OCLUSÃO CONGÊNITA DAS COANAS (*)
Autor(es): MOYSÉS CUTIN (**) - S. PAULO
Desde o registro do primeiro caso de imperfuração coanal, feito por A. W. Otto, no seu livro de Anatomia Patológica do Homem e dos Animais, em 1830 (cit. Beinfield) vêm se sucedendo as publicações a êste respeito. O número delas é relativamente elevado se atentarmos para a raridade da afecção, a ponto de especialistas não terem a oportunidade de observar um caso sequer, nas suas vidas profissionais. Nenhum autor tem um número suficiente de observações que permita adqurir uma experiência bastante firme para impor um método de tratamento. Procuramos encontrar uma orientação nêste particular, pela revisão da literatura ao nosso alcance e dos ensinamentos dos casos que relataremos.
Observam alguns autores que os números estatísticos da incidência não representam a realidade. Deve haver maior número de casos que passam sem diagnóstico. Se as crianças sofredoras desta malformação sobrevivessem à asfixia que ela produz, poderia mais tarde ser esclarecida a causa. Não é de rotina examinar-se as coarias nas necropsias das crianças recém-nascidas.
Teremos uma idéia da incidência pelos seguintes dados: Kazanjian encontrou 10 casos de atresia congênita das coarias num total de 62.228 doentes tratados de 1922 a 1938, em um serviço de Otorrinolaringologia de Massachussets. Mello, da Clínica Otorrinolaringológica do Instituto Penido Burnier da cidade de Campinas, refere a existência de 3 casos em 90.000 pacientes. Na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que durante o seu funcionamento até esta data foi procurada por cêrca de 24.500 pacientes, só encontramos 3 casos desta dismorfia. Os autores ingleses Durward, Lord e Polson (cit. Wishart) fizeram uma revisão completa da casuistica mundial reunindo 500 casos. Os casos noticiados no Brasil foram os seguintes: Müller - 1, Santos - 1, Leite - 1, Brito - 1, Moura - l, Monteiro - 3, Brandão - 1, Barreto - 2, Albernaz - 1, Sanson - 1 (cit. Capistrano), Lima - 1 (cit. Moraes), Amorini - 2 (cit. Moraes), Capistrano - 1, Moraes - 2, Rebelo - 2, Instituto Penido Burnier - 3 (cit. Mello), Barbosa - 1, Cordeiro e Dias - 1, e nós relatamos 5, sendo que um foi observado por Nova e outro por Paiva.
As oclusões congênitas das coarias podem ser unilaterais ou bilaterais, membranosas, osseas e osseo-membranosas. Laurens divide-as em intranasais, marginais (coanais própriamente ditas) e faringeanas que se estendem da face dorsal do véu do paladar à abobada faringeana. As duas primeiras seriam quase sempre osseas e as terceiras membranosas. Owens cita Libesohn que observou serem 90% osseas, mas êle só admite 75% como tal. Há maior incidência unilateral e no sexo feminino.
Três hipóteses existem para explicar esta anomalia. Uma admite a falta de ruptura da membrana naso-bucal, outra pela mesma falta na membrana faringeana, a terceira acusa o crescimento exagerado dos processos palatinos. Esta procura firmar-se no fato de às vezes encontrar-se cartilagem no opérculo.
A hereditariedade não representa papel algum na gênese destas dismorfias (Schaeffer). É o que se observa na maioria dos casos publicados. São relatados alguns casos nos quais é preciso admitir um caráter genético. Assim, Lang (cit. Capistrano) refere 5 casos em uma família e Stewart (cit. Schenck) informa da existência da malformação em 2 irmãos. A coexistência de outras malformações é muito rara.
