Ano: 2002 Vol. 68 Ed. 4 - Julho - Agosto - (17º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 558 a 561
Metastatização linfática oculta no carcinoma epidermóide das vias aerodigestivas superiores
Occult lymphatic metastatization in squamous cell carcinoma of head neck
Autor(es):
Ali Amar 1,
Marcos B. Carvalho1 1,
Abrão Rapoport1
Palavras-chave: metástase oculta, carcinoma espidermóide, esvaziamento cervical, fatores de risco
Keywords: occult metastasis, squamous cell carcinoma, neck dissection, risk factors
Resumo:
Introdução: Os esvaziamentos cervicais eletivos são procedimentos para identificar metástases cervicais ocultas em câncer de cabeça e pescoço. Forma de Estudo: Estudo retrospectivo. Objetivo: Avaliar a metastatização linfática oculta em pacientes com carcinoma epidermóide das vias aero-digestivas superiores. Material e Método: Foram avaliados, retrospectivamente 428 pacientes submetidos a esvaziamento cervical eletivo entre os anos de 1977 e 1996. Foi analisada a incidência de casos falsos-negativos (pN+) e sua relação com o tamanho (estádio T) e sítio anatômico do tumor primário, graduação histológica, sexo e faixa etária. Também foram avaliadas as cadeias linfonodais. Resultados: Metástases linfonodais ocultas foram diagnosticadas em 32% dos pacientes, sendo 26% nos tumores de laringe, 31% na orofaringe, 36% na cavidade oral e 40% na hipofaringe. Houve preponderância de metástases nos níveis II e III. Apenas os tumores de cavidade oral apresentaram metastatização significativa para o nível I (14%). As metástases ocultas acometeram um linfonodo em 14% e vários em 18% dos pacientes. O estadiamento T se relacionou com a metastatização oculta apenas nos tumores de laringe. Conclusões: Os níveis linfáticos II e III foram os mais afetados para as lesões da faringe e laringe, e o nível I para a cavidade oral, enquanto que os fatores de risco (idade, sexo e o grau de diferenciação histológica) não foram determinantes significativos de metástases ocultas.
Abstract:
Introduction: Elective neck dissections are procedures to identifiy occult neck node metastases in head and neck cancer. Study design: Retrospective study. Objective: Evaluate occult metastasis in neck nodes in patients with head and neck squamous cell carcinoma. Material and Method: From 1977 to 1996, 428 patients submitted to elective neck dissection were evaluated, concerning the incidence of false negatives neck nodes (pN+), and its relation to the size (stage T), anatomic location, histologic graduation, sex, age and main lymphatic chains affected. Results: Occult metastasis were diagnosed in 32%, being 26% for larynx, 31% for orophaynx, 36% for oral cavity and 40% for hipopharynx. The level I and IV were predominant, and the level I only for the oral cavity. Between patients with occult metastasis, 56% presented multiples chains with metastasis. The stage I were related only with larynx tumors. Conclusions: The lymphatcs levels II and III were predominant for pharynx and larynx and the level I for the oral cavity. The others risk factors (age, gender and hystologic degree differenciation) were not responsible for occult metastases.
INTRODUÇÃO
Os esvaziamentos cervicais eletivos são considerados procedimentos de estadiamento nos carcinomas epidermóides das vias aerodigestivas superiores, sendo indicados quando a probabilidade de metástases ocultas regionais é superior a 20%1. Os esvaziamentos seletivos, com menor morbidade e mínimas seqüelas, têm dupla finalidade, embora esvaziamentos, geralmente, sejam realizados com intento terapêutico. A justificativa para o sobretratamento em aproximadamente 70-80% dos casos, é atribuída aos piores resultados observados quando o esvaziamento cervical foi realizado após uma recidiva2,3. A superioridade do esvaziamento eletivo sobre o esvaziamento de necessidade não foi, entretanto, comprovada1. Uma conduta expectante, por outro lado, é temerária, caso haja limitação para o seguimento do paciente. Isto dificulta o diagnóstico precoce da recidiva e reduz a agilidade do resgate cirúrgico, uma vez que, em alguns casos, as metástases apresentam crescimento explosivo após a ressecção do tumor primário. Os esvaziamentos seletivos, cuja extensão é baseada em estudos da disseminação linfática dos tumores em diferentes sítios anatômicos, mostraram-se adequados para o tratamento do pescoço no estádio N0. Existindo doença metastática, as eventuais recorrências regionais provavelmente vão ocorrer nas áreas incluídas no esvaziamento4,5.
