Versão Inglês

Ano:  2013  Vol. 79   Ed. 2  - Março - Abril - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 177 a 184

PDFPDF PT   PDFPDF EN
 

Próteses auditivas e tempos de recuperação: estudo segundo status cognitivo

Hearing aids and recovery times: a study according to cognitive status

Autor(es): Rosângela Ghiringhelli1; Maria Cecilia Martinelli Iorio2

DOI: 10.5935/1808-8694.20130032

Palavras-chave: auxiliares de audição; cognição; percepção da fala; questionários; saúde do idoso.

Keywords: cognition; health of the elderly; hearing aids; questionnaires; speech perception.

Resumo:
Estudos demonstram que idosos com dificuldades cognitivas apresentam maior benefício com próteses auditivas com tempos lentos de recuperação.
OBJETIVO: Estudar as restrições de participação e reconhecimento de sentenças no ruído em idosos com próteses auditivas com diferentes tempos de recuperação segundo o status cognitivo.
MÉTODO: Foram selecionados, avaliados e acompanhados por quatro meses 50 idosos, 60-80 anos, que inicialmente formaram os grupos-estudo sem (G1-24 idosos) e com (G2-26 participantes) alteração cognitiva conforme resultados do teste "Alzheimer's Disease Assessment Scale-Cognitive Subscale". Metade de cada grupo recebeu próteses auditivas com tempo de recuperação mais rápido e metade lento, formando-se quatro grupos: dois sem alteração cognitiva (tempos mais rápido G1R/lento-G1L) e dois sugestivos de alteração cognitiva (tempos mais rápido G2R/lento-G2L). Todos os grupos, após a avaliação inicial que constou de anamnese e avaliação audiológica básica, foram submetidos ao Protocolo: questionário de autoavaliação "Hearing Handicap Inventory for the Eldery" e teste Listas de Sentenças em Português. Aplicou-se Análise de Variância (ANOVA), Mc Nemar e Qui-quadrado com nível de significância de 0,05.
RESULTADOS: Houve melhora significante na restrição de participação e reconhecimento de sentenças no ruído apenas com amplificação sonora. O subgrupo G2R necessita de relações sinal-ruído mais favoráveis para reconhecer 50% das sentenças no ruído.
CONCLUSÃO: Há melhora na restrição de participação e reconhecimento de fala no ruído independentemente dos tempos de recuperação e status cognitivo.

Abstract:
Studies have shown that elderly people with cognitive impairments benefit more from hearing aids with slower recovery times.
OBJECTIVE: To study participation constraints and speech recognition in noise of elderly subjects equipped with hearing aids of different recovery times according to cognitive impairment status.
METHOD: Fifty subjects aged between 60 and 80 years were followed for four months. They were divided at first in groups of individuals without (G1; n = 24) and with (G2; n = 26) cognitive impairment based on results of the Alzheimer's Disease Assessment Scale - Cognitive Sub-scale test. Half the members of each group received hearing aids with faster recovery times and half got slower recovery aids, thus forming four groups: two without cognitive impairment (faster recovery - G1F; slower recovery - G1S) and two suspected for cognitive impairment (faster recovery - G2F; slower recovery - G2S). All subjects were interviewed, submitted to basic audiological assessment, asked to answer the Hearing Handicap Inventory for the Elderly questionnaire, and tested for speech recognition in noise. ANOVA, McNemar's test, and the Chi-square test were applied. The significance level was set at 5%.
RESULTS: There was significant improvement in participation constraint and speech recognition in noise with hearing aids alone. Sub-group G2F needed more favorable signal-to-noise ratios to recognize 50% of the speech in noise.
CONCLUSION: Participation constraint and speech recognition in noise were improved regardless of recovery times or cognitive impairment status.

INTRODUÇÃO

Uma das disfunções mais frequentes no processo de envelhecimento é a perda auditiva neurossensorial denominada presbiacusia. A deterioração da função auditiva é uma das mais graves deficiências presentes neste processo1,2.

