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Ano:  2013  Vol. 79   Ed. 4  - Julho - Agosto - (19º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 505 a 511

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Impacto da endoscopia no tratameno do colesteatoma

The impact of endoscopy on the treatment of cholesteatomas

Autor(es): Thiago de Oliveira Lima1; Taís Figueiredo de Araújo2; Letícia Clemente Alvim Soares3; José Ricardo Gurgel Testa4

DOI: 10.5935/1808-8694.20130090

Palavras-chave: colesteatoma; colesteatoma da orelha média; endoscopia.

Keywords: cholesteatoma; cholesteatoma, middle ear; endoscopy.

Resumo:
Com índices relativamente baixos de lesão recorrente, o colesteatoma residual de orelha média se mostra, hoje, um dos maiores responsáveis pelos altos índices de recidiva da doença. Dada a limitação em visualizar, sob microscopia, todos os acidentes anatômicos distribuídos tridimensionalmente no osso temporal, a endoscopia surgiu como uma ferramenta auxiliar em otocirurgia e está se mostrando uma grande aliada no manejo da otite media crônica colesteatomatosa e na prevenção de sua recidiva.
OBJETIVO: Avaliar, por meio de revisão bibliográfica, a importância da otoendoscopia no tratamento cirúrgico do colesteatoma e seu papel na prevenção de lesões recidivadas.
MÉTODO: Realizou-se uma busca eletrônica entre março a junho de 2011, nas bases de dados MedLine e LILACS, selecionando-se estudos que analisavam a endoscopia como método auxiliar no manejo do colesteatoma.
RESULTADOS: Aplicados os critérios de inclusão e exclusão, restaram três estudos avaliando a endoscopia na cirurgia do colesteatoma frente ao método microcirúrgico tradicional.
CONCLUSÃO: Parece que a endoscopia deve ser incorporada à prática diária da otologia, dado seu impacto positivo no manejo da referida enfermidade.

Abstract:
Recurrent cholesteatoma is relatively uncommon. Residual middle ear cholesteatomas account for most of the cases of recurrent disease. The limited role of microscopy in the visualization of tridimensional anatomic alterations of the temporal bone led to the use of endoscopic examination as an additional tool in the realm of ear surgery. Endoscopy has significantly aided in the management of chronic cholesteatomatous otitis media and in the prevention of recurrent disease.
OBJECTIVE: To review the literature and assess the relevance of endoscopy in the surgical treatment of cholesteatomas and in the prevention of relapsing lesions.
METHOD: Searches on databases MedLine and LILACS were carried out between March and June of 2011 to select studies in which endoscopy was used in the management of cholesteatomas.
RESULTS: Three studies comparing surgery aided by endoscopy and surgery performed with the aid of a microscope met the inclusion criteria.
CONCLUSION: Endoscopy has positively impacted the management of cholesteatomas and should be used in cholesteatoma surgery.

INTRODUÇÃO

Schuknecht1 conceituou o colesteatoma como um acúmulo de queratina esfoliada dentro da orelha média, ou em qualquer área pneumatizada dentro do osso temporal, originando-se a partir de um epitélio queratinizado.

Em 1874, Jean Petit descreveu a primeira intervenção operatória da mastoide com sucesso. Desde então, o manejo da otite média crônica colesteatomatosa (OMCC) torna-se eminentemente cirúrgico2.

A imposição do tratamento cirúrgico justifica-se pelo crescimento contínuo do colesteatoma, reabsorção óssea associada e acometimento de órgãos sensoriais, podendo evoluir com complicações intra e extracranianas potencialmente fatais.

Wüllstein3 e Zöllner4, no início da década de 50, assentaram os princípios básicos da timpanoplastia e estabeleceram três objetivos básicos na cirurgia da orelha crônica:
  • Erradicar o processo patológico;
  • Preservar ou restaurar a mecânica auditiva;
  • Manter, quando possível, a anatomia do osso temporal.
  • Baseados nos preceitos anteriores, surgiram diferentes técnicas, como a da preservação da parede posterior do conduto auditivo externo (CAE) ou as variantes da cavidade aberta com preocupação com o sistema auditivo5-7.

