Ano: 2002 Vol. 68 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (18º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 714 a 720
Avaliação auditiva em músicos de frevo e maracatu
Hearing evaluation in frevo and maracatu's musicians
Autor(es):
Ana I.A. Andrade 1,
Iêda C.P. Russo 2,
Maria L.L.T. Lima 3,
Luiz C.S. Oliveira 4
Palavras-chave: audiometria, perda auditiva, ruído induzido, música, músicos
Keywords: audiometry, hearing loss, noise induced music, musicians
Resumo:
Objetivos: Medir o nível de pressão sonora a que são expostos os músicos dos blocos carnavalescos, especificamente dos ritmos de frevo e maracatu, levantar os níveis mínimos de audição dos músicos, conhecer seus hábitos auditivos e queixas correlatas e comparar os resultados entre os grupos. Forma de estudo: Clínico prospectivo randomizado. Material e método: A casuística constituiu-se de 19 músicos do grupo de frevo e 31 músicos do grupo de maracatu, de 12 a 71 anos de idade. Foi aplicado um questionário com o intuito de conhecer os hábitos auditivos e as queixas correlatas dos músicos e realizada audiometria tonal por via aérea e via óssea. Resultados: Os resultados mostraram que os hábitos mais citados foram os de freqüentar discotecas e o uso de walkman, e as principais queixas relatadas foram tontura e zumbido. A configuração de curvas audiométricas sugestivas de PAIR foi de 42,10% e 16,13%, nos grupos de frevo e de maracatu, respectivamente. No grupo de frevo, a idade, o tempo de trabalho como músico e o tempo de exposição à música influenciaram a ocorrência das alterações auditivas. Conclusão: É necessária a implantação de Programa de Conservação Auditiva, pela falta de consciência destes músicos aos riscos inerentes de instalação de perda auditiva decorrente da exposição à música intensa na cidade de Olinda-PE.
Abstract:
Objective: The present study aimed at measuring the sound pressure levels to which carnival musicians are exposed, especially those who play frevo and maracatu rhythms. We also investigated musicians' minimum auditory levels, learned their complaints, habits and hearing difficulties and compared the results between frevo and maracatu groups in order to gather data for the implementation of a Hearing Conservation Program directed to counsel professions about auditory risks of exposure to music. Study design: Clinical prospective randomized. Material and method: Our sample consisted of 19 frevo's group musicians and 31 maracatu's group musicians, aged between 12 and 71 years. We used a questionnaire to learn about musicians' correlated complaints and habits. The minimum auditory levels were measured. Results: The main complaints were dizziness and tinnitus, and the most frequent habits were going out to discos and wearing walkman. Audiometric configuration in frevo group showed 42.10% of audiometric curves suggesting NIHL, whereas in maracatu group the frequency was 16.13%. In frevo group, age, time span of the career and time of exposure to music influenced the occurrence of auditory abnormalities. Conclusions: We concluded that it is necessary to implement a Hearing Conservation Program for this population of musicians, owing mainly to their poor awareness of risks associated with onset of hearing loss as a result of exposure to music at high sound pressure levels.
INTRODUÇÃO
A música foi o elo mais antigo de interação entre os homens1, está presente na vida diária das pessoas, desde a mais remota antigüidade e assumindo função importante na comunicação entre elas. A música é tida como um som agradável e, ao ouvi-la, associamos a fatos importantes ou acontecimentos da nossa vida, no passado ou, quando usada de forma intensa, pode transformar-se em transtorno na vida das pessoas.
Na década de 60, apogeu da transformação sofrida pela música no Brasil, pelo aparecimento do estilo musical rock-and-roll, surgiu uma preocupação geral, por parte de vários autores, com a ocorrência de perdas auditivas induzidas por ruído (PAIR) causadas por atividades sonoras excessivamente amplificadas nos ambientes de lazer2,3,4,5,6,7,8,9. Entre estas atividades, podemos citar a freqüência à discoteca3, o uso de walkman10 e a exposição à música gerada por trios elétricos8,6.
O carnaval faz parte das comemorações populares no Brasil, sendo uma importante fonte de lazer. A exposição à música gerada por trio elétrico é comum, nas micaretas (carnaval fora de época) e em festas populares, como o carnaval.
