Versão Inglês

Ano:  2013  Vol. 79   Ed. 2  - Março - Abril - (19º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 248 a 255

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Perda auditiva em pessoas com HIV/AIDS e fatores relacionados: uma revisão integrativa

Hearing loss in people with HIV/AIDS and associated factors: an integrative review

Autor(es): Luciana Ferreira Cardoso Assuiti1; Gabriela Marcellino de Melo Lanzoni2; Fabiana Cristine dos Santos3; Alacoque Lorenzini Erdmann4; Betina Hörner Schlindwein Meirelles5

DOI: 10.5935/1808-8694.20130042

Palavras-chave: enfermagem; fonoaudiologia; HIV; perda auditiva; surdez.

Keywords: audiology; deafness; hearing loss; HIV; nursing.

Resumo:
A literatura científica atual relata a incidência de agravos auditivos em decorrência do HIV/AIDS e as alterações auditivas podem ocorrer em decorrência de comprometimentos na orelha externa, média e/ou interna. Assim, torna-se relevante a investigação sobre como têm ocorrido essas alterações, a perda auditiva e as relações com a infecção pelo HIV/AIDS.
OBJETIVO: Identificar os fatores relacionados à perda auditiva em pessoas com HIV/AIDS na literatura científica mundial.
MÉTODO: Estudo realizado por meio de Revisão Integrativa de Literatura. Utilizaram-se como descritores: Perda Auditiva, Transtornos da Audição e Surdez associados separadamente ao descritor HIV, nas bases PUBMED, SciELO, LILACS e ISI, considerando pesquisas originais, de acesso completo, gratuito, nos idiomas inglês, espanhol, francês e português. Selecionaram-se para análise 13 estudos quantitativos, publicados no período de 1994 a 2010.
CONCLUSÃO: Pode-se concluir que não foi encontrada forte relação direta da terapia antirretroviral com a perda auditiva; no entanto, evidencia-se a existência de alterações auditivas na população estudada, sendo que suas relações e causas precisam ser mais bem investigadas.

Abstract:
The current scientific literature reports on the incidence of hearing impairments due to HIV/AIDS, and the hearing changes can occur due to damage to the outer, middle or inner ear. Thus, it is important to study how these changes occur, the hearing loss and their associations with the HIV/AIDS infection.
OBJECTIVE: To identify the factors related to hearing loss in people with HIV/AIDS in the global scientific literature.
METHOD: Study carried out an Integrative Review of the Literature. The key words used were: hearing loss, hearing disorders and deafness, separately associated to the keyword HIV on PUBMED, SciELO, LILACS and ISI databases. We used complete original papers, of free access, in English, Spanish, French and Portuguese. Thirteen quantitative studies from 1994-2010 were selected.
CONCLUSION: We did not find any strong direct association between anti-retroviral therapy and hearing loss; however, there are indications of hearing loss in the population studied, and their associations and causes need to be better investigated.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, ocorreram promissores avanços nas iniciativas mundiais para abordar a epidemia de AIDS, incluindo maior acessibilidade aos programas eficazes de tratamento e prevenção1. Entretanto, a problemática da AIDS segue constituindo um dos desafios mais importantes para saúde pública mundial.

Diante desses desafios, o tratamento com medicamentos antirretrovirais (ARV) é um dos maiores aliados no controle da progressão da doença. Estes começaram a ser utilizados mundialmente por meio da monoterapia com Zidovudina, em 1987, até várias combinações de medicamentos conhecidos como TARV2,3. No Brasil, o início da TARV ocorreu em 1991 e cinco anos mais tarde foi instituída a lei que tornou obrigatória a distribuição gratuita4.

O tratamento com medicações ARV tem sido o mais importante fator para controlar a evolução da AIDS, sua cronicidade e garantir a sobrevida das pessoas infectadas.

Considerando a especificidade do HIV, que afeta o sistema imunológico, favorecendo a incidência de doenças que se oportunizam da baixa imunidade5, a TARV, utilizada na prevenção dessas doenças, origina a presença de efeitos colaterais intensos ou indesejáveis, o que constitui uma problemática da terapêutica. Embora o avanço nos tratamentos medicamentosos tenha possibilitado a diminuição da mortalidade e morbidade, observa-se uma série de repercussões advindas com a mesma, tais como a gama de efeitos adversos dos ARVs, o que gera um impacto negativo na qualidade de vida dos indivíduos dependentes do tratamento6. Trazendo aos profissionais de saúde a necessidade de intervenção efetiva junto a esses indivíduos, pelo fornecimento de informações sobre os efeitos colaterais potenciais de cada medicação prescrita e a implantação de manobras a fim de diminuir a incidência de efeitos indesejáveis. Ainda, destaca-se a importância das orientações sobre o uso concomitante de outras medicações que possam potencializar efeitos indesejáveis7.

