Ano: 2001 Vol. 67 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (10º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 825 a 828
Ressecção subcapsular da glândula submandibular
Subcapsular excision of the submandibular gland
Autor(es):
Mauro Becker Martins Vieira,
Rodrigo de Andrade Pereira,
Nilson Barbosa dos Santos Júnior,
Raissa Vianna Pinto
Palavras-chave: submandibular, cirurgia, glândula
Keywords: submandibular, surgery, gland
Resumo:
Introdução: A cirurgia das patologias inflamatórias das glândulas salivares está associada a uma maior incidência de paralisias temporárias pós-operatórias se comparada a cirurgia dos tumores. Tal fato se deve à dissecção mais laboriosa e mais traumática dos ramos motores do nervo facial, e sua exposição ao processo inflamatório dos tecidos vizinhos. A glândula submandibular é o tecido salivar mais freqüentemente ressecado devido à patologia inflamatória e a não rara paresia temporária do ramo mandibular é fonte de desconforto para o paciente. A remoção da gordura peri-glandular com seus linfonodos não tem a mesma importância que para os tumores. Objetivo: Portanto, temos realizado para sialolitíase e sialoadenites crônicas da submandibular a ressecção subcapsular da glândula. Forma de estudo: Propectivo randomizado. Material e método: Após uma incisão cervical transversa, a cápsula é aberta na parte inferior da glândula e descolada da mesma em sentido superior. O ramo mandibular do nervo facial não é identificado e os vasos faciais são preservados após cuidadosa ligadura dos ramos para a glândula. Na suspeita de patologia neoplásica mudamos o procedimento para a cirurgia tradicional. Resultados: Nos 5 casos estudados, 2 femininos e 3 masculinos, não foi observada paresia pós-operatória. Outras vantagens são a economia do tempo cirúrgico normalmente necessário para a dissecção do nervo e a preservação dos vasos faciais que podem ser usados no futuro como base de retalhos.
Abstract:
Introduction: The surgery for salivary gland inflammatory diseases has a higher incidence of postoperative temporary paralysis than surgery for salivary gland tumors. The dissection of the facial nerve motor branches is more difficult and the nerve is exposed to the inflammatory process. The submandibular gland is the salivary tissue more frequently excised due to inflammatory disease. In these cases, temporary paralysis of the facial nerve mandibular branch is not rare and brings discomfort to the patient. The removal of the peri-glandular fat and lymph nodes is not as important as for tumor surgery. Aim: This is the reason why we started to do subcapsular gland excision for chronic submandibular inflammatory disease. After a transverse cervical incision, the capsule is opened in the gland inferior portion and dissected superiorly. The facial nerve mandibular branch is hidden by the fat and it is not identified. Study design: Prospective randomized. Material and method: The facial vein and artery are preserved after ligature of the branches to the submandibular gland. If a neoplasic disease is suspected, the procedure is changed to the traditional surgery with identification of the mandibular branch and removal of the submandibular lymph nodes. Results: In five cases, 2 females and 3 males, there were no postoperative paralysis. Other advantages were: the economy of the surgical time normally needed for identification of the mandibular branch, and preservation of the facial vessels that can be used in future in flap reconstruction.
Introdução
As glândulas salivares, especificamente a parótida e a glândula submandibular, estão anatomicamente associadas ao nervo facial e seus ramos. Se não fosse por este fato, o tratamento cirúrgico das patologias destas glândulas seria tecnicamente simples. Entretanto, a parotidectomia e a ressecção da glândula submandibular acarretam o risco de lesão neural com seqüela estético-funcional significativa para o paciente. A simples exposição e manipulação do nervo pode levar à paralisia temporária, causando ansiedade ao paciente e ao cirurgião.
Temos observado um maior risco de paralisias faciais temporárias em parotidectomias por doença inflamatória comparado à parotidectomia para tumores. O tempo de duração da paralisia também é maior, chegando em alguns casos até 3 meses após a cirurgia. Bates1 relata uma incidência de 29% de paralisa facial temporária após parotidectomias para sialoadenite. Tal fato se deve à dissecção mais laboriosa e mais traumática dos ramos motores do nervo facial devido à fibrose presente no campo operatório. Além disto, o nervo dissecado fica exposto ao processo inflamatório dos tecidos vizinhos, algumas vezes com infecção associada.
