui, referidas. Assim na difteria, cuja localisação mais comum é nas amígdalas, os ganglios do angulo maxilar apresentam-se tumefeitos. Eles podem, frequentemente, já no decurso de poucas horas, e sob o quadro de um violento edema periglandular, em que desaparece o contorno do pescoço, caracterisar o sinal precoce da chamada difteria maligna. Na escarlatina de começo observa-se a mesma localisação. O característico, porem, é a observação de novo surto inflamatorio depois da regressão do primeiro, durante o periodo de estado. A invasão dos ganglios visinhos poderá ir até a abcedação. Particularmente nociva é o desenvolvimento de uma infiltração lenhosa que envolve, por completo, todo o pescoço, e que constitue a conhecida e temível angina de Ludwig. A rubeola é caracterisada pela infiltração dos ganglios ocipitais e ganglios profundos atraz do musculo externo-cleido-mastoidêo; a coparticipação dos ganglios e o aparecimento de plasmazellen no quadro sanguineo, fizeram com que Glauzmann pensasse na relação entre a rubeola e a molestia de Pfeiffer. Esta molestia, considerada mais como febre ganglionar linfemoide, apresenta uma coparticipação geral de todos ganglios linfaticos e um aumento das celulas granulosas do quadro sanguineo. Não basta, no entanto, uma simples linfocitose, que, tambem, póde ser observada nos linfaticos, para o diagnostico, será necessaria a existencia de celulas atípicas, linfoblastos e celulas plasmaticas. Na sífilis dos recém nascidos os ganglios não são tomados. A micropoliadenite sifilítica é caracterisada por ganglios pequenos aparecendo em lugares onde eram apenas palpaveis, como no sulco bicepital e na região cubital.
De grande interesse pratico é a tuberculose dos gânglios do pescoço.
E' de se supôr a existencia de um complexo primario nos ganglios linfaticos. Para a mucosa nasal, para as -amígdalas nasofaringeanas, para a conjuntiva, o ouvido médio, talvez para as amigdalas palatinas, a existencia de um foco tuberculoso primario foi demonstrado por varios patologistas, mas constituem observações raras que, segundo estatisticas de von Ghon e Kudlich não vão alem de 0,4% de todos os fócos primarios. A mucosa das vias aereas superiores pode ser infectada, tambem, pela via bronco-traqueal da mesma forma que a invasão intracanalicular nos pulmões. Particularmente encontradiças são as ulcerações tuberculosas, do nasofaringe, nas crianças. Tambem aqui os ganglios regionais são tomados pela molestia. Muito mais frequente a infecção ganglionar pela via hematogenica. Finalmente é preciso pensar na progressão da tuberculose, pela via linfatica, assim se terá a compreensão da invasão dos ganglios profundos do pescoço pela molestia dos ganglios paratraqueais e bronquiais.
Como reconhecer, na pratica, um engorgitamento de um ganglio do pescoço como tuberculoso? No inicio da molestia não é frequente sua observação nos consultorios. Clinicamente não se afasta muito de uma linfadenite inespecifica. Pela elevação frequente da temperatura, se produzirá a infiltração de um ou varios ganglios com coparticipação inflamatoria dos arredores. Pelo tratamento antiflogistico regridem, permanecendo, no entanto, nodulos mais ou menos dolorosos. Não raramente se observa um desenvolvimento lento destes, com ou sem febre. A principio os nodulos podem ser movidos sob a pele, mas aos poucos a infiltração aumenta, concomitantemente aumentam os ganglios visinhos e os nodulos se conglomeram e aderem á pele formando verdadeiras massas ganglionares. A compressão dos nervos pelas massas ganglionares podem produzir dôres. O desenvolvimento dos ganglios é, em geral, bilateral. O decurso posterior é variavel. Podem permanecer como granuloma na tuberculoso simples. Pode dar-se a regressão no espaço de mezes, resolvendo-se a massa ganglionar em alguns nodulos que tornam-se menores e duros. Este estado poderá permanecer estacionario de tal forma que após anos um diagnostico . de cura expontanea será possivel. Frequentemente, porém, sucessivas inflamações poderão causar a fusão do ganglío, ou, seja, sua transformação