Os idosos com presbiacusia apresentam diminuição da sensibilidade auditiva e redução na inteligibilidade de fala, comprometendo seriamente o seu processo de comunicação verbal; podendo, assim, apresentar piora na sua qualidade de vida3. Esta deterioração gera sequelas importantes, como a limitação de atividades e restrição de participação em atividades de vida diária, levando à redução do contato social e, consequentemente, a alterações emocionais4.

Outra alteração frequentemente associada ao envelhecimento é a deterioração de processos cognitivos, como memória, atenção, percepção, compreensão, resolução de problemas, linguagem, entre outros. Pesquisas apontaram a existência de uma relação significativa entre a perda auditiva e o desempenho cognitivo dos idosos5-7.

Estudo8 relacionou quatro hipóteses que possivelmente explicam a relação entre percepção e cognição no envelhecimento: declínios cognitivos são sintomas de uma degeneração neural difusa; declínio cognitivo resulta em declínio perceptual; declínio perceptual resulta em declínio cognitivo permanente; entrada perceptual pobre resulta em um desempenho cognitivo comprometido.

Estas hipóteses motivaram pesquisas visando estabelecer a relação entre audição e cognição. E, considerando a hipótese de que o declínio perceptual e a entrada perceptual pobre resultam em reduzido desempenho cognitivo, a autora sugere como intervenção a reabilitação audiológica.

Pesquisadores do Grupo de Estudo sobre Envelhecimento de Berlim concluíram que a interação entre processamento auditivo e cognitivo em adultos idosos com perda auditiva, resulta em maior esforço para escutar, limitando o uso de processos mentais disponíveis para compreender e recordar o que foi ouvido8. Há diferenças individuais, relacionadas também com a idade, no reconhecimento de fala em situação de escuta difícil (relação sinal/ruído - S/R) em que se exige extremo esforço para escutar, podendo ser minimizado simplesmente ajustando-se esta relação.

A autora8 relata que, relativo aos processos cognitivos, há duas implicações importantes na reabilitação audiológica. Uma delas é que, além da alteração auditiva relacionada com o envelhecimento, a utilização de recursos cognitivos limitados pode restringir a participação plena desses indivíduos em atividades de vida diária que exijam escuta, compreensão e comunicação. A outra é que a audibilidade pode ser parcial ou totalmente restaurada com a intervenção, por meio da adaptação de próteses auditivas, o que resulta não somente em melhor percepção de fala, mas também em melhor desempenho cognitivo para compreender e recordar o que foi ouvido.

Com relação à adaptação de próteses auditivas, sabe-se que há relação entre o status cognitivo e o benefício obtido por meio de próteses utilizando diferentes características dinâmicas da compressão. Por convenção, os tempos recuperação podem ser classificados: como tempo rápido (< 100 ms, também conhecido como "silábico") - em que o objetivo é manter a audibilidade dos fonemas e como tempo lento (> 150 ms, denominado controle automático de volume - AVC) - por meio do qual o volume total do sinal é projetado de forma confortável8.

Em recentes estudos, idosos foram submetidos à avaliação de reconhecimento de sentenças na presença de ruído utilizando próteses auditivas com compressão silábica ou com AVC. Os participantes com melhor processamento cognitivo obtiveram vantagem com a compressão com tempo de recuperação rápido, enquanto os idosos com habilidades cognitivas mais pobres obtiveram melhor desempenho com a compressão de tempo lento. Assim, os fabricantes começaram a incorporar os resultados desta pesquisa no algoritmo de processamento de fala8,9.

Assim sendo, deve-se ressaltar a importância de se encaminhar um idoso com presbiacusia para seleção e adaptação de próteses auditivas, uma vez que a perda auditiva está associada à piora cognitiva e a reabilitação pode estar relacionada à melhora global no plano cognitivo10.

Com base no exposto acima, este estudo teve como objetivo avaliar e comparar a autopercepção das restrições auditivas e reconhecimento de sentenças no ruído em idosos pré e pós-adaptação de próteses auditivas não lineares com diferentes tempos de recuperação da compressão segundo o status cognitivo.