A forma que chama a atenção com maior insistência é a da oclusão bilateral total. Logo ao nascer surge a dificuldade respiratória e de alimentação. Há, no entanto, na literatura, exemplos de indivíduos nestas condições que sobrevivem e se desenvolvem bem, com impossibilidade total de respiração nasal. Luschka (cit. Boyd) relata o caso de um menino de 7 anos de idade. Cottenot e Rouget descrevem o caso de um nadador que praticava seis horas de exercício por dia, não sendo prejudicado pelo seu estado. Êstes autores lembram a propósito o paciente de Moulonguet, um boxeur, nas mesmas condições. Boyd operou um soldado de 20 anos de idade cujo aspecto não fazia supor ser vítima desta anomalia. Como vemos o diagnóstico pode ser difícil, se mesmo nas casos extremos com atresia bilateral os indivíduos não são afetados de maneira sensível.
Nos casos em que a oclusão é unilateral podendo ser compatível com uma respiração nasal satisfatória o fato pode passar desapercebido em pessoas que não tenham cuidado com seu estado de higidez.
A dificuldade de respiração nasal não raras vezes é atribuída a outras causas. O doente sofre várias curetagens do cavum na suposição de que as vegetações adenoides produzam êste impedimento. Ou então é operado de desvio do septo para corrigir a respiração defeituosa, solução aparentemente plausível, pois, nos casos de oclusão unilateral muitos autores o encontraram desviado. No recém-nascido é confundido com hipertrofia do timo.
A queixa mais freqüente dos pacientes é de que sempre estão resfriados, além da natural dificuldade de respiração nasal, conforme o grau de obstrução. A voz, nos tipos bilaterais, assume a forma de "rinolalia clausa". Procura-se sentir a respiração com o dorso da mão ou registrar com o espelho de Glatzel.
Verificam-se escoriações e fissuras no lábio e vestíbulo nasal devido ao escorrer da secreção a qual juntam-se as lágrimas. A narina está cheia de muco denso. Ela é ampla devido a atrofia dos cornetos. A mucosa é pálida. Com uma pera de Politzer tenta-se pela insuflação verificar a passagem de ar para o faringe. Uma instilação com corante serve também para verificar a permeabilidade nasal. O estudo pelo tato com um estilete nos informa da natureza da obstrução. A rinoscopia posterior ou o toque do cavum completam os dados do exame.
O estudo radiológico com constraste elucida o diagnóstico. O olfato é prejudicado, mas em regra restabelece-se após a operação.
Owens, Wright e colaboradores confirmaram a opinião de Stimson de que há uma hiperostose da parede externa da coana, a qual estende-se à parede do epifaringe de modo que êste espaço fica angustiado. Notaram também, êstes autores, que o assoalho da fossa nasal é elevado de modo que a coana é menor.
Alguns fatos interessantes são registrados, como por exemplo: os seios paranasais são normalmente desenvolvidos e não estão mais sujeitos a inflamações que nos indivíduos normais. Os ouvidos são arejados normalmente, isto é, a trompa de Eustáquio não é perturbada no seu funcionamento. Boyd afirma que nêstes pacientes as vegetações adenoides estão ausentes.
TRATAMENTO
Os métodos de tratamento empregados para solucionar a dificuldade de respiração nasal provocada pela oclusão congênita das coarias são vários. Cada autor que comunica algum caso propõe uma técnica nova ou modifica de alguma maneira uma já existente.
Um momento de extrema urgência é aquele em que o médico deve resolver com medidas adequadas o estado de asfixia do recém-nato com oclusão completa bilateral das coarias. Chevalier Jackson chamou a atenção para o fato da criança não saber respirar pela boca. Lança-se mão de meios eventuais como interpor um objeto entre os maxilares, tracionar a língua e mesmo traqueotomizar. Pode-se, com um trocarte, perfurar o septo e introduzir uma sonda como fez Aboulker. Vários autores procederam a operação radical de cura nas primeiras horas de vida. Owens assim procede porque crê que a diminuição do tamanho da coana seja devido a falta de função.
Dividiremos, para maior clareza, os métodos usados em vários grupos conforme a via de acesso escolhida para destruir o impedimento coanal.