Em Pernambuco, as festas carnavalescas são muito influenciadas pela cultura local. O cenário musical pernambucano herdou ritmos dos costumes dos escravos, exemplificados pelo frevo e pelo maracatu. Nas cidades de Recife e Olinda, Estado de Pernambuco, observa-se durante estas festividades toda a cultura e origem do seu povo. A música carnavalesca, em Pernambuco, atualmente é constituída por mistura de ritmos que geram música não amplificada, o frevo e o maracatu.
A definição dos níveis sonoros a que são expostos os carnavalescos e os músicos dos blocos poderia ajudar a esclarecer, sob o ponto de vista auditivo, os limites mais saudáveis para esta exposição. No Brasil, foram realizados estudos com músicos em diferentes Estados - Pernambuco, São Paulo, Bahia e Ceará, em todos eles, destaca-se a importância da criação e implantação de Programas de Conservação Auditiva (PCA) para pessoas expostas à música eletronicamente amplificada e à música não amplificada, nos ambientes de lazer4,6,7,8. Indivíduos expostos às mesmas intensidades de ruído podem apresentar respostas diferentes11.
Além dos níveis de pressão sonora (NPS) e do tempo de exposição, a ocorrência de perda auditiva pode estar associada à ocorrência de outros fatores relatados, em conseqüência desta exposição: zumbido, tontura, sensação de plenitude auricular, alterações no aparelho cardiológico, gástrico, muscular, mudanças de humor, estresse e irritabilidade12.
Considera-se que NPS elevados podem ser prejudiciais à audição1,13,14, recomenda-se a prática de audiometria em intervalos de um ano ou menos15, para observar susceptibilidade e a aplicação de medidas preventivas a instalação de PAIR9,16,17. Foi constatado baixa porcentagem de perda auditiva em alguns estudos16,18,19, enquanto outros autores encontraram 43% e 40,6% de PAIR nos músicos8,20. Apesar dos resultados serem controversos, acha-se que a idade e o tempo de exposição à música contribuem para o aumento do risco de perda auditiva20.
Este estudo tem o objetivo de aferir os níveis de pressão sonora que estão expostos os músicos dos blocos carnavalescos da cidade de Olinda-PE, especificamente dos ritmos de frevo e maracatu; conhecer os hábitos auditivos e queixas correlatas entre os grupos de frevo e de maracatu e detectar os níveis mínimos de audição dos músicos.
MATERIAL E MÉTODO
Foi realizado estudo prospectivo com músicos integrantes de blocos carnavalescos dos ritmos de frevo e maracatu na cidade de Olinda-PE, Brasil.
Os músicos convidados concordaram em participar do estudo mediante leitura e assinatura da carta de informação ao participante e do termo de consentimento.
Os NPS em que os músicos estavam expostos durante os ensaios dos blocos ou apresentações foram mensurados no circuito de compensação A e no tempo de resposta lenta utilizando medidor Realistic III (Radio Shack, Estados Unidos da América).
Os músicos participantes foram caracterizados segundo estilo musical, sexo, idade, tempo de trabalho como músico, tipos de instrumentos utilizados, número de horas de trabalho por dia, número de dias de trabalho por semana, hábitos auditivos e queixas correlatas dos músicos. A elaboração do questionário foi uma adaptação do realizado por Marques21.
Antes da realização do exame audiométrico foi solicitado aos músicos repouso auditivo de 14 horas, segundo Norma Técnica da Portaria 19 do Ministério do Trabalho e Secretaria de Segurança do Trabalho, de 22 de abril de 199814. Foram realizadas inspeções visuais do meato acústico externo nos músicos para afastar presença de obstruções. Casos com alterações foram encaminhados ao ambulatório do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas-Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE).
Para a realização dos exames audiométricos nas sedes dos blocos, considerou-se como sala silenciosa e sem tratamento acústico, um ambiente com níveis de ruído, variando entre 55-60 dB (A), conforme Norma Técnica da Portaria 3214 do Ministério do Trabalho e Secretaria de Segurança do Trabalho22. Foi utilizado o audiômetro portátil Maico MA 41, calibrado segundo o padrão ANSI S3.6 (1989)23 e realizada uma calibração biológica, com a finalidade de controlar quaisquer alterações nas características acústicas do audiômetro. O procedimento consistiu na verificação do nível mínimo de resposta para as freqüências de 0,5 kHz, 1 kHz, 2 kHz, 3 kHz, 4 kHz, 6 kHz e 8 kHz, por via aérea e, quando necessário, 0,5 kHz, 1 kHz, 2 kHz, 3 kHz, 4 kHz por via óssea.
