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Ano:  2013  Vol. 79   Ed. 4  - Julho - Agosto - (23º)

Seção: Relato de Caso

Páginas: 524 a 524

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Tratamento endovascular de pseudoaneurisma do tronco linguofacial pós-tonsilectomia

Endovascular treatment of a linguofacial trunk pseudoaneurysm after tonsillectomy

Autor(es): Luciano Manzato1; Felipe Padovani Trivelato2; Alexandre Yugo Holayama Alvarenga3; Marco Túlio Rezende2; Alexandre Cordeiro Ulhôa2

DOI: 10.5935/1808-8694.20130094

Palavras-chave: aneurisma, falso; embolização, terapêutica; procedimentos endovasculares; tonsilectomia.

Keywords: aneurysm, false; embolization, therapeutic; endovascular procedures; tonsillectomy.

INTRODUÇÃO

A tonsilectomia é um dos procedimentos mais frequentes na prática da Otorrinolaringologia. Muitas complicações podem surgir deste procedimento, incluindo infecção, dor prolongada, lesões de pares cranianos que resultam em alterações vocais ou dificuldades de deglutição. A mais séria é a hemorragia pós-operatória, que ocorre em cerca de 3% dos casos1. As hemorragias mais graves são devidas a dissecções arteriais ou pseudoaneurismas2.

Os pseudoaneurismas podem ocorrer após laceração arterial localizada causada por trauma contuso ou penetrante, incluindo tração e dano térmico produzido por eletrocautério. Hemorragias pós-tonsilectomia (HPT) oriundas de pseudoaneurismas localizados nas artérias lingual, facial e carótida interna foram descritas na literatura2-5. As opções terapêuticas incluem manobras locais, ligadura cirúrgica e embolização endovascular. Relatamos o caso de uma paciente de 19 anos de idade com sangramento recorrente grave causado por pseudoaneurisma do tronco linguofacial esquerdo.


RELATO DE CASO

Uma paciente de 19 anos foi submetida à tonsilectomia à esquerda por conta de amigdalite recorrente. Não houve complicações durante a cirurgia e a recuperação da paciente ocorreu sem intercorrências. Passados 20 dias, ela apresentou sangramento oral advindo do local da cirurgia, controlado com ligadura por sutura e tamponamento com gaze. No dia seguinte, a paciente sofreu dois outros episódios de intenso sangramento.

Ela foi reinternada apresentando instabilidade hemodinâmica e foi submetida a intubação. Foi feita angiografia de emergência sob anestesia geral para excluir lesão vascular. O exame não revelou lesão da carótida interna, mas a injeção seletiva da carótida demonstrou um pseudoaneurisma emergindo do tronco linguofacial esquerdo.

Após estudos diagnósticos da vasculatura craniocervical, a artéria carótida externa esquerda foi cateterizada com um catéter guia 6F (Stryker Co, MI, USA). Um microcatéter Excelsior SL10 (Stryker Co, MI, USA) foi avançado coaxialmente por um fio Transcend de 0,014 polegadas (Stryker Co, MI, USA) para uma posição além do pseudoaneurisma.

Decidimos pela oclusão do vaso acometido (tronco linguofacial) e do pseudoaneurisma. A embolização foi executada com sete espirais destacáveis de Guglielme. A angiografia final de controle revelou a exclusão total do aneurisma e o enchimento retrógrado do território vascular linguofacial através da anastomose da artéria maxilar interna (Figura 1).


Figura 1. A e B: Angiografia da carótida externa esquerda projeções lateral e AP exibindo pseudoaneurisma do tronco linguofacial (setas). C: Controle final após internal trapping. D e E: Conjunto de espirais. F: Enchimento retrógrado do território vascular linguofacial via anastomose da artéria maxilar interna (pontas de seta).



Não houve complicações relacionadas ao procedimento endovascular. A paciente recebeu alta cinco dias após o procedimento sem episódios de sangramento.


DISCUSSÃO

Hemorragias pós-operatórias são a complicação mais grave da tonsilectomia, com incidência em torno de 3%. Elas representam a principal causa de hospitalização pós-operatória prolongada1. A hemorragia grave pós-tonsilectomia parece ser mais comum em crianças de até 8 anos de idade e em casos de sangramento ocorrido após 24 horas do procedimento. Apesar de raros, pseudoaneurismas da artéria carótida e seus ramos após tonsilectomia são lesões clinicamente significativas2-5.

Pseudoaneurismas podem surgir após laceração localizada da artéria causada por trauma contuso ou penetrante. Como há perda de continuidade das três camadas da parede arterial, essas lesões são também chamadas de falsos aneurismas. O sangue extravasa através da parede arterial danificada para o entorno das partes moles, formando um saco pseudoaneurismático que se comunica diretamente com a luz arterial2,3,5.

A lesão arterial pode se dever à variabilidade anatômica das grandes artérias e à sua íntima relação com a amígdala e, em parte, à rica irrigação sanguínea que chega às amigdalas palatinas, que inclui a artéria palatina descendente originada da artéria maxilar interna, artéria faríngea ascendente, artéria lingual dorsal originada da artéria lingual e a artéria palatina ascendente e a artéria tonsilar originadas da artéria facial (principal suprimento)1,6.

Algumas características anatômicas presentes na população pediátrica, como anatomia menor e músculos da faringe mais delgados, determinam risco mais elevado de trauma arterial durante tonsilectomia. Pseudoaneurismas pós-tonsilectomia são muito raros em adultos3.

A busca na literatura resultou em 23 casos adicionais de pseudoaneurisma traumático pós-tonsilectomia. As lesões estavam localizadas na artéria lingual em 10 casos (43,5%), na artéria carótida interna em três casos (13%), na artéria facial em dois casos (8,7%), no tronco da artéria carótida externa em dois casos, no tronco linguofacial (presente em até 20% dos casos) em dois casos e em sítio não especificado em três casos2-5.

