Ano: 2013 Vol. 79 Ed. 3 - Maio - Junho - (7º)
Seção: Artigo Original
Páginas: 298 a 305
Implante coclear Digisonic SP® Binaural: acesso coronal tunelizado
Digisonic SP® Binaural cochlear implant: the coronal tunneled approach
Autor(es): Guilherme Machado de Carvalho1; Alexandre Caixeta Guimarães2; Ivan Senis Cardoso Macedo3; Lúcia Cristina Beltrame Onuki4; Fabiana Danieli5; Henrique Furlan Pauna2; Fernando Laffitte Fernandes6; Jorge Rizzato Paschoal7; Walter Adriano Bianchini8; Arthur Menino Castilho9
DOI: 10.5935/1808-8694.20130054
Palavras-chave: implante coclear; perda auditiva bilateral; perda auditiva neurossensorial; reabilitação de deficientes auditivos; surdez.
Keywords: cochlear implantation; deafness; hearing loss, bilateral; hearing loss, sensorineural; rehabilitation of hearing impaired.
Resumo:
O implante coclear é um grande avanço no tratamento da surdez. Há grandes evidências que a audição bilateral traz diversas vantagens ao ser humano e muito mais quando se trata de audição binaural.
OBJETIVO: Este artigo tem por objetivo descrever o primeiro caso operado no Brasil, sendo o terceiro país das Américas (México e Colômbia) a realizar, com implante binaural Neurelec Digisonic SP® demonstrando a técnica cirúrgica.
MÉTODO: Descrição da técnica cirúrgica.
RESULTADOS: Ver técnica cirúrgica. Procedimento ocorreu sem intercorrências.
DISCUSSÃO: O efeito "squelch", a somação binaural, a localização da fonte sonora e o efeito sombra da cabeça são umas das principais razões que justificam a superioridade da reabilitação binaural. O custo do tratamento deve ser levado em conta em políticas de saúde pública.
CONCLUSÃO: Custo do implante coclear é um dos grandes limitadores da bilateralidade na reabilitação desse grupo de pacientes, porém, com essa tecnologia, é possível solucionar esse problema, expondo o paciente a poucos riscos, com o uso de uma técnica cirúrgica pouco invasiva.
Abstract:
Cochlear implants represent a significant breakthrough in the treatment of hearing loss. Evidence indicates bilateral hearing brings significant benefits to patients, particularly when binaural hearing is offered.
OBJECTIVE: To describe the first case of implantation of a Digisonic SP® Binaural Neurelec device in Brazil (the third implant placed in the Americas, after Mexico and Colombia) and the chosen surgical approach.
METHOD: Description of a surgical approach.
RESULTS: The procedure was successfully completed.
DISCUSSION: The squelch effect, binaural summation, location of the sound source, and the shadow effect of the head are listed among the reasons to explain the superiority of binaural rehabilitation. Cost of treatment must be considered in the development of public health policies.
CONCLUSION: The cost of cochlear implants has been one of the main impediments to bilateral rehabilitation. The Digisonic SP® Binaural Neurelec device addresses this issue and exposes patients to less risk through a minimally invasive implantation procedure.
INTRODUÇÃO
Estudos recentes têm evidenciado o implante coclear (IC) como tratamento para a deficiência auditiva profunda em crianças e adultos. A restauração precoce do input auditivo por meio do implante coclear permite que as habilidades comunicativas dos pacientes melhorem substancialmente, embora com resultados bastante variados1.
Além disso, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), no ano de 2025 existirão aproximadamente 1,2 bilhão de pessoas no mundo acima dos 60 anos2 e, conforme o Royal National Institute for Deaf People (RNID), hoje já existem mais de 300 milhões de pessoas com presbiacusia no mundo e, no ano de 2050, estima-se que chegue a 900 milhões2, o que pode aumentar de modo importante a necessidade de tratamentos para reabilitação de pacientes com disacusia.
O implante coclear representa uma significante inovação cirúrgica3, tecnológica e numerosos estudos mostram que os benefícios são superiores aos riscos, além de demonstrarem melhora na qualidade de vida do paciente implantado3.
