Versão Inglês

Ano:  1953  Vol. 21   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Trabalhos Originais

Páginas: 33 a 38

 

QUISTOS E FISTULAS CERVICAIS E CONGENITAS

Autor(es): DR. ADMARDO ROCHA DE SOUZA

CARANGOLA (ESTADO DE MINAS GERAIS)

Hunczowski em 1789 e Dzondi em 1870 fizeram as primeiras publicações sobre fístulas cervicais. Em 1832 Ascherson, baseado em pesquisas embriológicos de Rathke, fez estudos referentes às fístulas e quistos cervicais e atribuiu sua formação à falhas branquiais. Considerou tais alterações oriundas da segunda fenda branquial. Hessinger, Cusset e Bland Sutton ligam os quistos e fístulas cervicais à fenda branquial e acham que, pelo ponto em que está localisado o orifício externo se possa determinar de que ponto se originam. Mais tarde, His e Rabi fazem estudos embriológicos sobre os arcos viscerais, dando ensejo a que os poloneses Kostanecki e Mielecki reforçassem a teoria branquial dos quistos e fistulas cervicais.

Wenglowski, em 1910, ergue-se contra a teoria branquial e apresenta a teoria ligando os quistos e fístulas ao canal timo-faringeano. Motti, em 1929, reafirma a teoria branquial. Masson, Rossano e outros, esposam a mesma teoria branquial.

A escola de Montpellier, tendo à frente Forgue, Vialleton e outros, assemelham os quistos e fístulas do pescoço à variedade simplificada de embriomas com fendas varias.

Kirschnei com Wenglowski, acham que as fístulas cervicais decorrem de restos do conduto timo-faringeano. Otto Korner e Gunberg, da escola de Rostoke e Bonn, são pela teoria branquial.

Grant E. Ward e James Hendrich, acham que as várias migrações embriogênicas dos derivados faringeanos, explicam muitas ectopias (quistos, fístulas; massas etc.).

Abordados estes fatos históricos darei uma revista em estudos embriológicos, atinentes à teoria branquial, hoje atualisada.

FREQUENCIA - Dados estatísticos do Jons Hopkins Hospital, em 105 casos, são os seguintes: da primeira infancia a 10 anos: 60%, atingindo igualmente a sexos: 56 homens + 49 mulheres. Setenta vezes em brancos e 35 em pretos.

No embrião de 3 semanas de idade, há já estruturas que são encontradas na cabeça e no pescoço do adulto. Na faringe, a evolução embriogénica se processa rapidamente. A faringe é a expansão do extremo cefálico do intestino anterior. Destaca-se na terceira semana da fase embrionária, por uma serie de dobras ou pregas. Surgem as bolsas faringeanas em número de 5 series duplas, emparelhadas, de formação endodérmica. Concomitantemente, em posição correspondente, surgem sulcos de origem ectodérmica, na superfície do embrião.

O ectoderma se divide em cavidades relacionadas com o entoderma faringeano. O soalho de cada sulco intercavitário, apressase em separar o intestino anterior do meio exterior. Nas espécies superiores, por exemplo: nos pássaros e mamíferos - aparece uma lâmina de formação mesodérmica, separando estas cavidades interna e superiormente, o que não acontece nas espécies inferiores, nas quais existem guerras fendidas. Espessando-se o mesoderma entre os sulcos, surgem os arcos branquiais ou viscerais, os quais se aproximando da linha média, ventralmente, delimitam uma série de 5 cavidades, sendo que, apenas 4 são visíveis na superfície do embrião. O primeiro e segundo arcos branquiaes se desenvolvem rápidamente e se ligam à uma depressão denominada seio cervical, seio este que vem a ser fechado pelo arco hiöideo. A 2.ª, 3.ª, e 4.ª cavidades branquiais se abrem no seio cervical através de ductos branquiais. O seio cervical é, assim, isolado da superfície e obliterado posteriormente. Como se vê, a falta do fechamento desse seio e a não separação sua com o meio exterior, dá origem a quistos e fístulas denominadas branquiais. (Fig. 1 - A, B. C e fig. 2 - A, B). O desenho 2 mostra-nos quão variadas podem ser as alterações embriólogicas e suas conseqüências. Por ele, vemos que o fechamento do seio cervical pode ser total, ser incompleto, persistindo sua ligação com o meio exterior. Pode, ainda, haver rutura da membrana divisória das bolsas, deixando aberto o seio para dentro. Quando, à esta rutura da membrana divisória, se associa a persistência do seio cervical, resulta a formação de fístula branquial. Quando o seio é fechado e não há rutura da membrana divisória, ha a formação do quisto remanescente.