A via transnasal foi a primeira usada. Emmert, em 1853, citado por vários autores, com um trocarte curvo perfurou uma oclusão ossea obtendo bons resultados. O instrumental usado para conseguir a abertura é o mais variado, assim Rubbell (cit. Anderson) utilisou-se do trépano manual. Outros usaram trépanos elétricos como Clark e Pfingst (cit. Hanckel). Faziam vários orifícios e depois, com curetas, serras ou pinças sacabocados completavam a operação. Para alargar a via de acesso, alguns luxam o corneto para fora, ou mesmo ressecam parte do corneto inferior (Laurens, Capistrano, Leite). Éstes métodos foram empregados de preferência em adultos.
Deu-se um grande adiantamento na técnica quando passou-se a ressecar a parte posterior do septo (Uffenorde, Katz, Von Eicken (cit. Boyd)) pois assim tornou-se-o maior. As sinéquias post-operatórias formar-se-iam com maior dificuldade. Von Eicken transformou as fossas nasais, na parte posterior, em uma cavidade única recortando a mucosa septal. Kazanjian incisa a columela e o septo até o dorso do nariz, através da parte cartilaginosa, podendo assim com larga exposição, ressecar a parte ossea do septo e as obturações das coanas. Beyer e Blair utilizaram esta técnica com bons resultados. Beinfield afim de evitar grandes exereses das estruturas nasais propõe uma técnica interessante frizando que é aplicavel sómente em adultos. Ela consiste em síntese, no seguinte: ressecado prévia da cauda dos cornetos inferiores, luxação do restante para fóra. Descolamento da mucosa do septo, assoalho da fossa nasal, bem como da que recobre a face anterior do diafragma. Êste então é ressecado. Repõem a mucosa no lugar. Fica assim transformada em oclusão membranosa. Incisa em cruz. Coloca um dreno para manter os retalhos. Donnelly (cit. Beinfield) para evitar a estenose da abertura da coaria coloca um enxerto de pele. Um catéter n.° 18 rodeado pelo enxerto é posto na janela recém formada.
Para resolver os casos em que o obstáculo é membranoso, há métodos mais simples que segundo os autores que os utilizaram, deram bons resultados. Gignoux relata duas observações em que colheu resultados satisfatórios com diatermo-coagulação em várias sessões. Lembra que o processo deu bons resultados nas mãos de Bourgeois, Dutheillet de Lamothe, Portmann e Poyet. Ferreri (cit. Capistrano) procurou obter dilatações por meio de laminárias.
Outra via de acesso é a transinusal. Wright e colaboradores usaram a via transmaxilar. Ressecaram a cauda do corneto inferior. Obtiveram assim uma larga via de acesso para praticar as exereses necessárias afim de permeabilizar as fossas nasais.
A via transpalatina:
A via transpalatina, segundo a literatura que pudemos compulsar, foi usada pela primeira vez por Brunk, em 1909, (cit. Ruddy). Aliás, êste cirurgião não foi feliz, pois a obstrução se refez.
Segue-se em ordem cronológica Precechtel, o qual recomendava que não se usasse a via transpalatina na primeira infância. A técnica dêste autor vem sendo usada sistematicamente na Faculdade de Medicina de Praga desde 1928, segundo Hornicek e Hlovacek, com os melhores resultados.Fig. 1 - Copia dos trabalhos de Ruddx e aboulker.
Ruddy faz uma exposição clara das várias técnicas usadas: a de Blair, fig. 1-A, com incisão mediana e remoção de grande parte do pálato duro, parte do septo osseo e cartilaginoso: O diafragma coanal é depois ressecado. É uma técnica muito destrutiva.
Steinzeug, fig. 1-B, emprega incisão de grande retalho da mucosa palatina. Resseca de cada lado do septo o assoalho das fossas nasais na sua porção posterior e através destas botoeiras retira a obstrução coanal.
Schweckendiek, fig. 1 C e D, usa duas incisões paralelas transversais ligadas por uma sagital coincidindo com a linha mediana do pálato duro de modo que os retalhos são mobilizados como duas folhas de uma janela. Remove parte do pálato duro, na linha mediana, junto com o vomer na parte posterior, assim expondo o impedimento coanal que é excisado.