Embora o implante coclear unilateral proporcione uma boa compreensão da fala sob condições silenciosas, pacientes implantados frequentemente relatam dificuldade em compreender a fala quando expostos a ruídos de fundo, com dificuldade também em localização do som. Uma vez que estas duas funções exigem estimulação binaural em indivíduos normais e usuários de aparelhos auditivos, não é surpreendente que haja um interesse crescente em implantes cocleares binaurais4.
O objetivo desse artigo é descrever a técnica cirúrgica e o primeiro caso realizado no Brasil de implante coclear bilateral Digisonic SP® Neurelec através do acesso cranial coronal subcutâneo tunelizado com auxílio de tubo orotraqueal e demostrar os detalhes envolvidos nesse procedimento. Atualmente, a UNICAMP já apresenta uma série de casos realizados, todos sem qualquer intercorrências, e citamos ainda que alguns centros brasileiros também já realizam esse procedimento.
Atualmente (2013), segundo a própria empresa Neurelec, tal procedimento foi realizado apenas em alguns países como na França, Reino Unido, Alemanha, Espanha, Itália, Romênia, Médio Oriente, Índia, México, Colômbia e agora no Brasil.
MÉTODO
Para inclusão do caso, iniciamos o seguinte protocolo:O paciente selecionado foi plenamente orientado sobre o procedimento, cirurgia, dispositivo implantado, expectativas pós-operatórias, complicações esperadas e foi disponibilizado termo de consentimento livre e esclarecido.Idade maior de que 16 anos (crescimento da calota craniana); Paciente pós-lingual com desenvolvimento de fala (oralizado); Boa leitura orofacial; Experiência prévia com aparelho de amplificação sonora individual (AASI) por pelo menos 2 anos; Audiometrias tonais seriadas (com disacusia sensorioneural grave/profunda - evidenciar quadro audiológicos estável por pelo menos 2 anos); Audiometria em campo livre com e sem AASI (com pouco ganho); Teste de percepção de fala (desempenho menor que 60% com 65 dB em campo livre); Potencial auditivo do tronco cerebral (PEATE) e emissões otoacústicas (OEA) (ausentes); Tomografia computadorizada de ouvidos, mastoides e crânio; Ressonância nuclear magnética de ouvidos, mastoides e crânio com avaliação e reconstrução da orelha interna e conduto auditivo interno; Avaliação psicológica.
Aspectos éticos
O trabalho foi aprovado e respeitou as regras do Comitê de Ética da Instituição (004/2013).
RESULTADOS
Nessa seção, será exemplificada a técnica cirúrgica utilizada e a descrição do paciente submetido a tal procedimento.
Técnica cirúrgica
O paciente foi posicionado em decúbito dorsal, sob anestesia geral e intubação orotraqueal e, então, se inicia o preparo do campo operatório do seguinte modo:1. Antissepsia de toda face, região retroauricular, cabelos e couro cabeludo, com clorexidina 2% (degermante), fixação dos eletrodos do nervo facial e aplicação de um grama de cefazolina endovenosa;
2. Tricotomia retroauricular bilateral, isolamento e esparadrapagem com MicroporeTM das regiões retroauriculares e da face (isolado face);
3. Preparo e preensão do cabelo da paciente, demarcando a região coronal, com auxílio de elásticos siliconados;
4. Infiltração de anestésico tópico (xylocaína 2% com noriepinefrina; aplicado 4 mg lidocaína/kg) nas regiões retorauriculares e da sutura coronal;
5. Nova antissepsia com clorexidina 0,5% (alcoólico) de regiões retroauriculares e couro cabeludo;
6. Colocação de campos estéreis com exposição de sutura coronal, regiões retroauriculares e parcialmente a face;
7. Incisão retroauricular retilínea de aproximadamente 4 centímetros, com dissecção por planos e confecção de retalho músculo periosteal em formato de cruz;
8. Retirada de pequenos fragmentos de fáscia e músculo temporal para posterior obliteração da cocleostomia;
9. Mastoidectomia simples, identificando: canal semicircular lateral, ramo curto da bigorna, parede posterior do conduto auditivo externo, tégmen timpani e seio lateral. Coleta de pequena quantidade de pó de osso;
10. Adelgaçamento da parede posterior do conduto auditivo externo e realização da timpanotomia posterior, mantendo-se o incus buttress;
11. Confecção de cocleostomia de 1 milímetro em região ântero-superior em relação à janela redonda, após identificação do nicho da janela redonda;
