Ano: 2003 Vol. 69 Ed. 4 - Julho - Agosto - (18º)
Seção: Artigo de Revisão
Páginas: 553 a 559
HPV e carcinogênese oral: revisão bibliográfica
HPV and oral carcinogenesis: a bibliographic review
Autor(es):
Márcio C. Oliveira1,
Rosilene C. Soares2,
Leão P. Pinto3,
Antônio de L. L. Costa4
Palavras-chave: HPV, câncer oral, proteína E6, proteína E7, carcinogênese
Keywords: HPV, oral cancer, E6 protein, E7 protein, carcinogenesis
Resumo:
O Papilomavírus humano (HPV) é um vírus ubíquo de DNA, epiteliotrópico, que tem a pele e as mucosas como principais sítios de infecção. Ultimamente, a sua associação com neoplasias benignas e malignas da cavidade oral, principalmente o carcinoma epidermóide, tem sido mais evidente. O seu achado comum em epitélio de mucosa oral normal, amplamente divulgado na literatura, não permite inferências mais precisas quanto ao seu papel na carcinogênese (se agente etiológico principal, coadjuvante ou simples habitante do epitélio de revestimento da mucosa oral). São mais de 100 tipos já identificados, dos quais 24 já foram localizados na cavidade oral. Desses, 4 são particularmente importantes, os tipos 6 e 11 (que estão envolvidos nas lesões benignas do epitélio oral) e 16 e 18 (comprovadamente carcinogênicos e possivelmente envolvidos na etiologia de determinados carcinomas epidermóides orais). A ação desses dois últimos tipos está principalmente associada às oncoproteínas E6 e E7 produzidas pelos mesmos. A E6 liga-se, seqüestra e degrada a p53, importante proteína supressora de tumor. A segunda liga-se e seqüestra a pRb, também supressora de tumor, facilitando a liberação de E2F. Apesar do aprimoramento das técnicas de detecção do HPV nas lesões de mucosa oral, o seu envolvimento direto com os carcinomas orais não foi ainda devidamente comprovado, todavia a sua ação sinérgica com outros carcinógenos químicos e físicos, tais como o fumo e o álcool, em determinados carcinomas epidermóides nos parece o caminho mais correto para explicar a ação do papilomavírus humano na carcinogênese oral.
Abstract:
The human papillomavirus (HPV) is a epitheliotropic ubiquitous DNA virus and which has as main infection sites the skin and the mucosas. Lately, its association with benign and malignant neoplasias of oral cavity mainly the squamous cell carcinoma has been more evident. Its common finding in normal oral mucosa epithelium largely publicated in literature doesn't allow inferences more accurate in relation to its role in carcinogenesis (if main or coadjuvant etiological agent or simple covering epithelium inhabitant of oral mucosa). They are already more than 100 types identified which 24 were already located in oral cavity. Of these, 4 are particularly important, the HPVs types 6 and 11 (which are involved in benign lesions of oral epithelium), 16 and 18 (proved carcinogenics and possibly involved in the etiology of determined oral squamous cell carcinomas). The action of these two last types is mainly associated to the E6 and E7 oncoproteins produced by themselves. The E6 binds, sequestrates and degrades the p53, an important tumour supressor protein. The second binds and sequestrates the pRb, also tumour supressor, facilitating the release of E2F. In spite of the refinement HPV detection techniques in oral mucosa lesions, its direct involvement with the oral carcinomas wasn't still duly proved, however, in our opinion, the association of virus with chemical and physical carcinogens in some squamous cell carcinomas, such as the tobacco and alcohol, may represents a plausible explanation regarding the role of human papillomavirus in oral carcinogenesis.