Estudos comprovam que alguns ARVs podem apresentar potenciais efeitos ototóxicos e ocasionar perda auditiva, assim como também apontam uma possível relação da perda auditiva no sistema auditivo central7 provocada pela ação direta do vírus, que em muitos casos é evidenciado pelos sinais e sintomas otoneurológicos apresentados e/ou referidos pelos pacientes, como perda de audição, zumbido e tontura8,9.

A perda auditiva pode ser conceituada como qualquer diminuição da capacidade de ouvir e/ou detectar sons da fala ou do ambiente, independente da causa, tipo ou grau. Esta pode ocorrer em diferentes momentos da vida, durante a gestação ou parto, na infância, vida adulta ou na terceira idade10. Ainda, pode ser classificada por tipo (condutiva, neurossensorial, e/ou mista)11, como também em relação ao grau (leve, moderada, moderadamente grave, grave e profunda)12.

O conhecimento sobre as alterações auditivas e o diagnóstico precoce de perda auditiva favorece o prognóstico, minimiza os danos causados pelo desenvolvimento da doença, diminui a privação sensorial, melhora a inclusão na sociedade e, ainda, contribui para melhoria da qualidade de vida. Assim, torna-se relevante a investigação sobre como tem ocorrido esta perda auditiva e a sua relação com a infecção pelo HIV/AIDS nas pessoas acometidas.

Nesse sentido, questiona-se: como têm sido abordadas as alterações auditivas relacionadas ao HIV na literatura científica? Quais fatores estão associados à perda auditiva em pessoas com HIV/AIDS?

Cabe salientar que existe a necessidade de uma política de saúde auditiva que contemple as particularidades que envolvam a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento das deficiências auditivas no sistema de saúde público brasileiro.

Na busca dessas respostas, objetivamos, neste estudo, identificar os fatores relacionados à perda auditiva em pessoas com HIV/AIDS na literatura científica.


MÉTODO

Trata-se de uma Revisão Integrativa de Literatura, que permite a sumarização de pesquisas anteriores e para que sejam estabelecidas conclusões a partir da avaliação crítica do delineamento das pesquisas, possibilitando a síntese das evidências disponíveis acerca do tema investigado13.

As etapas percorridas para operacionalização desta revisão contemplam: identificação do problema, elaboração de um protocolo de pesquisa, definição das informações a serem extraídas dos artigos selecionados, seleção dos estudos, análise, apresentação e discussão dos resultados13,14.

Os artigos foram pesquisados em quatro bases de dados virtuais, a saber: ISI Web of Knowledge (Institute for Scientific Information), PUBMED/MEDLINE (Medical Literature Analysis), LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde) e SciELO (Scientific Electronic Library Online), utilizando os seguintes descritores contemplados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): hearing loss, hearing disorders e deafness associados individualmente ao descritor HIV.

Os critérios de inclusão foram: artigos originais, disponíveis gratuitamente no formato completo (open access), publicados nos idiomas: português, espanhol, inglês e francês, sem limite de tempo. Os critérios de exclusão foram: artigos repetidos, resenhas, anais de congresso, artigos de opinião, artigos de reflexão, editoriais, teses, dissertações, boletins epidemiológicos, artigos que não abordaram diretamente o tema deste estudo.

Foram identificadas 41 publicações no total. Após leitura do título e resumo, excluíram-se as produções duplicadas e que não atendiam aos critérios de inclusão. Restaram 22 artigos para análise completa do texto, sendo que, destes, foram excluídos nove artigos, por não estarem relacionados à temática do estudo. A amostra final foi composta por 13 artigos científicos, como ilustra a Figura 1 a seguir:


Figura 1. Síntese do processo de seleção dos artigos para revisão integrativa da literatura.



Para extração dos dados dos estudos selecionados, foi elaborada uma tabela contendo colunas com as seguintes informações: ano de publicação, autores, título, periódico, país, tipo de estudo, desenho do estudo, cenário, população alvo, relação perda auditiva e HIV.

Os dados foram agregados conforme a identificação de semelhanças e diferenças, compondo um achado que foi interpretado e sustentado com outras literaturas pertinentes. Todos os estudos selecionados são apresentados no Quadro 1 e encontram-se referenciados neste texto.