em uma massa caseosa ou, ainda, em consequencia de uma infecção mixta uma abcedação de decurso tempestuoso. Em ambos os casos a consequencia será uma fistula que nunca fechará por si mesma. Aos poucos formam-se na pele,ao redor da entrada da fístula, modificações tipicas de uma escrofula. Pela coparticipação de varios ganglios a pele tomará parte nestas modificações em maior superficie e, quando, após longos anos sobrevier uma cura expontanea, permanecerão as cicatrizes caracteristicas. Póde, tambem, acontecer que os ganglios desenvolvam-se em profundidade de forma a que as massas necroticas formadas no interior da capsula de tecido conjuntivo já formado, não possam sair para o exterior. Aqui, é, tambem, possivel, após longo tempo, a cura expontanea por calcificação ou por aspiração. Este estadio de formação de fistulas apresenta um quadro tão caracteristico que não se poderá errar. Dificuldades diagnosticas só existem no começo da molestia. Geralmente a reacção da tuberculina tem valôr relativo, pois que um resultado positivo não constitue prova para uma infiltração tuberculosa ganglionar, sobretudo para as crianças edosas para as quais a curva da infecção tuberculosa está, já, muito elevada. Existindo a fusão purulenta o aspeto macroscopico do pús confirmará o diagnostico (massas caseosas). A linfocitose é um carater de presunção. O enriquecimento das culturas e a inoculação em animais revelará o bacilo com regularidade. O diagnostico diferencial com a actinomicose e pustula maligna que apresentam, em estado fistulado, certa importancia, apoia-se no microscopio ou melhor no estado bacteriologico do pús.
Outro diagnostico diferencial deverá ser feito com o linfograrruloma que, tambem, geralmente, tem inicio nos ganglios do pescoço e não se diferencia, pela consistencia dos ganglios, do granuloma tuberculoso, no entanto, falta a adesão entre a pele e o ganglio. Tambem nunca se dá nele a fusão e formação de fistulas. O tumor do baço acompanhado de decurso febril carateristicamente ondulado, o quadro sanguineo (leucocitose acentuada com linfopenia e eosinofilia, aumentam a suposição. O linfosarcoma será reconhecido pelo seu crescimento continuo e pela consistencia ossea dos ganglios. Aqui, tambem, a fusão não existe. Ocasionalmente a biopsia de um ganglio será feita para exame histologico, muito embora um exame negativo nem sempre tenha força de prova. Ao contrario do linfoma tuberculoso o linfogranuloma e o linfosarcoma fundem já logo após as primeiras aplicações radioterapicas, no decurso de 14 dias. Fenomeno conhecido é o das recedivas linfogranulomatosas em outros grupos ganglionares. A leucemia linfatica, que produz, frequentemente, infiltrações ganglionares do pescoço, cuja forma cronica é, porem, muito rara nas crianças, deixa-se pesquizar, facilmente, pelo exame do quadro hematologico, pelo menos pelas funções da medula ossea e, tambem, pela sua variedade aleucemica.
Quais as relações, pois, entre a tuberculose ganglionar do pescoço e a escrofulose? Havia uma tendencia em denominar de escrofulose todas as formas externas da tuberculose, isto é, ao lado da tuberculose ganglionar a da pele, das mucosas, dos ossos, das articulações e a abdominal. Isto não está de acordo com as ideias atuais. A criança escrofulosa é conhecida pelas modificações constitucionais que apresenta no sentido da diatese linfatíco-exsudativa. Esta, ligada a uma infecção tuberculosa adquirida na primeira idade, será a base para a existencia do quadro classico da escrofulose, que será auxiliado pelas más condições sociais. As infecções mixtas não são raras.
Para terminar algumas palavras sobre o tratamento do linfoma tuberculoso. Os raios X vieram aumentar sua curabilidade. Ao passo que Mutschenbacher, ainda em 1912, fale sobre, "um tema dificil, desagradavel e apenas soluvel", conclue-se, pelas novas publicações de Pannewitz, por uma cifra de cura clinica de 92% com, somente, 2 % de casos negativos. Alem disto os resultados ainda são melhores para as crianças.
M. O. R.
(1) Münch. med. Wsch. - ano-83 - Nº 52 - Dezembro 1936.