MÉTODO

Esta pesquisa foi realizada no Núcleo Integrado de Assistência, Ensino e Pesquisa em Audição - NIAPEA da EPM/UNIFESP durante os anos de 2010 e 2011, após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição, sob número 0984/10. Constou de um estudo clínico longitudinal que avaliou e comparou o desempenho de 50 idosos, faixa etária de 60 a 80 anos, novos usuários de próteses auditivas não lineares.

Inicialmente, todos os indivíduos aceitaram a sua participação no estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Para seleção da amostra, foram estabelecidos os seguintes critérios de elegibilidade: ter idade igual ou superior a 60 e no máximo 80 anos; ser portador de perda auditiva neurossensorial de grau leve a moderadamente grave bilateral (média dos limiares de audição de 26 a 70 dB nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz)11; não ser usuário de próteses auditivas anteriormente ao início desta pesquisa.

A partir destes critérios, os participantes foram selecionados e formados os grupos estudo sem (G1) e com (G2) alteração cognitiva. Para a formação dos grupos, aplicou-se o teste "Alzheimer's Disease Assessment Scale - Cognitive Subscale" - ADAS-Cog. Esta escala foi traduzida e adaptada para o Português brasileiro12 e aplicada pela própria pesquisadora. A escala ADAS-Cog é composta por 11 itens que avaliam memória, linguagem, praxia e compreensão de comandos. A pontuação máxima de toda a avaliação cognitiva é de 70 pontos e quanto maior a pontuação maior o comprometimento cognitivo do indivíduo. Para declarar resultado sugestivo de alteração cognitiva, deve-se considerar os anos de escolaridade do idoso avaliado. Assim sendo, o escore acima de 23,3 é declarado sugestivo de alteração cognitiva em idosos com até quatro anos de escolaridade; escore acima de 13,4 em idosos de cinco a 11 anos de escolaridade; escore acima de 11,1 para 12 ou mais anos de escolaridade. Todos os indivíduos que apresentaram resultado sugestivo de alteração neste teste foram encaminhados aos serviços especializados após o término das avaliações.

A partir desta avaliação, os 50 idosos, sendo 23 (46%) do gênero masculino e 27 (56%) do feminino, foram distribuídos da seguinte forma: o grupo G1 composto por 24 idosos sem alteração cognitiva e o Grupo G2 por 26 idosos com alteração cognitiva.

Cada grupo foi subdividido em dois: um, composto por idosos a serem adaptados com próteses auditivas não lineares com tempo de recuperação mais rápido (320 ms) e outro, com tempo de recuperação lento (1280 ms). Todos os participantes foram adaptados com o mesmo modelo de prótese auditiva de um mesmo fabricante.

A definição do tempo de recuperação foi sorteada para o primeiro paciente de cada grupo e alternada para os seguintes. Assim, quatro subgrupos foram formados: G1R - 12 idosos sem alteração cognitiva e com tempo de recuperação mais rápido; G1L - 12 idosos sem alteração cognitiva e com tempo de recuperação lento; G2R - 13 idosos com alteração cognitiva e com tempo de recuperação mais rápido; G2L - 13 idosos com alteração cognitiva e com tempo de recuperação lento.

Após a adaptação das próteses auditivas, os participantes foram orientados e acompanhados por quatro meses, quando foram reavaliados. Desta forma, todos os grupos, após a avaliação inicial, que constou de anamnese e avaliação audiológica básica, foram submetidos ao seguinte Protocolo de Pesquisa: questionário de autoavaliação "Hearing Handicap Inventory for the Eldery" - HHIE - e teste Listas de Sentenças em Português - LSP.

