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Ano:  2003  Vol. 69   Ed. 4  - Julho - Agosto - (13º)

Seção: Artigo Original

Páginas: 521 a 525

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Fístula labiríntica na otite média crônica colesteatomatosa

Labyrinthine fístulae in chronic otitis media with cholesteatoma

Autor(es): Norma O. Penido1,
Flávia A. Barros2,
Luiz C. N. Iha3,
Carlos E.C. Abreu3,
Rogério N. Silva4,
Sung W. Park4

Palavras-chave: otite média crônica colesteatomatosa, fístula labiríntica, tomografia computadorizada

Keywords: chronic otitis media with choleteatoma, labyrinthine fístulae, computed tomography

Resumo:
A otite média crônica colesteatomatosa (OMCC) pode cursar com complicações intra e/ou extracranianas, entre elas a fístula labiríntica. Neste trabalho, mostramos a incidência e a evolução dos casos de fístula labiríntica decorrentes da OMCC em nosso serviço. Forma de estudo: Clínico prospectivo. Material e Método: Dez pacientes com fístula labiríntica, do total de 82 pacientes com OMCC, foram submetidos à cirurgia no período de janeiro de 2001 a abril de 2002 e avaliados através de exame otorrinolaringológico completo, tomografia computadorizada e audiometria pré e pós-operatória. Resultados: Perda auditiva, otorréia, zumbido e vertigem estavam presentes em 100%, 90%, 80% e 40% dos casos respectivamente na avaliação clínica pré-operatória. Em um paciente a fístula aparecia apenas nos cortes tomográficos coronais e tivemos um caso de falso-negativo. Dos pacientes com zumbido, 66% apresentaram melhora deste quadro no pós-operatório. Discussão: Nos casos de fístula sem invasão do espaço perilinfático (até grau II), notamos uma tendência de melhora dos quadros clínico e audiométrico após a cirurgia. Nas fístulas extensas, por outro lado, o resultado audiométrico se manteve inalterado. Conclusão: A tomografia continua sendo o exame de escolha para os quadros de OMCC com sensibilidade de 90% para fístulas labirínticas. Nas fístulas grau II a cirurgia apresenta bom resultado funcional.

Abstract:
The chronic otitis media with cholesteatoma (COMC) may evoluate to intracranial and extra cranial complications, including the labyrithine fístulae. In this study, we present the evolution of our patients with labyrinthine fístulae. Study design: Clinical prospective. Material and Method: Ten out 82 patients with COMC had labyrinthine fístulae and underwent surgery from January/2001 to April/2002. They were assessed by clinical exam, computed tomography scans, and pre and postoperative audiogram. Results: Hearing loss, otorrhea, tinnitus and dizziness were present in 100%, 90%,80%, and 40% of the cases. In one patient the fístulae was seen only in the coronal CT-scan, in another patient the fístulae was not seen neither in coronal nor axial images. Among the patients who had tinnitus, 66% referred improvement of this complaint after surgery. Discussion: in the cases without invasion of the perilymphatic space, we noticed a tendency of improvement of the postoperative audiogram pattern and clinical outcome. In the extensive fístulae, on the other hand, there were no clinical changes. Conclusion: The CT-scan remains the best exam to assess the COMC with 90% of sensitivity for labyrinthine fístulae. In the stage II we had a good postoperative outcome.

INTRODUÇÃO

A Otite Média Crônica Colesteatomatosa (OMCC) é uma afecção otológica que, durante a sua evolução, pode apresentar complicações intra e/ou extracranianas. Nas últimas décadas, com o advento de antibioticoterapia eficaz e aperfeiçoamento das técnicas cirúrgicas e diagnósticas, a incidência dessas complicações tem decrescido sobremaneira, porém a incidência de fístula labiríntica tem permanecido constante de 3,6 a 12,8%, na literatura.1,2

O canal semicircular lateral (CSL) é a localização mais freqüente das fístulas labirínticas, podendo estar acompanhado ou não de outras estruturas como o canal semicircular superior, posterior e mais raramente a cóclea.3-5

A apresentação clínica é variada, algumas fístulas são assintomáticas enquanto outras estão associadas a graus variados de distúrbio do sistema auditivo e vestibular.

