Versão Inglês

Ano:  1937  Vol. 5   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: -

Páginas: 41 a 44

 

MENINGISMO PARACENTESE E CURA (*)

Autor(es): DR. FRANCISCO HARTUNG (S. Paulo).

Esta observação é da prática diária; nada tem de rara.

Trata-se de uma criança com fenômenos meninges que responderam bem á drenagem timpânica pela parassíntese. Vejamos porque a julgo digna de alguns comentários.

N. F. menina de 5 anos, residente nesta capital, apresenta-se á minha consulta no dia 28 do mês findo. Contam os pais, que haviam passado a noite em claro, procurando aliviar as dores de ouvido e de cabeça de que se queixava a criança. Tivera ela, cinco dias antes, um resfriado que interessara também a garganta. A menina está bastante pálida e a sua atitude despertou logo a atenção, porque penetra na sala de consulta com uma das mãos á cabeça, como quem muito sofria; tendo eu a interrogado porque tem tal gesto, responde-me que são muito fortes as dores, indicando um ponto na testa (criança muito viva), onde era mais intenso o seu sofrimento. Temperatura na hora 38°,5.

Nada de interesse em relação ao ouvido externo.Pela otoscopia, forte congestão geral do tímpano do lado que se queixava. Além disto evidente angina catarral. Pela rinoscopia, verifiquei que não havia muita razão para suspeitar dos seios nasais, como poderia parecer pela sensibilidade do frontal, acusadas pela doentinha. Mas apesar disto, além da parassíntese imediata, pedi aos pais que enviassem a filha a um radiologista, afim de bem elucidar o problema sinusal. Também recomendei que continuasse em casa com tratamento antiflogístico sobre o ouvido e prescrevi uma poção salicilada. A doentinha, depois da parassíntese, que aliás praticamente proporcionou saída somente de sangue, passou quase três dias, otimamente, desaparecendo tanto as dores como a hipertermia.
Pensava eu que tudo estava terminado, quando a três dias depois da minha primeira atuação, reaparece a criança, mas desta vez portadora de um quadro de tintas muito mais carregadas.Impressiona logo, como na primeira vez, a sua atitude: mão na cabeça, sinal de sofrimento que, para a criança nos comove desta feita, apesar de continuar a insistir sobre o frontal mais de que para o adulto, generaliza também a dor por toda a caixa craniana. A temperatura voltara para os 38°,6. Mas o quente mais impressionava, conforme verifiquei imediatamente, era rigidez da musculatura do pescoço bem acentuada, e, pesquisando fui encontrar também positivo o sinal de Trousseau.

Sem alarmar demais os pais, mesmo porque a idade da criança era favorável ao prognostico da situação, deixei claramente transparecer que a meninge se preparava para entrar em cena, e que o tempo era precioso.

Desta vez, contrariamente a primeira, a mastóide é dolorosa á pressão; otoscopia precária, porque a ainda coágulos da parassíntese, difíceis de remover completamente sem atormentar a criança, mas mesmo assim consigo certificar-me de que o tímpano está outra vez congesto. Trato pois de fazer larga parassíntese de alto a baixo, como preliminar para uma atitude enérgica exigida pelo caso. Estávamos no oitavo dia de moléstia. Os pais foram prevenidos de que, si a parassíntese fosse insuficiente, de maneira a não melhorarem as condições da menina até a manhã seguinte, só via eu uma solução: trepanando a mastóide; recomendei mesmo que a transportassem para o hospital incontinenti.
A noite, aparece em minha residência o pai da doente; relata-me ele que o pediatra da família,apesar de bem identificado com o caso, sem fugir á gravidade da situação, propunha preliminarmente que se radiografasse a mastóide, examinando na tarde do dia seguinte outra vez em companhia de outros pediatras. Retruquei ao pai que não acreditava em auxilio dos raios X para uma mastóide daquela idade, e que considerava grande imprudência perder quase 24 horas para conferencias. Não aceitava pois a protelação, que naturalmente agradara aos pais, e continuei a insistir para se operasse se os sintomas continuassem pela manhã. Felizmente, para nós todos não houve necessidade de mais divergência já ao amanhecer, pelo telefone o pai me comunicava que tudo tinha terminado; a criança não tinha mais dores nem febre, assim como também a rigidez da nuca havia .desaparecido. É de notar que também esta segunda parassíntese não foi seguida de corrimento de pus; somente sangue foi encontrado na caixa do ouvido médio, naturalmente devido ao caráter gripal do processo inflamatório. Sei que até hoje as condições da doente são absolutamente boas, provando que a segunda parassíntese foi das mais profícuas.

