Versão Inglês

Ano:  1937  Vol. 5   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: -

Páginas: 151 a 162

 

ULCERA DE CONTACTO DO LARINGE (1)

Autor(es): J. E. DE REZENDE BARBOSA (Adjunto voluntario)

Observações clinicas

1.° Observação - Arquivo particular do Dr. Mario Ottoni de Rezende). C. C. medico, brasileiro, branco, 35 anos de idade, casado, residente em Campinas.

Apareceu á consulta, em Outubro de 1935, queixando-se de rouquidão que se seguiu a um febre tifóide que houvera tido ha um mez e meio. A rouquidão era ligeira, entretanto, impressionado com a Tbc do laringe, cujo diagnostico fora feito por alguem, resolveu procurar o, especialista. Já estivera em Campos do Jordão, procurando, na estação climaterica, lenitivo para seus males. Em nada melhorou, continuando a roquidão como dantes.

Exame do paciente: demonstrou a existencia de ulcerações simetricas ao nivel das apófises vocais de ambas cordas, sendo que a esquerda era de superficie contava e da direita convexa, ligeiramente exuberantes. O aspéto peri-ulcerativo dava a impressão de mucosa normal envolvente.

Exames radiografico do torax e do escarro negativo para Tbc.

Diagnostico: ulcera de contacto do laringe.

Tratamento: repouso vocal por 6 mezes a um ano.

O paciente foi examinado, novamente, em Junho de 1936, completamente curado.

2.a Observação - (Serviço de O. R. L. da Sta. Casa de S. Paulo). O. E., preto, brasileiro, 52 anos de idade, casado, chapeleiro, residente nesta Capital (Rua Pinto Ferraz, 181).

Procurou o Ambulatorio, em Agosto de 1936, queixando-se de rouquidão rebelde ha um mez, mais ou menos, após pneumonia que o reteve no leito; limpa constantemente a garganta sem resultado; ligeira dor na região lateral do pescoço; deglutição da saliva dolorosa, tal não acontecendo quando deglute alimentos aquecidos. Ultimamente tem sentido dores de cabeça, principalmente, na região da fronte, com regular descarga nasal.

Antecedentes familiares sem interesse para o caso. Antecedentes pessoais: sofre ha muitos anos de bronquite asmatica cronica. Não conta passado venereo-luetico. Não fuma, a não ser uns cigarros anti-asmaticos e usa, tambem, pós anti-asmaticos. Bebe regular quantidade de alcool. Quanto ao genero de seu trabalho, é chapeleiro, onde exerce a profissão de "fulista" (sic), isto é, trabalha com feltro, em caldeiras fervendo, exercendo sua profissão desde os 13 anos de idade. Trabalhando num ambiente barulhento, devido ás maquinas, necessita de usar sua voz em tom alto, gritando sempre.

Exame do paciente: individuo de aspéto sadio, pesando 76 quilos, sem temperatura, tossindo regularmente e expectorando regular quantidade de secreção clara.

Nariz: - F. D. mucosa congestionada; no meato médio flue regular quantidade de secreção do tipo mucoso. F. E.: mucosa congestionada; no meato médio flue quantidade consideravel de secreção muco-purulenta.

Boca e Faringe - todos os dentes que restavam, completamente cariados; piorréa alveolar; mucosa de coloração normal; amigdalas palatinas aparentemente sãs; amigdala lingual hipertrofiada.

Laringe - notamos, unicamente, a presença de duas ulcerações ligeiramente elevadas, assestadas sobre os bordos livres das cordas vocais, e correspondendo, justamente, no 1/3 posterior das cordas, aos processos vocais das aritenoides. Pouco profundas, sem exuberancias, rodeadas de uma pequena zona de reação inflamatoria. Durante a fonação correspondem-se como num verdadeiro encaixe.

Exames complementares - Exame de escarro: negativo. Reação de Wassermann - Kahn no sangue: negativa. Exame radiográfico do torax: "Espessamento pleural dos apites; condensação acentuada dos hilos principalmente o direito, com infiltração peri-hilar. Calcificação das cartilagens tostais. Cupula diafragmatica direita elevada. Seios e cupulas diafragmaticas livres" (Marcello Soares). Exame radiográfico dos seios da face: "Ligeira - diminuição da luminosidade do seio frontal esquerdo e celulas etmoidais anteriores desse lado" (Carmo Mazzilli).

