Versão Inglês

Ano:  2001  Vol. 67   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Artigos Originais

Páginas: 656 a 659

 

Caracterização dos níveis de pressão sonora em academias de ginástica e queixas apresentadas por seus professores

Characterization of sound pressure levels in fitness centers and complaints from instructors

Autor(es): Adriana B. M. de Lacerda 1,
Thaís C. Morata 2,
Ana C. Fiorini 3

Palavras-chave: elevados níveis de pressão sonora, academias de ginástica, audição, queixas, zumbido

Keywords: high sound pressure levels, fitness centers, hearing, health complains, tinnitus

Resumo:
Objetivo: Este estudo objetiva identificar as queixas auditivas e orgânicas dos professores de ginástica e avaliar os níveis de pressão sonora (NPS) produzidos nas aulas de ginástica com música. A medição dos NPS foi realizada seguindo as condições sugeridas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), na Norma 10151. Forma de estudo: Prospectivo clínico randomizado. Material e método: 32 professores de ginástica responderam a um questionário com questões referentes às queixas relacionadas aos NPS. Resultados: As queixas mais freqüentes foram: zumbidos (24%), sensação de ouvido tampado (15%) e baixa concentração (15%). As modalidades de ginástica nas quais foi realizada a avaliação dos níveis de pressão sonora foram: Step, Body Pump e Aerofitness. Conclusão: Os resultados desta avaliação revelaram intensidades que variaram de 73,9 a 94,2 dBA e sugerem presença de elevados níveis de pressão sonora em 66% das aulas avaliadas.

Abstract:
Aim: The present study aims at identifying auditory and health complaints of fitness instructors in fitness centers in Curitiba, and to evaluate the sound pressure levels (SPL) produced in fitness classes. SPL measurements were made following ABNT recommendations (Brazilian Technical Norms and Regulations Association - Norm 10151) and revealed levels that ranged from 73.9 to 94.2 dBA. Study design: Prospective clinical randomized. Material and method: 32 fitness instructors answered a questionnaire about their most frequent complaints related to SPL. Results: The most frequent complaints were: tinnitus (24%); ear fullness (15%) and poor concentration (15%). The classes in which sound pressure levels were investigated were: Step, Body Pump and Aerofitness. Conclusion: The results of the present research suggested the presence of high sound pressure levels in 66% of the evaluated classes.

INTRODUÇÃO

Este estudo procurou examinar a questão dos níveis de pressão sonora (NPS) nas atividades de lazer, especificamente nas academias de ginástica. A música é considerada parte indispensável nas aulas de ginástica e não são raros os profissionais da área que acreditam que o som muito intenso aumenta o rendimento dos alunos, mantendo-os motivados, existindo a possibilidade de esta exposição oferecer risco à audição e a voz para os profissionais expostos por várias horas ao dia.

Nos Estados Unidos, a International Association of Fitness Professionals (1999), em resposta a uma crescente preocupação com o risco de perda auditiva, recomendou que a música nas salas de ginástica não deveria ultrapassar 90 dBNPS. Essa associação recomendou ainda que seja realizada a medição dos níveis de pressão sonora em cada sala de aula, o que permitiria a avaliação da exposição de cada professor.

No Estado de Massachussets foi aprovado um projeto de lei segundo o qual no interior das academias de ginástica deverão existir placas informativas de que o ruído não deverá ultrapassar 90 dBNPS, objetivando à proteção auditiva dos indivíduos15.

Revisando a legislação brasileira sobre o ruído urbano, constatamos que nada existe aí referente às atividades de lazer, como, por exemplo, acontece em alguns Estados norte-americanos em relação às academias de ginástica, mas o assunto tem despertado o interesse de alguns pesquisadores.

Fusco e Marcondes (1989) estudaram o nível de pressão sonora em sete salas de academias de ginástica aeróbica na cidade de São Paulo e detectaram níveis médios de pressão sonora que variavam de 82 a 102 dBA. Segundo os autores, esses níveis de pressão sonora podem levar não só a lesões auditivas, mas também a fadiga, mal-estar, irritação, intolerância e insônia8.