INTRODUÇÃO
Papilomavírus humanos oncogênicos (HPVs) têm uma associação bem estabelecida com o carcinoma anogenital e cervical uterino, entretanto, a relação do HPV com o carcinoma epidermóide oral ainda não está bem estabelecida. A possível relação do HPV na etiologia das lesões cancerizáveis e no câncer oral foi primeiramente estimada em 1983, quando foram descritas alterações citopáticas de HPV (coilócitos) em cânceres orais, idênticas àquelas previamente encontradas em lesões pré-cancerosas e carcinomas da cérvice uterina1. No decorrer dos anos, vários estudos têm investigado o papel dos HPVs no carcinoma e em outras lesões orais potencialmente malignas2-7. Outros trabalhos indicam que o HPV é um fator de risco independente para o carcinoma epidermóide oral8.
Os avanços no campo da genética e biologia molecular têm contribuído decisivamente para o estudo desses vírus. De todas as técnicas de detecção de DNA do HPV, a reação em cadeia da polimerase (PCR) é a mais sensível.
Mais de 100 tipos de HPV foram identificados até o presente. Desses, 24 tipos foram associados com lesões orais (HPV-1, 2, 3, 4, 6, 7, 10, 11, 13, 16, 18, 30, 31, 32, 33, 35, 45, 52, 55, 57, 59, 69, 72 e 73)9-11. O tipo de HPV mais prevalente, tanto em lesões orais como em lesões genitais é o HPV 162.
Os estudos do envolvimento do HPV na iniciação e progressão das neoplasias orais têm gerado resultados conflitantes. A discrepância observada é atribuída, principalmente, à variação da sensibilidade dos métodos empregados e a fatores epidemiológicos dos grupos de pacientes examinados2. Nesse trabalho foi realizada uma revisão bibliográfica a respeito da atividade oncogênica do HPV, bem como a sua possível relação com os carcinomas e lesões benignas do epitélio oral, com o objetivo de contribuir com a literatura especializada sobre esse que é um assunto tão controverso entre os estudiosos da carcinogênese oral.
MATERIAL E MÉTODO
Identificação e seleção de estudos
Por meio da base de dados MEDLINE, foram pesquisados artigos da literatura médica da língua inglesa, de janeiro de 1990 a dezembro de 2002, que relataram uma relação entre o HPV e mucosa oral normal, neoplasias intraepiteliais (displasia e carcinoma in situ), carcinoma verrucoso ou carcinoma epidermóide oral. No MEDLINE, as palavras-chave human papillomavirus, oral cancer, head and neck cancer, oral carcinoma, squamous cell carcinoma e oral lesions, foram usadas isoladamente e em combinação na pesquisa. A partir da análise de uma lista de referências de noventa e seis publicações relevantes e artigos de revisão, foram selecionados quarenta e quatro trabalhos publicados entre janeiro de 1991 e dezembro de 2002. Foram incluídos também seis artigos clássicos sobre HPV publicados em anos anteriores ao período estabelecido na pesquisa. Os estudos abordaram análise imunológica, microscópica e molecular para detectar o HPV em tecido ou células derivadas da mucosa oral normal, lesões de mucosa potencialmente malignas e lesões orais malignas. Excluiu-se aqueles dados obtidos a partir de tecidos que não tinham origem em epitélio escamoso, como por exemplo, tumor de glândula salivar; aqueles obtidos de lesões situadas em sítios distais dos pilares tonsilares anteriores e ainda informações insuficientemente disponibilizadas para assegurar um resultado definitivo.
O PAPILOMAVÍRUS HUMANO
Papilomavírus são vírus ubíquos de DNA epiteliotrópicos que infectam epitélio cutâneo e mucoso, produzindo diversas neoplasias epiteliais benignas e malignas em animais e humanos12. São associados com uma variedade rara de lesões orais, e têm aumentado a suspeita de que eles podem estar implicados em algumas lesões orais pré-malignas e malignas. É um vírus de 55 nm de diâmetro e contém proteína e uma molécula circular única enrolada de DNA de fita dupla. As partículas icosaédricas do papilomavírus contêm 72 capsômeros. São dependentes do meio de diferenciação terminal dos ceratinócitos para replicação, síntese do capsídeo e montagem do vírus12. Não podem ser suficientemente cultivados em culturas teciduais ou modelos animais13.
