Versão Inglês

Ano:  2002  Vol. 68   Ed. 5  - Setembro - Outubro - ()

Seção: Editorial

Páginas: 610 a 610

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A ética da transmissão do conhecimento

The ethics in disseminating knowledge

Autor(es): Henrique Olival Costa

Palavras-chave: -

Keywords: -

Os problemas relativos à comunicação científica mundial apresentam dificuldades que transcendem o interesse investigativo puro e simples. Há no meio científico uma nítida tendência ao uso da língua inglesa como padrão para a transmissão de conhecimentos. Tal fato é auspicioso, uma vez que fornece uma referência segura para a nomeação e conceituação de problemas para todos os povos.

Entretanto, estes princípios somente se sustentam quando olhamos os dados pelo aspecto mais básico da informação onde a argumentação mais rica e elaborada não está contemplada.

De certa forma, apesar de manter os relatos em um nível sisudo e enxuto, o uso do inglês faz a narrativa perder sua retórica e coerência geral se o autor não tiver completo domínio do idioma.

No convívio com especialistas dos mais diversos países de todas as partes do mundo, no recente Congresso Mundial de Otorrinolaringologia, pudemos perceber o quanto as possíveis dificuldades lingüísticas podem transformar pessoas da maior relevância intelectual em escravos medianos de meia dúzia de expressões idiomáticas, submissos aos parcos conhecimentos que apresentam da língua inglesa. Dito assim, até parece que estamos caricaturando uma situação esporádica, mas o fato é que mesmo os mais fluentes encontram dificuldades para concatenar as idéias científicas em idioma estrangeiro. Esta pode ser uma perda sentida, visto que a inteligência não necessariamente vive apenas nos países de língua inglesa.

A relevância desta afirmação pode ser ilustrada por pequeno episódio que ocorreu em reunião do International Editorial Board no Meeting da Academia Americana de ORL do ano passado. Após algumas discussões quanto ao fluxo de artigos científicos nas revistas americanas, revelou-se que havia uma carência de artigos de qualidade provenientes do exterior para serem submetidos aos corpos editoriais das revistas da América do Norte. Preocupado com o fato, um dos editores sugeriu que os trabalhos científicos, antes de sua implementação, se quisessem ser posteriormente submetidos à avaliação editorial, deveriam ser encaminhados para uma suposta "junta de instrução científico-metodológica" nos E.U.A.. Argumentava que com isso não se perderiam tantas boas idéias em trabalhos de baixa qualidade!?!

Não acredito que este tipo de comentário seja proveniente de prepotência intelectual e sim decorrente da má articulação lingüística da maioria dos textos enviados. Mas como fazer para solucionar a questão? Deixamo-nos levar pela tendência de nivelação por baixo dos atributos comunicativos dos pesquisadores ou procuramos por novas fórmulas de transmissão do pensamento?

Com esta questão em mente e com um certo descontentamento em relação aos organismos de indexação internacionais, que se apóiam em índices bibliométricos como o Citation Index, que mensura quanto um artigo em inglês foi lido e citado em revistas editadas em inglês (em sua maioria), desprezando o conhecimento da qualidade do artigo, surgiu nas reuniões da Sociedade Brasileira de ORL a idéia de criar um Instituto que privilegiasse o conteúdo dos periódicos e não seu idioma ou país de origem. Nele os leitores dos diversos povos indicariam quais as suas leituras locais prediletas e a partir de suas indicações um cadastro de periódicos avalizados pelas Sociedades locais seria formalizado.

Para que este Instituto fosse criado, sabíamos que teríamos a necessidade de nos associar a uma organização multinacional, com prestígio científico e que abarcasse o maior número de pessoas interessadas em Otorrinolaringologia. Por isso, aproveitamos a oportunidade do Congresso Mundial da IFOS para iniciar conversações visando a implantação do inicialmente denominado Instituto de tradução instantânea em ORL. O conceito geral desta agência seria ter periódicos selecionados pelas sociedades federadas que tivessem boa qualidade local, independente da sua indexação em qualquer outra agência, e que trariam o título e o resumo dos trabalhos em inglês. Os artigos ficariam em um banco de dados de acesso aberto e, sob solicitação, seriam traduzidos do idioma original para o do solicitante, sob supervisão de otorrinolaringologista. Com isso, artigos de revistas chinesas de qualidade poderiam ser lidos em português e vice-e-versa.

Esta democratização da troca de informações poderia ser mensurada pelo índice de procura das revistas e artigos, sem o viés dado pela língua e poderíamos conhecer a realidade da qualidade científica de cada país, além de abrir um imenso campo para a melhora da qualidade dos artigos considerados descartáveis pela barreira idiomática.

O trabalho está apenas começando, mas sonhar é preciso.

Saudações

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