Para a classificação dos limiares auditivos dos músicos utilizou-se os critérios de alteração audiométrica proposto por Fiorini12.
No método estatístico, empregou-se as variáveis quantitativas representadas por média, desvio padrão (D.P.), mediana e valores mínimo e máximo. As variáveis qualitativas foram representadas por freqüência absoluta e relativa. Para testar as associações entre PAIR, entalhe, grau de perda e todos os fatores qualitativos de interesse foi empregado o teste Qui-quadrado (c2). Na análise estatística foi adotado nível de significância de 0,05 (a=5%). Níveis descritivos (p) inferiores a esse valor, foram considerados significantes e representados por um asterisco (*).
RESULTADOS
Dos 50 músicos avaliados, 19 músicos eram do grupo de frevo e 31 eram do grupo de maracatu.
As mensurações dos níveis máximos de pressão sonora gerados durante a realização dos ensaios e apresentações carnavalescas, para o grupo de frevo revelaram 117 dB (A) e, para o de maracatu, 119 dB (A).
Dezenove (100%) músicos do grupo do frevo eram do sexo masculino, com idades entre 16 e 71 anos completos (média 36,47 anos). No grupo do maracatu, 27 (87%) músicos eram do sexo masculino e quatro (13%) do sexo feminino. As idades dos músicos de maracatu variaram entre 12 e 46 anos (média 21,80 anos).
A média de idade do grupo de frevo foi significantemente maior do que a média de idade do grupo de maracatu, conforme ilustrado no Gráfico 1. Verificou-se heterogeneidade nas idades dos músicos participantes do estudo, principalmente no grupo do frevo.
Quanto ao tempo de trabalho como músicos, os grupos avaliados foram divididos, arbitrariamente, em intervalos de 0 a 5 anos, 6 a 10 anos, 11 a 20 anos e 21 a 50 anos.
Para o grupo de frevo, a maioria da população (78,95%) tinha mais de cinco anos de trabalho com música. Enquanto que, para o grupo de maracatu, a maior concentração de tempo de trabalho esteve na faixa entre zero e cinco anos (77,41%) de trabalho com música (Gráfico 2).
No grupo de frevo foi verificado maior tempo de exposição à música, com diferença estatisticamente significante em relação ao grupo de maracatu.
No grupo de frevo, 84,21% dos músicos utilizavam instrumentos de sopro (saxofone, trompete, clarinete, trombone e tuba) e 15,79% utilizavam instrumentos de percussão (caixa e bumbo). No grupo de maracatu todos os instrumentos utilizados (caixa, tarol, surdo, tambor, alfaia e bumbo) eram de percussão (Gráfico 3).
Avaliando a variável horas de trabalho por dia, para os dois grupos de músicos, verificou-se que 73,69% dos músicos do grupo do frevo e 77,42% dos músicos do grupo do maracatu eram expostos entre uma e cinco horas diárias de música (Gráfico 4).
Avaliando o número de dias de trabalho por semana entre os dois grupos de músicos, constatamos que 52,63% dos músicos de frevo declararam tocar de cinco a sete dias por semana, enquanto que, no grupo do maracatu, 83,87% dos músicos tocam entre um e quatro dias por semana. O grupo de frevo apresentou maior número de dias de trabalho por semana em relação ao grupo de maracatu (Gráfico 5).
As queixas mais relatadas, nos dois grupos estudados foram tontura e zumbido, mostrando diferença estatisticamente significante comparada às outras queixas (Gráfico 6).
No grupo de frevo, dez (52,63%) músicos apresentaram tontura e zumbido e, no grupo de maracatu, 21 (67,74%) músicos e 13 (41,93%) músicos apresentaram estas queixas, respectivamente.