O genoma do papilomavírus pode ser dividido em três regiões: uma região longa de controle (LCR), compreendendo cerca de 10% do genoma e as regiões precoce (E) e tardia (L). O alinhamento das seqüências de DNA do HPV revela uma organização genética de regiões que codificam proteínas virais (ORF). Essas estão presentes em só uma fita de DNA e suas funções foram apontadas em parte através da comparação com a estrutura do papilomavírus bovino tipo 1, o qual foi extensivamente caracterizado em linhagens celulares de camundongos geneticamente transformados. Em geral, as regiões E aparecem para ser expressas logo após a infecção e codificam as proteínas envolvidas na indução e regulação da síntese de DNA. Por contraste, as regiões L são expressas em estágios posteriores da infecção e codificam as proteínas do capsídeo viral. As regiões E são designadas E1 a E7, e a região L é dividida em regiões L1 e L2. Do ponto de vista da transformação celular, as regiões E5, E6 e E7 são de maior importância14.
A seqüência entre o fim de L1 e o começo de E6 é chamada de região longa de controle (LCR) e é conhecida também como região não codante (NCR). Essa região contém muitas das seqüências regulatórias cis que controlam a transcrição e a replicação. Há substanciais evidências de que a progressão do câncer induzida pelo HPV é um processo de múltiplas etapas15. Tem sido postulado que as LCRs são um alvo direto de um mecanismo regulatório intra-celular16. A progressão para a malignidade é acompanhada pela perda desse mecanismo intracelular de inspeção, o qual correlaciona-se com uma abundante expressão gênica viral17.
A infecção pelo HPV é iniciada quando uma partícula viral penetra em células basais e células indiferenciadas e em divisão do epitélio. Ao menor trauma, que ocorreria durante a relação sexual, permitiria ao vírus penetrar na camada basal do epitélio. Nas células basais e parabasais, o DNA viral replica em um baixo padrão e apenas genes precoces são transcritos, também em baixo padrão. Multiplicação extensiva do DNA viral e transcrição de todos os genes virais, bem como formação do capsídeo, ocorre apenas nas camadas mais superficiais do epitélio. O vírus multiplica-se exclusivamente no núcleo de células infectadas. No entanto, a manifestação patológica associada ao HPV é confinada aos sítios onde a infecção foi iniciada10.
Partículas virais maduras (com capsídeos completos) estão, portanto, ausentes nas células basais, e a replicação produtiva do HPV está restrita às células nos estratos espinhoso e granuloso18.
De acordo com o potencial de risco de desenvolvimento de neoplasias malignas em humanos, a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer, em 1997, classificou os HPVs 16 e 18 como carcinogênicos em humanos (grupo 1), os HPVs 31 e 33 como provavelmente carcinogênicos em humanos (grupo 2A), e alguns dos tipos remanescentes de HPV como, possivelmente, carcinogênicos em humanos (grupo 2B)19,20. Outra classificação quanto ao potencial de malignidade classifica-os em tipos de baixo (6, 11), intermediário (31, 33, 35) ou alto risco de malignidade (16, 18)21. Podem ser classificados também de acordo com o sítio anatômico de infecção e/ou análise filogenética em HPVs mucosos e HPVs cutâneos22.
Foi sugerido que o HPV é ubíquo e que achados comuns dos mesmos tipos de HPV (6, 11, 16 e 18) em mucosa genital e oral são um forte indicativo para a transmissão orogenital5. Esse vírus tem um amplo tropismo por epitélio de mucosa, podendo ser adquirido por transmissão sexual10,23. A maioria das infecções por HPV é o produto de uma auto-inoculação de um sítio genital ou oral próprio para o outro24. Pode também ser transmitido ainda precocemente, durante o nascimento, do tracto genital da mãe para a cavidade oral da criança6,20.