Rebelo Neto, fig. 1-E, faz a incisão de Schweckendiek. Retira o assoalho osseo das fossas nasais sem lesar a mucosa. Separa a mucosa do vomer que é ressecado na parte posterior. Expõe assim os obstáculos coanais que são removidos. Se a via de acesso ainda não for satisfatória, incisa as mucosas nasais como faz Steinzeug. Uma técnica que teve uma acolhida favorável foi a de Ruddy, fig. 1-F e G. A incisão do pálato duro é arciforme. A sua parte anterior deve vir bastante para diante, de modo que o retalho uma vez reposto no lugar após a operação, defronte-se antes com um plano osseo do que com a cavidade nasal. Deve-se ter cuidado em evitar os vasos palatinos posteriores. Para isto a incisão será para dentro do trajeto dêstes elementos vasculares. Os tecidos moles posteriores à incisão são dissecados do pálato duro até a sua borda posterior. Daí, com um descolador angular, êles são libertados da margem ossea de curta distância para diante na superfície nasal. A incisão nêste ponto faz o pálato mole retrair-se. Remove-se com escopro e martelo o pálato duro na porção correspondente ao obstáculo e também um pouco para frente. A parede que fecha a coana é removida. Resseca-se a parte posterior do septo nasal com pinça sacabocado. Regularizado o novo orifício até que tenha amplitude satisfatória, sutura-se o retalho palatino. Deixa-se de demora um balão ou dreno Pemrose na fossa nasal por vinte quatro horas. Usaram-se métodos combinados, assim Klaff fendia o palato mole em toda a extensão, na linha mediana, expondo desta maneira o cavo. Com uma raspadeira ponteaguda usada para fazer abertura do seio maxilar no meato inferior, destruía o opérculo coanal através do nariz.
Dolowitz e Holley fizeram uma incisão na mucosa do palato duro paralela à linha mediana, distante de 6,5 mm., no lado da obstrução. Ressecaram uma porção ossea do palato, aproximadamente da espessura da lâmina obturadora e ao nível dela. Esta foi removida usando a técnica sub-mucosa. Assim transformaram em membranosa a obstrução ossea. Pela via nasal fizeram uma incisão vertical através das duas mucosas. Colocaram a mucosa que recobria a face posterior do obstáculo para frente e a anterior para traz.
Todos os métodos usados procuraram vencer dois óbices: o primeiro, a dificuldade de boa visibilidade; o segundo, manter a abertura permanente a salvo de ulterior estenose cicatricial. Em regra, todos os autores deixam tubos de borracha, por maior ou menor tempo, nas fossas nasais. Depois fazem dilatações durante algum período, com sondas. Ruddy poz um balão na coana, que foi retirado no dia seguinte da operação. Êle argumenta que a permanência demorada de drenos irrita a mucosa nasal e provoca infecções.
Há ainda um acidente que às vezes acontece. A dehicência parcial da sutura da mucosa palatina. Alguns autores acham que não há prejuizo nesta fístula. Schwekendiek acreditava ser vantajosa esta abertura pois assim podia acompanhar a cicatrização da coana e remover granulações exuberantes. Êste acidente deu-se nos casos de Ruddy e Hanckel. Em todos os casos as fístulas palatinas terminaram por fechar expontaneamente. Nêste particular Aboulker critica o tamanho do retalho usado por Hanckel, que foi o mesmo da técnica de Ruddy. Diz êste especialista francês que o aparecimento da fístula naso-bucal é devido ao retalho palatino ter sido feito pequeno e pouco vascularizado. Êle usou (fig. 1-H) a mesma técda fístula naso-bucal é devido ao retalho palatino ter sido feito muito nica que a de Ruddy, mas traçou o retalho amplo, seguindo a incisão cêrca de meio centímetro do rebordo gengival. Desta maneira ficam incorporados no retalho os vasos palatinos posteriores, o que não se dá no modo de proceder de Ruddy, que insiste no fato das artérias palatinas posteriores ficarem para fóra da linha de incisão. Aboulker, em 4 casos, teve a cicatrização palatina completa ao cabo de 8 dias.