Os hábitos mais citados pelos músicos foram a freqüência a discotecas e o uso de walkman. No Gráfico 7 verificou-se que 42,10% dos músicos do grupo de frevo e 80,64% dos músicos do grupo de maracatu, tinham o hábito de freqüentar discotecas, bailes, shows e/ou pagodes, bem como 31,58% dos músicos do grupo de frevo e 67,74% dos músicos do grupo de maracatu, usarem música amplificada individual ou walkman, constantemente. Detectou-se maior freqüência desses hábitos no grupo de maracatu. Houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, onde se evidenciou maior freqüência destes hábitos no grupo de maracatu.
Outro hábito importante em relação ao grupo de frevo foi o uso de furadeira e lixadeira, onde não foi observada diferença significante, que atribuímos ao fato dos indivíduos pertencerem à faixa etária mais avançada, com maior probabilidade de exercer outras funções trabalhistas.
Os níveis mínimos de audição dos músicos mostraram alteração de 47,37%, no grupo de frevo e 16,13%, no grupo de maracatu.
Quanto aos níveis mínimos de audição os músicos do grupo de frevo: dez (52,63%) músicos apresentaram respostas auditivas dentro dos limites da normalidade e oito (42,10%) apresentaram curvas audiométricas sugestivas de PAIR, em pelo menos uma orelha e um (5,26%) músico não apresentou configuração condizente com PAIR. No grupo de maracatu, 26 (83,87%) músicos apresentaram respostas auditivas dentro dos limites da normalidade e cinco (16,13%) músicos apresentaram curvas audiométricas sugestivas de PAIR, em pelo menos uma orelha. Estes resultados podem ser vistos no Gráfico 8.
Os resultados da determinação dos níveis mínimos de audição, para os dois grupos de músicos, sugerem que a presença de PAIR, predominou no grupo de frevo (42,10%). Enquanto que no grupo de maracatu, foi encontrado apenas 16,13% de PAIR nas curvas audiométricas dos músicos.
O Gráfico 9 mostra que as avaliações dos níveis mínimos de audição, que estavam dentro dos limites de normalidade, dos indivíduos do grupo de frevo e do grupo de maracatu foram subdivididas, de modo a valorizar os entalhes. Observamos que, no grupo de frevo, nove (47,37%) músicos apresentaram exames normais bilaterais e um (5,26%) indivíduo apresentou entalhe unilateral; no grupo de maracatu, 11 (35,48%) apresentaram exames normais, nove (29,03%) apresentaram entalhes unilaterais e seis (19,35%) apresentaram entalhes bilaterais. Foi observado maior número de entalhes (35,48%) apresentando uma diferença estatisticamente significante, para os músicos do grupo de maracatu.
Gráfico 1. Distribuição dos músicos avaliados no grupo de frevo (n=19) e no grupo de maracatu (n= 31), de acordo com faixa etária.
Gráfico 2. Distribuição dos músicos dos grupos de frevo e de maracatu, segundo o tempo de exposição à música em anos.
Gráfico 3. Distribuição dos instrumentos por classe instrumental utilizados pelos músicos dos grupos de frevo e de maracatu.
Gráfico 4. Distribuição do número de horas de trabalho por dia, dos músicos dos grupos de frevo e de maracatu.
Gráfico 5. Distribuição do número de dias de trabalho por semana, dos músicos dos grupos de frevo e de maracatu.
Gráfico 6. Distribuição da freqüência e porcentagem das queixas relatadas pelos músicos dos grupos de frevo e de maracatu, que poderiam estar relacionadas à exposição à música.
Gráfico 7. Distribuição da freqüência e porcentagem dos hábitos auditivos relatados pelos músicos dos grupos de frevo e de maracatu.
Gráfico 8. Distribuição dos resultados dos exames segundo as variações dos níveis mínimos de audição detectados em músicos dos grupos de frevo e de maracatu.
Gráfico 9. Distribuição dos resultados dos exames que apresentaram níveis mínimos de audição dentro dos padrões de normalidade, segundo a presença do entalhe, em músicos dos grupos de frevo e de maracatu.