Dentre os métodos de avaliação dos pacientes com otite média crônica (OMC), a tomografia computadorizada de alta resolução é a mais utilizada atualmente, diagnosticando colesteatoma, envolvimento de cadeia ossicular, fístula labiríntica, e defeitos do canal do nervo facial. Porém a sensibilidade desse exame varia conforme as estruturas comprometidas.

O tratamento da fístula labiríntica é controverso em relação à técnica cirúrgica (mastoidectomia aberta ou fechada), à remoção parcial ou completa da matriz e, nestes casos, ao material utilizado para o selamento.

O presente estudo tem como objetivo a correlação entre a avaliação clínica, audiológica, tomográfica e tratamento dos pacientes com OMCC com fístula labiríntica confirmada no intra-operatório.

MATERIAL E MÉTODO

Realizamos um estudo retrospectivo no período de janeiro de 2001 a abril de 2002, revisando, dentre os 82 pacientes operados por OMCC, 10 que apresentaram fístula labiríntica diagnosticada no intra-operatório, no Serviço de Otorrinolaringologia da Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo.

Na nossa amostra incluímos:
 10 pacientes;
 7 homens e 3 mulheres;
 Idade entre 13 e 70 anos;

Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação otorrinolaringológica completa e realizaram exames de tomografia computadorizada, audiometria tonal convencional, audiometria vocal e imitanciometria com pesquisa de reflexos contra lateral, todos pré e pós-operatório.

A audiometria tonal foi realizada nas seguintes freqüências: via aérea nas freqüências de 250 Hz - 500 Hz - 1000 Hz - 2000 Hz - 3000 Hz - 4000 Hz - 6000 Hz e 8000 Hz e via óssea nas freqüências de 500 Hz - 1000 Hz - 2000 Hz - 3000 Hz - 4000 Hz. Foi realizada também a audiometria vocal ("Speech Reception Threshold" - SRT e Índice de Reconhecimento de Fala - IRF). O audiômetro utilizado foi o MAICO MA 41.

Foi utilizada a classificação de Davis e Silverman, 1970, para definir os graus de perda auditiva (média de 500-1000-2000 Hz).

 Normal - 0-25dB NA
 Leve - 26-40 dB NA
 Moderada - 41-70 dB NA
 Severa - 71-90 dB NA
 Profunda - > 91 dB NA

A Tomografia Computadorizada foi realizada com o aparelho Phillips Tomoscan, usando modo de alta resolução com cortes e incremento de 1mm na incidência axial e coronal.

A descrição cirúrgica foi obtida através da revisão do prontuário dos pacientes. Foi possível analisar técnica cirúrgica, o local da fístula e seu tratamento.

As fístulas foram classificadas quanto ao grau de erosão óssea do labirinto6 (Tabela 1).

RESULTADOS

Os 10 pacientes com fístula labiríntica apresentavam colesteatoma. O quadro clínico principal, perda auditiva, otorréia, zumbido e sintomas labirínticos estavam presentes em 100%, 90%, 80% e 40%, respectivamente (Tabela 2).

Os exames tomográficos dos pacientes, em cortes axiais e coronais foram avaliados dando-se ênfase aos canais semicirculares e cóclea.

Observamos fístula de canal semicircular lateral em 8 pacientes nos cortes axiais e coronais, sendo que em 3 pacientes também foi visualizado acometimento de vestíbulo e destes, dois pacientes com lesão de canal semicircular superior, sendo que em um deles houve comprometimento associado do giro basal da cóclea. Em um paciente o achado da fístula foi apenas no corte coronal (Figuras 1 e 2).
Em um paciente não foi evidenciada fístula em estudo tomográfico (Tabela 3).



