Ano: 2002 Vol. 68 Ed. 5 - Setembro - Outubro - (7º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 639 a 644
Avaliação de deformidade septal por videofibroscopia nasal em pacientes adultos com atresia transversal de maxila
Septal deformity evaluation by nasofibroscopy in adult patients with transverse maxillary deficiency
Autor(es):
Ana I.A. Andrade 1,
Iêda C.P. Russo 2,
Maria L.L.T. Lima 3,
Luiz C.S. Oliveira 4
Palavras-chave: mordida cruzada posterior, deformidade septal, atresia transversal de maxila, nasofibroscopia, septoplastia, cirurgia ortognática
Keywords: posterior crossbite, septal deformity, transversal maxillary deficiency, nasofibroscopy, septoplasty, orthognatic surgery
Resumo:
Introdução: A ocorrência de deformidades da maxila conjuntamente com problemas respiratórios, principalmente obstrução nasal, tem chamado a atenção de diversos pesquisadores para a possibilidade desses eventos guardarem uma relação entre si. São objetivos desse trabalho avaliar a ocorrência de obstrução nasal e de deformidade septal em pacientes adultos portadores de mordida cruzada posterior e discutir a realização de tratamento cirúrgico integrado (cirurgia maxilar/septoplastia) nesses pacientes. Forma de estudo: Clínico prospectivo randomizado. Material e Método: Realizou-se avaliação otorrinolaringológica com ênfase no exame da cavidade nasal através da nasofibroscopia de 30 pacientes adultos, portadores de mordida cruzada posterior e com indicação de tratamento ortodôntico-cirúrgico (expansão rápida de maxila assistida cirurgicamente). Resultados: Dos pacientes estudados 56,7% apresentaram relato de obstrução nasal, sendo que 43,3% não apresentavam queixa respiratória. Considerando o estudo nasofibroscópico, verificamos presença de deformidade septal em 100% dos pacientes. Quanto ao diagnóstico topográfico da deformidade septal (de acordo com Cottle), verificamos comprometimento da área I em 13,4%, área II em 83,3%, área III em 90%, área IV em 83,3% e área V em 3,3%. Conclusões: Verificamos que pacientes adultos com mordida cruzada posterior esquelética não apresentam obrigatoriamente quadro de obstrução nasal. Concluímos pela importância do exame nasofibroscópico em pacientes adultos portadores de mordida cruzada posterior esquelética para diagnóstico de deformidade septal. Ressaltamos a importância do trabalho em conjunto do Cirurgião Maxilo-Facial com o Otorrinolaringologista, visto que nos casos em que esteja programada expansão rápida de maxila cirurgicamente assistida, e o paciente apresentar prejuízo da função nasal às custas de deformidades septais, pode-se programar os dois procedimentos, osteotomia de maxila e septoplastia, no mesmo ato operatório.
Abstract:
Introduction: The presence of maxilla deformity together with respiratory problems, mostly nasal obstruction, have been attention of investigators for the possibility that these events keep a correlation to each other. Study design: Clinical prospective randomized. Material and method: It's took place otorrinolaryngologic evaluation and by nasofibroscopy of 30 adults patients with posterior crossbite and with indication of orthodontic-surgical treatment (surgically assisted rapid maxillary expansion). Results: It was demonstrated that 56,7% of the patients presented nasal obstruction, against 43,3% without the symptom. Studying the nasal septum by nasofibroscopy, it was found 100% of septal deformity. According Cottle, it was found septal deformity in area I (13,4%), area II (83,3%); area III (90%), area IV (83,3%) and area V (3,3%). Conclusions: Nasal obstruction isn't present in all cases of posterior crossbite. It's important nasofibroscopy in the evaluation of these patients and it's also important the Maxilo-Facial surgeon working together with the Otorrinolaryngologist, since the cases with indication of surgically assisted rapid maxillary expansion and the patient having nasal obstruction with septal deformity, both procedures (maxillary osteotomy and septoplasty) can be done in the same operation.
INTRODUÇÃO
A ocorrência de deformidades da maxila conjuntamente com problemas respiratórios, principalmente dificuldade de respiração nasal, tem chamado a atenção de diversos pesquisadores para a possibilidade desses eventos guardarem uma relação entre si1-8.