O instrumento utilizado para avaliar a restrição de participação em atividades de vida diária foi o questionário de autoavaliação "Hearing Handicap Inventory for the Eldery" - HHIE13, com 25 questões subdivididas em escalas: Social/Situacional - S e Emocional - E14. Para cada uma das três opções de resposta são atribuídos pontos: "sim" = 4 pontos, "às vezes" = 2 pontos e "não" = zero ponto. O escore global pode variar em percentuais de zero (restrição de participação ausente) até 100% (total percepção da restrição de participação). Quanto maior a pontuação, maior é a percepção do indivíduo em relação a sua restrição de participação15: 0% a 16% - não há autopercepção; 18% a 42% - percepção leve/moderada; e, acima de 42% - percepção grave/significativa. O questionário foi aplicado pela pesquisadora em uma sala silenciosa sob a forma de entrevista.

Para a pesquisa da relação S/R, utilizou-se o teste Lista de Sentenças do Português16, o qual é composto por uma lista de 25 sentenças em Português (lista 1A) e sete listas com 10 sentenças cada uma e um ruído competitivo de espectro de fala.

A avaliação foi realizada em ambiente acusticamente tratado, com o indivíduo utilizando suas próprias próteses auditivas, reguladas de acordo com os dados da avaliação audiométrica no dia de sua adaptação e posicionado a 1 m da fonte sonora, na condição 0º azimute, ou seja, à frente do indivíduo. A fim de obter os níveis de pressão sonora em campo livre, foi realizada a medição seguindo a estratégia já utilizada em estudos anteriores17.

A aplicação deste material foi baseada na estratégia ascendente-descendente18, que permite determinar o limiar de reconhecimento de sentenças no ruído (S/R) em que

o indivíduo é capaz de reconhecer corretamente 50% das sentenças apresentadas. A relação sinal/ruído (S/R) é a diferença entre o nível médio das sentenças e o nível do ruído competitivo. Sempre que este valor for um número negativo, entende-se que o indivíduo foi capaz de reconhecer a fala em nível menor do que o nível do ruído.

A seguir, o Quadro 1 demonstra os parâmetros utilizados na administração do teste LSP nesta pesquisa.




Análise Estatística

Foram construídas tabelas com valores de estatísticas descritivas para os escores do questionário HHIE e para as relações sinal/ruído (S/R). Para comparar as médias dos escores nos dois períodos de avaliação, foi aplicada a técnica de Análise de Variância19. As médias das diferenças nos períodos pré e pós foram calculadas e construídos intervalos de confiança de 95%. Em cada teste de hipótese, foi adotado o nível de significância de 0,05 e os valores de p significantes foram destacados com o símbolo asterisco (*).


RESULTADO

As Tabelas 1 e 2 e Figura 1 mostram a análise dos escores do questionário HHIE aplicado nos quatro subgrupos em dois momentos (pré e pós-adaptação). Para tanto, utilizou-se a Análise de Variância (ANOVA) com dois efeitos (grupo e etapa). A Tabela 2 mostra os resultados da ANOVA.





Figura 1. Diferenças entre etapas pré e pós-adaptação no questionário HHIE. Intervalo de confiança para a média: média ± 1,96 * desviopadrão/√(n-1); G1R: Subgrupo de idosos sem alteração cognitiva e com tempo de recuperação mais rápido. G1L: Subgrupo de idosos sem alteração cognitiva e com tempo de recuperação lento; G2R: Subgrupo de idosos com alteração cognitiva e com tempo de recuperação mais rápido. G2L: Subgrupo de idosos com alteração cognitiva e com tempo de recuperação lento.



Houve diferença significante entre os escores do HHIE obtidos pré e pós-adaptação de próteses auditivas não lineares para todos os subgrupos após quatro meses apenas fazendo uso destes dispositivos eletrônicos. Não houve diferença significante entre os grupos.

A análise do benefício obtido por meio do HHIE nos quatro grupos foi realizada por meio da Análise de Variância para um efeito (One-way ANOVA), cujos resultados são apresentados na Tabela 3 e ilustrados na Figura 2.




Figura 2. Análise do benefício entre grupos no questionário HHIE. Intervalo de confiança para a média: média ± 1,96 * desvio-padrão/√(n-1). G1R: Subgrupo de idosos sem alteração cognitiva e com tempo de recuperação mais rápido; G1L: Subgrupo de idosos sem alteração cognitiva e com tempo de recuperação lento; G2R: Subgrupo de idosos com alteração cognitiva e com tempo de recuperação mais rápido; G2L: Subgrupo de idosos com alteração cognitiva e com tempo de recuperação lento.