A glândula submandibular é o tecido salivar mais freqüentemente acometido e removido devido a processo inflamatório. Goh4 relata que a maioria das cirurgias das glândulas submandibulares, 60%, é devido a processo inflamatório. Apesar da remoção unilateral da submandibular estar associada, segundo Cunning2, a uma diminuição do fluxo salivar ao repouso e aumento de xerostomia subjetiva, a extirpação da glândula é um procedimento eficaz e freqüentemente utilizado para o tratamento da sialoadenite crônica, associada ou não à sialolitíase3.
Tradicionalmente é recomendada a identificação do ramo mandibular do nervo facial ao longo da borda da mandíbula antes que se realize a remoção cirúrgica da glândula submandibular. Hald5 relata que neuropraxia do ramo mandibular é uma ocorrência freqüente após a cirurgia. Ichimura6 relata uma incidência de disfunção facial de 29,8% e que a paralisia foi mais freqüente nos casos em que o nervo foi identificado, comparado aos casos em que não foi.
A remoção em monobloco da glândula com o tecido adiposo e linfonodos do triângulo submandibular com sacrifício dos vasos faciais, preconizada no tratamento das neoplasias, não tem importância na cirurgia da sialoadenite. O essencial é a retirada do parênquima glandular doente.
Por estes motivos iniciamos em nosso serviço a ressecção subcapsular da glândula submandibular para casos de sialoadenite associados ou não à sialolitíase. O objetivo deste trabalho é demonstrar a técnica utilizada e nossa experiência com a mesma.
Material e Método
Foram selecionados para se submeterem à técnica pacientes portadores de sialoadenite crônica, associada ou não à sialolitiase. Foram excluídos os casos em que a punção aspirativa por agulha fina na avaliação pré-operatória foi sugestiva de processo neoplásico. Também foram excluídos os pacientes em que, durante o ato cirúrgico, houve suspeita de neoplasia. Nestes casos foi realizado o procedimento tradicional, com identificação do ramo mandibular do nervo facial, sacrifício dos vasos faciais e remoção em monobloco da glândula submandibular com o tecido adiposo e linfonodos do triângulo submandibular. Foram submetidos à ressecção subcapsular da glândula submandibular 5 pacientes adultos, 3 do sexo masculino e 2 do sexo feminino sem outras patologias significativas.
O procedimento foi realizado sempre sob anestesia geral, com o paciente em extensão cervical. Foi feita uma incisão transversa, paralela à reborda mandibular e 4 cm abaixo desta, de 6 cm de extensão a partir no nível do ângulo da mandíbula, incluindo pele, subcutâneo e músculo platisma (Figura 1). A dissecção continua identificando a parte inferior da glândula. Neste nível foi aberta a cápsula e o parênquima glandular liberado da mesma, mostrando seu aspecto multilobular (Figura 2). A veia facial foi identificada lateralmente à glândula e facilmente preservada e rebatida lateralmente (Figura 3). Na artéria facial foi identificada mais profundamente a veia, tendo uma relação mais íntima com o parênquima glandular. A sua preservação e rebatimento lateral requer que os ramos para a glândula submandibular sejam cuidadosamente ligados. A dissecção na parte superior da glândula deve ser realizada junto ao parênquima, sem violar a cápsula, para evitar lesão do ramo mandibular do nervo facial. O ramo mandibular não foi identificado, ficando protegido pela cápsula e tecido areolar, diminuindo a chance de trauma pelos afastadores. A glândula foi removida após ligadura e secção do ducto de Wharton e dos ramos do nervo lingual para a submandibular. Foi deixado dreno de sucção e realizado fechamento por planos incluindo músculo platisma, subcutâneo e pele. O dreno foi retirado com 24 a 48 horas e os pontos de pele com 7 dias.