Segundo Epker et al.1, alguns pacientes que necessitam de cirurgia ortognática possuem uma deformidade nasal coexistente, que pode ser de significado funcional ou estético importante. Quando uma deformidade nasal concomitante existe, é mais conveniente para o paciente e para a equipe profissional ter a correção no mesmo tempo da cirurgia ortognática.
Turvey & Hill6 descrevem que as osteotomias maxilares objetivam melhorar a estética e a função da oclusão, da respiração, da deglutição e a fala. Referem que estudos objetivos das cavidades nasais em candidatos à cirurgia ortognática de maxila têm mostrado aumento da resistência aérea nasal nesse grupo. Sugerem que desvios septais e cornetos nasais hipertróficos podem ser tratados no mesmo tempo da cirurgia maxilar. Esses fatores favoreceriam a correção da deformidade dento-facial e a eliminação da obstrução nasal pré-existente.
A literatura revela inúmeros trabalhos relatando alívio da obstrução nasal após abertura da sutura palatina mediana3,9,10. Outros autores salientam que apesar dos benefícios decorrentes da expansão rápida de maxila na cavidade nasal, a realização deste procedimento não se justifica puramente com a finalidade de proporcionar melhora na função nasal nos indivíduos com dificuldade respiratória, a não ser que a causa da obstrução esteja localizada na porção ântero-inferior da cavidade nasal, justamente onde se encontra a região de menor secção transversal do nariz7,8.
De todos os métodos de classificação de má oclusão o Sistema de Angle11 é o mais tradicional. É baseado nas relações ântero-posteriores dos maxilares um com o outro: classe I - relação ântero-posterior normal dos maxilares; classe II - há uma relação distal da mandíbula em relação à maxila; classe III - há uma relação mesial da mandíbula em relação à maxila. O sistema de Angle não leva em consideração as discrepâncias no plano vertical ou lateral, o que pode levar à negligência de problemas tais como sobremordida e atresia transversal dos arcos dentários.
Mordida cruzada é o termo empregado para indicar uma relação bucolingual (labiolingual) anormal dos dentes. A mordida cruzada mais comum é aquela em que as cúspides bucais de alguns dos dentes superiores posteriores ocluem lingualmente com as cúspides bucais dos dentes inferiores. As mordidas cruzadas posteriores podem ser classificadas como dentária, funcional ou esquelética. A mordida cruzada dentária envolve apenas uma inclinação incorreta dos dentes no osso alveolar, não havendo alteração do tamanho ou da forma do osso basal12,13.
Segundo Epker et al.14, uma discrepância maxilo-mandibular transversal (atresia transversal de maxila) existe quando os dentes exibem uma disparidade na largura do arco quando os modelos de estudo são colocados numa relação anteroposterior de classe I, na chave de canino.
Andrade & Miguel15, examinando escolares do Estado do Rio de Janeiro, encontraram uma prevalência de 15,4% de mordida cruzada posterior. A diferença entre os sexos não foi estatisticamente significativa. Na opinião desses autores, a mordida cruzada não é auto-corrigível com o tempo e que a tendência é o aumento dos casos com a idade.
A etiologia da mordida cruzada não está bem elucidada, motivo pelo qual encontramos na literatura as mais variadas hipóteses sobre o tema. A obstrução das vias aéreas superiores, com conseqüente respiração bucal, pode ser uma das causas. De acordo com a teoria da matriz funcional de Moss, a passagem normal de ar pelas fossas nasais durante a respiração compreenderia um estímulo constante para o crescimento lateral do maxilar e para o abaixamento da abóboda palatina. Outros fatores etiológicos prováveis incluem os hábitos de sucção de chupeta e/ou dedo, pressionamento lingual atípico, força postural produzida na área dentofacial, perda precoce ou retenção prolongada de dentes decíduos e deficiência lateral da maxila determinada geneticamente. As malformações congênitas de lábio e/ou palato podem causar mordidas cruzadas, porém as circunstâncias determinantes são diversas das discutidas acima2,5,10,12,13,15-20.
