Versão Inglês

Ano:  2013  Vol. 79   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (19º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 112 a 118

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Miofibroblastos e sua relação com o carcinoma de células escamosas oral

Myofibroblasts and their relationship with oral squamous cell carcinoma

Autor(es): Priscilla Suassuna Carneiro Lúcio1; Alessandro Leite Cavalcanti2; Pollianna Muniz Alves3; Gustavo Pina Godoy2; Cassiano Francisco Weege Nonaka2

DOI: 10.5935/1808-8694.20130019

Palavras-chave: carcinoma de células escamosas; imunoistoquímica; miofibroblastos.

Keywords: carcinoma, squamous cell; immunohistochemistry; myofibroblasts.

Resumo:
Os miofibroblastos são células especializadas que exibem um fenótipo híbrido, com características de fibroblastos e células musculares lisas. Devido sua habilidade contrátil e capacidade de síntese de componentes da matriz extracelular, citocinas, proteases e fatores pró-angiogênicos, os miofibroblastos têm sido implicados na patogênese de doenças fibrocontráteis e na progressão de diversos tumores, incluindo o carcinoma de células escamosas (CCE) oral.
OBJETIVO: Fazer uma revisão da literatura sobre a origem dos miofibroblastos, seus principais aspectos morfofisiológicos e imuno-histoquímicos, assim como discutir sua relação com o CCE oral.
MÉTODO: Realizou-se uma busca eletrônica na base de dados PubMed, selecionando os principais artigos da literatura em língua inglesa relacionados ao tema, publicados entre janeiro de 1991 e dezembro de 2011.
CONCLUSÃO: Os miofibroblastos representam um componente importante do estroma de CCE orais, embora não estejam presentes em todos os casos desta neoplasia. A presença abundante destas células pode estar associada com a recorrência local da doença e diminuição da sobrevida dos pacientes. No entanto, em virtude do número relativamente limitado de estudos sobre o assunto, pesquisas ainda são necessárias para esclarecer os mecanismos moleculares pelos quais os miofibroblastos são capazes de influenciar no comportamento biológico do CCE oral.

Abstract:
Myofibroblasts are hybrid-phenotype differentiated cells in between fibroblasts and smooth muscle cells. Due to their contractile features and ability to synthesize extracellular matrix components, cytokines, proteases, and proangiogenic factors, myofibroblasts have been implicated in the pathogenesis of fibrocontractive diseases and in the progression of many tumors, including oral squamous cell carcinoma (SCC).
OBJECTIVE: To perform a literature review on the origin of myofibroblasts, their main morpho-physiological and immunohistochemical aspects, and to discuss the correlations with oral SCC.
METHOD: A search was made on the PubMed database to select the main papers in the literature in English related to the subject, published between January 1991 and December 2011.
CONCLUSION: Myofibroblasts are an important component of the stroma of oral SCCs, although they are not present in all tumors. Abundant presence of myofibroblasts may be associated with local disease recurrence and decreased patient survival. However, given the relatively limited number of studies on the subject, further research is needed to clarify the molecular mechanisms by which myofibroblasts influence the biological behavior of oral SCC.

INTRODUÇÃO

As neoplasias são compostas por células tumorais envoltas em um estroma constituído por vasos sanguíneos, fibroblastos, matriz extracelular (MEC), células inflamatórias e, ocasionalmente, miofibroblastos1-4 . Embora o estroma tenha sido considerado por muito tempo apenas como um tecido de suporte para as células neoplásicas, atualmente existem várias evidências que suportam o seu papel na promoção do fenótipo maligno2,4,5. Alterações no estroma são frequentes em muitos tipos de neoplasias, incluindo o carcinoma de células escamosas (CCE) oral6.

Originalmente, propôs-se que os miofibroblastos seriam variantes dos fibroblastos, presentes em reações de granulação no processo de cicatrização de feridas, devido sua atividade contrátil. Hoje, os miofibroblastos são considerados células que exibem um fenótipo híbrido, com características de fibroblastos e células musculares lisas, capazes de expressar a isoforma α da actina de músculo liso (α-SMA) e estando caracterizados pela intensa síntese de proteínas da MEC, fatores de crescimento, como o fator de crescimento de hepatócitos (HGF), o fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF) e o fator de crescimento de ceratinócitos (KGF), e proteases1,2,7,8.