A Tabela 4 mostra a análise do teste LSP aplicada nos quatro subgrupos comparativos avaliados em duas etapas (pré e pós-adaptação de próteses auditivas). Para tanto se utilizou a Análise de Variância (ANOVA), com dois efeitos (grupo e etapa). A Tabela 5 apresenta os resultados da ANOVA.






Houve diferença significante entre as etapas e não foi significante para o efeito de grupo e para a interação. Entre grupos, esteve próximo de ser significante (p entre 0,05 e 0,10). Por isso, procurou-se verificar possíveis diferenças, por meio de comparações múltiplas (POST HOC) apresentadas na Tabela 6. A Figura 3 demonstra estas diferenças.




Figura 3. Diferenças entre grupos no teste Lista de Sentenças em Português. Intervalo de confiança para a média: média ± 1,96; * desvio-padrão/√(n-1). G1R: Subgrupo de idosos sem alteração cognitiva e com tempo de recuperação mais rápido; G1L: Subgrupo de idosos sem alteração cognitiva e com tempo de recuperação lento; G2R: Subgrupo de idosos com alteração cognitiva e com tempo de recuperação mais rápido; G2L: Subgrupo de idosos com alteração cognitiva e com tempo de recuperação lento.



Houve diferença significante entre as etapas para todos os subgrupos no sentido de redução dos escores do teste LSP após quatro meses de uso de próteses auditivas não lineares.

Observou-se que o grupo G2R (Grupo sugestivo de alteração cognitiva e próteses auditivas com tempo mais rápido de recuperação) apresenta resultados maiores que os outros grupos.


DISCUSSÃO

A perda auditiva gera consequências auditivas e não auditivas. Dentre elas, pode-se citar: isolamentos social e familiar.

O objetivo da prótese auditiva é melhorar a audibilidade do paciente e incluí-lo novamente na sociedade. É importante avaliar as restrições auditivas impostas pela deficiência auditiva antes e após adaptação de próteses auditivas para auxiliar neste processo, visto que fornece informações importantes ao clínico que não são extraídas das avaliações objetivas. O HHIE é um dos questionários mais utilizados para tal fim.

Neste estudo, a análise do escore total do HHIE obtido no período pré e pós-adaptação de próteses auditivas apresentou valores médios de 59,6% e 15,9%, respectivamente, para o Grupo 1 (sem alteração cognitiva) e de 70,5% e 25,8%, respectivamente, para o Grupo 2 (sugestivo de alteração cognitiva) com p < 0,001, revelando resultado significativo20. Estes resultados mostram compatibilidade com autopercepção da restrição de participação grave na fase anterior à adaptação para os dois Grupos e não percepção no período pós-adaptação para o Grupo 1 e de percepção leve para o Grupo 2.

Na análise segundo os quatro grupos de estudo, o que se observa é que os indivíduos com resultados sugestivos de alteração cognitiva apresentaram escores maiores do que os dos grupos sem alteração cognitiva nas duas situações antes e após a intervenção fonoaudiológica e não atingem, diferentemente dos outros grupos, após o uso de próteses auditivas, escores compatíveis com ausência de autopercepção de restrição de participação. Tal situação demonstra que estes pacientes apresentam maior restrição de participação em atividades de vida diária. Quando se analisa o benefício, verifica-se que todos os grupos apresentaram redução de 42% a 45% na restrição de participação.

Estudos mostraram que, se a aplicação do questionário HHIE for realizada sob forma de entrevista, considera-se uma melhora significante na percepção das restrições de participação em atividades de vida diária quando, na comparação dos resultados pré e pós-adaptação de próteses auditivas, apresentar redução de 19% e de 36% se a aplicação do teste sob a forma papel e lápis20, o que significa que o paciente preencheu sem o auxílio de um entrevistador.