Atribui-se ao americano Angell, em 1860, o início de um questionamento polêmico: a possibilidade de abertura da sutura palatina mediana por meio de procedimentos ortodônticos2,12,13. Por receber diretamente a força do expansor, a maxila experimenta a alteração mais sensível nos três sentidos do espaço. No plano horizontal o comportamento da maxila é facilmente averiguado com a ajuda de uma radiografia oclusal. Os maxilares se separam ao nível da sutura palatina mediana, criando uma radioluscência triangular com a maior abertura na região anterior, onde a resistência das estruturas faciais se faz menor. No plano frontal a separação dos maxilares também se dá de forma triangular, com a base voltada para baixo e o centro de rotação localizado nas proximidades da sutura fronto-nasal. Por ordem decrescente de magnitude de aumento temos: diâmetro transversal ao nível das coroas dentárias, arco alveolar, base maxilar e cavidade nasal. Como consequência dessa abertura triangular dos maxilares nos planos horizontal e frontal, a maxila é reposicionada no complexo facial, sendo deslocada para baixo e para frente. É interessante comentar que essas mudanças esqueléticas tendem a reduzir-se com a maturidade esquelética, em virtude da maior rigidez das articulações da maxila com a face. Muitas vezes, atingindo a maturidade esquelética, a inclinação dos dentes e processo alveolar constitui a única resposta à expansão rápida. Em função desta limitação biológica, vários tipos de osteotomias maxilares têm sido desenvolvidas para serem realizadas em concomitância com os aparelhos de expansão rápida, constituindo a chamada "expansão ortodôntico-cirúrgica", com a intenção de facilitar o movimento lateral da maxila em pacientes adultos13,14,21.
Existem três formas para se corrigir a discrepância transversa, que são (1) a ortodôntica, através da expansão rápida da maxila, (2) a distração osteogênica, formalmente chamada de assistência cirúrgica à expansão rápida de maxila e (3) a cirurgia ortognática reconstrutiva14.
Nos pacientes adultos o uso de expansores para aumento significativo do arco maxilar tem sido descrito como insuficiente, e a possibilidade da expansão palatina nos adolescentes em fase final de crescimento e próximo aos vinte anos é questionável. Nessas situações a expansão maxilar assistida cirurgicamente tem sido advogada3,4,14,22. A cirurgia seria necessária porque a expansão maxilar não ocorreria ou recidivaria, e, muitas vezes podem ocorrer sequelas indesejáveis, como dor, ulcerações, inclinação excessiva dos dentes posteriores, retrações gengivais e reabsorção dos alvéolos na face vestibular.
A incidência de deformidades septais tem variado em várias publicações23-25. Gray & Brogan9 investigaram 2.112 crânios de adulto e em somente 21% dos casos o septo pareceu estar centrado.
As deformidades septais foram classificadas em áreas 1, 2, 3, 4, 5 de acordo com a topografia da cavidade nasal envolvida (classificação de Cottle)26: área 1 (área vestibular) - região do vestíbulo nasal; área 2 (área da válvula nasal) - região correspondente ao limite entre a cartilagem lateral superior e inferior, tecidos moles adjacentes à abertura piriforme, assoalho da fossa nasal e septo nasal; área 3 (área atical) - região atrás e acima da válvula nasal, sob os ossos próprios do nariz; área 4 (área conchal anterior) - região correspondente ao septo cartilaginoso e ósseo, oposto aos cornetos; área 5 (área conchal posterior) - região localizada adjacente à coana.
O exame intranasal utilizando rinoscopia anterior e a nasofaringoscopia indireta fornecem dados limitados sobre segmentos mais posteriores e das paredes laterais da cavidade nasal. Na atualidade, os telescópios para endoscopia nasal proporcionam imagem com luminosidade, nitidez e resolução de alta qualidade, oferecendo nítidas e importantes vantagens sobre métodos convencionais de exame27,28.
Os objetivos desse trabalho são: 1- avaliar a ocorrência da queixa de obstrução nasal nos pacientes portadores de mordida cruzada posterior esquelética; 2- avaliar a ocorrência de deformidade septal em pacientes adultos portadores de mordida cruzada posterior esquelética através da videofibroscopia nasal; 3- verificar se a avaliação videofibroscópica da cavidade nasal pode ajudar na indicação da cirurgia corretiva funcional do nariz concomitante à cirurgia para assistência da expansão rápida de maxila.
MATERIAL E MÉTODO
Foram selecionados pacientes adultos, leucodermos, portadores de mordida cruzada posterior (unilateral ou bilateral) esquelética. Estudaram-se 30 pacientes, sendo 14 do sexo masculino e 16 do sexo feminino, avaliados no período de janeiro de 1999 a abril de 2000. A idade média do grupo estudado foi de 28,5 anos, sendo a idade mínima de 16 anos e a idade máxima de 49 anos. Selecionaram-se pacientes adultos com o crescimento maxilo-mandibular e septal já completados.