    As técnicas de abordagem da otite média colesteatomatosa incluem, basicamente, a timpanoplastia (TP), a mastoidectomia com preservação da parede posterior do CAE ou cavidade fechada (MCF) e a mastoidectomia com cavidade aberta (MCA)7,8.

    A escolha da técnica cirúrgica para o tratamento da OMCC baseia-se em critérios complexos e diversos fatores como: idade do paciente, extensão da doença, condições da mucosa da orelha média, peculiaridades anatômicas, acuidade auditiva, além de fatores sociais relacionados à disponibilidade do paciente para o seguimento7,8.

    A maior preocupação no seguimento pós-operatório de todas as técnicas utilizadas está voltada para o ressurgimento da afecção colesteatomatosa e, com esta, das potenciais complicações associadas.

    A origem da recidiva do colesteatoma pode ser dividida em duas formas: o colesteatoma residual e o colesteatoma recorrente.

    O colesteatoma residual é conceituado como a recidiva da doença originada de um fragmento deixado no sítio cirúrgico, na maioria das vezes involuntariamente, pelo cirurgião durante uma intervenção primária9. Com foco na prevenção dessa lesão remanescente, é imperativa a remoção meticulosa de toda a doença no procedimento inicial5.

    Por sua vez, o termo recorrente, segundo Sheehy et al.10, aplica-se àquela lesão oriunda de uma migração epitelial secundária à falha na continuidade do enxerto, ou mesmo proveniente de uma bolsa de retração da membrana timpânica.

    Dada a limitação em visualizar, sob microscopia, todos os acidentes anatômicos distribuídos tridimensionalmente no osso temporal, a endoscopia surgiu como uma ferramenta auxiliar em otocirurgia e está se mostrando uma grande aliada no manejo da otite media crônica colesteatomatosa e na prevenção de sua recidiva.

    Este estudo foi realizado com os objetivos de avaliar, por meio de revisão sistemática, a importância da otoendoscopia na prevenção de recidivas no tratamento cirúrgico da otite media crônica colesteatomatosa.


    MÉTODO

    Foi realizada uma pesquisa eletrônica na literatura no período de março a junho de 2011, nas bases de dados eletrônicas MedLine (National Library of Medicine) e LILACS (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde). Foram priorizados estudos publicados sobre a aplicabilidade e impacto da otoendoscopia como método auxiliar no manejo da OMCC. A estratégia de busca utilizada seguiu recomendações do Manual Cochrane de revisões sistemáticas11 e foram utilizados os termos de procura descritos nas Tabelas 1 e 2. A busca foi limitada aos artigos publicados no período de janeiro de 1985 a junho de 2011.






    Os critérios de inclusão foram artigos originais com populações adultas (> 19 anos) e pediátricas, meta-análises, revisões sistemáticas, estudos comparativos observacionais ou experimentais, publicados entre janeiro de 1985 e junho de 2011 (nas línguas inglesa, francesa e portuguesa), que avaliassem aspectos epidemiológicos, diagnósticos e terapêuticos da associação entre colesteatoma residual e otoendoscopia. Os critérios de exclusão foram relatos de caso, cartas ao editor, publicações em congressos e artigos em que a amostra avaliada fosse estatisticamente não significativa. Os artigos originais selecionados foram analisados de modo a confirmar se os mesmos preenchiam os critérios descritos acima. Por fim, com o objetivo de localizar artigos que não tivessem sido encontrados na pesquisa inicial, utilizaram-se as listas de referências bibliográficas dos artigos selecionados.

    Após seleção dos artigos, foram resumidas, de forma padronizada, as informações disponíveis quanto ao autor(es), diagnóstico clínico, participantes (número, divisão dos grupos do estudo), faixa etária dos participantes, padrão de apresentação da OMCC, minúcias do tratamento cirúrgico optado, análise estatística utilizada para avaliação dos efeitos, e resultados encontrados no intraoperatório e padrão de recidiva da doença estudada.