Deus e Duarte (1997) mediram o nível de pressão sonora de 14 academias de ginástica que ofereciam aulas de aeróbica com música e os resultados apontaram para uma porcentagem de 86% das academias trabalhando com valores acima dos limites permitidos pela legislação vigente (85 dBA), chegando uma delas a atingir 105 dBA. Além do ruído, as autoras identificaram que os professores de ginástica dessas academias estavam habituados com o ruído, não se preocupando, até o momento, com os prejuízos que poderiam advir7.

Entretanto, estes achados indicam a possibilidade de os níveis de pressão sonora produzidos nessas aulas se tornarem um risco ao organismo e a audição, tendo em vista que os professores de ginástica estão expostos por várias horas sem qualquer proteção.

O objetivo do estudo é investigar as queixas orgânicas e auditivas associadas à exposição a determinados níveis de pressão sonora, em professores de academias de Curitiba /PR, e avaliar os níveis de pressão sonora da música utilizada nas aulas de ginástica.

MATERIAL E MÉTODO

Neste estudo, professores de academias foram entrevistados e os níveis de pressão sonora durante as aulas por eles ministradas foram medidos.

A casuística foi constituída por 32 professores de educação física, que demostraram interesse em participar do estudo, depois de responder carta convite, distribuída em três academias de ginástica em Curitiba /PR.

Dos 32 professores, 12 eram do sexo feminino e 20 do sexo masculino. Apresentavam idade entre 20 e 39 anos (média de 27,6 anos), com tempo de atuação entre 2,6 e 14 anos (média de 7,4 anos) e uma jornada de trabalho de 9 a 40 horas semanais (média de 21,37 horas), sem história pregressa de patologias auditivas e exposição a ruídos ocupacionais. As modalidades de aula ministradas pelos professores neste trabalho foram: Aeróbica, Step, Aerolocal, Street Dance, Musculação, Hidroginástica, Jazz, Dança Folclórica e Body Pump, todas utilizando-se da música.

Foi aplicado questionário composto de perguntas fechadas, contendo: identificação pessoal, história clínica, história audiológica, atividades ocupacionais, atividades pessoais de lazer que podem prejudicar a audição e percepção da sensação auditiva e orgânica causada pela música na atividade profissional.

O nível de pressão sonora foi avaliado por um engenheiro acústico, durante as aulas de ginástica, em três academias de Curitiba /PR. Foram utilizados dois medidores de pressão sonora, para garantir a confiabilidade das respostas: um analógico, marca Simpson, modelo 886-2; e o outro digital, marca Lutron, modelo FL4011, além de um audiocalibrador da marca Simpson, modelo 890-2.

Os critérios utilizados na medição dos níveis de pressão sonora foram: curva de ponderação A , modo de detecção Slow, taxa de conversão igual a 5 dB, nível de critério igual a 85 dBA e tempo igual a oito horas.

Foram utilizados para apresentação dos resultados os seguintes valores: nível médio equivalente (Leq), média ponderada pelo tempo (em inglês, time weighted average ou TWA) e nível médio no local ocupado pelo professor durante a aula (LOP).



Gráfico 1. Distribuição das queixas em relação ao nível de pressão sonora após as aulas de ginástica.



RESULTADOS

Com o propósito de conhecer o nível de pressão sonora produzido durante uma aula de ginástica com música, foram medidos os níveis de pressão sonora em três academias de Curitiba /PR.

Os resultados dos níveis de pressão sonora obtidos nos pontos distintos das salas de ginástica, durante as aulas, ficaram entre 73,9 e 94, 2 dBA - e estão apresentados na Tabela 1.

Dos 32 professores de ginástica, nove (28%) não apresentaram queixas relacionadas à exposição e 23 (72%)apresentaram pelo menos uma queixa conforme representação no Gráfico 1.