DISCUSSÃO
Os NPS gerados pelos músicos dos blocos carnavalescos de frevo e de maracatu variaram de 107 a 117 dB (A) e de 107 a 119 dB (A), respectivamente. Esses resultados indicaram que estes músicos foram expostos à música em NPS elevados. Contudo, em outros trabalhos que avaliaram NPS gerados por música se observou resultados semelhantes aos deste estudo5,16. O estilo musical não foi fator limitante em gerar níveis altos de pressão sonora como verificado com músicos de rock13 e músicos de orquestra sinfônica4 com NPS variando de 100 a 130 dB (A). Em relação à música eletronicamente amplificada em achados de dois estudos com músicos de trios elétricos foram obtidas mensurações com NPS variando de 104 a 114 dB (A)6 e 91,5 a 111 dB (A)7. Existem poucos relatos sobre música eletronicamente não amplificada com NPS médio inferior a 85,8 dB9.
No Brasil não consta nas normas da A.B.N.T. (Associação Brasileira de Normas e Técnicas) nenhuma diretriz legislando sobre o controle do ruído em atividades de lazer, ou seja, não existe um limite estabelecido para exposição a nível de pressão sonora elevado durante as apresentações carnavalescas dos blocos de frevo e maracatu2.
Os músicos deste estudo são profissionais do frevo e do maracatu. Considerando a atividade ocupacional, esses indivíduos só estariam livres de danos a audição se quando expostos a 85 dB NPS não ultrapassassem mais do que oito horas por dia de exposição. A exposição a níveis de ruído de 100 dB NPS somente é permitida uma hora por dia22. Nestas observações foram detectados níveis de ruído acima 100 dB NPS, para esta intensidade não há definição do tempo de exposição permitido, convém se expor no máximo alguns minutos. Além do alto NPS que os músicos estavam expostos, verificou-se que o tempo de exposição à música intensa também estava aumentado. Estas duas condições podem agir sinergicamente e aumentam o risco de dano à audição destes músicos. Neste trabalho não era esperado a obtenção de níveis de pressão sonora elevados.
Nos dois grupos musicais observou-se grande amplitude de idades entre os músicos, concordando com trabalhos de métodos semelhantes6,8,9,24,25. Entretanto em outros estudos houve pouca variação das idades13,18,26.
Os músicos deste estudo começam suas atividades trabalhistas precocemente. Isto poderia ser um fator prejudicial a audição destes sujeitos, pelo fato de poder haver efeito somatório dos anos de exposição à música intensa. Enfatizamos, com este comentário, a importância da aplicabilidade de um PCA direcionado a esta população, por ter tempo de exposição à música muito longo. Comparando esta atividade profissional com outras atividades ocupacionais, raramente observa-se uma pessoa ultrapassar 50 anos com exposição continua a ruído durante as atividades de trabalho sem desenvolver perda auditiva11.
Na análise dos níveis mínimos de audição dos músicos do grupo de frevo e maracatu, verifica-se maior prevalência de problemas auditivos nos músicos de frevo. Nos grupos de frevo e de maracatu verificou-se que os níveis de pressão sonora emitidos pelos instrumentos utilizados foram acima do esperado, sugerindo que os músicos expostos ao sons destes instrumentos poderiam estar mais propensos a adquirir perda auditiva. No presente estudo e em outros trabalhos foi sugerido haver associação entre os tipos de instrumentos utilizados pelos músicos e a ocorrência de PAIR. Alguns autores8,20, estudando músicos que utilizavam diferentes classes instrumentais, concluíram que os músicos que tocavam instrumentos de sopro estavam mais susceptíveis a perdas auditivas. Porém, há relatos de músicos com limiares comprometidos usando instrumentos de percussão em conjunto de rock5,19 e em grupos de orquestra sinfônica4.
Neste estudo observou-se que o trabalho com música não amplificada não foi fator importante para se diminuir o risco da instalação de perda auditiva. A exposição à música durante duas horas e meia excede os limites diários seguros para a audição humana27. Existem relatos contraditórios em relação ao número de horas expostos e o período de tempo em que se ocorreu esta exposição para se desenvolver perda auditiva. Jerger et al. observou que 33,34% dos músicos que tinham tempo de exposição de aproximadamente 15 horas por semana durante dois anos tiveram perda auditiva26. Contudo, músicos expostos a 105 dB NPS durante 11,4 horas por semana ao longo de dois anos e nove meses não se desenvolveu perda auditiva em 95% dos sujeitos estudados18. Em alguns estudos não foi estabelecida associação entre perda auditiva e o número de dias trabalhados com música13,16.