Fig. 1 - Esquema mostrando o desenvolvimento precoce da faringe. A - Mostra o fundo da fenda branquial para as bolsas faringeanas. B - O rápido desenvolvimento do arco hioide (II) formando o seio cervical. C - Oclusão do seio cervical. (Desenho tirado do livro "Wardand Hendrick")



Fig. 2 - Diagramas mostrando as várias espécies de quistos e fístulas que podem sobrevir por defeito no desenvolvimento da faringe. A - Faringe normal mostrando o fechamento do seio cervical. R - Fechamento incompleto do seio cervical que posteriormente dará origem à fístula cervical. C - Rotura da membrana divisoria resultando abertura permanente na posição da 2.ª bolsa. D - Fístula branquial resultante da combinação das condições "B e C". E - Quisto remanecente - (baseado no esquema n.º1).


Divisão - Os quistos e as fístulas branquiais, de um modo geral, se dividem em medianos e laterais. As medianas, localisadas na linha média, ultrapassam, inferiormente o osso hiöide, quer transfixando-o ou passando adiante e atrás do mesmo. Mais raramente, mantem-se à distancia deste osso, facilitando, como veremos, o ato cirúrgico. Quando laterais, o extremo inferior se acha em geral, ao nível do bórdo anterior do músculo sterno-cleido-mastóideo, a um ou dois centímetros do concavo supra clavicular. Naturalmente, se nos referimos à fistulas, ipso-facto, falaremos em orificio externo; se a quistos, em tumoração. Tais fístulas podem ser cegas, com abertura apenas faringeana, porém, predominam as que se lançam na pele. O orificio superior, ou melhor, interno das fistulas medianas, vai ter à base da lingua, no "foramen caecum"; o das laterais, vai ter atrás do pilar posterior, na fosseta de Rosenmuler. O trajeto das fistulas medianas, oferece como segredo cirúrgico o osso hiöide; o das laterais, o perigo por se achar em intima ligação com os grandes vasos (carótida e sua bifurcação e pneumogastrico). Baseado, aliás nesta particularidade, Frazer acha que as fistulas que se acham diante da carótida primitiva e do pneumogástrico, derivam da terceira bolsa; as que passam entre a carótida interna e externa, da segunda bolsa. O orifício do quisto é puntiforme ou em fenda. Pode dar saída à serosidade, líquido viscoso ou a puz, se infetado. Apresenta-se-nos à fístula com a forma de um cordão duro, geralmente indolor. 0 quisto tem o tamanho que vai de uma ervilha a uma laranja e dá, em certas ocasiões, saída de saliva. Traz graves distúrbios se ha infecção e grande incômodo se ha acumulo de alimentos. No diagnóstico temos que considerar a possibilidade de se tratar de quistos amidaloides, rânulas, dermoide, metástases de tumores circunvisinhos, neurofibromas, adenomas de tireóide e paratiróides e lipomas.

Vários meios são preconisados para o diagnóstico das fístulas. O cateterimo é impraticável, devido ao trajeto sinuoso da fístula. Ademais, segundo Carp pode a sondagem dar origem a reflexos de certa gravidade, pelo fato de serem inervadas pelo pneumogástrico. Substancias coradas, tais como azul de metileno e leite, são aconselhadas para reparo cirúrgico. Badale indica meio de contraste (bismuto e colargoal a 5%). Ao nosso ver, a disseção cuidadosa dispensa qualquer destes meios.


Fig. 3 - Quisto adhyoïdiano - A secção do osso hyoïde


Tratamento - Consiste na excisão de todo o tecido epitelial. A incisão, nas fistulas medianas, pode ser em raquéte, com a haste para a base da língua. Glant e Ward e J. Hendrick, usam a incisão transversa de Sistrunck, a qual dá maior campo cirúrgico quando se tem que ressecar o osso hiöide. Nas fístulas laterais, a incisão vai, do orifício externo à parte superior da região carotidiana. Para evitar a desgraciosidade da cicatriz externa, Broca usa a seguinte técnica: circunda o orifício externo e faz uma incisão para cima, de três centímetros. Na parte superior do trajeto, no ponto em que o canal deve curvar-se em direção à fosseta de Rosenmuler, traça nova incisão igual à inferior. Disseca a fístula de baixo para cima e, por meio de uma pinça introduzida na incisão superior, pega o canal fistuloso ao nível da incisão inferior e leva-o através do tecido subcutâneo intacto à incisão superior. Como se vê, grande parte da pele é poupada ao bisturi. Dissecado até sua entrada na faringe, o canal é ligado com "catgout". Von Hacker aconselha a ligadura da fístula após sua invaginação total pela boca por meio de um fio levado por uma sonda e amarrado ao extremo externo do trajeto fistuloso. Encerrando este capítulo de tratamento, devemos frisar que o segredo cirúrgico das fístulas cervicais medianas está ao nível do osso hiöide. A parte média deste osso deve ser, como manda o professor Ombredane - fig. 3 - ressecada, para que se possa seguir a fístula até a sua entrada na base da língua.