Este estudo objetiva analisar a metastatização linfática cervical oculta, avaliando sua localização e os fatores de risco envolvidos, em pacientes portadores de carcinoma epidermóide submetidos a esvaziamento cervical eletivo.
MATERIAL E MÉTODO
O estudo consistiu na análise retrospectiva de prontuários de 428 pacientes com carcinoma epidermóide das vias aerodigestivas superiores, sem tratamento prévio, submetidos a esvaziamento cervical eletivo no Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis, Hosphel, entre 1977 e 1996.
Os pacientes foram agrupados segundo 4 regiões anatômicas sedes de tumores: boca, orofaringe, laringe e hipofaringe. Foram considerados cinco níveis de cadeias linfáticas (submandibular I, júgulo carotídeo alto II, júgulo carotídeo médio III, júgulo carotídeo baixo IV e espinal V). A identificação destes níveis foi realizada por um cirurgião da equipe, imediatamente após a remoção do espécime cirúrgico. Os esvaziamentos cervicais foram classificados conforme critérios propostos pela The American Head and Neck Society6. A análise anátomo-patológica, empregou, rotineiramente, 2 cortes para cada linfonodo. Foi avaliada a relação entre o sítio do tumor primário, estadiamento T (classificação TNM da UICC-AJCC/1997), sexo, idade, grau de diferenciação histológica e a presença de metástases. Foi avaliada ainda a presença de metástases nas diversas cadeias linfáticas em relação aos tumores de diferentes regiões anatômicas.
O comprometimento dos diferentes níveis linfáticos considerou a freqüência de metástases em cada cadeia e o número total de pacientes cujo esvaziamento incluía o respectivo nível.
A análise estatística empregou o teste Chi-quadrado para avaliar diferenças entre variáveis qualitativas e quantitativas categóricas.
Figura 1. Número de linfonodos metastáticos
RESULTADOS
Entre os pacientes, 390 pertenciam ao sexo masculino e 38 ao sexo feminino. A idade média dos mesmos foi de 57 anos, variando de 26 a 85 anos. A laringe foi o sítio primário do tumor em 180 pacientes, a boca em 175, a orofaringe em 38 e a hipofaringe em 35. Quanto ao estadiamento, encontrou-se 15 casos T1, 121 casos T2, 201 casos T3, 83 casos T4 e 8 casos cujas informações não permitiram o reestadiamento TNM (1997). Foram realizados 336 esvaziamentos radicais unilaterais, 43 radicais bilaterais, 22 seletivos unilaterais, 21 seletivos bilaterais e 6 bilaterais mistos (radical + seletivo). Foram analisados, em média, 35 linfonodos por paciente.
O índice de metastatização oculta foi de 32%, sendo 36% nos tumores de boca, 31% na orofaringe, 40% na hipofaringe e 26% na laringe. Nos tumores de laringe, houve uma relação proporcional entre o estadiamento do tumor primário e à metastatização oculta, não observada nos outros sítios (Tabela 1).
As metástases acometeram um linfonodo em 14% dos pacientes e múltiplos linfonodos em 18% (Figura 1).
Houve menor incidência de metástases ocultas no sexo feminino. A idade, o sexo e o grau de diferenciação histológica não mostraram relação significativa com o índice de metastatização histológica (Tabela 2).
Nos tumores de boca, orofaringe e laringe, o nível II foi o mais acometido. Nos tumores de hipofaringe houve predomínio do nível III. Os linfonodos espinais altos (nível V) apresentaram metástases em 10 pacientes (2,3%) (Tabela 3).
O esvaziamento cervical foi realizado bilateralmente em 70 pacientes, dos quais apenas 7 (10%) apresentavam metástases bilaterais (pN2c).Tabela 1. Metastatização oculta em cada estádio T e sítio anatômico.