Diagnostico - Sinusite sub-aguda fronto-etmoidal esquerda; piorréa alveolar; ulcera de contacto do laringe.

Tratamento - aplicação de banhos de luz no rosto; avulsão dentaria; abstenção completa de fumo e alcool; cura de silencio (dizer, sómente, 30 palavras por dia, mas em tom baixo em lugar silencioso). Tal repouso vocal deveria ser observado durante um periodo de, no minimo, 4 a 5 mezes.

Esse nosso paciente foi seguido e examinado um mez, 3 mezes e 5 mezes e meio após o primeiro exame. Restabeleceu-se da sinusite sem demora; a involução do processo laringéo foi-se dando, paulatinamente, até seu restabelecimento completo, conservando o paciente, entretanto, um falar aspero, vóz de garganta, que disse sempre possuir.

Epicrise: trata-se de dois casos identicos quanto ao processo laringêo, evoluindo, ambos, benignamente, para a cura. As observações demonstram que o processo ulcerativo laringêo evoluiu posteriormente, em um paciente, a uma febre tifóide e, em outro caso, a um processo pneumonico. Em um dos casos ficou patente a existencia de fócos infecciosos (piorréa alveolar, sinusite subagúda fronto-etmoidal), bem como um genero de vida que o obrigava a usar excessivamente e de péssimo modo a sua voz, que, provavelmente, concorriam ou alimentavam a lesão laringéa. Finalmente, o tratamento, para a lesão laringéa, foi unico, em ambos os casos: repouso vocal, quasi que absoluto, em período mais ou menos longo, sendo eliminados préviamente, em um paciente, os fócos infecciosos.

O que resalta dessas duas observações é o interesse para a clinica das afecções inflamatorias não especificas do laringe e a directriz terapeutica a adotar, com fator seguro de êxito, como função de um diagnostico preciso.

Estamos em face de uma lesão, bem de vêr, ha muito observada, entretanto ainda não são descorridos 10 anos de sua individualisação por Chevalier Jackson.

A ulcera de contacto do laringe, até pouco tempo, não formava na bagagem do laringologista. Sómente após as esplendidas observações de Chevalier Jackson, em 1928 (2), é que se começou a distinguir entre as lesões inflamatorias laringéas, principalmente entre as laringites cronicas, na sua forma paquidermica, a simples ulceração de contacto das cordas vocais, ulcerações essas, no entanto, aparecendo em condições e locais proprios e constantes. É tido como rara. Poucos autores dela se interessaram. Os casos descritos andam já pelas três centenas, mas o numero de autores não chega á dezena. Quasi todos os pontos da etiologia, patologia, sintomatologia e tratamento foram esgotados por Chevalier Jackson e Chevalier L. Jackson (2, 3 e 4). A bacteriologia, parece, ainda, a pedra de toque para os pesquizadores e interessados, pouco se sabendo sobre as mesmas.

A ulcera de contacto do laringe é uma inflamação cronica, com ulceração superficial, de uma ou de ambas, margens do 1/3 posterior das cordas vocais, exatamente sobre os processos vocais das aritenoides, sendo que as superficias, durante a fonação, entram em contacto, podendo a oposta estar ulcerada ou não, dai serem uni ou bilaterais.

ETIOLOGIA

Inúmeros fatores devem ser considerados como agentes causadores ou coadjuvantes na etiologia da ulcera de contacto do laringe. O abuso da vóz, o traumatismo, a profissão, fócos e molestias supurativas nas diferentes partes das vias aereas superiores e inferiores, a tosse, o uso do fumo e do alcool, o sexo e muitas outras condições, ainda no terreno das hipóteses, são os principais culpados dessas ulcerações .