O HPV EM MUCOSA ORAL NORMAL
Uma grande variação na incidência de infecção por HPV detectada em mucosa oral normal de indivíduos saudáveis tem sido relatada, numa extensão de 0% a 81,1% em vários estudos, usando variados métodos e em um número limitado de indivíduos. Verificou-se uma alta prevalência (81,1%) na cavidade oral normal de adultos usando um método altamente sensível, a PCR. Foi sugerido que a prevalência do HPV incluiu infecções sub-clínicas e/ou latentes e que a infecção com um baixo número de cópias do vírus é comum na cavidade oral10. Surpreendentemente, o HPV 18 foi o mais freqüente genótipo em mucosa oral normal10,25. Infecção por HPV 18 na cavidade oral sem lesões sugere que o mesmo persistentemente ou freqüentemente infecta a mucosa oral, a qual pode atuar como um reservatório de HPV. De qualquer modo, permanece indefinido se a infecção por HPV 18 é subclínica e/ou latente e se é uma persistente e/ou transitória infecção por HPV13.
Outros estudos, entretanto, encontraram maior prevalência do HPV 16 em mucosa oral normal, presente de forma assintomática ou latente3. Em ampla revisão da literatura, os HPVs 6, 11, 16 e 18 foram os mais prevalentes em mucosa oral normal26. Desde que se tornou claro que a infecção por HPV da mucosa oral normal é comum, as funções patogenéticas do HPV no câncer oral permaneceram indefinidas e limitadas27.
HPV E CARCINOGÊNESE
A importância da infecção pelo HPV na carcinogênese oral é suportada pela capacidade dos HPVs de alto risco para imortalizar ceratinócitos orais in vitro20. A imortalização pode envolver a desativação de proteínas supressoras de tumores pré-formadas pelas oncoproteínas virais, o bloqueio da transcrição de genes supressores de tumores como resultado da inserção do oncogene do HPV, ou a estimulação da transcrição do oncogene celular pela inserção de seqüências ativadoras de transcrição derivadas do HPV. Assim, a infecção de ceratinócitos orais com HPV de alto risco pode ser envolvida na patogênese de alguns carcinomas epidermóides orais, apesar das evidências implicando o HPV na carcinogênese oral serem, até o presente, principalmente circunstanciais28. A prevalência do HPV no câncer oral tem variado de 0% a 100% nos trabalhos da literatura, principalmente por variações no tamanho da amostra, população estudada e sensibilidade das técnicas empregadas10,29. Entretanto, em lesões genitais, como condilomas, neoplasias intraepiteliais e carcinomas escamosos cervicais, o HPV tem sido reconhecido atualmente como agente causal inequívoco3.
A proteína E7 do HPV-16 é capaz de ligar-se à pRb, que regula a transição G1/S do ciclo celular, seqüestrando-a, como possível mecanismo pelo qual o HPV poderia contribuir para a carcinogênese. O complexo E7-pRb é detectado em ceratinócitos humanos transformados, apesar do mesmo não ser considerado essencial para a imortalização dessas células. Proteínas E7 de HPVs de alto e baixo risco são completamente similares na composição de aminoácidos e organização estrutural, diferindo em seu potencial de transformação e em outras propriedades bioquímicas. As proteínas E7 dos HPVs de alto risco formam complexos de alta afinidade com várias proteínas celulares do hospedeiro, incluindo a pRb, enquanto aquelas dos HPVs de baixo risco ligam-se com baixa afinidade30.
A proteína E7 liga-se preferencialmente à pRb hipofosforilada. Como resultado, ativa os fatores de transcrição E2F, que são liberados da pRb. Esses fatores induzem a transcrição de genes importantes no controle da divisão celular, por promover a progressão do ciclo celular, atuando nas fases G1 e S31.
A proteína E6 do HPV também mostra um importante papel na transformação celular, graças à sua capacidade para formar complexo com a p53, que protege a integridade do genoma celular. Esta oncoproteína dos HPVs tipos 16 e 18 tem mostrado não só a capacidade de formar este complexo, mas também de degradar a p53, por um caminho ubiquitina-dependente6.