P = desvio padrão
n.s. = não significante
Tabela 2. Fatores clínicos e histológicos relacionados à presença de metástases ocultas.
pN+ = linfonodo histológico positivo
RR = risco relativo
IC = intervalo de confiança
Ref = referência
Tabela 3. Nível de metastatização oculta nos diferentes sítios anatômicos.
DISCUSSÃO
A distribuição das metástases no carcinoma epidermóide das vias aerodigestivas superiores apresenta um padrão previsível, com pequenas variações individuais. Os resultados do presente estudo são semelhantes aos observados por outros autores, com pequenas variações2,3,4,5,7. Os níveis linfonodais comprometidos com metástases ocultas são os mesmos observados nas fases avançadas da doença8. O esvaziamento do nível I somente se justifica nas lesões de boca. Na presente casuística as lesões de boca (independente do sítio bucal) apresentaram maior metastatização para o nível I, acentuadamente quando as lesões são de soalho e de gengiva inferior, enquanto que nas lesões da língua há predomínio do envolvimento do nível II. Na faringe e na laringe, apenas os níveis II e III estão comprometidos em uma parcela significativa de pacientes. Os linfonodos espinais altos (V) se encontram comprometidos em um pequeno número de pacientes, visto que este nível é usualmente envolvido nas neoplasias de rinofaringe9, sendo que a sua exclusão do esvaziamento pode diminuir a morbidade causada pela manipulação do XI par craniano (nervo espinal). Quanto ao esvaziamento do nível IV, este pode ser considerado um procedimento de oportunidade. Isto ocorre durante o esvaziamento supraomohioideo (níveis I, II e III), indicado nas lesões de boca, apesar dos níveis III e IV poderem ser as primeiras estações de drenagem nas lesões da ponta da língua e da região posterior do soalho da boca (skip metastases)10,11. Quanto às metástases bilaterais, estas foram encontradas em apenas 10% dos pacientes submetidos a esvaziamento bilateral, resultados que não justificam a realização de esvaziamento eletivo bilateral quando não há metastatização no lado predominante. Além das lesões da linha média e das regiões anatômicas de drenagem linfática cruzada, a indicação de esvaziamento cervical bilateral também deve considerar os índices de recidiva regional contralateral, não analisadas no presente estudo12,13. As metástases ocorrem predominantemente em cadeias linfonodais habitualmente reativas. Este fato pode apenas refletir o estímulo da cadeia de drenagem mais próxima, mas o linfonodo reativo também poderia oferecer condições mais adequadas ao crescimento do tumor. A presença de metástases nos níveis inferiores, geralmente menos reativos, se associa com pior prognóstico9,10.
O pequeno número de pacientes do sexo feminino não permitiu concluir sobre as causas de uma menor incidência de metástases ocultas neste grupo, uma vez que a metastatização linfática costuma ocorrer igualmente em ambos os sexos. Foi observada uma taxa de metastatização oculta mais alta nos pacientes idosos e naqueles com tumores menos diferenciados, embora estas diferenças não tenham alcançado significância estatística (tabela 2). Há relato de maior incidência de metástases nos pacientes da cor negra, mas no presente estudo não foram avaliadas as diferenças raciais devido à grande miscigenação da população brasileira13.
O índice de metastatização oculta nos tumores de boca foi semelhante, nas lesões primárias de diferentes tamanhos (Tabela 1). A proporção de pacientes clinicamente com metástases é evidentemente maior nos estádios mais avançados, mas os tumores de boca, diferentemente dos tumores de laringe, apresentam elevada metastatização, mesmo nos estádios iniciais. Um comportamento semelhante foi observado nos tumores de oro e hipofaringe. Estes resultados sugerem que pacientes com lesões extensas de boca, oro e hipofaringe poderiam se beneficiar de recursos diagnósticos não-invasivos que investigam a presença de metastatização linfática cervical oculta. Como o presente estudo empregou análise histopatológica convencional, um número significativo de micrometástases podem não ter sido identificadas, mas o significado clínico das micrometástases nos carcinomas epidermóides de cabeça e pescoço ainda não foi estabelecido14,15,16,17. Genericamente pode-se dizer que os esvaziamentos seletivos são procedimentos adequados para o estadiamento e proporcionam a remoção da maioria das metástases sub-clínicas nos pacientes com carcinoma epidermóide das vias aerodigestivas superiores18,19.