O uso excessivo da vóz é, indiscutivelmente, a condição primordial. E durante a fonação que os bordos livres da fenda glótica encontram-se sujeitos aos maiores traumatismos. Ainda ha um fator de habito que aumenta de muita essa condição etiologica: de todas as zonas do laringe, a séde usual de processos inflamatorios, é justamente essa, a sua parte vibrante. E preciso, entretanto, considerar que o abuso vocal não é o mesmo para todos individuos. Ainda mais, não sómente o abuso continuado da vóz, mas tambem, principalmente, as condições em que esse abuso é praticado. Exemplifico: um individuo que fala continuadamente por longo espaço de tempo, mas em tom baixo, grave, não está sujeito a sobrecarregar tanto suas cordas vocais como aquele que fala muito menos, mas em tom fóra de normal, em gritos, em tipo de vóz não adaptavel ao seu laringe, que no homem é para o timbro grave. Entretanto, não devemos esquecer que as condições de terreno influem e muito. O que para uns é um abuso vocal, para outros não passa de uma conversação ligeira.

Falando-se do uso excessivo da vóz, segue-se, em ordem de parentesco, como causa ativa e indireta na produção da ulceração de contacto, o modo de vida de um indivíduo, a sua profissão. Deixando de lado, em certos profissionais, as impurezas do ar ambiente que irão certamente, quando aspiradas, irritar a mucosa do aparelho pneumo-fonético, sendo daí pontos de partida para futuras complicações, consideraremos mais de perto aqueles cujo salario é ganho pelo seu laringe: são todos os profissionáis da vóz (advogados, padres, professores, vendedores ambulantes, cantores, etc.).

O traumatismo: reside aqui, com toda certeza, um dos maiores causadores da ulceração de contacto. Todas condições o favorecem. A movimentação excessiva das fitas vocais, e a disposição anatomica local, são fatores de sucesso. As ulceras de contacto do laringe caracterisam-se, quasi tão exclusivamente, pela sua séde sempre constante: 1/3 posterior das cordas vocais, exatamente sobre os processos vocais das aritenoides. Ora, compreende-se muito bem que essa zona da mucosa laringéa, solevada pelo processo vocal, é sujeita a maior numero de traumatismos decorrentes do contacto intimo entre os bordos livres das cordas. A vibração mais intensa do musculo tiro-aritenoidêo, no seu ramo interno, respondendo ao apelo incessante e continuado, decorrente do abuso vocal, conduz o aparelho condro-elastico do laringe a uma fisiologia defeituosa, produzindo-se um verdadeiro circulo vicioso, assinalado ainda ha pouco por Gabriel Tucker (5). O traumatismo constante produz a perda de substancia do bordo livre da corda; uma porta aberta pois á entrada de agentes infecciosos, ou, simplesmente, uma causa á reação inflamatoria cronica ou uma reação congestiva local, com exuberancia ou não, podendo ulcerar-se ou não. Estabelecida de um lado essa reação inflamatoria, o bater constante do bordo livre de uma corda com a sua antagonista, essa irritação permanente aumentará de muito a inflamação, chegando á formação de verdadeiros tumores, que corroerão paulatinamente a corda oposta. Uma corda vocal em cujo bordo se assesta uma formação inflamatoria, impedindo a coaptação perfeita da mesma, tem movimentação e elasticidade anormais; é solicitada a fundo para vencer a resistencia do corpo extranho que se interpõe entre si e sua congenere, tendo pois, essa corda, uma hiperelasticidade e sendo suas vibrações mais intensas. Estabelece-se, então, o verdadeiro circulo vicioso: uma corda anormal que possue uma movimentação anormal, acarreta, pelo chocar-se constante com a sua congenere, o agravo de sua anormalidade e interessa, desse modo, a corda oposta, agravando, então, sobremaneira, esse circulo vicioso.

O espirito arguto de Chevalier Jackson (4) levou a uma comparação muito feliz esse traumatismo constante dos processos vocais das aritenoides: o martelar em uma bigorna.

Deduz-se de tudo isso, e muito bem, que não se estabelecendo uma terapeutica precoce e acertada, é eminente a cronicidade da ulceração de contacto. A anatomia regional nos fornece fatores todos especiais: martelam-se duas superficies cujo embasamento é pura cartilagem. As ulcerações progridem até expôrem no fundo nú de suas concavidades, a extremidade da apófise vocal, cartilagem de irrigação deficitaria, devido á destruição de seu pericondrio. A reparação, nesses casos, será muito lenta,

dando-se, sómente, quando da eleminação completa da cartilagem morta.