Os pacientes foram encaminhados por profissionais cirurgiões-dentistas, especialistas em ortodontia, para avaliação otorrinolaringológica prévia ao tratamento odontológico. Esses pacientes eram candidatos a tratamento ortodôntico, com indicação de expansão rápida de maxila assistida cirurgicamente.
Foram excluídos do trabalho os pacientes que se encaixavam nos seguintes grupos: tratamento ortodôntico anterior e/ou atual; cirurgia nasal prévia; fratura de face prévia; pacientes com ausência de dente(s) que dificultassem o diagnóstico de mordida cruzada posterior; pacientes com fenda labial e/ou palatina.
Os pacientes foram submetidos a exame clínico otorrinolaringológico completo e à videofibroscopia nasal utilizando-se um fibroscópio flexível de marca Machida, com 3.4 mm de diâmetro. O exame foi gravado em fita videocassete. O examinador, médico otorrinolaringologista, ao fazer o diagnóstico baseado na visão endoscópica, não conhecia outros dados do paciente. As deformidades septais foram classificadas em áreas 1, 2, 3, 4 e 5 de acordo com a topografia da cavidade nasal envolvida (classificação de Cottle-Rees).
RESULTADOS
Dos 30 pacientes avaliados, 25 (83,3%) apresentavam mordida cruzada posterior bilateral e 5 (16,7%) apresentavam mordida cruzada unilateral. Dezessete pacientes (56,7%) apresentaram relato de obstrução nasal, e treze pacientes (43,3%) não apresentavam nenhuma queixa respiratória. Considerando os pacientes com obstrução nasal, 58,8% apresentaram a queixa bilateralmente, sendo 41,2% com obstrução nasal unilateral. Dos 07 pacientes com queixa obstrutiva unilateral, em 05 o lado obstruído era homolateral à deformidade septal encontrada no exame nasofibroscópico, e em apenas 02 pacientes o lado obstruído era contralateral à deformidade septal.
Com relação à classificação de Angle, verificou-se uma predominância de pacientes em neutro-oclusão (classe I = 22 - 73,3%). Foram diagnosticados 07 pacientes em disto-oclusão (classe III), correspondente a 23,3% da amostra examinada e apenas 01 paciente em mesio-oclusão (classe II), o que corresponde a 3.3% da amostra. Encontramos 05 pacientes apresentando mordida aberta anterior, correspondendo a 16,7% do total de pacientes estudados.
Quanto ao estudo fibroscópico do septo nasal, verificamos presença de deformidade septal em 100% dos casos estudados. Em 22 pacientes (73,3%), diagnosticou-se deformidade septal projetando-se para um dos lados da cavidade nasal, e em 08 pacientes (26,7%) desvio septal projetando-se para ambos os lados da cavidade nasal.
Quanto ao diagnóstico topográfico da deformidade septal ao exame nasofibroscópico, verificamos a seguinte ocorrência, de acordo com a classificação de Cottle:
Lado direito
Área I - 6.7%
Área II - 46.7%
Área III - 50%
Área IV - 43.3%
Área V - 0%
Lado esquerdo
Área I - 6,7%
Área II - 50%
Área III - 50%
Área IV - 53,3%
Área V - 3,3%
Considerando a ocorrência de deformidade septal concomitantemente no lado direito e/ou no lado esquerdo, notamos:
Área I - 13,4%
Área II - 83,3%
Área III - 90%
Área IV - 83,3%
Área V - 3,3%
DISCUSSÃO
A ocorrência de deformidade septal encontrada no nosso trabalho foi de 100%. Predominou no estudo a presença de deformidades septais nas áreas 3 (90%), 2 (83,3%), e 4 (83,3%) de Cottle. O comprometimento da área 1 ocorreu em 13,4% e da área 5 em 3,3% dos casos. Essa elevada ocorrência de deformidade septal comparada com outros trabalhos que estudaram a prevalência de deformidade septal talvez possa ser explicada pelo método utilizado na nossa avaliação. Blaugrund23 relatou que a deformidade septal ocorreu em aproximadamente 20% da população e que foi mais frequente em adultos que em crianças. Haapaniemi24, estudou a ocorrência de desvio septal em grupo de escolares entre 6-15 anos, por meio de rinoscopia anterior e radiografias de face (occipitomental). Esse trabalho incluiu um total de 687 crianças. Diagnóstico clínico de desvio septal foi feito em 9,5% das crianças. Desvio septal foi encontrado em 21,2% das radiografias examinadas. Utilizamos no nosso trabalho videofibroscopia nasal27, método muito mais sensível que exame rinoscópico