Obituário
Obituary
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Deixou-nos recentemente Madame Claudine Portmann. Exemplo de simplicidade e modéstia, nascida Claudine Barreau em 24 de setembro de 1923 no mesmo vilarejo litorâneo onde morreu em 21 de janeiro de 2008, em casa e cercada pela família. Esta pequena Arès, era seu lugar predileto, onde em sua casa beira-mar, admirava pacientemente o balanço das marés, lia seus livros, estudava e adorava receber a família e os amigos.
Tendo ido estudar Medicina em Bordeaux, interessava-se sobretudo pela pediatria, e pelas mãos de seu então noivo Michel Portmann (com quem casou-se em 1948) derivou para um ramo até então novo e apaixonante da medicina, o estudo da surdez infantil e suas conseqüências. Obteve seu título de especialista em ORL com a tese sobre a Surdez Congênita provocada pela Rubéola Materna; desde o início dos anos 50 foi uma incansável lutadora em prol da criança surda.
Em 1952 contribui para a criação do Centro de Fonoaudiologia Regional da Universidade de Bordeaux, do Laboratório de Audiologia experimental e do Centro da Audição e da Linguagem, todos daquela região.
Em 1953, em colaboração com seu marido, publica o Precis d'Audiometrie Clinique que seria reeditado outras nove vezes e traduzido em inúmeras línguas, inclusive o Português e que ainda hoje é um livro de leitura indispensável para aqueles que queiram aprofundar-se em Audiologia. Em 1956, com o Prof. Michel Portmann funda em Bordeaux, a segunda Faculdade de Fonoaudiologia da França, um ano depois daquela estabelecida em Paris.
Inúmeros especialistas, otorrinolaringologistas, pediatras, fonoaudiólogos, professores de surdos e audioprotesistas convergiam a Bordeaux para conhecer seu serviço e conviviam com uma pessoa formidável: seu dinamismo, a ética com que tratava destes problemas, sua entrega, sua disciplina e seu enorme carinho para com o pequeno surdo e para com seus pais eram exemplo para quem pode compartilhar com Claudine de suas atividades profissionais.
Os frutos desta incansável missão, a tornaram mundialmente conhecida, tendo feito inúmeras viagens ao redor do mundo para as Américas, Ásia, e pela Europa para cursos e demonstrações práticas. Uma das primeiras vezes que veio à América do Sul, foi à São Paulo, em 1974 no primeiro Congresso Internacional do Institut Georges Portmann, sob a presidência de um fiel amigo da família Portmann, Alexandre Medicis da Silveira.
Suas atribuições profissionais em nada atrapalharam sua atividade familiar, tendo sido uma esposa e mãe exemplar, compreensiva e conciliadora, mantendo por todo tempo uma relação de cumplicidade e amizade com seus filhos Annie, Nathalie e Didier. O mundo e os costumes mudaram bastante, mas não o suficiente para que Claudine não conversasse de igual para igual com suas oito queridas netas, e as compreendesse. Esta sua compreensão do mundo talvez fizesse dela uma precursora da globalização, pois desde há muitos anos se acostumou a receber estagiários de todos os continentes, tratando a todos da mesma forma e com as mesmas preocupações. Nas quartas-feiras religiosamente o casal Portmann convidava um ou dois estagiários do serviço para o almoço. O tempo talvez fosse pouco, chegava-se tomava-se um Porto ou um Whisky, sentava-se à mesa, se comia muito bem. Claudine se interessava sobretudo em perguntar como estava sendo a adaptação daquele estrangeiro, suas dificuldades e a frase: "o que posso fazer para ajuda-lo"? Depois do café, Claudine dizia uma expressão, a qual bem nos lembramos e que foi citada na singela homenagem póstuma feita por suas netas: "bon, bon, bon!!!!" que na chegada poderia significar: "que bom vê-los, como estão as coisas?" E na saída com certeza claramente dizia: "vamos, vamos: é hora de trabalhar... o dever nos espera"!!!!!
Eu tive o previlégio de conviver com esta figura humana remarcável. Impressionou-nos sua sinceridade: com Claudine não havia meia-palavra. Sua objetividade e seu carinho com os amigos me cativaram. Tive a honra de passar momentos com a família Portmann, onde só recebemos, minha famíia e eu, carinho, apoio e lições de vida. No hospital, com Michel Negrevergne trabalhávamos na sala contígua à de Claudine, e da mesma forma que Negrevergne, aprendi a amar e admirar Madame Portmann.
Com sua partida ficam vários outros órfãos: aquelas crianças surdas, hoje muitas delas adultas, que com freqüência escreviam a Madame Portmann contando suas trajetórias (e sempre recebiam a resposta), Madame Delaroche (sua assistente, amiga e seguidora), além de todos nós que com ela tanto aprendemos.
Ao mestre Michel Portmann, aos filhos Annie, Nathalie e Didier, e às oito adoráveis netas, o carinho nosso e de todos aqueles brasileiros que se preocupam com a criança surda.
Para finalizar permito-me traduzir a oração feita por Monique Delaroche na Revue de Laringologie:
"Em nome de todos os profissionais que tiveram a chance de se beneficiar do seu ensinamento,
Em nome de todos aquele que tiveram a chance e a honra de trabalhar a seu lado,
Em nome de todas as crianças que você tratou e acompanhou,
Em nome de todas as famílias que você ajudou, guiou e encorajou.Nós lhe dizemos obrigado Obrigado pela missão cumprida Muito obrigado por esta vida a serviço do próximo".
Prof. José Alexandre Medicis da Silveira