Quanto aos fócos e molestias supurativas nos diferentes segmentos das vias aereas superiores e inferiores como agentes etiólogicos provaveis, Peroni ('), em seus 1 7 casos de ulcera de cone tacto, encontrou, em todos, os seios paranasais doentes. Em upn dos nossos casos, o paciente era portador de sinusite sub-aguda etmoido-frontal, com grande descarga nasal. A secreção descia pelo faringe e, possivelmente, á noite, a goteira inter-aritenoidéa servia de abrigo e de passagem á mesma. Parece claro que as molestias dos seios da face não concorram diretamente na etiologia da ulceração de contacto do laringe, mas, com toda certeza, constituem uma de suas causas de agravação e cronicidade. Os fócos amigdalianos e dentarios são ainda considerados na produção da ulceração de contacto. Em um dos nossos casos o paciente apresentava inumeros fócos dentarios. A presença de lesão pulmonar especifica, quando acompanhada de eliminação de secreção, é mais um fator agravante. As ulceras serão inundadas por material septico pulmonar. Entretanto, em tuberculosos pulmonares, portadores da ulceração de contacto, é Chevalier Jackson (3) quem diz, ainda não se conseguiu demonstrar a presença de, bacilos tuberculosos nessas mesma ulceras. É necessario considerar, que, em um individuo tuberculoso pulmonar, possa existir, em seu laringe, uma ulcera de contacto sem caracter especifico, mas que, com o tempo tuberculinisar-se-ha.

Tudo isso foi demonstrado por Peroni (5) que, em autopsia praticada em individuo falecido de tuberculose pulmonar, encontrou em seu laringe as duas ulcerações de contacto, com todos os seus caracteres, não faltando o exame histologico demonstrando a presença de simples tecido inflamatorio cronico.

Como dissemos, anteriormente, é justamente a parte bacteriologica dessas ulcerações que de mais estudo carece. A associação fuso-espiritar, no pensar de Chevalier Jackson (3), constitue, em 85 %o dos casos, sua flora bacteriana. De outro lado, Zambrini e Casteran (8), no ultimo Congresso Rioplatense da especialidade, de Janeiro de 1937, afirmaram não pensar do mesmo modo, pois em seus 22 casos de ulcera de contacto do laringe, sómente em poucos conseguiram notar a presença da fuso-espiroquetóse de Vincent, podendo, entretanto, ser devido á dificuldade de se obter o material a ser examinado. Infelizmente, nos dois casos descritos, não praticamos; em tempo, esse exame.
Álcool e fumo: um de nossos pacientes era portador desses dois males: fumava cigarros anti-asmaticos e ingeria regular quantidade de alcool. Considero ambos como fatores indiretos, predisponentes, por serem irritantes da arvore respiratoria, principalmente o alcool, um grande congestionados do laringe devido á vaso-dilatação que produz.



Ulcera de contacto do laringe
2.ª observação - O.E. - preto - 52 annos.



Sexo e idade: quasi todos os autores têm relatado a grande incidencia dos casos de ulcera de contacto do laringe nos homens. Zambrini e Casteran (8), entre seus 22 casos, encontraram 14 mulheres atacadas, mas não reveindicam para o sexo femino, a a maior frequencia da ulcera de contacto, sendo devido, pensam eles, que maior numero de mulheres se dedicam á carreira professoral, onde, justamente, eles têm feito maior numero de observações. A idade mais atingida é a adulta. Parece existir sómente uma observação em criança com 10 de anos de idade.

PATOLOGIA

Passando á patologia dessas ulceras, as melhores descrições são aquelas de Peroni (6), em cadaveres autopsiados, onde teve ocasião de estudar, em córtes histologicos, não só a ulcera, mas a cartilagem e toda a corda.

Nos 2/3 anteriores á ulcera, a corda vocal não demonstra alteração digna de nota, a não ser, relativo gráu de infiltração, inflamatoria ao redor das glandulas na mucosa sub-glotica. As paredes da ulcera são constituídas de tecido inflamatorio cronico com areas de necrose. As zonas circumvizinhas á ulcera são constituídas de tecido de granulação, não especifico, e sendo que as fibras musculares das cordas são atingidas por uma ligeira infiltração inflamatoria. A cavidade ulcerada, com a profundidade de 1 mm., mostra, desnudo, em seu leito, o processo vocal da aritenoide, com ligeira necrose de sua superfície. Essas lesões são caracteristicamente simetricas.