Figura 1. Incisão transversa, paralela a reborda mandibular e 4 cm abaixo desta, de 6 cm de extensão a partir no nível do ângulo da mandíbula.
Figura 2. É realizada a abertura da cápsula e o parênquima glandular vai sendo liberado da mesma, mostrando seu aspecto multilobular.
Figura 3. A veia e artéria faciais são identificadas lateralmente à glândula e facilmente preservadas e rebatidas lateralmente. A glândula é removida após ligadura e secção do ducto de Wharton e dos ramos do nervo lingual para a submandibular.
Resultados
O procedimento durou em média 40 minutos e normalmente este tempo é menor que o gasto durante a cirurgia convencional. A diferença se deve à economia do tempo necessário para a identificação e proteção do ramo mandibular, que é a fase mais tensa da cirurgia convencional.
Nenhum paciente apresentou distúrbios motores da região facial. Um paciente apresentou baixa sensitiva temporária da hemilíngua ipsilateral. Este apresentavaMaterial e Método
Foram selecionados para se submeterem à técnica pacientes portadores de sialoadenite crônica, associada ou não à sialolitiase. Foram excluídos os casos em que a punção aspirativa por agulha fina na avaliação pré-operatória foi sugestiva de processo neoplásico. Também foram excluídos os pacientes em que, durante o ato cirúrgico, houve suspeita de neoplasia. Nestes casos foi realizado o procedimento tradicional, com identificação do ramo mandibular do nervo facial, sacrifício dos vasos faciais e remoção em monobloco da glândula submandibular com o tecido adiposo e linfonodos do triângulo submandibular. Foram submetidos à ressecção subcapsular da glândula submandibular 5 pacientes adultos, 3 do sexo masculino e 2 do sexo feminino sem outras patologias significativas.
O procedimento foi realizado sempre sob anestesia geral, com o paciente em extensão cervical. Foi feita uma incisão transversa, paralela à reborda mandibular e 4 cm abaixo desta, de 6 cm de extensão a partir no nível do ângulo da mandíbula, incluindo pele, subcutâneo e músculo platisma (Figura 1). A dissecção continua identificando a parte inferior da glândula. Neste nível foi aberta a cápsula e o parênquima glandular liberado da mesma, mostrando seu aspecto multilobular (Figura 2). A veia facial foi identificada lateralmente à glândula e facilmente preservada e rebatida lateralmente (Figura 3). Na artéria facial foi identificada mais profundamente a veia, tendo uma relação mais íntima com o parênquima glandular. A sua preservação e rebatimento lateral requer que os ramos para a glândula submandibular sejam cuidadosamente ligados. A dissecção na parte superior da glândula deve ser realizada junto ao parênquima, sem violar a cápsula, para evitar lesão do ramo mandibular do nervo facial. O ramo mandibular não foi identificado, ficando protegido pela cápsula e tecido areolar, diminuindo a chance de trauma pelos afastadores. A glândula foi removida após ligadura e secção do ducto de Wharton e dos ramos do nervo lingual para a submandibular. Foi deixado dreno de sucção e realizado fechamento por planos incluindo músculo platisma, subcutâneo e pele. O dreno foi retirado com 24 a 48 horas e os pontos de pele com 7 dias.
Resultados
O procedimento durou em média 40 minutos e normalmente este tempo é menor que o gasto durante a cirurgia convencional. A diferença se deve à economia do tempo necessário para a identificação e proteção do ramo mandibular, que é a fase mais tensa da cirurgia convencional.
Nenhum paciente apresentou distúrbios motores da região facial. Um paciente apresentou baixa sensitiva temporária da hemilíngua ipsilateral. Este apresentavaprocesso inflamatório intenso com fistulização para assoalho de boca posterior. Houve necessidade de retração vigorosa dos afastadores para exposição cirúrgica e dissecção laboriosa do nervo lingual. Apesar disto, ele também não apresentou paresias do ramo mandibular do nervo facial.