Owens procede da mesma forma que Aboulker, isto é, faz um retalho palatino amplo incluindo os vasos palatinos. Resseca do palato osseo e do septo nasal o necessário para ficar bem ampla a abertura. Não usa tamponamento nem tubos. Usa dilatadores. Otimos resultados em sete casos.
CASOS
CASO 1 - A. P. Registro do Hospital das Clínicas n.º 122851. Consulta em 8-1-1949, 12 anos de idade, branca, feminino, escolar.
História da moléstia atual: nasceu sem poder respirar pelo nariz. Os médicos lançaram mão de vários recursos para mantê-la viva. Com a idade de 18 meses procuraram permeabilizar as fossas nasais com trocarte. Respira só pela boca, mas com grande esforço consegue fazer passar ar pelas narinas. Tem olfato. Resfria-se com facilidade, secreção nasal permanente.
Antecedentes individuais - Varicela, sarampo. Não se verifica qualquer outra anomalia.
Antecedentes hereditários e familiares - Ninguém na família tem malformação. Os pais não são consanguíneos. Os exames sorológicos para lues são negativos.
Exame - Amigdalas congestas. Secreção purulenta no cavum. Consegue-se ultrapassar as fossas nasais com um estilete até o faringe, isto só indo pela porção alta, na altura dos cornetos médios. As coaras são intransponíveis em outros planos. O toque do epifaringe revela a existência de paredes osseas onde, deveria haver os orifícios posteriores das fossas nasais. Existem vegetações adenoides. A paciente apresenta um prognatismo. Rinolalia clausa. A inteligência da paciente é normal.
Radiografia com contraste das fossas nasais, figa. n.° 2 e 3. Nota-se a retenção de grande parte do contraste escoando-se um pouco para o faringe.Fig. 2
Operação em 25-1-1949 - Anestesia local. Propõe-se a obedecer a técnica de Von Eicken. Começou-se descolocando a mucosa cio repto nasal pela fossa nasal D que é a mais ampla. Sangrou abundantemente. A visibilidade não era boa. Paciente inquieta. Suspendeu-se a operação.
Operação em 9-2-1949. Anestesia geral com intubação endotraqueal pela boca. Auxiliar Dr. René de L. lazaki. Seguiu-se a técnica de Von Eicken. Ressecou-se a parte posterior do septo nasal bem como os diafragmas osseos de ambos os lados. As coavas eram pequenas. Havia como uma exostose da parede externa, especialmente a E, muito resistente Não se ousou ressecar esta. A visibilidade era má. Drenos Peuirose que iam até o cavum. Na fossa E gaze iodoformada para fazer hemostasia.
Post-operatório - A respiração pela fossa nasal D era razoável, mas pela E deficiente.
Operação em 7-3-1949 - Anestesia geral, intubação endotraqueal. Auxiliar Dr. René de L. Iazaki. Via transpalatina. Seguiu-se a técnica de Rebelo Neto. Abriu-se só o lado E. Visibilidade razoável. Ressecou-se maior porção do septo. Retirou-se com escopro uma pequena porção da saliência ossea que fazia corpo com a parede externa da coana. Dreno Pemrose na fossa nasal E. O dreno foi retirado três dias depois. Após dez dias teve alta do hospital, respirando bem por ambas narinas. Pálato bem cicatrizado.Fig. 3
É preciso frizar que nos quatro dias após cada ato cirúrgico a paciente tomava Penicilina e Estreptomicina.
Em 7-I-1952, a paciente foi revista. Respira bem por ambas narinas. Pálato bem cicatrizado. Voz normal. Nota-se, pela rinoscopia posterior, que persiste uma saliência na parede externa da coana E.
CASO 2 - V. J. Registro do Hospital das Clínicas n.º 177083. Consulta em 19-4-1950. 19 anos de idade, branco, masculino, solteiro, comerciário.
História da moléstia atual - Refere o paciente que desde a infância apresenta dificuldade respiratória nasal a D. Desvio do septo para D. Secreção nasal a D. Nega cefaléia, pigarro. Antecedentes pessoais sem importância.