12. Repetidos passos 7 a 11 para lado contralateral;
13. Realizada incisão coronal (no vertex da cabeça) de aproximadamente 3 centímetros, dissecção por planos;
14. Confecção de túnel subperiosteal para comunicação da incisão coronal com incisão retroauricular com auxílio de descoladores, afastadores e pinças de preensão convencionais de modo atraumático (bilateralmente);
15. Locado tubo orotraqueal de 5 milímetros pelo túnel criado no passo anterior (bilateralmente) (Figura 1);
Figura 1. Imagem ilustra sequência de fotos do preparo da paciente, e da passagens dos tubos orotraqueais de 5 mm que irão auxiliar o trajeto do eletrodo.16. Realizada cuidadosa revisão de hemostasia;
17. Fixado com sistema de dois parafusos de titânio componente interno do implante coclear binaural Neurelec Digisonic SP® em região escamosa do osso temporal (Figura 2);
Figura 2. Ilustração de sistema de fixação do componente interno com parafusos de titânio e o implante Neurelec Digisonic® Binaural. Note a extensão do eletrodo contralateral.18. Inserido eletrodo pela cocleostomia sob microscopia, locado eletrodo terra em região do arco zigomático e posicionado eletrodo contralateral por dentro do tubo orotraqueal ipsilateral;
19. Tracionado tubo orotraqueal, ipsilateral ao componente interno do implante, pela incisão coronal delicadamente junto com o eletrodo contralateral já previamente posicionado (Figura 3);
Figura 3. Exemplo de como é a transposição do eletrodo contralateral via tubo orotraqueal.20. Posicionado o eletrodo contralateral agora no tubo orotraqueal contralateral;
21. Tracionado o tubo orotraqueal, contralateral ao implante, pela incisão retroauricular contralateral;
22. Inserido eletrodo pela cocleostomia sob microscopia,locado eletrodo terra em região do arco zigomático (lado contralateral);
23. Posicionamento do enxerto de músculo ao redor do eletrodo de forma a vedar a cocleostomia. Colocação de pó de osso, obliterando a timpanotomia posterior (bilateralmente);
24. Fechamento, com uso de VicrylTM 3.0, nos planos do retalhos periósteo muscular e da incisão coronal e subcutâneo e nylon 4.0 no plano da pele (bilateralmente);
25. Limpeza do paciente e curativo externo compressivo;
26. Telemetria de impedâncias dos eletrodos e a pesquisa dos potenciais de tronco cerebral evocados eletricamente (EABR);
27. Radiografia na incidência transorbital para confirmar o correto posicionamento do eletrodo intracoclear (Figura 4).
Figura 4. Radiograma transorbitário do paciente ao final do procedimento que mostra ambos os eletrodos inseridos nas cócleas do paciente.
Observação: A movimentação da cabeça do paciente deve ser sempre realizada de modo cuidadoso. Essa técnica cirúrgica não foi desenvolvida pala equipe acima, apenas adaptada de outros procedimentos já descritos5,6.
Cirurgia esquematizada nas Figuras 5 a 7.
Figura 5. Esquema que mostra os planos onde deve-se passar os tubos orotraqueais no paciente. Note as legendas das estruturas anatômicas envolvidas.
Figura 6. Ilustração esquemática que destaca local por onde passaria o eletrodo do paciente.
Figura 7. Desenho esquemático que mostra à esquerda o aspecto final após a colocação completa do componente interno. Note que o eletrodo fica subperiosteal na região temporal e subcutâneo no restante do trajeto.
Telemetria de Impedâncias e EABR
Foi realizado o registro das impedâncias dos eletrodos inseridos em ambas as cócleas por meio de um sistema de telemetria bidirecional. Este registro é possível pela utilização da interface diagnóstica Digistim SP e software Digistim for Windows SP ®, versão atual 1.9.15, que possibilitou, também, a realização da pesquisa dos potenciais de tronco cerebral evocados eletricamente (EABR). Tais procedimentos foram realizados na etapa intraoperatória, ao final do procedimento e com o paciente ainda sob efeito da anestesia geral, com o intuito de verificar o "status" do receptor-estimulador e feixes de eletrodos implantados, bem como o funcionamento do dispositivo e a efetividade da estimulação promovida pelo mesmo nas fibras neurais periféricas auditivas de ambos os lados (Figuras 8 e 9).