Autores21 relataram em suas pesquisas que os homens idosos apresentaram maior grau de percepção em relação às restrições de participação em atividades de vida diária com maiores benefícios após intervenção fonoaudiológica.

Para um bom desempenho comunicativo em situações de conversação, o indivíduo deve decodificar e identificar a mensagem recebida integrando processamento auditivo e de linguagem. No entanto, se a decodificação de entrada estiver comprometida devido à má qualidade do sinal do sistema auditivo periférico, faz-se necessário utilizar mais recursos cognitivos para a realização desta tarefa22. Quando se faz um esforço maior em ouvir utilizando mais recursos cognitivos para compreender sons básicos, a memória e a capacidade cognitiva tornam-se limitadas para processar o discurso. O uso de aparelhos auditivos vem para auxiliar nesta tarefa.

Estudos mostraram que devido à estimulação auditiva a partir da amplificação sonora as vias auditivas se reorganizam, implicando em uma possível melhora na recepção e organização dos estímulos sonoros. Isso se reflete em um aperfeiçoamento no reconhecimento da fala ao longo do tempo23,24. A presente pesquisa evidenciou tal fato apenas com uma reabilitação auditiva por meio do uso de dispositivos de amplificação sonora sem outros procedimentos, como um programa de treinamento auditivo formal.

Os achados do presente estudo também concordam com os de outros autores25 que comprovaram que o uso de próteses auditivas proporciona benefícios sociais e pessoais para os idosos presbiacúsicos, independentemente do seu status cognitivo, permitindo reduzir a autopercepção de restrição de participação em atividades de vida diária.

Esta pesquisa também observou a importância do uso de aparelhos de amplificação sonora individual para melhora das funções cognitivas (memória e atenção) em idosos deficientes auditivos independentemente do tempo de recuperação adotado.

Por meio do teste ADAS-Cog, aplicado nesta pesquisa somente com a finalidade de compor os grupos de estudo: sem alteração cognitiva (G1) e com resultados sugestivos de alteração cognitiva (G2), analisou-se o impacto da deficiência auditiva na função cognitiva. Após o processo de reabilitação auditiva (somente com o uso de amplificação), a melhora da percepção auditiva, da função comunicativa, da integração social e das funções cognitivas (memória e atenção) foram percebidas e relatadas pelos pacientes independentemente do grupo de estudo no qual eles foram alocados. Logo, o uso de amplificação sonora pelo idoso pode impedir alterações cognitivas relacionadas à percepção auditiva e atenção possibilitando, assim, melhor qualidade de vida no processo de envelhecimento. O tempo de recuperação adotado não interferiu nos resultados obtidos pelos grupos estudados.

Ainda não foram evidenciadas as razões para explicar a existência de uma relação significativa entre status cognitivo e o benefício do tempo rápido de recuperação do processamento do sinal da prótese auditiva. É possível que o processamento auditivo temporal ou algum outro fator, como a plasticidade cerebral, possa mediar esta relação8.

Situações de vida cotidiana normalmente estão associadas à presença de ruído competitivo. Indivíduos com audição normal apresentam dificuldades para escutar e reconhecer a fala nestas situações. Assim, é importante avaliar idosos em situação de comunicação que mais se aproximam da realidade com testes de reconhecimento de sentenças na presença de ruído competitivo. O teste escolhido para este fim foi o Lista de Sentenças em Português - LSP16.

A presente pesquisa apontou que houve redução dos valores nas etapas pós-adaptação de próteses auditivas nos Grupos de Estudo, mostrando melhor desempenho do idoso em uso efetivo de amplificação sonora em situação de fala com ruído competitivo.

Como uma das maiores dificuldades do idoso deficiente auditivo é a compreensão da fala, principalmente na presença de ruído competitivo, faz-se necessário calcular a relação sinal/ruído (S/R). Esta relação é calculada como sendo a diferença entre a intensidade de um sinal (fala) e a intensidade de um som competitivo (ruído), apresentados simultaneamente. Quanto maior esta relação, maior pode ser o prejuízo no entendimento de fala na presença de ruído, tanto para ouvintes normais como para deficientes auditivos, particularmente o idoso.

