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Ano:  2013  Vol. 79   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - (18º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 106 a 111

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Revisão sistemática sobre as evidências de associação entre zumbido e depressão

Systematic review on the evidences of an association between tinnitus and depression

Autor(es): Luciana Geocze1; Samantha Mucci1; Denise Caluta Abranches2; Mario Alfredo de Marco3; Norma de Oliveira Penido4

DOI: 10.5935/1808-8694.20130018

Palavras-chave: depressão; revisão; sintomas; zumbido.

Keywords: depression; review; symptoms; tinnitus.

Resumo:
O zumbido tem sido associado a diversos transtornos psiquiátricos, entretanto ainda existem vários questionamentos sobre esta interrelação.
OBJETIVO: Avaliar a evidência científica das associações entre os sintomas depressivos, depressão e zumbido.
MÉTODO: Realizada uma revisão sistemática nas bases: PubMed, Scielo e Lilacs. Foram incluídos estudos com adultos, publicados em português, espanhol ou inglês que correlacionaram o zumbido à depressão. Foram excluídos cartas ao editor e estudos de caso.
RESULTADOS: Foram encontrados 64 artigos, dos quais 20 preencheram os critérios de inclusão, apenas dois eram ensaios clínicos. A maioria dos estudos (n = 18) comprovou que a depressão está relacionada ao zumbido, seja predispondo a uma má adaptação ao zumbido ou como consequência da gravidade do zumbido.
CONCLUSÃO: Os estudos sugerem pelo menos três possíveis associações entre depressão e zumbido: depressão como um fator que afeta o zumbido, o zumbido como um fator que pode predispor à depressão, e zumbido como uma comorbidade em pacientes com depressão. Neste último caso, a depressão aumenta a intensidade, desconforto e intolerância ao zumbido, potencializando a depressão. Existe alta prevalência de sintomas depressivos em indivíduos com zumbido, porém, os mecanismos pelos quais a depressão e o zumbido mutuamente interagem não foram totalmente compreendidos.

Abstract:
Tinnitus has been associated with several psychiatric disorders, however there are still several questions regarding such association.
OBJECTIVE: To assess the scientific evidence on the associations between symptoms of depression, depression, and tinnitus.
METHOD: A systematic review was performed using PubMed, Lilacs, and SciELO scientific databases. This review included studies published in Portuguese, Spanish, or English correlating tinnitus with depression; letters to the editor and case reports were excluded.
RESULTS: A total of 64 studies were identified, of which only 20 met the inclusion criteria and only 2 were case-control clinical trials. The majority of the studies (n = 18) found that depression is associated with tinnitus, either as a predisposition - resulting in poor adaptation to tinnitus or as a consequence of severe disease.
CONCLUSION: An overall assessment of all of the selected studies suggests at least 3 possible associations between depression and tinnitus: depression affecting tinnitus, tinnitus predisposing individuals to depression, and tinnitus appearing as a comorbidity in patients with depression. There is a high prevalence of depressive symptoms in individuals with tinnitus, but the mechanisms by which depression and tinnitus mutually interact, are not fully understood.

INTRODUÇÃO

O zumbido é um sintoma definido como a percepção auditiva na ausência de uma fonte sonora externa1,2. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 278 milhões de pessoas têm zumbido, aproximadamente 15% da população mundial. Esta prevalência aumenta para 33% entre os indivíduos com mais de 60 anos de idade2-4. No Brasil, estima-se que mais de 28 milhões de indivíduos sejam portadores de zumbido, tornando-o um problema de saúde pública5.

Jastreboff3 e Sanchez et al.6 relatam que 20% dos pacientes com zumbido apresentam incômodo significativo, intervindo negativamente na vida dos indivíduos, podendo levar à depressão e, em casos extremos, até mesmo ao suicídio. Hallam et al.7 enfatizam que a falta de habituação em alguns pacientes com zumbido pode estar relacionada a características de personalidade ou à presença de sintomas depressivos.

O diagnóstico de depressão implica em uma clara mudança de humor e presença de sintomas depressivos. Estas alterações devem durar no mínimo duas semanas e interferir consideravelmente no trabalho e nas relações familiares8.

A depressão pode estar associada ao aumento da dificuldade de adaptação aos comprometimentos de uma doença crônica. Há indícios de que a presença de sintomatologia depressiva, assim como depressão, estão associados a este aumento9,10. É altamente prevalente, com a estimativa de acometer 3% a 5% da população geral. Em populações clínicas, a incidência é ainda maior, uma vez que a depressão é encontrada em 5% a 10% dos pacientes ambulatoriais e 9% a 16% de internados11.

Sabemos que a depressão é frequente em quase todas as doenças crônicas e, quando está presente, leva à piora na qualidade de vida, pior evolução da doença e pior adesão ao tratamento12.