Figura 8. Registro da telemetria de impedâncias dos eletrodos inseridos bilateralmente. As barras correspondem às impedâncias registradas para cada eletrodo, referentes aos feixes ipsilateral e contralateral, diferenciados na figura acima pelas cores azul e vermelha. As impedâncias encontram-se dentro dos valores de normalidade do sistema*, sendo inferiores a 2 KOhms para todos os eletrodos pesquisados. * 500 Ohms a 5 KOhms.
Figura 9. Registro dos potenciais de tronco cerebral evocados eletricamente medidos na etapa intraoperatória para os eletrodos apicais e mediais inseridos bilateralmente. Os registros correspondem respectivamente, de cima para baixo na figura acima, aos eletrodos R24, L23, R12 e L13. Observa-se a presença da onda V para todos os eletrodos pesquisados, demonstrando o funcionamento adequado do dispositivo implantado e estimulação efetiva das fibras neurais. Registro: Interface Navigator Pro e Software AEP versão 7.0.0, Biologic.
Monitorização do Nervo Facial
Durante todo o procedimento foi monitorado o nervo facial bilateralmente, por meio de dois eletrodos em cada lado da face, nas regiões frontal e zigomática, além dos eletrodos "terra" (fixado na região torácica) e STIM+ (pólo positivo; na região esternoclavicular). O monitor utilizado foi o NIM-PulseTM (Nerve Integrity Monitor, Meditronic XomedTM).
Microscópio
Foi utilizado o microscópio CARL ZEISS GMGH S88 MicroscopeTM. O microscópio tem, ainda, uma câmera acoplada e é conectado a um sistema de vídeo com gravação digital dos procedimentos cirúrgicos.
Dispositivo
Foi utilizado o implante coclear Neurelec Digisonic® SP Binaural, desenvolvido pela empresa francesa Neurelec S.A. no ano de 2006.
O dispositivo corresponde a um único receptor-estimulador conectado a dois feixes de eletrodos, responsáveis por estimular as fibras neurais remanescentes em ambas as cócleas simultaneamente e sincronicamente (Figura 10). O receptor-estimulador apresenta as mesmas características de um implante Digisonic SP monoaural convencional, como o sistema de fixação com a utilização de parafusos de titânio e sua estrutura compacta e em formato monobloco, que possibilita uma inserção mais rápida e menos invasiva ao paciente. Cada feixe apresenta 12 eletrodos, conectados a um eletrodo terra, totalizando 24 canais ativos de estimulação e velocidade de até 24.000 pulsos por segundo. Um microfone contralateral é conectado ao processador de fala convencional, Digi ® SP ou Saphyr ® SP, que analisa separadamente os sinais de entrada originados das duas orelhas, e os envia de forma sincrônica para os eletrodos posicionados nas diferentes cócleas, proporcionando, dessa forma, uma audição binaural (Figura 11). O microfone contralateral utilizado para o funcionamento do sistema é o Widex CROS (Widex Corp, Dinamarca).
Figura 10. Exemplo do implante Neurelec Digisonic Binaural.
Figura 11. Figura esquemática demonstrando os sons captados pelo microfone do processador de fala convencional e pelo microfone contralateral conectado ao mesmo. Ambos são processados pelo processador de fala e enviados a um único receptor-estimulador implantado, responsável por transmitir a informação simultaneamente aos feixes de eletrodos ipsilateral e contralateral, para que os mesmos promovam estimulação sincrônica nas fibras neurais remanescentes em ambas as cócleas.
Caso
Paciente feminino, 35 anos, com história de deficiência auditiva progressiva, e há dez anos com quadro neurossensorial grave. Faz uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI) em ambas as orelhas há 16 anos, com pouco benefício recente.
Por ter quadro de evolução progressiva, desenvolveu linguagem oral e dispõe de boa leitura orofacial. Possui história familiar de surdez (pai, tios paternos, irmãos, avós).