    RESULTADOS

    A pesquisa inicial nas bases de dados eletrônicas identificou 140 referências, sendo 106 artigos resultantes da combinação das palavras-chave cholesteatoma e endoscopy; 25 artigos da combinação dos termos residual cholesteatoma e endoscopy. Cruzadas todas as buscas, foram identificados 23 artigos repetidos; retirando-se as duplicatas, totalizaram 108 trabalhos. Desses, 37 artigos foram pré-selecionados pelo conteúdo do título de acordo com os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos. Após a leitura dos resumos, foi feita nova seleção com base nos mesmos critérios, sendo que 27 resumos foram excluídos por serem estudos de caso, relatos de série não comparativos, que não puderam ser localizados, e outros não foram analisados por estarem em língua estrangeira não optada nos critérios de inclusão.

    Depois de selecionados os trabalhos pelos critérios de inclusão e de acordo com a qualidade metodológica, sete foram excluídos por tratarem-se de relatos de série de casos (Tabela 3). Restaram três estudos avaliando a endoscopia na cirurgia do colesteatoma frente ao método microcirúrgico tradicional exclusivo (Tabela 4).






    Thomassin et al.9 estudaram 80 pacientes portadores de colesteatoma adquirido. Divididos de forma aleatória independentemente da extensão da doença ou tipo de intervenção programada, os autores compararam:
  • Grupo I (n = 44), submetidos à mastoidectomia de cavidade aberta ou fechada por otomicrocirurgia exclusiva;
  • Grupo II (n = 36), que após o procedimento operatório apropriado, similarmente ao grupo anterior, foram abordados com auxílio de otoendoscopia para verificação e excisão de eventuais resíduos de colesteatoma da cavidade cirúrgica.
  • Com objetivo de verificar recidiva da doença, esses grupos sofreram reintervenção minimamente invasiva por endoscópio, entre 13 e 19 meses após o procedimento inicial, o que revelou resultados significativos na comparação entre os grupos. No grupo I, foi identificado colesteatoma recidivante em 47% dos casos frente aos 6% no grupo II. Revelaram, ainda, que, nos pacientes do grupo II, o colesteatomatosa residual foi identificado apenas na forma de lesões de pequena extensão ou mesmo na forma de discretas pérolas, ao passo que, no grupo I, em 10% dos casos foi necessária uma terceira abordagem, dada a extensão da lesão recidivante.

    No estudo de El Meselaty et al.18, 82 pacientes com idades entre 6 e 58 anos, portadores de colesteatoma adquirido, foram incluídos em quatro grupos, subdivididos de acordo com a intervenção cirúrgica programada:
  • Grupo I (n = 23), abordados por mastoidectomia de cavidade aberta tradicional, sem verificação de doença residual no intraoperatório;
  • Grupo II (n = 21), submetidos à MCA assistida por endoscopia intraoperatória, com finalidade de verificação e excisão de eventual tecido residual;
  • Grupo III (n = 21), abordados por MCF não assistida;
  • Grupo IV (n = 21) submetidos à MCF com apoio de endoscopia auxiliar.
  • Com o propósito de análise da taxa de recorrência entre os grupos, os autores obtiveram um período de acompanhamento de 18, 19 meses (± 8,7) e somente acrescentaram, em sua estatística, pacientes com acompanhamento mínimo de um ano. O índice de recorrência obtido entre os grupos foi de 5% no grupo I e 26% no grupo III, ao tempo em que não houve casos detectados naqueles em que foi utilizado o endoscópio como ferramenta complementar.

    Ayache et al.19 desenvolveram um estudo retrospectivo com 350 pacientes com idades entre 3 e 87 anos. De acordo com a extensão e localização da doença, as intervenções aplicadas foram por timpanoplastia ou acesso transmeatal, MCA e MCF. A doença acometia o epitímpano em 247 indivíduos; estes foram distribuídos randomicamente em dois grupos, uma população A (n = 167) submetida à otomicroscopia exclusiva, e uma população B (n = 80) com método assistido por endoscópio. Os autores não encontraram diferença significativa entre pacientes submetidos à cirurgia sob microscopia exclusiva e aqueles sob método assistido. No entanto, reiteraram que a ressecção assistida resultou em lesões residuais na forma de pequenas pérolas, clinicamente não manifestas, exaltando a qualidade da remoção da doença sob otoendoscopia complementar.