Figura 1. Corte Axial: Ausência de Fístula



Figura 2. Corte coronal do mesmo paciente: Fístula de Canal Semicircular Lateral.



Dentre os nove pacientes que tinham zumbido no pré-operatório, três ainda referiam o sintoma, sendo que dois destes ainda se encontravam no primeiro mês de pós operatório.

A partir das descrições cirúrgicas pôde-se analisar a técnica de mastoidectomia realizada, bem como a conduta com relação à fístula. Estes dados foram comparados aos achados audiométricos pré e pós-operatórios e sintomas vestibulares (Tabela 4).


Tabela 1. Classificação do grau de fístula.



Tabela 2. Sintomas pré-operatórios.



Tabela 3. Tomografia - Localização da fístula labiríntica

CSL: Canal Semicircular Lateral
CSS: Canal Semicircular Superior
Vest: Vestìbulo


Tabela 4. Cirurgia, achados audiométricos e sintomas vestibulares pré/pós operatórios

VA=via aérea; VO=via óssea; CSL=canal semicircular lateral; CSS=canal semicircular superior



DISCUSSÃO

A avaliação das fístulas labirínticas causadas pelo colesteatoma permanece indefinida, sendo que o diagnóstico pré-operatório de certeza não é possível em todos os pacientes.

A presença de vertigem associada a otorréia e perda auditiva neurossensorial pode levar à suspeita de envolvimento labiríntico, entretanto, em nossa casuística observamos apenas 40% dos pacientes com sintomas vestibulares, assemelhando-se aos achados da literatura7.

A tomografia computadorizada de alta resolução é considerada o exame de escolha para a avaliação da OMCC, apresentando boa sensibilidade para identificar tecidos de partes moles e erosão óssea das estruturas da orelha média, porém com limitações na identificação de lesões labirínticas8.

Em nosso estudo não pudemos avaliar o número de falso-positivos, pois estavam inclusos apenas os pacientes com diagnóstico cirúrgico de fístula, mas observamos dois casos de falso negativo, um apenas no corte axial(fístula de erosão GII) e outro em ambos os cortes (fístula de erosão GIII).

Estes resultados em conformidade com a literatura mostram que a tomografia, no que tange à fístula labiríntica, apresenta uma sensibilidade limitada. Alguns autores justificam esta falha pelo posicionamento do paciente e o nível do corte realizado possibilitando que lesões menores que 2mm possam não ser evidenciadas7.

Os achados audiométricos em nossos pacientes mostraram uma relação diretamente proporcional ao grau da fístula. Todos os pacientes com lesões do endósteo (maior ou igual a três) se mostravam anacúsicos na avaliação pré-operatória. Nos três pacientes sem lesão de endósteo, porém com sua exposição, observamos uma reserva coclear. Destes, nenhum apresentava perda da via óssea maior que 50dB. Estes resultados relacionam o grau de perda auditiva com a destruição observada, o que condiz com os dados encontrados na literatura9,10.

A técnica cirúrgica, por sua vez, é o tópico mais controverso na literatura. Considerações sobre o tipo de mastoidectomia, aberta ou fechada, e a remoção completa ou incompleta da matriz do colesteatoma são questões ainda discutidas. Estas dúvidas são baseadas na natureza destrutiva do colesteatoma e no risco de perda da função cocleovestibular. Alguns autores defendem a idéia de que a preservação da matriz do colesteatoma predispõe a progressão da doença, desta forma indicam a sua completa remoção para evitar possíveis complicações11. Por outro lado, outros salientam que a preservação da matriz sobre a fístula com exteriorização através de uma cavidade aberta protegeria as funções labirínticas12,13.

Em nosso serviço, a rotina é a realização de mastoidectomia aberta nos casos de colesteatoma com comprometimento labiríntico devido às características socioeconômicas da população atendida, da alta prevalência de colesteatoma e sua grande extensão no momento do diagnostico. Pelos motivos já citados, a realização de um "second-look" torna-se algo inviável.