Foi inserida no Programa de Implante Coclear do Grupo de Otologia e Próteses Implantáveis de Hospital Universitário Quaternário Especializado em janeiro de 2012.
Na investigação clínica, laboratorial e radiológica (CT e RNM) não foram encontrados etiologias que justificassem o quadro, tendo todos seus exames dentro da normalidade.
A avaliação audiológica está descrita a seguir (Tabelas 1 e 2).
Não houve respostas no potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) e nem nas emissões otoacústicas (transientes e produtos de distorção) em ambas as orelhas.
A avaliação da percepção dos sons de Ling foi de 0% (cada orelha e ambas as orelhas); discriminação do nome 0% e teste de percepção de sentenças 0% (cada orelha e ambas as orelhas).
DISCUSSÃO
Ainda hoje, diversos serviços de saúde públicos e centros especializados têm recomendado o implante coclear unilateral (ao invés do bilateral) para os pacientes com perda auditiva neurossensorial grave a profunda por diversas razões, entre elas: custo, preservação da outra orelha para tecnologias futuras, risco adicional de uma segunda cirurgia e falta de evidências documentando os benefícios do implante coclear bilateral7.
Porém, o implante coclear bilateral vem sendo considerado como uma vantagem significativa para melhorar a percepção da fala em ambientes ruidosos quando comparado ao implante coclear unilateral8.
Estudos também apontam que a implantação bilateral (dois implantes, um em cada orelha) promove uma audição estereofônica, que resulta em uma melhor percepção de fala para o usuário não só em ambientes ruidosos como também em situações de silêncio, além de melhora na habilidade de localização sonora9.
O melhor desempenho quanto à localização do som em usuários de implante coclear bilateral depende do efeito sombra de cabeça, do efeito squelch e do efeito da somação binaural10.
O efeito sombra de cabeça ocorre pela obstrução da cabeça à chegada do som à orelha estimulada e melhorando a relação sinal ruído. A somação binaural é resultado do processamento auditivo central e demonstra a habilidade do sistema nervoso auditivo central integrar e utilizar a informação das duas orelhas. O efeito squelch é a habilidade do sistema auditivo em utilizar a informação de ambas as orelhas quando a fala e o ruído são separados espacialmente4.
Embora a literatura psicoacústica tenha demonstrado há muito tempo os benefícios da audição binaural, só recentemente os estudos demonstraram melhora na inteligibilidade de fala com implantes bilaterais em comparação com os implantes unilaterais.
Ainda, em condições ideais, os benefícios do implante bilateral podem ser muito maiores do que os que têm sido relatados. Por exemplo, para a inteligibilidade de fala no ruído, o benefício é consideravelmente maior que os benefícios relatados de somação ou do efeito squelch e é robusto em reverberação quando a fonte de interferência está perto11.
Dessa forma, mesmo nos dias de hoje, com seus benefícios funcionais claramente identificados, a implantação bilateral para adultos ainda não se encontra amplamente difundida, e o custo de um segundo implante, além dos gastos associados a um novo procedimento cirúrgico, permanecem como o maior empecilho para que tal procedimento seja realmente efetivado pelos serviços de saúde, em especial pelos serviços públicos como o SUS.
Estudo baseado na relação custo-benefício da cirurgia de implante coclear para os serviços de saúde evidenciou que os benefícios clínicos proporcionados pelo implante bilateral em adultos em relação ao implante unilateral são pequenos perto do investimento a ser realizado para tal procedimento, o que tem dificultado a sua efetivação nestes serviços12.
Dessa forma, o implante coclear Digisonic® SP Binaural, desenvolvido pela empresa Neurelec S.A., representa uma alternativa para reduzir os custos da implantação bilateral, visto que o dispositivo corresponde a um único implante responsável por promover estimulação em ambas as cócleas. O dispositivo tem um custo médio de 30% acima do valor de um implante coclear unilateral convencional, entretanto, foi demonstrado que seus benefícios são equivalentes ao implante coclear bilateral12.