Estudos recentes têm demonstrado que o prognóstico desfavorável de alguns cânceres está correlacionado à presença de miofibroblastos no estroma neoplásico2,5,9. Uma explicação admitida para tal evento está na capacidade dos produtos sintetizados por essas células em modular inúmeros eventos biológicos associados às características malignas, destacando-se, dentre esses, o crescimento, a diferenciação, a adesão, a migração e a invasão de células tumorais1,4,6,10,11.

Além disso, pesquisas têm sugerido que os miofibroblastos podem constituir alvos potenciais para o tratamento de neoplasias malignas12-14. Dentre as principais vantagens para utilização destes tipos celulares como alvos na terapia antineoplásica, destacam-se a sua maior estabilidade genética e o possível desempenho de atividades e funções similares em tumores diversos14. Estratégias sugeridas para impedir a importante interação dos miofibroblastos com as células neoplásicas malignas incluem a inibição de vias de sinalização envolvidas no recrutamento e diferenciação dos miofibroblastos, além da erradicação direta destes tipos celulares12,13.

Objetivo

Este trabalho tem o objetivo de fazer uma revisão da literatura sobre a origem dos miofibroblastos, seus principais aspectos morfofisiológicos e imuno-histoquímicos, assim como discutir sua relação com o CCE oral, ampliando a compreensão sobre o assunto.


MÉTODO

Foi realizada a busca eletrônica de publicações na base de dados PubMed, utilizando-se as seguintes palavras-chave, obtidas de acordo com Medical Subject Headings (MeSH): myofibroblasts, oral squamous cell carcinoma e immunohistochemistry. Foram adotados como critérios de inclusão dos estudos: a) reportar-se aos miofibroblastos, tratar de seus aspectos morfofisiológicos, imuno-histoquímicos e/ou relacionar sua participação no desenvolvimento/progressão do CCE oral; b) ter sido desempenhado em modelo de estudo in vivo ou in vitro; c) ter sido divulgado no período de janeiro de 1991 a dezembro de 2011. A partir da análise da lista de referências, foram selecionados 43 trabalhos publicados de maior relevância sobre o tema.


REVISÃO DA LITERATURA

Origem


Inicialmente, acreditava-se que a substituição ou expansão dos miofibroblastos, durante a homeostase ou em processos patológicos, dava-se apenas a expensas de populações celulares residentes nos tecidos, com especial ênfase para os fibroblastos15-17. Entretanto, dependendo da natureza do tecido e de outras características do microambiente, diversos tipos celulares podem atuar como precursores para os miofibroblastos, como células musculares lisas, pericitos18,19, células endoteliais15, células estreladas do pâncreas e do fígado4,15, adipócitos e células mioepiteliais4. Estudos têm demonstrado, ainda, outras fontes potenciais para os miofibroblastos, incluindo as células-tronco mesenquimais residentes nos tecidos, os fibrócitos derivados da medula óssea e a transição epitélio-mesenquimal15-17,19,20.

A diferenciação de fibroblastos residentes em miofibroblastos é induzida por sinais parácrinos, gerados pela reparação ou tecidos inflamados. Membros da família do fator de crescimento transformante β (TGF-β), PDGF, fator de crescimento semelhante à insulina II (IGF-II) e interleucina-4 (IL-4) parecem ser os principais fatores envolvidos no processo de diferenciação dos fibroblastos em miofibroblastos1,2,12. Destaque especial é dado ao TGF-β1, um peptídeo multifuncional que regula várias atividades celulares, incluindo crescimento e diferenciação celular, expressão e metabolismo de macromoléculas da MEC21,22. Ele induz os fibroblastos a sintetizarem a fibronectina, a qual estimula a síntese de α-SMA, que, por sua vez, é incorporada às fibras de estresse. Em seguida, novas proteínas são sintetizadas, permitindo adesões moleculares entre os miofilamentos de α-SMA, a membrana citoplasmática e fibronectina, caracterizando os miofibroblastos completamente diferenciados8,20.