Em 20 dos casos relatados, o tratamento consistiu de abordagem endovascular em 13 pacientes, cirúrgica em seis e procedimento combinado em um caso de um paciente com pseudoaneurisma da carótida interna submetido à ressecção cirúrgica após oclusão endovascular distal. Dentre os pacientes tratados pela via endovascular, onze foram submetidos à oclusão do segmento envolvido com espirais, um à colocação de stent na carótida interna, e um à embolização seletiva de um pseudoaneurisma do tronco linguofacial que resultou em ressangramento e reintervenção cirúrgica2-5.

As opções de tratamento para hemorragia pós-tonsilectomia incluem manobras locais, ligadura cirúrgica e embolização endovascular. A primeira está associada a elevadas taxas de fracasso e sangramento repetitivo, não sendo, portanto, recomendada. O acesso cirúrgico cervical direto apresenta risco de lesão dos nervos laríngeo superior ou vago, AVC e redução da reserva vascular na distribuição arterial dos vasos ligados. Além disso, hemorragias graves podem não ser solucionadas após a ligadura proximal da carótida externa ou de seus ramos5.

O tratamento endovascular da HPT tem três principais vantagens: primeiramente, a avaliação diagnóstica pode ser associada à intervenção terapêutica direta; em segundo lugar, embolização é mais seletiva; e, em terceiro, este método é menos mutilante e apresenta menor risco de lesionar o vago e os nervos acessórios1,3,5.

Apesar de usado principalmente em aneurismas saculares verdadeiros, o tratamento seletivo é sempre desejável, por preservar a artéria acometida. Por outro lado, o rico suprimento sanguíneo colateral nessa área faz da oclusão do segmento envolvido a melhor abordagem, dado que o principal risco da oclusão seletiva é que o pseudoaneurisma pode não proporcionar uma barreira permanente ao movimento do agente embólico. Contudo, a durabilidade desse tratamento é incerta e hemorragia recorrente é possível5.

A oclusão proximal unilateral das artérias facial e lingual é geralmente bem tolerada clinicamente. No caso da artéria lingual, há anastomoses com a lingual contralateral e a facial ipsilateral via ramo submentoniano. No caso da artéria facial, há anastomoses com a tireóidea superior via seu ramo infra-hioideo e anastomoses latero-laterais com seu par contralateral. Outras importantes conexões incluem a maxilar interna, a facial transversa e ramos distais da oftálmica6.

A oclusão com espirais do segmento acometido é o tratamento de escolha, dado que a migração distal de agentes embólicos como cola ou partículas de PVA não é desejável, além de estar associada a complicações adicionais. Por exemplo, os ramos da ponta da língua são efetivamente artérias terminais, e a oclusão distal pode produzir a necrose isquêmica da ponta da língua6.

Em casos de hemorragia pós-tonsilectomia, recomenda-se a execução de angiografia de emergência para excluir lesões vasculares. Após a identificação de um pseudoaneurisma, a oclusão endovascular do segmento envolvido representa um tratamento eficaz, definitivo e seguro3,5.


COMENTÁRIOS FINAIS

Apesar de raros, pseudoaneurismas podem levar pacientes a óbito e devem ser considerados em casos de hemorragia grave pós-tonsilectomia. A artéria lingual é a entidade anatômica mais comumente acometida, seguida pela artéria facial e pelo tronco linguofacial. Em casos de hemorragia, recomenda-se a execução de arteriografia, em função das características diagnósticas e terapêuticas observadas neste procedimento. O tratamento endovascular é seguro, eficaz e definitivo.


REFERÊNCIAS

1. Opatowsky MJ, Browne JD, McGuirt WF Jr, Morris PP. Endovascular treatment of hemorrhage after tonsillectomy in children. AJNR Am J Neuroradiol. 2001;22(4):713-6.

2. Atmaca S, Belet U, Baris S. Post-tonsillectomy pseudoaneurysm of the linguofacial trunk: An ENT surgeon's nightmare. Int J Pediatr Otorhinolaryngol Extra. 2012;7(1):12-4. http://dx.doi.org/10.1016/j.pedex.2011.07.006

3. Van Cruijsen N, Gravendeel J, Dikkers FG. Severe delayed posttonsillectomy haemorrhage due to a pseudoaneurysm of the lingual artery. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2008;265(1):115-7. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-007-0391-0

4. Karas DE, Sawin RS, Sie KC. Pseudoaneurysm of the external carotid artery after tonsillectomy. A rare complication. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1997;123(3):345-7. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1997.01900030133017

5. Windfuhr JP, Sesterhenn AM, Schloendorff G, Kremer B. Post-tonsillectomy pseudoaneurysm: an underestimated entity? J Laryngol Otol. 2010;124(1):59-66. http://dx.doi.org/10.1017/S0022215109990922

6. Lasjaunias P, Berestein A, ter Brugge KG. Surgical Neuroangiography, Volume 1: Clinical vascular anatomy and variations. Berlim: Springer; 2001.










1. Médico (Fellow, neurorradiologia intervencionista, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais).
2. Médico (Neurorradiologista intervencionista, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais).
3. Médico (Residente, neurocirurgia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais).

Divisão de Neurorradiologia Intervencionista - Hospital das Clínicas - Universidade Federal de Minas Gerais - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil.

Endereço para correspondência:
Felipe Padovani Trivelato
Rua Timbiras, nº 3616. Barro Preto
Belo Horizonte - MG. Brasil. CEP: 30140-062
E-mail: felipepadovani@yahoo.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 18 de maio de 2012. cod. 9212.
Artigo aceito em 6 de outubro de 2012.

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