Ainda, estudo demonstrou um notável efeito "squelch" para usuários do implante coclear Digisonic® SP Binaural, estando este valor acima do observado em usuários de implante coclear bilateral convencional. Este aspecto foi apontado pelos autores como o resultado da correspondência temporal direita/esquerda proporcionada pela descarga sincrônica realizada pelo implante binaural13.
O implante Digisonic® SP Binaural promove um processamento do som nas duas orelhas separadamente e simultaneamente, assim como ocorre no IC bilateral. Entretanto, diferentemente do implante bilateral, o implante binaural apresenta uma sincronia na estimulação elétrica entre as cócleas. Em outras palavras, o dispositivo realiza uma estimulação de diferentes bandas de frequência de forma alternada entre as cócleas para cada sequência de pulsos, promovendo uma correspondência entre as mesmas para cada som.
Complicações cirúrgicas envolvendo o implante coclear também ocorrem com alguma frequência e têm sido motivo de preocupação por parte dos serviços de saúde para a implementação de novas técnicas cirúrgicas. Conforme o Acordo Europeu sobre Falhas e Explantes, as falhas podem ser divididas em seis categorias : 1 - falha pelo impacto; 2 - falha na vedação; 3 - falha eletrônica; 4 - problema no conjunto de eletrodos; 5 - outros (especificar); 6 - sem causa específica14.
Em estudo envolvendo 550 cirurgias consecutivas de implante coclear, foram observadas 92 complicações (6%). As complicações consideradas maiores somaram 8,9% e as menores 7,8%15.
Entre essas complicações maiores, foram consideradas: problemas na inserção do eletrodo, eletrodo na posição errônea, eletrodo danificado, eletrodo comprimido, falha de inserção, deslocamento, deiscência ou infecção do retalho, colesteatoma, otomastoidite, paralisia facial com sequela, fístula liquórica, meningite e sintomas otológicos incapacitantes. Entre as complicações menores, foram citadas: paralisia facial periférica transitória, lesão da parede posterior do meato, lesão do ânulo ou membrana timpânica, fístula perilinfática, hemorragia, lesão do nervo corda do tímpano e hematoma15.
CONCLUSÃO
A implantação coclear bilateral traz diversos benefícios ao paciente com disacusia grave e/ou profunda, sendo o implante Digisonic® SP Binaural uma alternativa eficaz a esta modalidade e com boa relação custo-benefício. A técnica cirúrgica apresentada foi realizada sem dificuldades ou complicações e o procedimento cirúrgico se mostrou simples e seguro.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos de agradecer a nossa Disciplina pela oportunidade e pela chance de executar nossos projetos. A toda equipe envolvida com a reabilitação cirúrgica de pacientes com surdez (funcionários, instrumentadora, fonoaudiólogas, psicóloga, residentes) e todos os demais. Um agradecimento especial à funcionária Mercedes F. Santos, pelo apoio e criação dos desenhos, e consequente a toda equipe do AudioVisual da FCM.
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1. Mestre em Medicina (Universidade Nova de Lisboa) (Otorrinolaringologista, Otologista, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP).
2. Médico (Médico Residente em Otorrinolaringologia, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP).
3. Médico (Otorrinolaringologista, Otologista, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP).
4. Fonoaudióloga, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP. (Fonoaudióloga, Especialista em Implante Coclear).
5. Mestre em Bioengenharia, fonoaudióloga (Fonoaudióloga, Especialista em Implante Coclear, Mestre em Bioengenharia pela EESC/USP).
6. Médico (Médico Residente, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP).
7. Docente (Médico Otorrinolaringologista, Dispciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP).
8. Mestre (Otorrinolaringologista, Otologista, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP).
9. Doutor (Otorrinolaringologista, Otologista, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP).
Otologia, Audiologia e Próteses Auditivas Implantáveis - Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNICAMP.
Endereço para correspondência:
Guilherme Machado de Carvalho
Disciplina de Otorrinolaringologia Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP Cidade Universitária "Zeferino Vaz"
Campinas - São Paulo. Brasil. CEP: 13081-970. Caixa Postal: 6111
Tel: (19) 3788-7454/3788-7523. Fax: (19) 3788-7563
E-mail: guimachadocarvalho@gmail.com
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 22 de outubro de 2012. cod. 10535.
Artigo aceito em 1 de março de 2013.