A proteína E6 do HPV é um polipeptídeo de 150 aminoácidos aproximadamente, com um aparente peso molecular de 18kD22. Esta proteína tem uma meia-vida de 30 minutos a 4 horas em células transformadas. Suas atividades oncogênicas têm sido refletidas em muitas análises. Essas incluem imortalização de células primárias, transformação de linhagens celulares estabelecidas, resistência à diferenciação terminal, tumorigênese e anulação do ponto de checagem do ciclo celular5,33.
Uma vez estabelecida a ligação, a proteína E6 estimula a degradação da p53, o que leva esta última a níveis muito baixos em muitos tumores humanos, o que faz com que as células desses tumores falhem na parada do ciclo celular em G1, seguindo então o dano no DNA celular31.
Desde que a proteína E6 do HPV-16 liga-se e degrada a p53, é intuitivo propor que ela suprimiria a apoptose. De fato, muitos estudos nos últimos anos associando a proteína E6 a este evento celular têm sido realizados onde é observada uma interferência desta proteína neste mecanismo em diferentes linhagens celulares e em resposta a diferentes agentes indutores33.
Recentes evidências sugerem que o gene E5 do HPV-16 também pode induzir transformação em células epiteliais, possivelmente aumentando a transdução de sinal intracelular mediado por fatores de crescimento. Sendo assim, genes E5, E6 e E7 do HPV induziriam a transformação celular e poderiam estar envolvidos na carcinogênese7,13,33.
Mesmo diante de tantas pesquisas feitas sobre o assunto, há muito para ser explorado, apesar de uma hipótese possível para a carcinogênese ser a interação sinérgica de carcinógenos químicos, virais, oncogenes e genes supressores de tumores13,33,34.
A integração do DNA viral é também prejuízo genético, e a localização cromossômica da integração do HPV foi mapeada. Essas contribuições virais são eventos precoces no desenvolvimento do câncer, e a integração viral pode ser um indicador de um prognóstico pobre. O tipo de dano genético poderia ocorrer de diferentes formas, tal como amplificação gênica, translocação cromossomal e perda da heterozigose (LOH) na integração do HPV35.
Na grande maioria dos tumores e linhagens celulares estudadas, no processo de integração do DNA do vírus na célula hospedeira, ocorre uma clivagem no DNA viral em algum ponto localizado entre os genes E1 e E236 ou entre E1 e L137. Quando esta separação ocorre, parece acontecer como conseqüência imediata, a interrupção do controle transcricional exercido pela unidade de tradução (ORF) E2 sobre os genes da região precoce36. Isso resultaria na expressão aumentada das proteínas E6 e E7, o que provocaria uma proliferação celular descontrolada e a instalação do processo neoplásico. O genoma do HPV replica-se como um epissomo em lesões benignas e pré-invasivas, mas é integrado ao DNA celular na maioria dos cânceres38. Entretanto, a integração do HPV no DNA do hospedeiro não é comum no câncer oral3.
AVALIAÇÃO DOS MÉTODOS DE DETECÇÃO DO HPV
A detecção direta dos genomas do HPV e seus transcritos pode ser conseguida com procedimentos que incluem imunoperoxidase, hibridizações Southern blot, Northern blot, dot blot e in situ, PCR, captura híbrida e seqüenciamento de DNA, dentre outros13.
A sensibilidade e especificidade dos vários métodos de detecção do HPV disponíveis variam amplamente. São três as categorias que avaliam a sensibilidade dos métodos de análise: os de baixa sensibilidade (imunoperoxidase, imunofluorescência e hibridização in situ), por só detectarem o vírus quando presente em mais de 10 cópias do DNA viral por célula; os considerados de moderada sensibilidade (Southern blot, dot blot e hibridização dot reversa), por só detectarem o vírus quando de 1 a 10 cópias do DNA viral estiverem presentes e os de alta sensibilidade (PCR), por detectarem o vírus quando menos de uma cópia do DNA viral estiver presente25,39. É muito importante, de qualquer modo, considerar em que contexto o método está sendo usado. A hibridização Southern blot é considerada como padrão de análise do genoma do HPV e requer fragmentos de DNA de comprimento total. Muito valiosa atualmente por oferecer informações adicionais importantes, como integração viral e subtipagem40.