Aspectos morfofisiológicos e imuno-histoquímicos

Os miofibroblastos são células que, fisiologicamente, secretam altos níveis de citocinas, fatores de crescimento, quimiocinas, hormônios, mediadores inflamatórios, proteínas de adesão e da MEC2,7. Estes tipos celulares estão presentes em pequenas quantidades na maioria dos órgãos, em especial naqueles locais cuja força mecânica é necessária: cavidade oral, pele, trato gastrointestinal, útero, testículo, coração20,21.

Morfologicamente, os miofibroblastos se apresentam como células alongadas ou estreladas, de citoplasma palidamente eosinofílico, exibindo núcleo regular e central, com discretas indentações e pequenos nucléolos12. Ultraestruturalmente, os miofibroblastos estão caracterizados pela presença de um aparato contrátil, organizado sob a forma de feixes de miofilamentos periféricos de α-SMA, os quais são análogos às fibras de estresse evidenciadas em fibroblastos cultivados in vitro. Estes miofilamentos estão conectados aos complexos de adesão especializados, os quais se localizam na superfície celular, denominados fibronexos16,17,20. Nestas estruturas, os miofilamentos ligam-se às integrinas, as quais, por sua vez, conectam-se à fibronectina existente na MEC. Funcionalmente, este aparato contrátil provê um sistema mecanotransdutor, capaz de transmitir a força gerada pelas fibras de estresse à MEC17,23,24.

Analogamente aos fibroblastos ativos, tais células possuem um retículo endoplasmático rugoso e aparelho de Golgi bem desenvolvidos, resultado da intensa síntese e secreção de proteínas, com destaque para o colágeno17,20. De modo semelhante às células musculares lisas, a presença de junções do tipo gap permite a aderência e comunicação eletroquímica entre os miofibroblastos. Porém de forma contrária, eles são desprovidos de lâmina externa 12,17,20,23.

A α-SMA tem sido descrita como o marcador mais importante para identificar miofibroblastos diferenciados4,15, embora não permita a distinção entre estes elementos celulares e as células musculares lisas15,17. Usualmente, os miofibroblastos são negativos para antígenos presentes em células musculares lisas, como as cadeias pesadas de miosina de músculo liso, caldesmon e desmina16,18,20. Porém, estudos demonstraram que os miofibroblastos, especialmente em estágios mais avançados de diferenciação, podem expressar antígenos observados em células musculares lisas23,25, revelando que o padrão de expressão destas proteínas nestes tipos celulares pode variar dependendo da localização e da natureza do processo patológico. Tipicamente, os miofibroblastos são negativos para citoqueratinas (marcadores de células epiteliais), CD68 (marcador de monócitos/macrófagos), CD31 (marcador de células endoteliais) e CD344,12,26.

Até a década de 90, a smoothelin, uma proteína associada ao aparato contrátil, era considerada um marcador de diferenciação tardia de células musculares lisas, cuja expressão não era observada em miofibroblastos27,28. Posteriormente, foi verificado que fibroblastos pulmonares tratados com TGF-β1 eram capazes de expressar smoothelin29. Mais recentemente, a isoforma 4Ig da proteína paladina das fibras de estresse foi proposta como um novo marcador de diferenciação miofibroblástica30. Entretanto, um estudo western blotting prévio, utilizando anticorpos contra diversas formas de proteínas paladinas, indicou expressão desta isoforma em células musculares lisas31. Conforme Hinz et al.15, até o momento, não foi identificada uma proteína de citoesqueleto capaz de, isoladamente, diferenciar miofibroblastos de células musculares lisas.

Miofibroblastos e o carcinoma de células escamosas oral

Os miofibroblastos têm sido identificados como um componente importante do estroma de diversos tumores sólidos malignos, como carcinomas de mama, carcinomas hepatocelulares e melanomas2,4,11. No entanto, pesquisas sobre a presença dos miofibroblastos em CCE oral e investigações sobre a possível influência destes tipos celulares no comportamento biológico desta neoplasia e os mecanismos moleculares envolvidos neste processo são escassas e foram publicadas, em grande parte, apenas nos últimos cinco anos3,5,13,32-36.