Quando as ulcerações apresentam formações tumorais, verdadeiros granulomas, que complicam de muito o evoluir das mesmas, o exame histologico demonstra tratar-se, simplesmente, de um granuloma cronico não especifico, de origem, provavelmente, das proximidades ou do pericondrio do processo vocal.

Tratando-se de uma zona onde o tecido cartilaginoso existe em abundancia, é de temer-se a propagação da inflamação, conduzindo á uma pericondrite e essa a um edema de sequencial desastrosas. Ainda aqui, Chevalier Jackson (4) assegura que a zona de pericondrite e necrose da cartilagem é extremamente localisada, nunca progredindo pelo corpo da aritenoide, evitando, assim, o edema das aritenoides e pregas ari-epigloticas.

SINTOMATOLOGIA

É quasi a mesma das diferentes afecções do laringe A rouquidão constitue o sintoma numero um. Essa adquire todos os gráus até tornar-se quasi impossivel, dificultando o uso da palavra, principalmente nos casos de grandes massas granulomatosas impedindo a perfeita coaptação das cordas.

A dôr local e a manobra de limpar constantemente a garganta, são outros dois sintomas que não falham.
observado, também, com frequencia, a irradiação das dôres para a região auricular.

DIAGNOSTICO

O quadro laringoscópico nos dará os fatores seguros do diagnostico.

Observa-se a ausencia de alteração da epiglote, sua coloração normal, sem infiltração; prégas ari-epiglóticas normais; comissura posterior lisa; fitas ventriculares normais. As cordas, em seus 2/3 anteriores, apresentam, com frequencia, um certo gráu de emgrossamento e hiperemia. No seu 1/3 posterior, notamos a presença de duas ulcerações simétricas, localisadas sobre o processo vocal das aritenoides, o qual, na grande maioria dos casos, aflora no leito da ulcera. Em nossos casos, devido, talvez, á falta de um exame laringoscópico diréto e, em um caso, a precocidade com que foi visto o doente, no inicio de sua molestia, não nos foi possivel tal comprovar.

As ulceras são rodeadas de mucosa inflamada, são de aspéto acinzentado.

Sua superficie, quando convexa, durante a fonação, aninhase na concavidade de sua congénere. Quando da presença de granulomas, a corda oposta ulcera-se profundamente para recebe-lo e, quando da presença de granulomas bilaterais, um deles apresenta uma concavidade que adapta-se á convexidade do oposto.

O diagnostico diferencial tem de ser feito, primeiramente, com a ulcera tuberculosa. Excluindo as formas iniciais da tuberculose laringéa (laringite catarral cronica, monocordite tuberculosa, a sua forma miopatica, etc.), é o seu periodo de estado que mais controvérsias faz nascer no diagnostico diferencial da ulcera de contacto do laringe. A terapeutica comum que se estabelece em ambas molestias, e com exito, a do silencio, nos leva a pensar em ser esse o ponto vulneravel quanto á personalidade da entidade nosologica, individualisada por Chevalier Jackson. Mas si justamente no periodo de estado da tuberculose laringéa, é que residem as duvidas, quanto á diferenciação das mesmas, não tenhamos receio, é possivel diagnosticar-se até ambas em uma pessoa.

A infiltração, tão caracteristica da Tbc laríngéa, na ulcera de contacto não existe. Não se observa aquele aspéto em turbante da epiglote ou a forma de duas pecas, juntas por suas bases, que assumem as cartilagens aritenoidés e prégas ari-epiglóticas. As falsas cordas não são infiltradas.

A ulceração tuberculosa, de marcha progressiva, bórdos nítidos e de localisações varias, é quasi que inconfundível. É certo que sua séde predileta reside na região posterior do laringe, entretanto, quando localisadas nas cordas, são multiplas, assumem um aspéto de dentes de serra e, quando maiores, são verdadeiras fissuras no sentido antero-posterior.