RESULTADOS

Para analisar e discutir a ocorrência das alterações auditivas em pessoas com HIV/AIDS e seus fatores relacionados, nos artigos selecionados, estes foram organizados em tópicos. Uma vez que não foi possível reunir os estudos por semelhança metodológica, optou-se por agrupar os achados pela aderência temática, a saber: "Ação do vírus9,15,16,21,22 e ototoxidade"9,15-17,20,26; e "Doenças oportunistas e a perda auditiva"17-19,21,22,24,25.

Ação do vírus e ototoxidade

Em 1995, autores já encontraram elevada incidência de alterações audiológicas em pacientes HIV positivos27. No entanto, enfatizavam a dificuldade de afirmar se esses achados seriam decorrência da ação direta do vírus nas vias auditivas ou consequência de ototoxidade induzida pela medicação em uso por esses pacientes.

Em estudo recente, envolvendo pacientes adultos tratados e não tratados com terapia ARV, as manifestações audiológicas (perda de audição, zumbido e tontura) foram mais frequentes do que as alterações vestibulares em pacientes tratados com ARV. Trinta e nove esquemas terapêuticos foram utilizados no grupo de pacientes tratados, sendo que cinco esquemas terapêuticos estão associados a sinais otoneurológicos (didanosina-lamivudina-lopinavir/r; zidovudina-lamivudina-efavirenz; zidovudina-lamivudina-nevirapina; tavudina-lamivudina-lopinavir/r; zidovudina-didanosina-nelfinavir), não havendo correlação significativa entre ototoxidade e terapia ARV15. E, ainda, em 33 indivíduos em uso de antirretrovirais com presença de células T CD4+ periféricas abaixo de 200cel./ml, também não foi correlacionada a perda auditiva ao uso do AZT e ddI. Sendo assim, o comprometimento inicial da audição em adultos pode estar relacionado à ação direta do vírus sobre o sistema auditivo central9.

Entretanto, constatou-se que indivíduos adultos entre 18 e 58 anos, HIV positivos, expostos ao tratamento ARV, quando comparados a outro grupo não exposto, apresentavam alterações sugestivas de comprometimento da via auditiva periférica e dos limiares de audibilidade em alta frequência16.

As pessoas com HIV/AIDS podem apresentar alterações na avaliação audiológica convencional, audiometria em altas frequências, emissões otoacústicas, supressão das emissões otoacústicas e nos potenciais evocados auditivos, sugerindo comprometimento tanto da via auditiva periférica como da via auditiva central7,16.

A audiometria em altas frequências avalia a audição na faixa de frequências acima de 8.000 Hz - entre 9.000 e 20.000 Hz - e não possui padronização dos resultados, como em uma audiometria convencional - entre 250 e 8.000 Hz. Contudo, as pessoas com HIV/AIDS são as primeiras a serem atingidas em algumas afecções otológicas, demonstrando-se um importante elemento para a realização do diagnóstico precoce28.

A audiometria de altas frequências é muito útil para o acompanhamento de pacientes expostos a ruído intenso; que fazem uso de medicações ototóxicas; bem como expostos a agentes etiológicos degenerativos; no entanto, alguns fatores impedem que este exame faça parte da rotina clínica; são eles: ainda não existe padrão de normalidade para teste destas frequências, a especificidade dos padrões de calibração do equipamento e a metodologia empregada, que podem interferir nos resultados obtidos29.

Destaca-se, ainda, o estudo realizado com 23 crianças (intervalo de 5 meses a 16 anos) com diagnóstico de HIV, recebendo terapia ARV altamente ativa. A audiometria tonal foi realizada em 12 crianças com mais de 4 anos de idade, sendo que 33% apresentaram perda auditiva, sendo duas condutivas. As respostas do tronco encefálico foram medidas em todas as 23 crianças, sugerindo a perda auditiva condutiva em seis e perda auditiva neurossensorial em duas. Nas respostas auditivas do tronco cerebral, estas apresentaram alterações em diferentes níveis das vias auditivas19, evidenciando que crianças com HIV e utilizando a terapia ARV estão suscetíveis a apresentar alterações auditivas, tanto quanto os adultos.

Dessa forma, evidencia-se que afecções da via auditiva periférica em pessoas com HIV/AIDS estão relacionadas tanto à ototoxicidade quanto à carga viral elevada ou ação do vírus. Pode-se supor que esse fato se deva ao arranjo morfológico das fibras nervosas, uma vez que as mesmas apresentam característica das células ciliadas, e/ou dos neurônios, em responder de forma especializada a determinadas frequências, o que se denomina de tonotopia. Na tonotopia, as fibras nervosas que vêm do ápice da cóclea e que formam a região central do nervo coclear são responsáveis pela transmissão das frequências baixas, enquanto que as fibras nervosas que vêm da base e formam a região periférica do nervo são responsáveis pela transmissão de frequências altas, demonstrando que, atualmente, ainda não é possível se ter clareza sobre o agente causador da perda auditiva nessas pessoas30.