Autores26 concluíram que os adultos mais velhos apresentaram desempenho inferior em testes de sentenças no ruído com tempos de recuperação rápido e lento quando comparados aos adultos mais jovens e não foram observadas diferenças significantes na percepção de fala com diferentes tempos de recuperação. Não houve interação entre idade, grau da perda auditiva e tempo de recuperação. Com base nestes resultados, os ajustes nas próteses auditivas não devem ser realizados considerando-se apenas o fator idade do paciente.

Os valores mínimos obtidos neste estudo para a relação S/R apresentaram uma variação de 1,1 dB para o Grupo 1 (sem alteração cognitiva) e de 1,6 dB para o Grupo 2 (sugestivo de comprometimento cognitivo). Estudos mostraram que uma mudança de 1 dB na relação S/R pode implicar em uma variação no reconhecimento de fala de até 18%27, o que se torna expressivo para o idoso com ou sem resultado sugestivo de alterações cognitivas.

Os valores mínimos obtidos nesta pesquisa para os valores da relação S/R nas etapas pré e pós-adaptação de próteses auditivas (-1,7 e -2,8, respectivamente para o Grupo 1; 0 (zero) e -1,6, respectivamente para o Grupo 2) concordam com outros estudos28 que apresentaram o valor médio para S/R de -2,37 em usuários de aparelhos auditivos não lineares, sendo o valor mínimo de -4,13.

O que se observa é que os pacientes do grupo G2R apresentam a maior relação sinal/ruído para reconhecer 50% das sentenças tanto antes como após a intervenção fonoaudiológica apenas com o uso de amplificação sonora. Outros fatores devem ser analisados para justificar tais achados, como tempo de privação sensorial.

Os achados deste estudo apontaram melhora no desempenho dos idosos após quatro meses de uso das próteses auditivas não lineares por meio dos questionários de restrição de participação apenas em uso de amplificação sonora. O mesmo foi observado no reconhecimento de sentenças com ruído competitivo.


CONCLUSÃO

Após quatro meses de intervenção fonoaudiológica, os idosos avaliados apresentam melhora quanto à restrição de participação e reconhecimento de sentenças no ruído competitivo apenas fazendo uso de amplificação sonora, independentemente do status cognitivo e tempos de recuperação das próteses auditivas.


REFERÊNCIAS

1. Russo ICP. Perfil global do idoso candidato ao uso de prótese auditiva. Pró-Fono. 1999;426.

2. Marques ACO, Kozlowski L, Marques JM. Reabilitação auditiva no idoso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(6):806-12.

3. Santiago LM, Novaes CO. Auto-avaliação da audição em idosos. Rev CEFAC. 2009;11(Suppl 1):98-105.

4. Almeida MR, Guarinello AC. Reabilitação audiológica em pacientes idosos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(2):247-55.

5. Räihä I, Isoaho R, Ojanlatva A, Viramo P, Sulkava R, Kivelä SL. Poor performance in the mini-mental state examination due to causes other than dementia. Scand J Prim Health Care. 2001;19(1):34-8.

6. Tay T, Wang JJ, Kifley A, Lindley R, Newall P, Mitchell P. Sensory and cognitive association in older persons: findings from an older Australian population. Gerontology. 2006;52(6):386-94.

7. Kopper H, Teixeira AR, Dorneles S. Cognitive Performance of a Group of Elders: Influence of Hearing, Age, Sex, and Education. Int Arch Otorhinolaryngol. 2009;13(1):39-43.

8. Kathleen Pichora-Fuller M. Perceptual effort and apparent cognitive decline: implications for audiologic rehabilitation. Semin Hear. 2006;27(4):284-93.

9. Souza P. New hearing aids for older listeners. Hear J. 2004;57(3):10-7.

10. Allen NH, Burns A, Newton V, Hickson F, Ramsden R, Rogers J, et al. The effects of improving hearing in dementia. Age Ageing. 2003;32(2):189-93.