anterior e radiografias de face, meios utilizados por outros autores. A utilização da rinoscopia anterior torna difícil o exame de porções mais posteriores do septo nasal, mesmo quando realizada após vasoconstrição. Chamamos a atenção para a detecção da alta incidência de deformidades septais na área 4 de Cottle (83,3%), uma região difícil de ser avaliada sem utilização de telescópios25-27. Também, a amostra estudada pode ter contribuído para a alta ocorrência de deformidade septal, pois há vários estudos correlacionando obstrução nasal crônica e mordida cruzada posterior11,12,15. A função nasorrespiratória e a sua influência para o desenvolvimento do complexo craniofacial tem sido objeto de grande debate há mais de um século. Observações clínicas e evidência experimental sugerem que respiração bucal crônica durante períodos críticos de crescimento podem ocasionar problemas na morfologia facial. Mordida cruzada posterior foram achados frequentes nesses estudos5,9,16-20.
Como excluímos pacientes com história de traumatismo facial (consequentemente de trauma nasal) bem documentados, poder-se-ia esperar que esse fato ocasionasse uma diminuição na incidência de deformidades septais no grupo estudado, já que trauma nasal é uma das causas de desvios septais. Porém, nos nossos resultados não percebemos essa interferência.
Podemos discutir a possibilidade de que a atresia transversal da maxila tenha ocasionado alterações no crescimento do septo nasal. Questionamos se o palato mais atrésico, por vezes assumindo a conformação ogival, poderia impedir o crescimento no sentido vertical do septo, obrigando o mesmo à deslocamentos laterais. A área 4 de Cottle coincide com a zona de choque de crescimento do septo nasal, denominada por Sampaio & Caropreso28.
Muitos trabalhos clínicos relataram a melhora da respiração nasal, até mesmo resoluções de quadros de obstrução nasal após procedimentos que expandem a maxila3,9,10. A grande maioria desses resultados foi baseada na informação do paciente, carecendo de dados objetivos. Wertz8 afirma que a abertura da sutura palatina mediana tendo como objetivo principal a melhora da permeabilidade nasal não tem justificativa, a menos que a obstrução esteja localizada na porção mais anterior e mais inferior da cavidade nasal.
Warren et al.7 estudaram a correlação entre expansão rápida da maxila, expansão cirúrgica da maxila, dimensão da cavidade nasal e fluxo aéreo nasal. Os dados desse estudo suportam a idéia de que a expansão rápida de maxila reduz a resistência ao fluxo aéreo nasal e melhora a respiração nasal. Consideram que ambos os procedimentos, expansão ortodôntica e expansão cirúrgica alteram a válvula nasal, a qual apresenta a menor área seccional e oferece a maior resistência ao fluxo aéreo nasal durante a respiração. Presumem que a constrição maxilar produz uma válvula nasal estreita e acreditam que a expansão maxilar melhora o fluxo aéreo nasal aumentando a largura alar e a válvula nasal. Concluem nesse trabalho, que baseados em dados rinomanométricos, apesar da diminuição da resistência ao fluxo aéreo nasal nos pacientes com mordida cruzada posterior submetidos à expansão rápida de maxila, uma larga porcentagem de pacientes permaneceriam presumivelmente respiradores bucais, a menos que a cirurgia nasal fosse também realizada.
Vários autores chamam atenção para o fato de que com a expansão rápida de maxila ocorre um alargamento do assoalho nasal mais na sua região anterior que na região posterior e na região mais inferior que superior da cavidade nasal2,6,7,12,13. Acreditamos que deformidades septais com maior probabilidade de sofrerem impacto em relação à expansão rápida de maxila, no sentido de ocorrer uma diminuição da resistência ao fluxo aéreo nasal e consequentemente melhora da obstrução nasal, sejam aqueles desvios localizados nas áreas 1 e 2 de Cottle, regiões mais anteriores da cavidade nasal. No nosso trabalho verificamos que somente em 05 pacientes (16,7% dos casos) a área 4 ou a área 5 não foram comprometidas por deformidades septais. Em apenas 02 pacientes as áreas 1 e 2 foram comprometidas isoladamente.