A séde usual, no entanto, da ulcera tuberculosa do laringe, é a região inter-aritenoidéa, onde, quando aí localisadas, sua sintomatologia típica, dolorosa á deglutição, não deixa duvidas.

Portmann e Retrouvey (9) chamam atenção para a simetria, por vezes existente, entre as ulcerações tuberculosas, de uma corda á outra, e, que, durante a fonação, produzem um verdadeiro encaixe. Ainda esses autores, citam a presença de ulcerações tuberculosas, com séde na parte posterior das cordas, ao nivel de sua inserção aritenoidéa, prolongando-se em angulo réto sobre a face anterior da comissura posterior. Para esses casos duvidosos, além da coloração da mucosa e fatores extrinsicos laringêos, a biopsia esclarecerá de vez a questão.

Passando á sifilis, assinalemos a precariedade do valor da biopsia. A soro-reação e o proprio tratamento são elementos de diagnostico. As ulcerações da sífilis terciaria são, de outro lado, unicas e típicas.

Outra condição a ser considerada, são aquelas lesões produtivas de caracter paquidermico, que se assestam, de preferencia, no espaço inter-aritenoidéo, mas, que, com frequencia, interessam a parte posterior de ambas cordas vocais. A paquidermia laryngis raramente se ulcera. Representa a multiplicação anormal de um epitélio com grande proliferação de suas papilas. A ulcera de contacto do laringe é de natureza inflamatoria e é de séde constante, caracteristica.

Os tumores,benignos das cordas, quando não podem ser excluidos pela laringoscopia, a biopsia o fará, principalmente, em casos de papilomas isolados, tão parecidos com o simples granuloma da ulceração de contacto.

Os nodulos vocais, têm a sua séde predileta, além de sua incidencia tão frequente em mulheres e crianças.

Quanto ás formações malignas, nenhuma delas possue as caracteristicas da ulcera de contacto, entretanto, impõe-se a biopsia. Chevalier Jackson (4) possue dois casos de néo-formações malignas secundarias ás ulceras de contacto.

TRATAMENTO

Resume-se quasi tão sómente no repouso vocal absoluto, coadjuvado pelo cirurgico, quando necessario.

Não difere, pois, o tratamento da ulcera de contacto, daquele adoptado em relação ás outras diferentes formações inflamatorias cronicas das cordas.

Gabriel Tucker (5) resume-o em: 1) restituir o contorno normal da corda e 2) restabelecer o balanço muscular na produção do tom.

Chevalier Jackson (4) admite a emissão de, somente, 20 palavras imprescindiveis por dia, e que devem ser ditas em tom baixo e em compartimento silencioso. Aconselha aos padecentes desse mal, que façam viagens maritimas longas, mas, com a advertencia, de não procurarem fazer conhecimento algum a bordo.

Em média, 6 mezes são necessarios para as ulceras pouco avantajadas.

Contrariamente ao que acontece com a tuberculose, os climas secos são contra-indicados. Um de nossos pacientes, pensando tratar-se de ulcera tuberculosa do laringe, retirou-se para Campos do Jordão, não obtendo melhora alguma. O ar maritimo é, o indicado.

A aplicação de medicamentos locais, não proporciona melhoras e são perigosos. Os causticos como o nitrato de prata, são contra-indicados. Imperatori (10) não obteve resultado algum com, a aplicação de nitrato de prata a 1 % e cloreto de zinco a 5 % em duas, aplicações diárias.

A presença de, exuberancias, os verdadeiros granulomas, sobre as cordas, não passiveis de cura pelo simples regime de silencio, impõe a cirurgia. Aqui, a laringoscopia diréta tem a sua primazia. Com um forceps de laringe, a integridade da corda é respeitada e seu contorno é restituido. Mãos habeis deve pratica-la, pois, trabalha-se nas proximidades da articulação crico-aritenoidéa.

Não será preciso batalhar aqui, sobre a eliminação de fócos de supuração que porventura existam nos seios da face, amigdalas, dentes, etc.
'
Estabelecida a cura organica da lesão laringéa, é necessario ter-se em mira o perfeito restabelecimento da função. Essas cordas que sairam ilesas de um processo organico, encontram-se sobrecarregadas de energia necessaria á sua movimentação anormal. A reeducação fonetica, nesses casos, é imprescindivel, para que não se caia, de vez, em verdadeiro circulo vicioso imperdoavel.