Algumas medidas preventivas em relação ao tempo de exposição a música já foram sugeridas8,15,16. É necessário que se discrimine em normas de segurança além do número de dias de trabalho por semana permitidos, o número de horas por dia e os NPS emitidos durante cada apresentação.
A presença de zumbido como queixa auditiva está presente em estudos com músicos relacionando dano auditivo e exposição à música, são descritas ocorrências variando de 18% a 100%4,5,6,13,17,19,27. Alguns autores consideraram presença de zumbido e mudança temporária do limiar (MTL) após as apresentações como fatores importantes para se suspeitar de provável instalação de perda auditiva24. A presença de queixas auditivas como zumbido e intolerância a sons intensos já foram relatadas por músicos com exames audiológicos normais9, não sendo verificado tal achado em músicos de rock utilizando somente exames audiométricos19.
Avaliando o efeito da música amplificada individual sobre a audição dos jovens verificou-se que 64,76% se expõem somente a este tipo de música10. Foi evidenciado que variáveis como idade, tempo de exposição à música, hábitos sonoros dos indivíduos em usar walkman ou prática de tiro ao alvo podem causar efeitos deletérios a audição24. Embora esse fato não tenha sido observado neste trabalho (Gráfico 7), talvez justificado pelo fenômeno de toughening28.
Idade mais avançada e o tempo de exposição aumentam da probabilidade de ocorrência de PAIR entre músicos24, sendo informações concordantes com os resultados deste estudo.
Na literatura estão descritas associações entre a ocorrência de perda auditiva e as seguintes variáveis tempo de trabalho com música4,5,24, níveis de pressão sonora elevados6, idade24 e a susceptibilidade individual em desenvolver prejuízo auditivo29. O aumento da perda de audição pode ser detectado a medida que o indivíduo sofre exposição e é percebida por notável mudança nos limiares obtidos para as freqüências acima de 2000 Hz15.
Os resultados dos limiares auditivos entre os músicos dos grupos carnavalescos não foram estatisticamente significantes. Os limiares dos músicos do grupo de frevo assemelharam-se aos limiares verificados em músicos de orquestra sinfônica, em relação a porcentagem de alterações nos limiares auditivos segundo a idade e o tempo de exposição20. Contrário a estas observações existem relatos de longo tempo de exposição a freqüências altas com 13% de perda auditiva19. No grupo de maracatu foi observado menor tempo de exposição à música em NPS elevados, fato também verificado em estudos com grupo de rock18. Porém, a exposição a curto períodos de tempo também é prejudicial a audição, pois existem casos de músicos expostos a freqüências altas de 30 a 70 dB NPS por período de dois anos que apresentaram perda auditiva em pelo menos uma orelha26.
É aceitável para um indivíduo normal freqüentar concertos de música pop ou discotecas uma ou duas vezes por semana sem o risco de compremeter a audição. Entretanto, se a exposição a concertos de rock for associada a outros ruídos em ambientes de lazer, o risco de adquirir perda auditiva aumentado24.
A prevalência de PAIR entre músicos varia de 0% a 40,6%8,9,16,18,19. No grupo de frevo e no grupo de maracatu as porcentagens de PAIR estavam compatíveis aos achados da literatura. Neste estudo a alta porcentagem de perda auditiva observado pode ser atribuída ao longo tempo de exposição à música, detectando maior prevalência de problemas auditivos nos músicos do grupo de frevo. Estes músicos avaliados em geral possuíam risco aumentado em adquirir PAIR, devido às horas excedentes de exposição a NPS elevados provenientes dos períodos de trabalho e de lazer. Regularmente, os músicos estudados são expostos à música por muitas horas por dia durante vários dias por semanas, associado a inúmeros anos de trabalho nesta profissão ou aos vários momentos de lazer. Algumas dessas pessoas ingressaram nesta atividade criança e permanecem exercendo a mesma atividade por até 50 anos.