OBSERVAÇÕES - I) F.T.D. N.º 2313. Residente em Prociuncula. Branco. 5 anos. Desde 2 anos que tem uma fístula no pescoço, é o que informa sua mãe. Exame: fístula medio-cervical, dando líquido viscoso e grumos de puz; grande hiperemia em torno do trajeto fistuloso.

Diagnostico - Fístula branquial.

Tratamento - Anestésia geral com cloretila, incisão losangica; médiana dissecção de canal fragil, mas resistindo à leve tração, até ao corpo do osso hiöide, seguindo daí até à base da lingua, após excisão de um prolongamento para o laringe. Ligadura, na base da língua a "catguut", sutura da pele à seda.

OBSERVAÇÃO II - N.º 7161. N.F.B. em Caparão. Branca, casada. Informa ter sido operada duas vezes no Rio, de garganta. Queixa-se do mesmo mal fístula no pescoço, onde nota, também, um cordão endurecido.

Exame - Fístula em meio a tecido cicatrícial, na linha médio cervical, dando liquido viscoso.

Diagnostico - Fístula branquial. Tratamento: Anestesia local com novocaina adrenalina. Excisão do cordão fistuloso, ligadura na base da língua, sutura a catgut dos planos profundos, à seda, cutanea.

OBSERVAÇÃO III - N.º 8313. M.M.S. Residente em Comendador Venancio. Branca, 16 anos. Diz ter inflamação na garganta. Ao exame, fístula lateral esquerda, cervical, com orifício externo ao nível do terço inferior da região carotidiana. Trata-se de fístula branquial. Indicada a solução cirúrgica, não voltou.

OBSERVAÇÃO IV - F.C.B. n.º 9.299. Residente em Celina, Espírito Santo, com 20 anos, branco, lavrador. Desde criança, informa, tem um caroço no pescoço, aumentando o incomodo por ocasião de resfriados. Nota-se um tumor do tamanho de uma azeitona grande, na região hiöidéa, pouco à direita da linha média. A punção: líquido viscoso com aspeto de saliva. Operado com anestesia local: novacaina adrenalina, precedida de sedol. Incisão sobre o tumor a dois centímetros da linha média, desviada para a esquerda, visto o tumor se extender para a direita alem da linha mediana. Bom isolamento do quisto, incluso de sua ramificação. Ressecção do corpo do osso hiöide e dissecção do canal que se segue ao quisto, até à base da língua, onde é ligado. Hemostasia, aproximação dos planos profundos, sulfa em pó, sutura à seda, da pele.

OBSERVAÇÃO V - L.C.B. N.º 9657. Residente em Celina. (É irmão do doente n.º 9299). Branco, solteiro. 25 anos. Há 9 anos que tem inflamação no pescoço. Ao exame: tumor na região supra hiöidea, movel, depressivel, sensivel ao toque. Intervenção. Cura.

OBSERVAÇÃO VI - L.P.A. N.º 11.519. Residente em Palma. Branca. 14 anos. Diz ter fístula há 8 ou 10 anos, no pescoço. Fístula, dando líquido viscoso, na linha mediana, região suprahiöidéa, com característicos, pois, de natureza branquial. Intervenção, também com ressecção do osso hiöide. Houve pequena supuração, a qual, dias depois desapareceu, seguindo-se perfeita cicatrisação.

OBSERVAÇÃO VII - A. G. Residente em Castelo. Registo n.º 12.541. 17 anos. Branco. Há 17 anos que tem fístula no pescoço. Já foi operado tinia vez no Rio e outra em Cachoeira. Trata-se de fístula branquial. Após penicilina, reintervenção, seguida de cura.

OBSERVAÇÃO VII - N.º 13.658. Residente em Tombos. Branca. 15 anos. Diz ter unta fístula no pescoço, depois que foi operada de um tumor no mesmo lugar. Consigna-se fístula mediana, cervical, com orifício externo pouco abaixo do osso hiöide, em meio a grande reação local. Novacaina-adrenalina , dissecção de fragil canal que se rompeu junto ao osso hióide. Ressecção dos tecidos retrohioidianos visando pegar o dueto que rompera. Sutura, sulfa, pó, dreno, penicilina. Volta, um mês depois, dizendo ter tido inflamação ao nível fístula. Embora ainda com certa reação local, persiste a cicatrização, sem qualquer ponto fistuloso.

COMPLICAÇÃO - A maior é a reincidencia da fistula. Ward e Hendrick, entretanto, citam o caso de Crove, no qual, removido um quisto branquial, sobreveio grave hipotiroidismo, quasi mixedema. No caso, todo o tecido da glandula tireóide se achava no saco quístico.

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