Doenças oportunistas e a perda auditiva

Em relação às doenças oportunistas associadas à perda auditiva, revela-se a prevalência de infecção do sistema nervoso central por citomegalovírus (CMV), a qual deve sempre ser considerada como causa de perda auditiva em pacientes infectados pelo HIV18.

O CMV é um agente infeccioso, largamente distribuído na população geral, pertencente à família dos herpes vírus, e é causa frequente de infecção nos seres humanos. Esse vírus sofre períodos de ativação e latência e, uma vez que a pessoa é infectada, o vírus permanece indefinidamente no corpo hospedeiro, podendo haver uma reativação a qualquer momento, principalmente na presença de agentes imunossupressores31.

A incidência do CMV na população dos Estados Unidos é de 1,6 infecções a cada 100 pessoas por ano, indivíduos estes com baixa renda familiar. Aproximadamente 27.000 novas infecções por CMV ocorrem entre grávidas soronegativas a cada ano19. No Brasil, estudos de soroprevalência na população adulta revelaram, aproximadamente, 90% de positividade na cidade de São Paulo32, como também no Estado de Santa Catarina33.

Ao estudar 50 casos de pacientes infectados pelo HIV, com o intuito de caracterizar a ocorrência de patologias otológicas, utilizou-se um questionário, o exame otológico, a avaliação audiológica e a revisão de prontuário hospitalar. Dentre as manifestações otológicas apresentadas, estão: plenitude auricular (34%), zumbido (26%), perda auditiva (29%), otalgia (23%) e otorreia (5%). A otite média também foi um achado frequente nesses pacientes, sendo a perda auditiva neurossensorial mais grave em pacientes com infecção grave por HIV, mas não se relacionando com medicação de uso rotineiro no tratamento do HIV/AIDS. Os autores concluíram que a patologia auditiva afeta até 33% dos pacientes infectados pelo HIV e que a perda auditiva neurossensorial é mais grave neste grupo específico20.

Sabe-se que as otites podem provocar perda auditiva periférica temporária, devendo esta ser identificada o mais precocemente possível para que se estabeleça o tratamento médico adequado. De acordo com o Instituto Nacional de Saúde dos EUA, por volta de 75% dos adultos com AIDS apresentam algum tipo de disfunção auditiva decorrente de infecções oportunistas, seu tratamento e efeito ototóxico34.

Ainda, constata-se o relato de caso sobre uma pessoa do sexo masculino com infecção por HIV que apresentou perda auditiva do lado direito após dois meses de profilaxia secundária de meningite criptocócica. Os autores relacionam a perda auditiva unilateral de pacientes adultos com a meningite criptocócica e o tratamento de infecção por HIV associados21.

Crianças infectadas pelo HIV foram avaliadas a fim de medir sua capacidade audiológica e seus distúrbios vestibulares, sendo que as mesmas estavam em tratamento antirretroviral altamente ativo. Foram incluídos 23 pacientes, com média de idade entre 4,5 anos, e a audiometria foi realizada em 12 crianças com mais de 4 anos de idade. Quatro crianças apresentaram perda auditiva neurossensorial e duas delas estavam com perda auditiva condutiva. Respostas do tronco encefálico foram medidas em todos os pacientes, sugerindo a perda condutiva em seis das crianças e perda auditiva neurossensorial em duas delas. As que foram diagnosticadas com perda auditiva condutiva apresentavam antecedentes de otite média aguda ou crônica. Esses resultados sugerem que as crianças com HIV-1 devem ser avaliadas audiologicamente, o mais cedo possível, a fim de reduzir o impacto no desenvolvimento psicossocial17. Constata-se, ainda, que crianças soropositivas para o HIV desenvolvem meningite bacteriana, apresentam elevada mortalidade, bem como estão mais propensas a doenças recorrentes22.

Estudo epidemiológico com o objetivo de pesquisar a frequência e apresentação clínica dos resultados de otosífilis em países desenvolvidos confirmou que a mesma ainda é uma complicação da sífilis nesses países. Dessa forma, podemos afirmar que essa doença é uma causa conhecida de surdez neurossensorial e tem a prevalência aumentada em portadores do HIV. O acometimento otológico pelo Treponema pallidum ocorre na sífilis terciária. Os sintomas iniciais podem incluir surdez neurossensorial uni ou bilateral, em geral rapidamente progressiva e, por vezes, súbita. Zumbido, pressão aural e sintomas labirínticos também podem estar presentes. A curva audiométrica costuma mostrar queda nas frequências graves, sugestiva de hidropsia endolinfática23.