CONCLUSÕES
Os esvaziamentos cervicais eletivos permitiram identificar a presença de metástases ocultas em número elevados de pacientes, principalmente nos níveis linfáticos I para a cavidade oral e II e III para a faringe e a laringe. Quanto aos fatores de risco, a idade, o sexo e o grau de diferenciação histológica, não foram determinantes significativas da presença de metástases cervicais ocultas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Goepfert H. Evolution of elective neck dissection. Proceedings of 5th Conference on Head and Neck Cancer, San Francisco; 2000:1-7.
2. Byers RM, Wolf PF, Ballantyne AJ. Rationale for elective modified neck dissection. Head Neck Surg 1988;10(3):160-167.
3. Shah JP. Cervical lymph node metastases. Diagnostic, Therapeutic, and prognostic implications. Oncology 1990;4(10):61-69.
4. Byers RM. Modified neck dissection. A study of 967 cases from 1970 to 1980. Am J Surg 1985;150(4):414-421.
5. Shah JP. Patterns of cervical lymph node metastasis from squamous carcinomas of the upper aerodigestive tract. Am J Surg 1990;160(4):405-409.
6. Robbins KT, Denys D. The American Head and Neck Society's revised classification for neck dissection. Proceedings of 5th Conference on Head and Neck Cancer, San Francisco; 2000:365-371.
7. Davidson BJ, Kulkarny V, Delacure MD. Posterior triangle metastases of squamous cell carcinoma of the upper aerodigestive tract. Am J Surg 1993;166(4):395-398.
8. Lindberg R. Distribution of cervical lymph node metastases from squamous cell carcinoma of the upper respiratory and digestive tracts. Cancer 1972;29(6):1446-1449.
9. Klimek T, Glanz H, Dreyer T. Histomorphological characteristics of non-metastatic lymph nodes in patients with head and neck cancer according to their site in the neck. Acta Otolaryngol 1996;116:336-340.
10. Byers RM, Weber RS, Andrews T. Frequency and therapeutic implications of skip metastases in the neck from squamous carcinoma of the oral tongue. Head Neck 1997;19:14-19.
11. Traserra J. Adenopatias Cervicales Metastasicas. Sociedad Española de Otorrinolaringologia y Patologia Cervico-Facial. XIII Reunión Anual Madrid; 1980. p. 40-43.
12. Feind CR, Cole RM. Contralateral spread of head and neck cancer. Am J Surg 1969;118(5):660-665.
13. Kowalski LP, Medina JE. Nodal metastases: Predictive factors. Otolaryngol Clin North Am 1998;31(4):621-637.
14. Gillies EM, Luna MA. Histologic evaluation of neck dissection specimens. Otolaryngol Clin North Am 1998;31(5):759-771.
15. Pantel K, Cote RJ, Fodstad O. Detection and clinical importance of micrometastatic disease. J Natl Cancer Inst 1999;91:1113-1124.
16. Van Den Breckel MWM, Van Der Waal I, Meijer CJML. The incidence of micrometastases in neck dissection specimens obtained from elective neck dissection. Laryngoscope 1996;106:987-991.
17. Wilkinson EJ, Hause L. Probability in lymph node sectioning. Cancer 1974;33(5):1269-1274.
18. Spiro JD, Spiro RH, Shah JP. Critical assessment of supraomohyoid neck dissection. Am J Surg 1988;156:286-289.
19. Spiro RH, Gallo O, Shah JP. Selective jugular node dissection in patients with squamous carcinoma of the larynx or pharynx. Am J Surg 1993;166(4):399-402.
1 - Cirurgião do Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis - HOSPHEL, São Paulo, Brasil.
Trabalho realizado pelo Departamento de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Heliópolis - HOSPHEL, São Paulo, Brasil.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. Abrão Rapoport - Praça Amadeu Amaral, 47 cj. 82
Paraíso - São Paulo, Brasil -01327-010 - E-mail: cpgcp.hosphel@attglobal.net