Exame - Rinoscopia anterior: secreção purulenta na fossa nasal D. Rinoscopia -posterior: imperfuração coanal a D, com pequeno orifício lia sua parte medial.
Radiografia das cavidades acessórias do nariz de transparência normal. Ass. Dr. Cotrim.
Operação em 6-5-1950. Anestesia local. Operador Dr. Raphael da Nova. Auxiliar Dr. Jorge Haick.
Ressecção de atresia por via transpalatina. Nota-se sangramento abundante durante o ato cirúrgico. Incisões a D. Uma mediana e duas transversais. Retirada do pálato duro na extensão de 2,50 cm mais ou menos do lado da atresia. Incisão da mucosa nasal. Verifica-se que a atresia é do tipo membranoso, foi ressecada. Pontos de seda no pálato. Dreno de borracha na fossa nasal D.
Retirada dos pontos em 13-5.
Em 16-5 - Dehicencia parcial da ferida do pálato na linha mediana. Toque com ácido tricloroacético a 30%. Coaria permeável.
20-6-1950 - Operação de ressecção submucosa do septo. 28-6-1950. Alta da enfermaria. A fístula do pálato acha-se reduzida a um pertuito.
7-7-1950 - Alta, curado. Cicatrização perfeita do pálato. Fossa nasal D normal.
CASO 3 - Observação feita pelo Dr. Lamartine Paiva. - E.G. Registro do Hospital das Clínicas n.° 270711. 20 anos de idade, feminino, branca. Consulta em 8-5-1952.
História da moléstia atual - Foi operada de sinusite maxilar bilateral há um ano e meio, mas o corrimento purulento que sofria da fossa nasal D não diminuiu. Obstrução nasal a D. Olfato conservado. Ouve bem.
Exame - Imperfuração da coava D. Vegetações adenoides. Catarro no assoalho da fossa nasal D, que a doente não consegue eliminar. O exame da fossa nasal D, com estilete, revela uma oclusão ossea da coava. Tímpanos normais. Ouve normalmente as diapasões.
CASO 4 - A. G. Registro do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, n.° 20653-02. Consulta em 2-3-1951, 11 anos de idade, branca, feminino, escolar.
História da moléstia atual - Desde que nasceu escorre catarro da narina D, Não consegue respirar por ela. Os medicamentos instilados nesta narina não chegam até a garganta. Queixa-se-de dores de cabeça quase que diariamente. Olfato normal.
Antecedentes pessoais - Doenças comuns da infância. Não tem qualquer malformação. Exames sorológicos para lues são negativos.
Antecedentes hereditários e familiares - Não há notícia de algum membro da família que tivesse malformação congênita.
Exame - A paciente respira com a boca fechada. Narina D mais ampla que a E, havendo atrofia dos cornetos. Secreção mucosa espessa acumulada no assoalho da fossa nasal. Septo sem desvios. Um estilete introduzido na fossa nasal D esbarra contra uma parede ossea, não havendo possibilidade em alcançar o cavum. O toque do epifaringe revela na altura da coana D uma lâmina ossea que a obtura completamente. A abobada palatina é normal.
Radiografia das fossas nasais com Lipiodol a 40% (figs. n.º 4 e 5) Imperfuração da coara D. Ass. Dr. Clemente Filho.Fig. 4
10-4-1951. Operação - Via transpalatina, técnica de Rebelo Neto. Anestesia geral com intubação endotraqueal. Foi aberta a mucosa do assoalho nasal após a ressecção parcial do pálato e da parte posterior do septo pois a visibilidade era pequena. Ressecado o diafragma osseo com escopro e martelo, depois regularizado com pinças sacabocados de Lombard. Introduziu-se um dreno Perrtrose até o cavum. Sutura da mucosa palatina com pontos de algodão. Em 16-4 foram retirados o dreno e os pontos do pálato.
Usou Penicilina e Streptomicina durante 4 dias.
18-4. Respira bem pela narina D. Pálato bem cicatrizado.