Para a escolha do tratamento da fístula, retirar-se ou não a matriz, e no caso da retirada, o material a ser empregado no fechamento da fístula, levamos em consideração o nível auditivo ipsi e contralateral à orelha afetada e o tamanho da fístula. Nas fístulas de grau II, preconizamos o uso de cera para osso, enquanto que nos graus mais avançados, o material a ser empregado é variado, podendo ser fáscia, músculo, gordura ou pó de osso (bone patté). Em fístulas extensas, com resquício de audição ipsilateral ou fístulas de qualquer grau em ouvido único, nossa conduta é a manutenção da matriz para evitar possível cofose.

Os resultados audiométricos pós-operatórios mostraram que os pacientes que tinham fístula com erosão GII obtiveram melhora dos liminares enquanto que nos pacientes que apresentavam fístula GIII ou IV não obtiveram melhora o que sugere que a integridade do endósteo seja importante para preservação da reserva coclear. O único paciente que apresentava resquício auditivo9 manteve o nível de perda.
Os sintomas vestibulares foram relatados por apenas quatro pacientes no pré-operatório. A sua distribuição não variou conforme o grau da fístula. Destes, dois apresentaram melhora dos sintomas, um manteve a vertigem com melhora parcial e outro foi a óbito.

O paciente 5 deu entrada no Pronto Socorro com paralisia facial periférica esquerda, crise vertiginosa e hipoacusia. Diagnosticado colesteatoma foi submetido a mastoidectomia radical cujo achado intra-operatório revelou fístula em canal semicircular lateral e vestíbulo (GIV) com saída de secreção purulenta do labirinto. Após injeção intra-labiríntica com gentamicina, teve o vestíbulo selado com músculo e o canal semicircular com cera para osso. Esta paciente fez uso de ceftriaxone durante a internação, tendo alta com melhora importante do quadro em uso de axetil-cefuroxima. Evoluiu tardiamente com meningite bacteriana fulminante, hipertensão intracraniana e óbito em poucas horas após a entrada no hospital.

CONCLUSÃO

A tomografia computadorizada continua sendo exame de eleição para avaliação de pacientes com OMCC, contudo o diagnóstico de fístula labiríntica em alguns casos é feito apenas no intra-operatório. Na nossa casuística, tivemos um caso de fístula observada na cirurgia, onde a tomografia não foi conclusiva.

O cirurgião deve sempre estar atento para a possível presença de fístula, pois uma das causas mais importantes de cofose é o não diagnóstico da mesma no intra-operatório.

Encontramos uma relação entre o padrão audiométrico e a extensão da fístula. Nos casos onde o endósteo não está comprometido, consideramos oportuno retirar toda a matriz do colesteatoma e o uso de cera para osso, pois observamos melhora do padrão audiométrico em nossos pacientes. Nas fístulas mais extensas, a retirada da matriz colesteatomatosa deve ser condicionadaa ausência de reserva coclear no paciente. Nos pacientes anacúsicos, optamos pela retirada da matriz, pois o risco de complicações no sistema nervoso central é alto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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13. Vatainen E. What is the best treatment for labyrinthine fístula caused by cholesteatoma? Clin Otolaryngol 1992; 17:258-60.




1 Professora Afiliada do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.
2 Pós-graduanda de mestrado em Ciência em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.
3 Pós-graduando de mestrado em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, pela Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.
4 Especializando em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, pela Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina. Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbio da Comunicação Humana - Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.

Endereço para Correspondência: Rua René Zamlutti 160 apt. 131 Chácara Klabin São Paulo SP Brasil 04116-260 - Tel (0xx11)5573-1388/ 9608-9796

Trabalho apresentado no 36º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia em Florianópolis, 19 a 23 de novembro de 2002.

Artigo recebido em 15 de abril de 2003. Artigo aceito em 01 de julho de 2003.

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