As doenças cerebromeningeais podem estar relacionadas à perda auditiva. Em um estudo retrospectivo no Senegal, com o objetivo de determinar a prevalência de afecções cerebromeningeais em pacientes hospitalizados e descrever a epidemiologia, a clínica e a etiologia das afecções, foram identificados 470 casos, sendo que 89 crianças e adultos apresentavam HIV e diversas doenças oportunistas, quais sejam: síndrome meningeal, coma, convulsão, deficiência neurológica focal, disfunção do nervo craniano, malária cerebral, meningite purulenta, meningite criptocócica, meningite tuberculosa, abscesso intracraniano, toxoplasmose, hemorragia cerebromeningeal. Dos 89 pesquisados, 22 sobreviveram, sendo que, dentre estes, cinco apresentavam perda auditiva. O estudo conclui que os laboratórios necessitam de mais capacidade técnica para diagnosticar as infecções oportunistas apresentadas por estes pacientes, bem como envolver os vários especialistas para o gerenciamento das sequelas cerebromeningeais24.

Destacam-se, ainda, dois estudos, que não alcançaram achados conclusivos sobre as causas da perda auditiva. No primeiro, com nove homens entre 25 e 42 anos, HIV positivos, cinco estavam com perda auditiva25. O segundo trata-se de estudo de caso com um homem de 36 anos, com perda auditiva progressiva unilateral, zumbido ipsilateral agudo, perda auditiva súbita acompanhada de paralisia ipsilateral. Em ressonância magnética suspeitaram de Schwannoma do Acústico, porém, ao solicitarem anti-HIV, descobriram que o paciente era soropositivo. Os autores recomendam exame exaustivo para investigar a causa da perda auditiva26.

Sabendo que, todos os dias, o HIV/AIDS mata 6.000 pessoas e infecta outras 8.20035 e que a infecção por doenças oportunistas é uma constante preocupação para as pessoas portadoras do HIV, destaca-se a necessidade de especial atenção para o diagnóstico precoce e prevenção de agravos na função auditiva.


CONCLUSÕES

Conclui-se que ainda não há um consenso, nos estudos analisados, quanto ao fator determinante para a ocorrência de alterações auditivas e perda auditiva em pessoas que vivem com HIV/AIDS, sendo as alterações associadas a múltiplos fatores. Dentre eles, aponta-se a carga viral elevada, a ação direta do vírus sobre o sistema cocleovestibular, o uso da TARV e as doenças oportunistas, sendo o citomegalovirose, meningite e otosífilis as doenças e tratamentos mais correlacionados à alteração aditiva e ototoxicidade.

Logo, não foi possível ser encontrada relação direta da terapia ARV com a perda auditiva. No entanto, evidencia-se a existência de alterações auditivas na população estudada, sendo suas relações e causas ainda inconclusivas e insuficientes, o que fomenta a necessidade de estudos que investiguem com mais profundidade a perda auditiva nessa população.

Às pessoas com HIV/AIDS, adultos e crianças, recomenda-se monitoramento audiológico em Serviços de Referência na Atenção Auditiva, minimizando os efeitos dos fatores causadores da perda auditiva, reduzindo o impacto psicossocial e propiciando melhor qualidade de vida a estas pessoas.

Nesse sentido, evidencia-se que a realização de novas pesquisas que aprofundem o conhecimento sobre as alterações auditivas em pessoas com HIV/AIDS, e que sirvam de referência para as ações de capacitação e sensibilização dos profissionais quanto à problemática e seu controle, é necessária.


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1. Mestre em Ciências Médicas (Fonoaudióloga).
2. Doutorando do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UFSC (Doutoranda).
3. Discente do Curso de Graduação em Enfermagem da UFSC (Bolsista CAPES).
4. Doutora em Filosofia da Enfermagem do Programa de Pós-graduação da UFSC (Professora Titular do Curso de Pós-graduação da UFSC).
5. Doutora em Filosofia da Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação da UFSC (Professora adjunto do Curso de Graduação e Pós-graduação em Enfermagem da UFSC). Universidade Federal de Santa Catarina.

Endereço para correspondência:
Luciana Ferreira Cardoso Assuiti
Rua Pirineus, nº 43/202. Córrego Grande
Florianópolis - SC. Brasil. CEP: 88037-615

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 15 de fevereiro de 2012. cod. 9043.
Artigo aceito em 20 de outubro de 2012.

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