11-5-1951. A paciente voltou após ter abandonado o tratamento queixando-se de não respirar convenientemente pela narina D. Os medicamentos instilados nesta narina escorrem para a garganta. Iniciou-se uiua tentativa de dilatar o orifício coanal com sondas.
18-5-1951. A criança nega-se a fazer as dilatações queixando-se de dor. Abandona-se o tratamento.
25-5-1951. Pela narina D não passa ar por maior que seja o esforço da paciente. Voltaram as dores de cabeça.
Radiografia dos seios da face e fossas nasais - Edema da mucosa do antro maxilar D. Imperfuração da coana D. Ass, Dr. Clemente Filho.Fig. 5
17-7-1951. Reoperada, Técnica de Rebelo Neto. Anestesia geral. Intubação endotraqueal. Incisou-se o retalho palatino na cicatriz da primeira operação. Abertura, da mucosa nasal. Encontrou-se a coana D obstruida por tecido fibroso. Éste foi removido. Deixou-se um dreno Pemrose. Em 24-7 foram retirados o dreno e os pontos de sutura palatina. Deixamos um fio cordoné que atravessando a fossa nasal e a boca teve suas extremidades amarradas e presas com esparadrapo à face.
Durante um mês, em dias alternados, utilizando-se o fio como condutor foi passado pela narina um dedo de luva. Este tratamento foi bem suportado. Depois esta dilatação foi feita cada três dias, durante um mês.
4-3-1952 - A respiração pela fossa nasal é perfeita. O pálato bem cicatrizado. Não sentiu mais dores de cabeça.
CASO 5 - B. S. Registro do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas n.º 18968-03. Consulta em 30-7-1952. 16 anos de idade, branca, feminino.
História da moléstia atual - Veio à consulta com o diagnóstico feito por outro especialista. Tem obstrução da narina E desde que se lembra nunca conseguiu respirar por ela. Já fez vários tratamentos, não soube explicar corretamente que tipo de intervenções sofreu. A instilação de medicamentos nesta fossa nasal, em decubito dorsal, escorre pela garganta após algum tempo. Tem sempre a narina cheia de secreção catarral. Tem olfato.Fig. 6
Antecedentes pessoais - Doenças comuns á infáncia. Não apresenta outra malformação. Exames sorológicos para lues são negativos.
Antecedentes hereditários e familiares - Nenhum membro da família teve malformação congênita.
Exame - Facies da paciente normal. Respira com a boca fechada. O pálato de aspecto normal. O estilete encontra um obstáculo membranoso na altura da coana E. Não tem desvio do septo. Narinas iguais.
Radiografia da fossa nasal E com Lipiodol a 40% (fig. n.º 6). Há uma obstrução parcial da coana, pois o líquido de contraste consegue passar para o cavam. Ass. Dr. Clemente Filho.
Em 6-8, Operação. Anestesia geral. Entubação endotraqueal. Auxiliar Dr. Januário Marques. Técnica transpalatina de Ruddy. O retalho palatino foi maior que êste autor recomenda. No descolar êle rompeu-se na linha mediana. Continuamos de modo que foi levantado só na metade correspondente ao lado obstruido. Encontrou-se uma membrana que obstruia a coana. Ela ia do véu do paladar ao teto da coana. Foi facilmente removida. Para ficar mais ampla a perfuração, ressecamos parte do bordo posterior do septo nasal. Sutura do retalho palatino. Dreno de Pemrose. Usou Penicilina e Estreptornicina durante 4 dias.
8-8. Retirada do dreno e colocação de uma alça de cordão passando pela narina e boca.
11-8. Retirada dos pontos do pálato. Passou-se a fazer os curativos em ambulatório. Fez-se dilatações em dias alternados, passando um dedo de luva cheio de ar, durante um mês.
16-12-1952. Respiração normal por ambas as narinas. Cicatriz operatória do pálato quase desaparecida. A voz é normal.