Lewis et al.6, em estudo in vitro com linhagens celulares de CCE oral e fibroblastos orais primários normais, verificaram que as células neoplásicas, através da secreção de TGF-β1, são capazes de induzir a diferenciação dos fibroblastos em miofibroblastos. Os autores observaram, também, que os miofibroblastos secretavam maiores quantidades do HGF em comparação com os fibroblastos primários e que esta citocina, por sua vez, era capaz de promover a invasão das células de CCE oral através do matrigel. De acordo com os autores, tais achados sugerem a existência de um mecanismo parácrino duplo entre células do CCE oral e miofibroblastos.

Kellermann et al.8, utilizando um modelo experimental semelhante ao empregado no trabalho de Lewis et al.6, corroboraram a atuação importante das células do CCE oral no processo de diferenciação dos fibroblastos orais primários normais em miofibroblastos, através da secreção de TGF-β1. Além disso, os autores observaram que o tratamento das linhagens celulares de CCE oral com meio condicionado por miofibroblastos determinou aumento significativo nos índices de proliferação das células tumorais. De acordo com Kellermann et al.8, os resultados obtidos em seu estudo demonstram a existência de efeitos parácrinos mútuos entre células do CCE oral e fibroblastos orais normais, caracterizados pela indução da transdiferenciação destes últimos tipos celulares em miofibroblastos e pela modulação da proliferação das células neoplásicas malignas.

Estudos em modelos animais também demons-tram evidências que sugerem um importante papel para as células epiteliais malignas no surgimento dos miofibroblastos em carcinomas orais. Vered et al.37, em estudo de carcinogênese experimental com óxido de nitroquinolina (4NQO) na mucosa da língua de ratos Wistar, observaram que, em áreas de epitélio normal, hiperceratótico/hiperplásico e displásico, os miofibroblastos eram escassos ou completamente ausentes no tecido conjuntivo subjacente. Contudo, nas áreas de carcinoma superficial ou invasivo, foi constatado aumento significativo no número de miofibroblastos, por vezes com íntima proximidade entres estes tipos celulares e as células neoplásicas malignas. Para os autores, estes achados sugerem a ocorrência de importantes interações epitélio-mesênquima simultaneamente à transformação maligna ou uma possível transdiferenciação das células epiteliais malignas em miofibroblastos durante a carcinogênese oral.

Em adição aos achados reportados anteriormente, Vered et al.35 observaram, novamente em estudo de carcinogênese experimental com 4NQO na mucosa da língua de ratos, que carcinomas orais de animais dessalivados apresentavam número significativamente menor de miofibroblastos em comparação aos carcinomas de animais sem alterações no fluxo salivar. De acordo com os autores, a presença de um número significativo de miofibroblastos no CCE oral parece depender não apenas de fatores secretados pelas células neoplásicas epiteliais malignas, mas também da participação de mediadores químicos presentes na saliva, com destaque para o TGF-β.

Kellermann et al.3 avaliaram, por imuno-histoquímica, a presença de miofibroblastos em CCE de língua, displasias epiteliais orais e espécimes de mucosa oral normal. Em detrimento aos espécimes de mucosa oral normal e de displasia epitelial oral, os miofibroblastos foram observados apenas no estroma dos carcinomas, particularmente no front de invasão tumoral. Além disso, foram constatadas menores taxas de sobrevida geral nos pacientes cujos tumores possuíam uma abundante quantidade de miofibroblastos no front de invasão tumoral. Resultados similares foram obtidos no estudo realizado por Kawashiri et al.33 em CCE de diversas regiões anatômicas da cavidade oral. Para Kellermann et al.3, a análise da quantidade de miofibroblastos nos CCEs de língua poderia ser útil na determinação do prognóstico para os pacientes portadores destes tumores.