Primeiramente o meningismo aos cinco anos não é muito comum, porque em geral acompanha a otite da primeira infância. Daí o meu erro na interpretação da dor de cabeça, aceitando a insistência da criança quando a localizava sobre a testa, vi-me de tal modo despistado, que cheguei a apelar para os raios X dos feios frontais; só depois de aparecer a rigidez de nuca, interpretei com correção o sintoma. Não deixa isto de ser interessante, porque uma atitude e uma informação infantil, podem nos desnortear.

Outro ponto de registro foi à rapidez de cicatrização da parassíntese, apesar da aplicação de compressas. Em três dias já havia nova pressão intratimpânica, refletindo-se com desusada violência contra as meninges. Poder-se-ia objetar que a incisão inicial foi acanhada; é possível mas eu prefiro ligar a rapidez da cicatriz ao fato da não existência de derrame. Senão, como explicar o desaparecimento da sintomatologia por quase 72 horas?

Terceiro ponto seria a antrectomia em perspectiva. Penso que agi bem porque como já disse o meningismo não é tão freqüente na idade de cinco anos, e nem acredito que a algum dos colegas presentes, sob estes comemorativos repugnasse, ou considerasse uma precipitação abrir uma mastóide já com 8 ou 9 dias de otite; porém posso aceitar que um pediatra, no seu caráter eminentemente clinica nos repute exageradamente cirurgiões, uma vez que a nossa especialidade tem fama de ser por demais agressiva. São pontos de vista respeitáveis para serem discutidos em qualquer ocasião, mas nunca em face de um caso concreto, porque enquanto se fica a filosofar de que lado está a razão, lá se vai tal oportunidade de salvar uma vida. No caso presente fiz ver a iminência da necessidade de solução cirúrgica. Criticou-se a doentinha restabeleceu-se sem cirurgia e eu fiquei com o pior partido, mas apesar disto, no caso futuro, a minha atitude será rigorosamente a mesma.

Finalmente, a indicação da parassíntese. Não vou discutir se há muita autoridade que se rebela contra a incisão do tímpano. Questão de escola. Mas mesmo nós, que incisamos podemos ser assaltados pela dúvida. Quem não terá defrontado um tímpano, bem aberto espontaneamente, de perfuração umbilicada e que não titubeará na vantagem de uma drenagem mais generosa? Ha mesmo quem acredite com fundadas razões, que a perfuração deste tipo, em umbigo, caminha fatalmente para uma solução cirúrgica na apófise mastóide, quer seja ela ampliada, quer não. E na realidade, muitas vezes isto se dá.

No caso em foco, também meu, na segunda vez, diante do fracasso da primeira, incisei a membrana debaixo de certo cepticismo, mais ou menos convencidos de que doentes desta classe tem que se decidir entre a mesa de cirurgia e a da sala do necrotério.

Mas, ainda uma vez recordei-me dos conselhos do velho Newman: são preferíveis 99 parassínteses sem indicação de que um só tímpano intacto, com o ouvido médio a exigir drenagem. Rasguei de novo, e mais os fatos vieram dar razão ao celebrado mestre vienense.




(*) Trabalho apresentado à Serviço de Oto-rino-lanrigologia da Associação Paulista de Medicina, em 17 de Agosto de 1936.

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