    DISCUSSÃO

    A distinção entre os termos colesteatoma recorrente e colesteatoma residual, na opinião dos autores desta revisão, é de fundamental importância para o entendimento do mecanismo de formação e controle das recidivas.

    O local de recidiva do colesteatoma pode nos dar informações sobre os fatores contribuintes para a sua formação.

    A incidência de colesteatoma recidivante varia bastante de acordo com a literatura20, mas a sua distribuição topográfica é consensual. As regiões em ordem decrescente de frequência são: o ático, a cavidade timpânica, o antro mastoídeo e a mastoide propriamente dita20.

    O colesteatoma recorrente se concretiza como ameaça apenas quando a timpanoplastia é empregada no manejo da doença inicial. Muitos autores relatam incidência dessa enfermidade com índices inferiores a 5%, porém, para isso, preconizam alguns cuidados como: prevenir formação de adesões entre a superfície medial do enxerto e superfície óssea desnuda do epitímpano, mesotímpano e recesso do facial; reparar defeitos de continuidade do canal ósseo do CAE e garantir uma boa aeração da orelha média, especialmente nos casos de disfunção da tuba auditiva10.

    No intuito de prevenir adesões no enxerto, Sheehy et al.10 enfatizam a realização de uma abertura larga do recesso do facial e introdução de pequena placa plástica através da timpanotomia posterior com objetivo de revestir o tecido ósseo exposto. Os defeitos ósseos do canal auditivo externo e atical podem ser reparados por lâminas de cartilagem tragal. A incidência do autor declinou de 21% para 5% após as essas medidas. Yanagihara et al.5 descreveram, com bons resultados, o uso de dura-máter artificial fixada com cola de fibrina no reparo de grandes defeitos ósseos do esporão de chaussé.

    Com índices relativamente baixos e ainda em declínio da lesão recorrente, o colesteatoma residual de orelha média se mostra, hoje, um dos maiores responsáveis pelos altos índices de recidiva da doença. Shelton & Sheehy21 encontraram, em reintervenção planejada, doença residual em 1/3 dos pacientes anteriormente submetidos à cirurgia corretiva sob otomicroscopia exclusiva.

    Sheehy et al.10, numa amostra de 303 indivíduos, identificaram lesão recidivante em 36% dos casos submetidos à MCF, em procedimento revisional planejado tardio. Também relataram a maior incidência em crianças e confirmaram a orelha média como o sítio mais envolvido, seguido pelo epitímpano e, mais raramente, a mastoide.

    Smyth22 descreve, em 97 casos nos quais havia certeza da remoção de toda matriz do colesteatoma, incidência de 13% de lesão recidivante somente no epitímpano. Em 208 casos, quando explorou unicamente a orelha média, encontrou 12% de tecido colesteatomatoso residual. No pós-operatório tardio de crianças sem suspeita clínica de lesão recidivante, encontrou 23% de incidência de colesteatoma residual.

    Qual a razão para esta incidência tão grande de lesão residual no pós-cirúrgico, e por que elas são tão mais comuns em reentrâncias da orelha média e aticais?

    De início, o centro das discussões no manejo do colesteatoma estava na falta de consenso sobre a preferência entre a MCF ou MCA23. A técnica aberta era acusada de resultar numa cavidade susceptível à otorreia, requerendo cuidados pós-operatórios constantes. A seu passo, a técnica de cavidade fechada, que vinha se desenvolvendo progressivamente, respeitava a anatomia da orelha média, no entanto, a um custo de maior incidência de lesão residual e recorrente19.

    A remoção total do tecido colesteatomatoso é um dos principais objetivos no manejo dos processos crônicos de orelha média. A otomicrocirurgia se desenvolveu significativamente desde a invenção e aplicação do microscópio cirúrgico. Uma das principais características do otomicroscópio são sua visão paralela e seu eixo óptico linear; no entanto, a orelha média e a mastoide encontram-se cravadas no osso temporal, de forma a compor uma estrutura tridimensional complexa, com inúmeros acidentes anatômicos de difícil acesso. A visão limitada e a deficiente iluminação do campo cirúrgico sob otomicroscopia consentem que lesões sitiadas em determinados recessos profundos e laterais da orelha média não possam ser facilmente removidas, o que levaria à crescente recidiva por lesão residual12. As técnicas cirúrgicas convencionais, dadas as limitações otomicroscópicas, muitas vezes impõem brocamento de estruturas não acometidas pela doença, para se ter acesso a um determinado seio ou recesso, prejudicando os princípios do conservadorismo na cirurgia do osso temporal24.

    A doença residual tende a se desenvolver em determinados locais onde o acesso à matriz do colesteatoma foi dificultado durante o procedimento cirúrgico primário13. Determinadas regiões da orelha média: como o epitímpano anterior e o recesso supratubário, mesmo após uma antroaticomastoidectomia extensa, são de difícil acesso19. A timpanotomia posterior, apesar do risco inerente de uma lesão inadvertida do nervo facial, provê acesso à janela oval e ao recesso do facial; no entanto, não propicia visualização adequada do seio timpânico mais profundo no intraoperatório9.

    Num estudo sobre a anatomia cirúrgica do seio timpânico, Donaldson et al.25 observaram que o seio, de localização medial ao nervo facial, pode se estender posteriormente, bem além da margem posterior do canal de falópio. Isso tornaria a limpeza deste sítio anatômico extremamente difícil por qualquer instrumento conhecido26. O seio timpânico tem seu eixo longitudinal em disposição perpendicular ao do conduto auditivo externo, o que inviabiliza sua visualização sob microscopia direta, e, segundo Thomassin9, somente um endoscópio de 70º, por via transcanal, possibilitaria ao cirurgião o controle visual desse.

    Todas essas regiões de difícil acesso durante um procedimento de cavidade fechada, especialmente em acesso transmeatal, constituem os sítios preferidos de colesteatoma residual.

    O acesso endoscópico transtimpânico da orelha média foi inicialmente relatado por Nomura27. Thomassin et al.9 descreveram a otoendoscopia acompanhada de materiais específicos como técnica complementar para cirurgias de mastoide.

    A visão endoscópica, normalmente, abrange todo o anel timpânico e o conduto auditivo externo num mesmo campo de visão. Contrastando, o microscópio, apesar de sua visão tridimensional, tem seu campo visual limitado pela porção mais estreita do conduto auditivo, o que ocasiona, além de uma visão final sacrificada, a manipulação contínua do microscópio e/ou da cabeça do paciente durante o ato operatório14.

    O endoscópio possibilita uma excelente forma complementar de avaliação da orelha média, especialmente de regiões de difícil visualização sob microscopia como o seio timpânico, recesso do facial, hipotímpano, epitímpano e recesso supratubário14,15. A remoção de lesões colesteatomatosas residuais nestes sítios é possível por meio de instrumental específico para otoendoscopia9,26.

    A sequência de abordagem cirúrgica assistida é bastante similar entre a maioria dos autores, que após uma intervenção otomicroscópica tradicional, sequenciam uma inspeção endoscópica de acidentes anatômicos de difícil acesso. Munido de um endoscópio de 3 mm, 16 cm e 45º em acesso transcanal, Marchioni26 descreveu um excelente controle do limite medial do seio timpânico, nicho da janela oval, junção entre eminência estiloidea e bulbo da jugular e todo o retrotímpano inferior e hipotímpano. Thomassin et al.9 relataram um controle total da cavidade timpânica com endoscópios de 2,7 mm, 0º e 70º, seja por via transcanal ou transmastoídea.

    No entanto, algumas limitações à técnica endoscópica dificultam o seu uso em otocirurgias. A perda de uma visão tridimensional sob endoscopia necessita de experiência do cirurgião para lidar com a manipulação dos instrumentos. Além disso, o cirurgião dispõe apenas de uma mão livre, isso faz com que um eventual sangramento possa inviabilizar todo um procedimento14.

    O uso da otoendoscopia no intraoperatório, como método auxiliar, tornou possível uma melhor avaliação da cavidade após a excisão completa do colesteatoma sob microscopia. Ayache et al.13 evidenciaram presença de tecido residual em 44% e 76% em epitímpano e retrotímpano, respectivamente. El-Meselaty et al.18 relataram uma frequência de 50% em técnica fechada. Badr-el-Dine16 reportou 23,8% de incidência numa série de 82 casos de cavidade fechada.

    A contribuição da otoendoscopia no intraoperatório da cirurgia do colesteatoma é evidente, porém, em termos práticos, será que ela contribui efetivamente para redução da doença recidivante, mesmo em técnicas mais conservadoras?

    Vários autores têm observado redução significativa tanto na incidência quanto na extensão das lesões quando da utilização do endoscópio. Após procedimentos de cavidade fechada, em reintervenção planejada, Yung28 relatou incidência de 9,4%, M. Badr-el-Dine16 reportou colesteatoma residual em 8,6% dos casos, assim como Barakate & Bottrill17 apresentaram índice de 15,78%.

    Thomassin et al.9, em estudo comparativo entre a otomicrocirurgia assistida por endoscópio e a técnica tradicional, evidenciaram uma redução na incidência de lesão colesteatomatosa residual de 47% para 6% no grupo que se utilizou da teleotoscopia intraoperatória, em seguimento de 19 meses. Descrevem, ainda, que foi necessário um procedimento de third-look em 10% dos pacientes do grupo em que foi empregada a técnica clássica, dada a extensão da lesão. El-Meselaty et al.18 não encontraram recidiva nos casos sob otoendoscopia, frente aos índices de 26% e 5% nos casos de técnica clássica de MCA e MCF, respectivamente.

    Ayache et al.19 não encontraram diferença significativa entre pacientes submetidos à cirurgia sob microscopia exclusiva e aqueles sob método assistido. No entanto, reiteraram que a ressecção assistida resultou em lesões residuais na forma de pequenas pérolas clinicamente não manifestas, exaltando a qualidade da remoção da doença sob otoendoscopia complementar.

    Essa variação tão significativa na incidência de colesteatoma residual talvez possa ser explicada por fatores que tangem à experiência e habilidade do cirurgião, o tempo de reintervenção cirúrgica em busca de lesões residuais, ou mesmo às indicações particulares de cada autor de MCF em detrimento das cavidades abertas. Outro aspecto interessante é que, naturalmente, aqueles que reexploram todos os casos por qualquer fim, num pós-operatório tardio, terão índices possivelmente maiores e certamente mais realistas.


    CONCLUSÃO

    Apesar da ausência de estudos adequadamente randomizados, todos os trabalhos avaliados relataram vantagens sobre o uso da otoendoscopia no manejo da otite média crônica colesteatomatosa. Mesmo quando não foi observada diminuição do índice de recidiva, os autores relataram afecção recidivante mais localizada e de fácil manejo cirúrgico. Sendo assim, parece que a endoscopia deve ser incorporada à prática diária da otologia.


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    1. Médico Otorrinolaringologista (Fellowship em Otologia - Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM).
    2. Médica Otorrinolaringologista (Ex-Residente do Hospital Santa Marcelina).
    3. Mestre em Ciências pela UNIFESP (Médica preceptora do Hospital Santa Marcelina/Otorhinus Clínica Médica).
    4. Doutor em Ciências pela UNIFESP (Professor Adjunto do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNIFESP-EPM).

    Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/EPM.

    Endereço para correspondência:
    Thiago de Oliveira Lima
    Rua Pedro de Toledo, nº 947. Vila Clementino
    São Paulo - SP. Brasil. CEP: 04025-002
    Tel: (11) 5083-4654

    Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 27 de novembro de 2012. cod. 10624.
    Artigo aceito em 21 de abril de 2013.

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