Entende-se por sintomas depressivos: tristeza, melancolia, choro frequente, apatia, sentimento de tédio, irritabilidade aumentada, angústia, sentimento de desesperança, desânimo, insônia ou hiperssonia, perda ou aumento do apetite, diminuição da libido, anedonia, ideias de morte, pessimismo, idéias de arrependimento e culpa, ideação ou atos suicidas, déficit de atenção, déficit de memória, dificuldade em tomar decisões, sentimento de incapacidade, lentificação do pensamento, lentificação psicomotora, negativismo, ideias de ruína, delírio hipocondríaco, ilusões auditivas ou visuais8.

Na literatura, vem sendo estudada a presença de fatores psicopatológicos associados à gravidade do zumbido. O zumbido tem sido associado a diversos problemas psicológicos, psicossomáticos e a transtornos psiquiátricos, principalmente a transtornos do humor. Os sintomas depressivos são comuns em indivíduos com zumbido e podem agravar seu sofrimento. Os mecanismos pelos quais a depressão e o zumbido mutuamente interagem ainda não são totalmente compreendidos, mas existe uma forte associação de depressão em pacientes com zumbido13.

O incômodo relacionado ao zumbido é subjetivo e variável em relação à sua intensidade e frequência e pode comprometer a vida do paciente de uma forma global, causando um prejuízo pessoal, profissional, social e familiar.

O objetivo deste estudo é determinar a evidência científica da associação entre sintomatologia depressiva, depressão e o zumbido.


MÉTODO

Foi realizada uma revisão sistemática dos artigos publicados sobre zumbido e depressão indexados nas bases de dados: PubMed, SciELO e LILACS.

Utilizando-se descritores extraídos do Medical Subject Headings (MeSH), foi criada a seguinte estratégia de busca avançada no PubMed: "Tinnitus" [Mesh] AND "Depressive Disorder" [Mesh] AND ("humans" [MeSH Terms] AND (English [lang] OR Spanish [lang] OR Portuguese [lang]) AND "adult" [MeSH Terms]).

Na base de dados do LILACS e SciELO, utilizaram-se os descritores indexados no Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e foi criada a seguinte estratégia: Zumbido AND Depre$. Foi utilizado o formulário básico de pesquisa com o termo AND para relacionar as palavras (depressão e zumbido) e o símbolo de truncagem $ (cifrão) para pesquisar palavras com mesma raiz do descritor "depressão".

Os critérios de inclusão foram estudos em pacientes maiores de 18 anos, publicados em inglês, português ou espanhol que associem o zumbido à depressão. Foram excluídos cartas ao editor e estudos de caso.

A extração de dados dos artigos selecionados foi realizada por dois revisores, tabulados de acordo com as seguintes informações: autores, ano de publicação, tamanho da amostra, tipo de estudo, instrumentos utilizados, principais resultados das associações entre zumbido e depressão.


RESULTADOS

Dos 64 estudos encontrados, 53 foram encontrados no PubMed, 11 no Lilacs e nove no SciELO; dos artigos Lilacs/SciELO, nove eram comuns às duas bases e dois foram encontrados apenas na Lilacs, perfazendo um total de 64 artigos encontrados. Os artigos encontrados são do período entre 1982 e 2011.

O acesso aos artigos foi possível pela distribuição online via Portal CAPES, pelo comparecimento dos pesquisadores à BIREME para o acesso aos periódicos impressos e por resposta à solicitação aos autores de envio por e-mail ou correio.

Dos artigos localizados, 2014-33 preencheram critério para compor a revisão sistemática e foram incluídos no estudo e 44 foram excluídos, por se tratarem de relatos de caso, cartas ao editor ou por não correlacionarem sintomatologia depressiva ou depressão ao zumbido.

Dos 20 estudos que preencheram os critérios de inclusão, 12 eram transversais14-24,29p>, três prospectivos longitudinais25-27, três caso-controle28,30,31 e dois ensaios clínicos32,33.

Correlação positiva entre zumbido e depressão foi encontrada em 18 estudos16-33, ou seja, estes estudos comprovaram que a depressão está relacionada de alguma forma, seja predispondo a uma má adaptação ao zumbido ou como consequência da gravidade do zumbido. Dois estudos14,15, no entanto, não encontraram nenhuma associação significativa entre a depressão e o zumbido, estes dois foram estudos transversais.

A escala mais utilizada para detecção da depressão foi a BDI (oito estudos)14,15,18,19,21,23,24,31 e a mais utilizada para detecção dos sintomas depressivos foi HADS (sete estudos)22,25,27,29,30,32,33, quase sempre associadas a uma escala de gravidade dos sintomas de zumbido, sendo o THI (cinco estudos)14-16,23,27 o instrumento mais utilizado. As amostras variaram muito em tamanho, de 27 a 1275 pacientes, com média de 167,3 (Quadro 1).




Dois estudos transversais não conseguiram estabelecer uma relação significativa entre a depressão e o zumbido14,15. No estudo de Figueiredo et al.15, a baixa incidência de depressão (8,3%), na amostra do estudo, demonstrou fraca correlação entre zumbido e depressão. Uma explicação poderia ser o fato do escore do THI estar abaixo da média esperada e, na literatura, a depressão está associada ao aumento do incômodo, escores elevados no THI. Ooms et al.14 detectaram nenhuma ou mínima presença de sintomas depressivos. No entanto, houve correlação positiva significativa (p< 0,01) entre presença de sintomas somáticos na escala de depressão e o incômodo do zumbido pelo THI, capaz de indicar uma associação entre sintomas somáticos e a gravidade do zumbido.