COMENTÁRIOS
Vimos, confirmados nos casos expostos, alguns fatos já anteriormente apontados. No caso n.º 1, em que existia oclusão bilateral, apesar de haver perfurações só respirava pela boca, o que não obstou de se desenvolver bem até a idade de 12 anos. Nenhum dos pacientes sofreu de qualquer afecção auricular. O caso n.º 2 apresentou um desvio do septo para o lado da oclusão. Em todos os casos havia uma diminuição da amplitude das coanas que costumam ter o diâmetro duplo que os orifícios anteriores das fossas nasais. Não havia em qualquer um dos pacientes outras malformação congênita que se pudesse diagnosticar. Nenhuma referência de dismorfismo nos antecedentes familiares.
Os seios paranasais com o desenvolvimento normal. Ao contrário do que afirma Boyd, havia vegetações adenoides no caso n.º 1. Nos outros não foram encontradas. É possível que já tivessem sido curetadas. Dos 5 doentes, 4 eram do sexo feminino, sendo 1 caso de oclusão bilateral ossea, 2 unilateral membranosa, 2 unilateral e ossea.
O que se pode concluir da literatura e dos casos relatados é que na criança a via preferêncial para a operação radical deve ser a via transpalatina. A técnica que dá maior visibilidade e melhores resultados é a de Ruddy, modificada por Aboulker e Owens. É ponto de máxima importância a ressecção da porção posterior do septo. Cremos ser muito útil para manter a permeabilidade satisfatória fazer dilatações periódicas enquanto se processa a cicatrização. Os pacientes suportaram perfeitamente sem maiores incomodos, as dilatações com dedo de luva, orientada por um fio que fica permanentemente nas fossas nasais.
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SUMARIO
É feita uma revisão da literatura sobre o assunto. Detem-se com mais vagar no tratamento cirúrgico, especialmente nas técnicas da via transpalatina. O número dos casos anteriormente noticiados no Brasil é de 25. Nêste trabalho são relatados 5 casos assim distribuidos: 1 de oclusão bilateral ossea, 2 de unilateral membranosa e 2 de unilateral ossea. Dêstes, 4 são do sexo feminino. Não havia outras malformações nos pacientes bem como referência a dismorfismos em membros das famílias. Conclui-se, com referência às crianças, pela preferência da via transpalatina para solução desta atresia. Friza-se a importância da ressecção da porção posterior do septo nasal e as dilatações posteriores às operações.
SUMMARY
A review of the literature about the subject is made. More attention is given to the surgical treatment, specially to the transpalatine approach. The number of the cases previously reported in Brasil was 25. In this work 5 cases are related, distributed as follows: 1 bilateral choanal osseus occlusion, 2 unilateral membraneous occlusion and 2 unilateral osseus occlusion. Of these 4 were female. The patients presented no other anomalies as well as the other members of the families. Refering to the children we couclude by giving preference to the transpalatine route as the surgical solution of this atresia. The removing of the posterior portion of the nasal septum and the dilatations after the operation are regarded specially important.
RESUMÉ
II est fait une revue de la littérature conceruant le sujet en cause. La partie chirurgicale est traitée assez longuement, spécialement les téchniques opératoires par la voie transpalatine. Le nombre de cas observés au Brésil, antérieurement, était de 25. Ce rapport témoigne de 5 nouvaux cas: 1 d'occlusion bilatérale osseuse, 2 d'occlusion unilatérale memhraneuse et 2 d'occluision unilatérale osseuse. Sur 5, 4 cas appartenaient au sexe féminin. Les patients ne présentaient pas cl'autres malformations, pais plus que le autres membres de leur famille. En ce qui concerne les enfants, ou donne préféreuce à la voie transpalatine comine solution de cette atrésie. On souligne l'importance de la résection du bord porterieur du septum nasal, ainsi que celle des dilatations post-opératoires.
(*) Trabalho comunicado na sessão de 17-12-1952, do Departamento de Otorrinolaringologia da Associação Paulista de Medicina.
(**) Livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Médico da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas. Especialista do instituto de Aposentadoria e Pensões dos Trabalhadores em Transportes e Cargas