A Tabela 2 representa a distribuição da casuística de acordo com o tempo de atuação e o total de queixas relativas à exposição.

Neste estudo, verificamos que, na maioria, os professores não tiveram qualquer orientação em relação aos cuidados com a audição no seu ambiente de trabalho, embora considerassem o nível de pressão sonora muito intenso, porém necessário para estimular os alunos nas aulas de ginástica. Outro fator importante foi que 11% dos professores apresentaram fadiga vocal e foram encaminhados para terapia de voz.


Tabela 1. Resultados da medição do nível de pressão sonora, em dBA, segundo modalidade de aula nas academias A, B e C.



Legenda: Leq = nível equivalente; TWA = média ponderada pelo tempo; LOP = nível médio do local ocupado pelo professor.


Tabela 2. Distribuição dos sujeitos de acordo com o tempo de atuação e o total de queixas com relação à exposição.




DISCUSSÃO

Os níveis de pressão sonora elevados observados no presente estudo já haviam sido relatados em outras pesquisas nacionais6,7,8. Se compararmos os níveis de pressão sonora descritos na Tabela 1 com o limite máximo de tolerância na exposição ocupacional revelado na NR 15, anexo I, do Ministério do Trabalho, os professores da Academia A, para modalidade de Step, poderiam estar expostos por 16 horas; os da Academia B, por quatro horas. Para modalidade deBody Pump, os professores poderiam estar expostos durante oito horas. Para os professores da Academia C, os limites máximos de tolerância seriam de quatro horas, para as duas modalidades avaliadas.

Considerando a ginástica uma atividade de lazer, os resultados apontam a presença de níveis de pressão sonora acima dos padrões de conforto acústico definidos pela Norma 10151 da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, que recomenda níveis para conforto acústico de 40 a 55 dBA em pavilhões fechados para espetáculos, locais para esportes e atividades esportivas, para os professores e alunos dessas academias.

Podemos afirmar que os níveis de pressão sonora existentes nessas aulas de ginástica podem prejudicar a audição dos professores se estes estiverem expostos durante muitas horas.

No que se refere à percepção por parte dos professores, 47% consideram os níveis de ruído no local de trabalho muito intensos; e 53%, moderados, compatíveis com os resultados da avaliação dos NPS encontrados nestas academias.

Esses níveis de pressão sonora elevados, associados aos exercícios físicos, podem interagir desfavoravelmente, comprometendo o órgão auditivo, como foi observado em estudos anteriores.1,12,14
Foi observado que os professores apresentaram queixas orgânicas e auditivas possivelmente relacionadas ao nível de pressão sonora.

As queixas mais freqüentemente encontradas foram zumbido, sensação de ouvido tampado e dificuldade de concentração, em concordância com trabalhos realizados com músicos e trabalhadores fabris, expostos a níveis de pressão sonora elevados.2,11,16 O zumbido e a sensação de ouvido tampado são também sintomas associados a alteração temporária do limiar auditivo.10

A Tabela 2 revela que quanto menor o tempo de atuação é maior o número de queixas apresentadas. Isso pode ocorrer devido ao fato de os professores não estarem habituados a níveis de pressão sonora tão intensos no início de sua vida profissional. Também é possível que os indivíduos mais incomodados com o nível sonoro não fiquem na profissão por muitos anos.

Para finalizar, sugerimos que o papel do fonoaudiólogo dentro deste programa seja orientar todas as pessoas envolvidas no que se refere à audição, bem como criar ações que visem a conscientizar e preservar a integridade auditiva e vocal desses indivíduos.