Três estudos prospectivos longitudinais demonstraram alta comorbidade de transtornos depressivos em pacientes com zumbido25-27. Holdefer et al. mostraram que a gravidade do zumbido prediz significativamente a depressão, no follow-up25. No estudo de Holgers et al.26, houve alta prevalência de transtornos depressivos nos pacientes com zumbido grave e o estudo de Westin et al. mostrou que os sintomas de depressão, foi a única medida com resultados significativos no follow-up27.

Três estudos de caso controle28,30,31 também apresentaram correlação positiva entre depressão e zumbido. Hébert et al.31 compararam a prevalência e a gravidade de 27 sintomas físicos em 51 pacientes com depressão maior e 51 controles pareados e descobriram que 49% dos pacientes deprimidos queixaram-se de zumbido em comparação com 11,8% dos controles. No estudo de Zöger et al.30>, houve correlação entre a gravidade do zumbido e depressão, 39% dos pacientes apresentaram sintomas depressivos e 33% depressão maior; concluiu-se que o transtorno depressivo é o fator mais importante associado ao sofrimento em pacientes com zumbido e foi responsável por aproximadamente 20% da variância da associação observada. Sullivan et al.28 observaram que os pacientes com zumbido tinham prevalência significativa de depressão maior durante a vida (78% vs. 21%) e prevalência significativamente maior de depressão no momento do estudo (60% vs. 7%) quando comparados aos controles.


DISCUSSÃO

Os estudos de maior relevância encontrados foram os dois estudos de ensaio clínico. Sullivan et al.32 realizaram um ensaio clínico não randomizado, cego, placebo-washout utilizando nortriptilina, com 19 pacientes com zumbido grave, diagnosticados com depressão maior e concluíram que o tratamento com antidepressivo reduz a gravidade do zumbido, aliviando seu incômodo, pois diminui a intensidade dos sintomas depressivos. E Sullivan et al.33 realizaram um ensaio clínico randomizado, duplo cego, placebo-controle utilizando nortriptilina, com 92 pacientes com zumbido crônico, sendo 38 pacientes diagnosticados com depressão maior e 54 pacientes apresentavam sintomas depressivos e incômodo do zumbido. Puderam observar que houve uma melhora dos sintomas depressivos e do incômodo do zumbido, porém, os pacientes consideraram os efeitos colaterais da medicação como prejudiciais à sua qualidade de vida. Os autores sugerem que há forte correlação entre o zumbido grave e sintomas depressivos, sendo uma relação bidirecional. O zumbido pode promover o aumento dos sintomas depressivos, levando à má adaptação ao zumbido e, por consequência, aumentando a gravidade do zumbido. Concluíram que o tratamento com antidepressivos para pacientes com zumbido crônico e grave pode ser considerado útil, mas é necessária a realização de ensaios clínicos envolvendo tratamentos não farmacológicos para a depressão correlacionando com a qualidade de vida destes pacientes.

Existem pelo menos três possibilidades de associação entre depressão e o zumbido: depressão como um dos fatores que interferem no zumbido18,19,22,28,31, zumbido como um fator predisponente à depressão14-17,20,24 e zumbido se instalando como uma comorbidade no paciente com depressão18,26-28,32; neste caso, a depressão aumenta a intensidade, o desconforto e a intolerância ao zumbido, potencializando a depressão.


CONCLUSÃO

Existe alta prevalência de sintomas depressivos em indivíduos com zumbido. Os estudos sugerem pelo menos três possíveis associações entre depressão e zumbido: depressão como um fator que afeta o zumbido, o zumbido como um fator que pode predispor indivíduos à depressão, e zumbido como uma comorbidade em pacientes com depressão. Entretanto, os mecanismos de interação entre a depressão e o zumbido não são totalmente compreendidos. Futuros estudos são necessários para melhor elucidar a relação causa e efeito entre depressão e zumbido.


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1. Mestrado (Pós-Graduanda - Nível Doutorado Psicóloga Universidade Federal de São Paulo UNIFESP-EPM).
2. Doutorado (Pós-Graduanda - Nível Pós-Doutorado Odontóloga Universidade Federal de São Paulo UNIFESP-EPM).
3. Doutorado (Docente - Professor Associado Psiquiatra Universidade Federal de São Paulo UNIFESP-EPM).
4. Pós-Doutorado (Docente - Professora Adjunta Otorrinolaringologista Universidade Federal de São Paulo UNIFESP-EPM).

Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP.

Endereço para correspondência:
Luciana Geocze
Rua dos Otonis, nº 700, 1º andar. Vila Clementino
São Paulo - SP. Brasil. CEP: 04025-002
Tel: (11) 5575-2552

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 10 de agosto de 2012. cod. 10003.
Artigo aceito em 25 de outubro de 2012.

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