Vered et al.35 realizaram análise imuno-histoquímica da presença de miofibroblastos em CCE de língua e verificaram maior frequência de tumores com alto escore de miofibroblastos em pacientes com menos de 60 anos. Foi observado, também, que pacientes cujos tumores exibiam maiores quantidades de miofibroblastos possuíam menor percentual de sobrevida livre de doença em cinco anos (37,6% vs. 82,3%). Além disso, o percentual de pacientes vivos cinco anos após o diagnóstico da lesão foi significativamente menor no grupo dos tumores com alto escore de miofibroblastos (61,2%) em comparação com o grupo dos tumores com baixo escore destas células (90,6%). Após análise de regressão multivariada, a abundância de miofibroblastos no estroma tumoral demonstrou efeito adverso independente sobre a recorrência local. Para Vered et al.35, uma abundante quantidade de miofibroblastos no estroma do CCE de língua causaria um impacto desfavorável no risco de recorrência local destes tumores, especialmente em pacientes com menos de 60 anos.


DISCUSSÃO

Embora considerado por muito tempo apenas como um tecido de suporte para as células neoplásicas, resultados obtidos em numerosas investigações científicas suportam a hipótese de que o estroma é capaz de regular os processos de invasão e metástase tumoral2,4,5. A despeito da diversidade de tipos celulares existentes no estroma tumoral, como células endoteliais sanguíneas e linfáticas, células inflamatórias e células do sistema imune, estudos têm apontado os miofibroblastos como um dos principais tipos celulares envolvidos na promoção do fenótipo maligno1-5,10.

Apesar de pouco numerosas, as pesquisas realizadas em CCE oral sugerem um importante papel para os miofibroblastos no processo de invasão desta neoplasia maligna e associam a presença destes tipos celulares com a recorrência local da doença e com diminuição da sobrevida dos pacientes3,5,6,33-36. Os mecanismos moleculares pelos quais os miofibroblastos influenciam no comportamento biológico do CCE oral ainda não são completamente compreendidos, mas podem envolver a modulação da expressão de diversos fatores de crescimento, citocinas, componentes da MEC e enzimas proteolíticas, com destaque para as metaloproteinases de matriz (MMPs), como observado em estudos realizados com outras neoplasias malignas1,5,8.

Em virtude de sua capacidade de síntese e secreção de vários fatores de crescimento, como HGF, PDGF, KGF e fator estimulador de colônia de granulócito-macrófago (GM-CSF)1,2,38, pesquisas têm sugerido uma participação importante dos miofibroblastos no estímulo à proliferação de células neoplásicas10,39. A despeito da assertiva anterior, Lewis et al.6 observaram que células de CCE oral cultivadas em meio condicionado por fibroblastos apresentavam índices de proliferação celular semelhantes aos das cultivadas em meio condicionado por miofibroblastos. Por outro lado, Kellermann et al.8 observaram aumento significativo nos índices de proliferação celular nas linhagens de CCE oral cultivadas em meio condicionado por miofibroblastos. Este efeito indutor dos miofibroblastos sobre a proliferação celular no CCE oral foi corroborado posteriormente por Sobral et al.5. Além disto, estes autores identificaram que os efeitos dos miofibroblastos sobre a proliferação celular no CCE oral são decorrentes da secreção de activina-A, uma proteína pertencente à família do TGF-β.

Pesquisas têm revelado que os miofibroblastos podem favorecer a migração das células neoplásicas17,40, provavelmente por meio da secreção de proteases capazes de degradar componentes da MEC, como as MMPs -2, -3 e -94,41, a uroquinase ativadora do plasminogênio2,39 e a proteína ativadora de fibroblastos40. Em consonância com estes achados, Sobral et al.5 constataram, em estudo in vitro, que os miofibroblastos foram capazes de induzir a invasão das células de CCE oral através do matrigel, um evento acompanhado por aumento na síntese de metaloproteinases nas células tumorais, particularmente as MMPs-1, -2, -9 e -13. Além disso, esses autores observaram, in vivo, correlação significativa entre a presença de miofibroblastos e atividade enzimática das MMPs-2 e -9 em amostras de CCE oral, por análise zimográfica. Outros estudos em CCE oral revelam, ainda, que os miofibroblastos são capazes de estimular o processo de invasão tumoral pela secreção de quimiocinas42 e da síntese de componentes específicos da MEC, como algumas isoformas de laminina43.