O estudo anatomopatológico de todos os casos confirmou patologia inflamatória crônica. A evolução pós-operatória foi satisfatória em todos os casos com resolução dos sintomas pré-operatórios que levaram o paciente à cirurgia.
Discussão
Existe, atualmente em todas as áreas cirúrgicas, uma tendência em realizar procedimentos ditos funcionais8, evitando traumas desnecessários. O objetivo é, sem diminuir as taxas de cura, minimizar a morbidade associada à cirurgia.
Entretanto, no tratamento das neoplasias salivares, mesmo nas benignas como o adenoma pleomórfico, deve-se evitar procedimentos conservadores como a enucleação. Há comprometimento dos resultados em termos de taxa de recidiva quando comparados à cirurgia convencional10. Nestas patologias recomenda-se como procedimento mínimo a parotidectomia superficial ou a ressecção da glândula submandibular com o tecido areolar periférico.
Nas doenças inflamatórias pode-se tentar atitudes mais conservadoras. Em casos de cálculo único na porção distal do ducto de Stenon ou do ducto de Wharton, pode ser feita a remoção do mesmo com plastia do orifício9. Quando há processo inflamatório crônico acometendo o parênquima glandular e quadro clínico de infecções repetidas sem resposta satisfatória ao tratamento clínico, a alternativa cirúrgica consiste na remoção da glândula doente.
No caso de sialoadenite crônica submandibular, a remoção subcapsular da glândula é uma opção técnica atraente, pois não há exposição do ramo mandibular do nervo facial, evitando-se a manipulação do mesmo. Além disto, o ramo mandibular fica protegido por um coxim adiposo, diminuindo o risco de trauma pelos afastadores. O tempo da cirurgia normalmente é menor, pois economizam-se aqueles tensos minutos despendidos na identificação e liberação superior do ramo mandibular.
Outra vantagem é a preservação dos vasos faciais. Apesar do sacrifício destes vasos não representar uma seqüela imediata para o paciente, eles são a base de vários retalhos na face e no pescoço7, que podem ser necessários para alguma reconstrução no futuro. Também são estruturas muito utilizadas para anastomoses de retalhos microcirúrgicos.
A ressecção subcapsular também diminui o volume de tecido removido. Ameniza a assimetria cervical, o que constitui em uma vantagem estética.
A parte mais delicada do procedimento é a identificação e ligadura dos ramos da artéria facial para a glândula submandibular. A artéria está em íntimo contato com a glândula e os ramos são curtos. Se for feita tensão excessiva, são facilmente rompidos causando um sangramento desnecessário.
Apesar do número limitado de pacientes, o procedimento mostrou-se vantajoso, pois não tivemos casos de paresias faciais pós-operatórias. Em nossa experiência, este resultado não seria o mesmo se tivesse sido realizado o procedimento convencional. Mesmo no caso que apresentava uma fístula no soalho de boca, em que foi necessário o uso enérgico dos afastadores, o paciente não apresentou qualquer disfunção motora facial.
A avaliação pré-operatória e trans-operatória mostrou-se bastante eficaz, pois não tivemos, no estudo anatomopatológico pós-operatório, casos de neoplasias ressecadas por técnica subcapsular. Tal fato se deve ao rigor da indicação, já que tivemos casos operados pelo método convencional que o exame anatomopatológico revelou processo inflamatório.
Conclusão
A ressecção subcapsular da glândula submandibular mostrou-se tecnicamente viável para o tratamento cirúrgico das sialoadenites crônicas. Apresenta como vantagens um menor risco de paresia temporária do ramo mandibular do facial, um menor tempo cirúrgico, a preservação dos vasos faciais e menor assimetria cervical pós-operatória.
A indicação da técnica deve ser criteriosamente avaliada no pré e pós-operatório, para evitar sua utilização em casos de neoplasias. Nesta situação, a utilização do procedimento pode representar um maior índice de recidiva se comparado ao cirúrgico tradicional.
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Artigo recebido em 08 de março de 2001. Artigo aceito em 15 de agosto de 2001.