Foi observado falta de interesse dos músicos em conhecer os riscos a que estão expostos, talvez justificado pela falta de informação e consciência quanto aos riscos de adquirir alterações auditivas irreversíveis.
Com os resultados deste estudo é justificável a realização de projetos que visem a implantação de programas de esclarecimento e orientação quanto a conservação auditiva voltadas para músico de frevo e maracatu na prevenção de alterações auditivas, apesar da casuística pequena e a faixa etária mais avançada que poderiam explicar a elevada freqüência de perda auditiva identificadas no grupo de frevo. A prática de repetir a audiometria em intervalos de um ano ou menos foi citada como a maneira mais sensível para determinar a susceptibilidade individual à perda auditiva15.
Concordando com Fiorini12, foi observado nos resultados deste estudo que a presença de entalhe é uma tendência para a instalação de PAIR.
É notório salientar que os músico deste estudo são absolutamente mal informados sobre os risco de adquirir PAIR, fazendo parte de uma problemática mais ampla que é a falta de informação ou dificuldade de acesso a informação especializada. Qualquer fonoaudiólogo que atue na área de audiologia e seja preocupado com a prevenção de PAIR pode prevenir a ocorrência desta alteração simplesmente pela orientação de quais os fatores de risco de instalação da perda auditiva induzida por ruído ou quais os riscos da exposição à música em níveis de pressão sonora elevados. Esperamos contribuir para que outros fonoaudiólogos se interessem pelo tema e que possam desenvolver Programas de Conservação Auditiva (PCA) destinados exclusivamente aos profissionais da área da música.
CONCLUSÕES
Os níveis de pressão sonora gerados pelos músicos dos blocos carnavalescos de frevo e de maracatu variaram de 107 a 117 dB (A) e de 107 a 119 dB (A), respectivamente.
As queixas auditivas mais freqüentemente citadas pelos músicos foram tontura e zumbido. No grupo de frevo dez (52,63%) músicos apresentaram tontura e zumbido e no grupo de maracatu 21 (67,74%) músicos apresentaram queixa de tontura e 13 (41,93%) músicos queixa de zumbido.
Os hábitos auditivas mais citadas pelos músicos foram a freqüência a discotecas e o uso de walkman. No grupo de frevo oito (42,10%) músicos apresentaram o hábito de freqüentar discotecas e seis (31,58%) músicos o uso de walkman, no grupo de maracatu 25 (80,64%) músicos e 21 (67,74%) músicos apresentaram estes hábitos, respectivamente. Os resultados foram discrepantes, provavelmente devido ao fenômeno do toughening.
Os níveis mínimos de audição dos músicos mostraram alteração de 47,37% no grupo de frevo e 16,13% no grupo de maracatu.
Embora a casuística seja pequena e com fator faixa etária mais avançada no grupo de frevo que talvez possa explicar a elevada freqüência de perdas auditivas identificadas, estes resultados criam discussões sobre a realização de estudos para a implantação de programas de esclarecimento e orientação que visem a conservação auditiva para músicos.
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1 Mestra em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora da Universidade Católica de Pernambuco. Professora da Faculdade Integrada do Recife. Fonoaudióloga do Serviço de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de Pernambuco.
2 Professora Titular do Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo e Membro do Comitê Nacional de Ruído e Conservação Auditiva.
3 Fonoaudióloga - Aluna do Programa de Mestrado em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz em
Pernambuco (FIOCRUZ-PE); Professora Substituta em Fonoaudiologia da UFPE.
4 Fonoaudiólogo clínico.
Instituição vinculada: Este estudo é parte da Dissertação de Mestrado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Fonoaudiologia - PUC-SP, São Paulo, Brasil.
Endereço para correspondência: Ana Isabel Azevedo de Andrade - Rua Dom João de Souza, 117 apto 1301 Madalena - 50.610-070 - Recife PE
Fone/Fax: (0xx81) 3228.1819 - E-mail anabelandrade@aol.com
Trabalho apresentado no XVI Encontro Internacional de Audiologia Rio de Janeiro de 5 a 8 de abril de 2001.
Fonte de Financiamento: PICDT - Universidade Federal de Pernambuco.
Artigo recebido em 16 de abril de 2002. Artigo aceito em 15 de agosto de 2002.