CONCLUSÃO

Com base nas observações acima, as autoras chegaram às seguintes conclusões:

- os níveis de pressão sonora nas academias de ginástica revelaram-se acima dos valores definidos pela ABNT-Norma 10151 e são potencialmente danosos quando comparados com a NR 15;
- 47% dos professores consideram os níveis de pressão sonora no local de trabalho muito intensos; e 53%, moderados;
- 72% dos professores apresentaram pelo menos uma queixa;
- zumbido (24%), sensação de ouvido tampado (15%) e baixa concentração (15%) foram as queixas mais freqüentes;
- observou-se que quanto menor o tempo de atuação é maior o número de queixas.
- a adoção de medidas que diminuam os NPS nas academias de ginástica podem influir positivamente na saúde dos professores, funcionários e alunos desses estabelecimentos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ALESSIO, H.M.; HUTCHINSON, K.M. - Effects of submaximal exercice and noise exposure on hearing loss. Research Quartuly for Exercice Sport., 62(4):414-9, 1991.
2. ANDRADE, P.R.; FINKLER, C.; CLOSS, M.; MARINI, A.C.; CAPP, E. - Efeitos do ruído no organismo. Pró-Fono., 10(1):17-20, 1998.
3. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Níveis de conforto acústico. NBR-10151. Rio de Janeiro, 1999.
4. AXELSSON, A. - A exposição de ruídos de lazer em adolescentes e adultos jovens. Jornal do som e vibração. 151:447-53, 1991.
5. BRASIL. - Norma Regulamentadora NR-15 do Ministério do Trabalho. Manuais de Legislação. Atlas Segurança e Medicina do Trabalho. 39a. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
6. CELANI, A.C.; COSTA FILHO, O.A. - O ruído em atividades de lazer para crianças e jovens. Pró-Fono 3(2), 1991.
7. DEUS, M. J.; DUARTE, M. F. - Nível de pressão sonora em academias de ginástica e a percepção auditiva dos professores. Rev. Bras. de Atividade Física e Saúde, 2, 2, 5-16, 1997.
8. FUSCO, L.; MARCONDES, J. - Abaixe o volume Boa Forma, Rio de Janeiro. 10(23):27-30, 1989.
9. INTERNATIONAL ASSOCIATION OF FITNESS PROFESSIONAL - In Technology journal, 1999.
10. JERGER, S.; JERGER, G. - Alterações auditivas. Um manual para avaliação clínica. São Paulo: Livraria Atheneu, 133-8, 1989.
11. KRYTER, K. D. - The effects of noise on man. 2.ed. Academic Press, Inc, 1985.
12. LINDGREN, F.; AXELSSON, A. - Hearing in classical musicans. Acta octo-laryngo. Suppl., 377:3-72, 1988.
13. MERCADO et al. - Hábitos musicales de la juventud y daño auditivo. Rev Bras. ORL. 53(3):113-7, 1993.
14. MIANI, C. et al. - Temporary threshold shift induced by physical exercise. Scand audi., 25(3), 1996.
15. NADLER, N. - Protect your hearing because once it goes, it's gone for good. Technology Journal, 1999.
16. RUSSO, I.C.P. - Acústica e psicoacústica aplicadas à fonoaudiologia. São Paulo: Lovise, 1993.




1 Mestre em Distúbios da Comunicação - Professora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Tuiuti, do Paraná - Curitiba /PR.
2 Doutora em Distúrbios da Comunicação - Professora do Mestrado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti, do Paraná - Curitiba /PR.
3 Doutora em Saúde Pública - Professora Convidada do Mestrado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti, do Paraná - Curitiba /PR.

Instituição: Universidade Tuiuti, do Paraná.

Trabalho apresentado no XVI Encontro Internacional de Audiologia, em março de 1999, no Rio de Janeiro /RJ.

Trabalho apresentado como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Distúrbios da Comunicação. Universidade Tuiuti, do Paraná.

Endereço para correspondência: Adriana Bender Moreira de Lacerda - Rua Schiller, 270 - Apto. 301 - 80260-050 Curitiba /PR - Telefone: (0xx41) 362-6923 - Fax: (0xx41) 222-8587 - E-mail: adriana.lacerda@utp.br

Artigo recebido em 16 de março de 2001. Artigo aceito em 14 de maio de 2001.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial