Septoplastias na infância: problema ou solução?
Septoplasty in children: problem or solution?
Autor(es): Otávio Piltcher
DOI: 10.5935/1808-8694.20130073
Para aqueles que acompanham a história da septoplastia em crianças, a leitura do artigo "O impacto da septoplastia Metzembaum sobre o crescimento nasal e facial em crianças", publicado nessa edição (pág. 454), parece ser mais um sopro de evidência na lenta derrubada do dogma: cirurgia nasal na população pediátrica. O "sopro" não deve ser interpretado de forma desabonadora, mas sim realista, na medida em que a verdadeira "tempestade" de evidências necessárias ainda esbarra na incapacidade de realizarmos estudos com delineamentos adequados para tal propósito.
Porém, cabe a pergunta: tal delineamento é viável? Algum dia se tornará possível? Infelizmente, o ideal, tratando-se da avaliação de uma terapia, no caso, um procedimento cirúrgico, seria um ensaio clínico randomizado, entre crianças com desvios septais iguais, idealmente gêmeas univitelinas, no qual ambas seriam abordadas sob anestesia com descolamento subpericondreal, mas somente em uma cartilagem removida e as incisões, se necessárias, segundo a técnica de Matezembaum, realizadas.
Talvez em nível experimental com modelos animais seja viável, porém, restarão as dúvidas filogenéticas da aplicação de achados em outras espécies. Se esse raciocínio é verdadeiro e válido, seria razoável ser questionado também baseado em que qualidade de evidência que a septoplastia na infância se tornou assunto tão inóspito.
Apesar de ser necessária uma constante vigilância crítica da literatura, a prática exige que desenvolvamos uma capacidade de absorver as informações disponíveis para que associadas a experiência pessoal de cada profissional seja possível oferecer e escolher opções de tratamento para nossos pacientes.
A discussão acerca da septoplastia na infância sempre ficou focada nas possíveis consequências negativas da mesma sobre o crescimento nasal e craniofacial dos pacientes. Interessante que tal perspectiva por tantos anos debatida sob esse prisma, agora, provavelmente impulsionada pelo desenvolvimento de muitos centros de avaliação da criança respiradora oral e da obtenção de resultados estéticos e funcionais apropriados por meio de intervenções cada vez mais precoces em crianças com diferentes malformações craniofaciais, traz à tona uma visão sobre um prisma diferente. A septoplastia, com algumas restrições técnicas, não só não prejudicaria o crescimento craniofacial, como melhoraria tal desenvolvimento. Seria a obtenção de um fluxo nasal adequado e sua consequência sobre os vetores de crescimento ósseo da face mais importantes que a preservação de uma cartilagem quadrangular íntegra na infância?
Enquanto as evidências vão surgindo e sendo discutidas, não poderia terminar sem deixar uma posição pessoal e essa depende, antes de mais nada, de um diagnóstico correto. Pode parecer uma questão simples, mas se em adultos, nos quais a verbalização das queixas é clara, não temos ferramentas diagnósticas que permitem determinar com exatidão quem são os pacientes que se beneficiarão de tratamentos cirúrgicos, imaginemos a dificuldade em crianças.
Pois bem, considero o diagnóstico apropriado quando diante de uma criança com clínica de obstrução nasal, em que o exame físico identifique um desvio septal que comprometa significativamente o fluxo nasal. Depois dessa etapa, mesmo diante de uma família repleta de expectativas para a resolução do problema da forma mais imediata possível, leia-se tratamento cirúrgico, os riscos de alguma modificação negativa no padrão de crescimento facial por essa opção não podem ser omitidos à família.
Por outro lado, favoravelmente ao tratamento cirúrgico, há dois aspectos também importantes de serem compartilhados. O primeiro é a qualidade de vida obtida pelo restabelecimento de um fluxo nasal adequado. Esse aspecto, isoladamente, já me sensibiliza muito como médico na tomada de decisão. O segundo aspecto seria o possível impacto positivo sobre o crescimento craniofacial dos pacientes operados. A impressão ao conversarmos com diferentes profissionais que atuam com crianças respiradoras orais (otorrinolaringologistas, cirurgiões craniomaxilofaciais, dentistas e fonoaudiólogos, por exemplo) é que esses aspectos devem e vêm preponderando na tomada de decisão. Entretanto, temos de ter claro, ainda mais no editorial de uma revista científica, que o nível de evidência alcançado nesse contexto ainda não é satisfatório e definitivo.
Otávio Piltcher,
Professor Adjunto Departamento de Oftalmo e Otorrinolaringologia da UFRGS.