Apesar dos diversos mecanismos apresentados anteriormente e das pesquisas que sugerem um importante papel para os miofibroblastos no processo de invasão do CCE oral e associam a presença destes tipos celulares com a recorrência local da doença e com diminuição da sobrevida dos pacientes3,5,6,33-36, estudos imuno-histoquímicos revelam percentuais importantes de CCE orais que apresentam escassa quantidade de miofibroblastos ou são considerados negativos para estes tipos celulares.

No trabalho realizado por Kellermann et al.8, 39,48% (n = 15) dos CCE orais foram classificados como negativos para miofibroblastos em seus estromas. Além disso, 11 (47,82%) dos 23 casos de CCE oral considerados positivos para miofibroblastos revelaram escassa quantidade destes tipos celulares. Apesar disto, estes autores observaram correlação significativa entre abundante quantidade de miofibroblastos no estroma tumoral e envolvimento linfonodal regional, estadiamento clínico avançado e recorrência regional (em linfonodos). Em outro estudo, De-Assis et al.9 relataram uma quantidade abundante de miofibroblastos em 15 (36,58%) de 41 casos de CCE oral avaliados imuno-histoquimicamente, a maioria dos quais apresentava alto grau histológico de malignidade9. Em conjunto, os achados destes estudos revelam que os miofibroblastos não são um constituinte comum a todos os CCE orais e, adicionalmente, sugerem que a análise da quantidade destas células estromais pode auxiliar na identificação de lesões com comportamento biológico mais agressivo.

Além de não estarem presentes de forma abundante em todos os CCE orais, diversos trabalhos têm sugerido o envolvimento dos miofibroblastos apenas em estágios mais avançados da carcinogênese oral. Assim, usualmente, lesões leucoplásicas com graus variados de displasia epitelial não revelam miofibroblastos na lâmina própria, estando o aparecimento de quantidades significativas destes tipos celulares intimamente associado à presença de invasão do tecido conjuntivo subjacente3,9,13. De acordo com Etemad-Moghadam et al.13, o aparecimento dos miofibroblastos nos CCE orais poderia estar relacionado a um efeito indutor do epitélio carcinomatoso sobre o estroma circunvizinho.


CONCLUSÃO

Os miofibroblastos representam um componente importante do estroma de CCE orais, embora não estejam presentes em todos os casos desta neoplasia. Apesar de escassos, resultados de estudos in vitro sugerem o envolvimento destas células com capacidade contrátil no processo de invasão dos CCE orais, provavelmente em decorrência da modulação da expressão de fatores de crescimento, citocinas, componentes da MEC e enzimas proteolíticas. Além disso, investigações clínico-patológicas e imuno-histoquímicas associam a presença de um número abundante de miofibroblastos no estroma dos CCE orais com a recorrência local da doença e com diminuição da sobrevida dos pacientes. Apesar destes importantes achados, em virtude do número relativamente limitado de estudos sobre o assunto, pesquisas ainda são necessárias para esclarecer os mecanismos moleculares pelos quais os miofibroblastos são capazes de influenciar no comportamento biológico do CCE oral.


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1. Mestranda (Programa de Pós-Graduação em Odontologia - Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - Campina Grande - PB - Brasil).
2. Doutor (Professor - Programa de Pós-Graduação em Odontologia - Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - Campina Grande - PB - Brasil).
3. Doutora (Professora - Programa de Pós-Graduação em Odontologia - Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - Campina Grande - PB - Brasil).

Endereço para correspondência:
Cassiano Francisco Weege Nonaka
Universidade Estadual da Paraíba Departamento de Odontologia Programa de Pós-Graduação em Odontologia
Av. das Baraúnas, s/n. Bodocongó
Campina Grande - PB. Brasil. CEP: 58429-600
Tel/Fax: +55 (83) 3315-3326
E-mail: cfwnonaka@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 16 de março de 2012. cod. 9103.
Artigo aceito em 18 de junho de 2012.

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