A hibridização in situ é um método empregado hoje em dia em larga escala, podendo ser utilizado em material parafinado, mas quando usado sozinho, sem o auxílio da PCR, não é capaz de detectar o vírus quando presente com um baixo número de cópias do genoma viral3. A PCR pode ser considerada uma técnica apropriada, onde pequenos segmentos de DNA são geralmente esperados, sendo considerado um método de grande sensibilidade40. Pode amplificar genomas de HPV que resultem em um aumento exponencial e reprodutível das seqüências de ácidos nucléicos presentes no espécime biológico. Sob ótimas condições experimentais, é o método de detecção mais sensível41. Esses métodos devem assegurar qualidade, pureza e no caso da PCR deve-se evitar contaminação. Tecidos fixados e embebidos em parafina podem também causar problemas por causa do tempo de fixação e o tipo de fixador usado pode afetar consideravelmente a qualidade dos ácidos nucléicos extraídos. Na seleção de um método adequado, esses fatores devem ser considerados13.
Para a análise do HPV, hibridização Southern blot e seqüenciamento de DNA são procedimentos de excelente qualidade, mas consomem muito tempo e dinheiro e podem requerer grande quantidade de DNA purificado de alta qualidade. Recentemente, os dois métodos mais amplamente usados e que têm equivalência em sensibilidade são captura híbrida e PCR com primers gerais. Este tipo de PCR é potencialmente capaz de detectar todos os HPVs mucosos. Protocolos genéricos de PCR extensivamente aplicados fazem uso de um dos pares de primers consenso GP5+/GP6+ e primers degenerados MY09/1142. A distinção total de mais de 40 tipos pode ser conseguida por hibridização dot blot aplicando múltiplas sondas tipo-específicas43 ou polimorfismos de comprimentos dos fragmentos de restrição (RFLP)42.
A avaliação da eficácia de diferentes técnicas para a detecção do HPV é importante e fundamental para o estabelecimento do papel etiológico do HPV nas lesões orais. Assim, uma análise contínua de novos métodos é essencial para a interpretação da história natural da infecção pelo HPV na cavidade oral13. Testes de amplo espectro para o HPV, de fácil realização e custo acessível são esperados e desempenharão um papel importante nos sistemas de diagnóstico molecular.
DISCUSSÃO
Como pudemos observar, os estudos desenvolvidos até a atualidade não nos permitem definir com precisão qual o possível papel do HPV na carcinogênese oral, no entanto, na cérvice uterina, o mesmo já se encontra bem estabelecido13. Dentre os fatores que geram controvérsias, podemos destacar o achado freqüente de variados tipos de HPV em mucosa oral normal, numa incidência que varia de 0% a 81,1% em diversos estudos, com numerosos métodos de identificação, sendo o índice mais alto (81,1%) verificado em um estudo na cavidade oral de adultos sadios usando um método altamente sensível, a PCR10. Isso pode estar associado a infecções sub-clínicas e/ou latentes e a um quadro infeccioso com um baixo número de cópias do vírus. E o que contribui para aumentar a controvérsia é que em vários estudos, os tipos mais encontrados são os HPVs 18, 16, 11 e 6, comprovadamente associados a neoplasias malignas e benignas, sendo os dois primeiros considerados de alto risco e os seguintes de baixo risco3,13,26. Desde que se tornou claro que a infecção da mucosa oral normal por HPV é comum, as funções patogenéticas desse vírus no câncer oral permaneceram indefinidas e limitadas27. Não se sabe ao certo se a infecção encontra-se apenas em estágio latente ou se a cavidade oral funciona como um reservatório de HPV13.