Para a realização do tratamento ortodôntico-cirúrgico nas expansões rápidas da maxila, o procedimento cirúrgico pode ser realizado sob anestesia geral ou sob anestesia local, dependendo da experiência e da preferência do profissional. O procedimento realizado a nível ambulatorial tem a vantagem de ser menos oneroso para o paciente, pois dispensa gastos com internação hospitalar4. Porém, quando utilizada a anestesia local, cirurgiões menos experientes podem ter problemas com sangramentos excessivos e há o risco de uma expansão inadequada21,22. Epker et al.14 preconizam a realização da assistência cirúrgica para a expansão rápida da maxila sob anestesia geral, realizando-se todas as osteotomias clássicas para Le Fort I, associado à osteotomia mediana da espinha nasal anterior e do palato.
Se considerarmos a realização de disjunção de maxila sob anestesia geral e esse mesmo paciente apresentar à avaliação otorrinolaringológica indicação de cirurgia funcional endonasal para desobstrução do nariz, baseado em nossos resultados, somos da opinião que ambos os procedimentos devam ser realizados concomitantemente. A cirurgia conjunta (maxilo-facial/otorrinolaringológica) pode significar diminuição de gastos para o paciente, pois não necessita de 2 internações consecutivas. Além do mais, a cirurgia ortognática maxilar e a cirurgia nasal realizadas no mesmo tempo operatório pode significar ganho de tempo, e possível melhora na estabilidade dos resultados do tratamento ortodôntico1,5. Por isso, é importante a avaliação sistemática da fisiologia e da anatomia do nariz nos pacientes portadores de atresia maxilar com proposta terapêutica de assistência cirúrgica à expansão ortodôntica rápida de maxila através da nasofibroscopia. De forma que, quando há uma função nasal inadequada suspeitada ou documentada, envolvendo principalmente o septo nasal ou os cornetos, a possibilidade de integração do tratamento cirúrgico pelo cirurgião maxilo-facial e pelo otorrinolaringologista deve ser considerada.
CONCLUSÕES
1. A presença de mordida cruzada posterior esquelética em pacientes adultos não implica obrigatoriamente em obstrução nasal.
2. É importante a utilização de nasofibroscopia no diagnóstico de deformidade septal em pacientes adultos com mordida cruzada posterior esquelética.
3. Pacientes adultos com mordida cruzada posterior esquelética em que esteja programada expansão rápida de maxila cirurgicamente assistida e o paciente apresentar prejuízo da função nasal às custas de deformidades septais - discutir a realização dos dois procedimentos, osteotomia de maxila e septoplastia no mesmo ato operatório.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Epker BN, Stella JP, Fish LC. Management of nasal deformities associated with dentofacial deformities. In: ________. Dentofacial Deformities: Integrated Orthodontic and Surgical Correction. St. Louis: Mosby; 1998. p. 1715-51.
2. Haas AJ. The treatment of maxillary deficiency by opening the midpalatal suture. Angle Orthod 1961;35:200-17.
3. Manganello-Souza LC, Cappellette M. Expansão cirúrgica da maxila. Rev Assoc Paul Cir Dent 1996;45:71-3.
4. Manganello-Souza LC, Silveira ME, Capellete M. Tratamento ortodôntico-cirúrgico da atresia de maxila. In: Manganello-Souza LC, Silveira ME, Capellette M, Garducci M, Lino AP. Cirurgia ortognática e ortodontia. São Paulo: Santos; 1998. p. 99-100.
5. Ricketts RM. Respiratory obstruction syndrome. Am J Orthod 1968;54(7):495-507.
6. Turvey TA & Hill C. Management of the nasal apparatus in maxillary surgery. J Oral Surg 1980;38:331-5.
7. Warren DW, Hershey HG, Turvey TA, Hinton VA, Hairfield WM. The nasal airway following maxillary expansion. Am J Orthod Dentofacial Orthop 1987;91:111-6.