É observação córrente dos diversos autores que têm descrito a ulcera de contacto do laringe, que tais individuos, apresentam a vóz faringéa ou de garganta, e, para outros, são pessôas que têm acentuada tendencia em produzir sons agúdos.

Tarneaud procura explicar este fáto. Esses individuos de vóz agúda, cujas cordas de bórdos mais agúdos, quando fonam, a natureza procura uma adaptação mais perfeita, procura diminuir a superficie das cordas, engrossa-las, tornando seus bórdos mais rombos, de coaptação completa, produzindo, portanto, tons graves, que será no homem o normal. Para esse manobra de adaptação mobiliza-se toda a musculatura addutora laringéa, intrinsica e extrinsica, resultando um grande chóque dos bórdos livres das cordas e, consequentemente, maior traumatismo.

A ulcera de contacto do laringe é mais uma condição a considerar-se nos individuos portadores de rouquidão rebelde. Ao lado do Ca, da Tbc, da Lues, para não dizer outras lesões menos graves, a ulcera de contacto perfila-se a estas por possuir pontos comuns na sua sintomatologia, mas completamente individualisada de todas quanto á sua etiologia, patologia e prognostico.

RÉSUME

L'Ulcère de contact du larynx

L'Auteur, après la description de deux cas d'ulcère de contact du larynx (tous les deux chez des hommes, un nègre e 1'autre blanc, avec 52 et 35 ans, respectivement), étudie minucieusement cette entité nosologique individualisée par Chevalier Jackson en 1928.

Il est question de deux cas identiques quant au procès laryngé, évoluant, tous les deux, bénignement vers la guérison. Les observations démontrent que le procès ulcérative laryngé a évolué, postérieurement, chez un malade, vers une fièvre typhoïde et, chez un autre, vers un procès pneumonique. Dans uns des cas, il resta patente l'existence de foyers infectieux (pyorrhée alvéolaire, sinusite sub-aigüe front-ethmoidale), aussi bien qu'un genre de vie qui l'obligeait a faire use excessive de sa voix, et d'une très mauvaise manière, ce qui, probablement concourrait et alimentait la lésion laryngée. Finalement, le traitement, pour la lésion laryngée, fut unique, dans tous le deux cas: repos vocal, presque absolu, pendant une période, plus ou moins longue, après avoir été éliminés, d'avance, chez un dês pacients, les foyers infectieux.




(1) Trabalho lido na Sessão de 17 de Fevereiro de 1937 da Secção de Oto-rinolaringologia da Associação Paulista de Medicina.
(2) Jackson, Chevalier-Contact Ulcer of the Larynx, in Ann. Otol., Rhin. and Laryn. 37:227 (March) 1928.
(3) Jackson, Chevalier L.-Etiology and Treatment of Contact Ulcer of the Lárynx, in Laryngoscope 43:718 (Sept.) 1933.
(4) Jackson, Chevalier and Jackson, Chevalier L.-Contact Ulcer of the Larynx, in Archives of Otolaryngology 22:1 (July) 1935.
(5) Peroni, Achille-.Contact Ulcer of the Larynx: Pathologic observatïons in Arch. Otülaryn 17:741 (June)., 1933
(6) Tucker, Gabriel-Inflammatory Tumoura of the true vocal corda, direct laryngoscopic observations, in The Jour. of Laryn. and Otol. 51:563 (Sept.) 1936.
(7) Peroni, Achille-Contact Ulcer of the Larynx: Pathologic obsservations,. in Arch. Otolaryn. 17:741 (June) 1933.
(8) Zambrini, A. R. e Casteran, -E.-La patogenia,de algunás laringópatías orgánicas. El valor de a técnica fonética, in Revista Argentina de O. R. L. Año V - Nov.-Dec. de 1936, n.º 11-12, pag.397
(9) Portmann. G. et Retrouvey. H.-Les voies aériennes et la Tuberculose. Paris, Masson te Cie., Editeurs. 1936.
(10) Imperatori, Charles J., - Contact Ulcer of the Larynx, Report of a case, in Laryngoscope 43:933 (Nov.) 1933.

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