A enorme discrepância na incidência desse vírus em lesões malignas e potencialmente malignas encontrada nos mais variados trabalhos da literatura (variando de 0% a 100%)2,10,29, também contribui para a dúvida, mas esta discrepância é atribuída, principalmente, à variação da sensibilidade dos métodos empregados, bem como à diversidade das populações estudadas e ao tamanho da amostra3. Estudos que empregaram técnicas de baixa sensibilidade (imunoperoxidase, imunofluorescência e hibridização in situ), não detectaram o vírus ou tiveram índices de positividade muito baixos, ao passo que os que empregaram métodos considerados de alta sensibilidade (PCR) detectaram o vírus com índices bem mais elevados25,39. Por isso, o emprego de métodos de alta sensibilidade constitui uma condição fundamental para a realização de estudos de alta confiabilidade. Nesse particular, a técnica que reúne os mais elevados padrões de sensibilidade e especificidade é a associação da PCR à hibridização Southern blot, por permitir uma identificação e tipificação precisas do vírus. Quanto à população estudada, tem sido sugerido que a prevalência de infecção é mais alta em lesões orais de pacientes da Índia e mais baixa nos países ocidentais (América do Norte e Brasil)3, o que influi significativamente nos resultados, além do fato de que quanto maior a amostra empregada no estudo, mais confiáveis serão os resultados. Um outro aspecto a ser destacado, e não menos importante, é a existência de outros carcinógenos que atuam sobre o epitélio de revestimento da mucosa oral, e dentre eles assumem importante destaque o fumo e o álcool44, que pela potência e freqüência, têm uma ação oncogênica comprovada sobre o epitélio oral, o que dificulta ainda mais o estudo sobre a ação do HPV, pela coexistência de dois outros agentes tão ou mais importantes do que esse ora estudado.
Por outro lado, o papel dos HPVs de alto risco na carcinogênese oral tem se tornado mais evidente a cada dia. A grande maioria dos trabalhos publicados envolvendo o papel do vírus nesse processo, nos mais diversos países, tem mostrado um índice de positividade mínimo de 20%20. Além disso, a imortalização de ceratinócitos orais in vitro por HPVs de alto risco tem sido comprovada por vários pesquisadores, ratificando a importância desse vírus como um agente biológico carcinogênico13,20,28. Não obstante, o papel das proteínas E5, E6 e E7 dos HPVs de alto risco tem sido elucidado a cada dia mais, enfatizando a participação do vírus no processo carcinogênico, ao induzirem transformação celular7,13,33.
COMENTÁRIOS FINAIS
Diante do exposto, fica patente que a participação do HPV na carcinogênese oral está associada a uma parte dos carcinomas orais e que a sua ação nesse processo é sinérgica, ou seja, está associada a outros carcinógenos químicos e físicos de grande importância, como o fumo e o álcool. Apenas uma reduzida percentagem de carcinomas orais estariam associados exclusivamente à ação das proteínas virais E5, E6 e E7, sem qualquer participação efetiva dos anteriormente citados carcinógenos químicos e físicos. Métodos de detecção eficazes e medidas preventivas são absolutamente imprescindíveis nessa batalha contra o vírus e a busca de evidências cada vez mais fortes da sua participação na carcinogênese oral, tem sido e será motivo de estudo para muitos pesquisadores da área na atualidade e no futuro.
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1 Mestre e Doutorando em Patologia Oral - UFRN e Prof. Assistente do Curso de Odontologia da UEFS.
2 Mestre em genética e Biologia Molecular e Doutoranda em Patologia Oral - UFRN.
3 Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação em Patologia Oral - UFRN.
4 Prof. Dr. do Programa de Pós-Graduação em Patologia Oral - UFRN.
Programa de Pós-Graduação em Patologia Oral - Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Endereço para Correspondência: Prof. Dr. Antônio de Lisboa Lopes Costa - Av. Industrial João Motta, 1541 Bl. B, Ap. 301 Capim Macio Natal RN 59082-410 - E-mail: antoniodelisboa@uol.com.br
Artigo recebido em 27 de janeiro de 2003. Artigo aceito em 10 de julho de 2003.