8. Wertz RA. Changes in nasal airflow incident to rapid maxillary expansion. Angle Orthod 1968;38:1-11.
9. Gray LP & Brogan WF. Septal deformity, maloclusion and rapid maxillary expansion. Orthodontist 1972;4(1):2-14.
10. Katsev R. The active maxillary retainer: the final step in improving nasal airway function using dental orthopedics. J Am Acad Gnathol Orthop 1996;13(2):4-6.
11. Angle EH. apud Moyers RE. Ortodontia. Classificação e terminologia da maloclusão. In: ________. Ortodontia. 4 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988. p. 156-66.
12. Moyers RE. Ortodontia. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1991. 483 p.
13. Silva Filho OG, Alves RM, Capelozza Filho L. Alterações cefalométricas ocorridas na dentadura mista após o uso de um expansor fixo tipo quadriélice. Ortodontia 1986;19:22-33.
14. Epker BN, Stella JP, Fish LC. Transverse maxilomandibular discrepancies. In: ________. Dentofacial Deformities: Integrated Orthodontic and Surgical Correction. St. Louis: Mosby; 1998. p.1118-316.
15. Andrade JP & Miguel JAM. Prevalência de mordida cruzada posterior em escolares do Rio de Janeiro. Rev ABO Nac 1999;7:221-5.
16. Bresolin D, Shapiro PA, Shapiro GG, Chapko MK, Dassel S. Mouth breathing in allergic children: its relationship to dentofacial development. Am J Orthod 1983;83(4):334-40.
17. Harvold EP, Chierici G, Vargervik K. Experiments on the development of dental malocclusions. Am J Orthod 1972;61:38-44.
18. Linder-Aronson S. Effects of adenoidectomy on dentition and nasopharynx. Am J Orthod 1974;65(1):1-15.
19. Mocellin M, Fugmann EA, Gavazzoni FB, Ataíde AL, Ouriques FL, Herrero-Júnior F. Estudo cefalométrico-radiográfico e otorrinolaringológico correlacionando o grau de obstrução nasal e o padrão de crescimento facial em pacientes não tratados ortodonticamente. Rev Bras Otorrinolaringol 2000;66(2):116-22.
20. Santos-Pinto A. Alterações nasofaringeanas e crânio-faciais em pacientes com adenóide hipertrófica - estudo cefalométrico. Rio de Janeiro, 1984. Dissertação (Mestrado - Ortodontia). Faculdade de Odontologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
21. Trevisan RA. Expansão rápida do palato: ortodontia x cirurgia. In: Araújo A. Cirurgia Ortognática. São Paulo: Santos; 1999. p. 213-22.
22. Araújo A. Expansão cirúrgica-ortodôntica da maxila: técnica cirúrgica. In ________. Cirurgia Ortognática. São Paulo: Santos; 1999. p. 223-30.
23. Blaugrund SM. The nasal septum and concha bullosa. Otolaryngol Clin North Am 1989;22:291-306.
24. Haapaniemi JJ. Prevalence of septal deviations in school-aged children. Rhinology 1995;33:1-3.
25. Jeppesen F & Winfeld I. Dislocation of the nasal septal cartilage in the newborn. Acta Obstetr Gynecol Scand 1972;51:5-15.
26. Rees TD. Phisiology of the nose. In: ________. Aesthetic plastic surgery. Philadelphia: W. B. Saunders; 1980. p. 66-98.
27. Gustafson RO, Kern EB. Office endoscopy: when, why, what, and how. Otolaryngol Clin North Am 1989;22:683-9.
28. Sampaio PL, Caropreso CA. Anatomia cirúrgica do septo nasal. In: Lopes-Filho O, Bussoloti-Filho I. Anatomofisiologia clínica e cirúrgica do nariz e cavidades paranasais. São Paulo: Fundação Byk; 1998. p. 48-67.
1 Mestre em Otorrinolaringologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto - SP, Prof. da Disciplina de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial das Faculdades de Odontologia UNIC e UNIVAG - MT.
2 Prof. Dra. da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto.
Endereço para correspondência: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto USP - Av. Bandeirantes, 3900 Ribeirão Preto SP Brasil 14049-900 - Fone (oxx16) 602-3000 Fax (0xx16) 602-2860
E-mail: ramancio@fmrp.usp.br/ betononaes@terra.com.br
Trabalho apresentado no 35º Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, realizado em Natal-RN, no período de 16 a 20 de outubro de 2000.
Artigo recebido em 16 de fevereiro de 2001. Artigo aceito em 15 de agosto de 2002.