11. Davis H, Silverman SR. Interpretação dos resultados da avaliação audiológica. In: Santos TMM, Russo ICP. A prática da audiologia clínica. São Paulo: Cortez;1991. p.175-96.

12. Schultz RR, Siviero MO, Bertolucci PH. The cognitive subscale of "Alzheimer´s Disease Assessment Scale" in a Brazilian sample. Braz J Med Biol Res. 2001;34(10):1295-302.

13. Ventry IM, Weinstein BE. The hearing handcap inventory for the elderly: a new tool. Ear Hear. 1982;3(3):128-34.

14. Almeida K, Iorio MCM. Próteses Auditivas: Fundamentos Teóricos e Aplicações Clínicas. São Paulo: Lovise;2003. p.317.

15. Melo ADP, Castiquini EAT, Noronha-Souza AEL. Identificação de perdas auditivas nos alunos que freqüentam a Universidade Aberta à Terceira Idade. Salusvita. 2004;23(2):279-90.

16. Costa MJ, Iorio MCM, Mangabeira-Albernaz PL. Reconhecimento de fala: desenvolvimento de uma lista de sentenças em português. Acta Awho. 1997;16(4):164-73.

17. Henriques MO, Miranda EC, Costa MJ. Speech recognition thresholds in noisy areas: Reference values for normal hearing adults. Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74(2):188-92.

18. Levitt H, Rabiner LR. Use of a sequencial strategy in intelligibility testing. J Acoust Soc Am. 1967;42(3):609-12.

19. Maxwell DL, Satake E. Research and statistical methods in communication disorders. Baltimore: William & Wilkins;1997.

20. Kricos PB, Lesner SA. Evaluating the success of adult audiologic rehabilitation support programs. Semin Hear. 2000;21(3):267-9.

21. Magalhães R, Iório MCM. Avaliação da restrição de participação e de processos cognitivos em idosos antes e após intervenção fonoaudiológica. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(1):51-6.

22. Schneider BA, Daneman M, Pichora-Fuller MK. Listening in aging: from discourse comprehension to psychoacoustics. Can J Exp Psychol. 2002;56(3):139-52.

23. Myers S, Palmer CV. Functional and subjective changes over 16 weeks after hearing aid fitting: a case study. Semin Hear. 2005;26(3):140-3.

24. Miranda EC. Estudo eletrofisiológico e comportamental da audição em idosos com alteração cognitiva antes e após a adaptação de próteses auditivas. [Tese de Doutorado]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina;2012.

25. Ávila VD, Guia ACOM, Friche AAL, Nascimento LS, Rosa DOA, Carvalho SAS. Relação entre o benefício do aparelho de amplificação sonora individual e desempenho cognitivo em usuário idoso. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2011;14(3):475-84.

26. Vasil KA, Cienkowski KM. The interaction of hearing aid release time settings and age for the perception of sentences in speech babble. JARA. 2005;38:47-59.

27. Caporali SA, Silva JA. Reconhecimento de fala no ruído em jovens e idosos com perda auditiva. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(4):525-32.

28. Costa LP, Iório MCM. Próteses auditivas: avaliações objetivas e subjetivas em usuários de amplificação linear e não-linear. Pró-Fono. 2006;18(1):21-30.










1. Graduação em Fonoaudiologia pela UNIFESP/EPM (Fonoaudióloga). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana, Campo Fonoaudiológico pela UNIFESP/EPM.
2. Livre-docente pela Universidade Federal de São Paulo (Professora Associada da Universidade Federal de São Paulo). Universidade Federal de São Paulo - Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana, Disciplina de Distúrbios da Audição.

Endereço para correspondência:
Rosângela Ghiringhelli
Rua Botucatu, nº 802. Vila Clementino
São Paulo - SP. Brasil. CEP: 04023-062
Tel: (11) 5549-7500

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 26 de agosto de 2012. cod. 10417.
Artigo aceito em 12 de janeiro de 2013.

FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial