Versão Inglês

Ano:  2013  Vol. 79   Ed. 1  - Janeiro - Fevereiro - ()

Seção: Artigo Original

Páginas: 22 a 27

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Função vestibular no acidente vascular cerebral do território carotídeo

Vestibular function in carotid territory stroke patients

Autor(es): Anna Paula Batista de Ávila Pires1; Marcia Maiumi Fukujima2; Fernando Freitas Ganança3; Letícia de Moraes Aquino4; Maurício Malavasi Ganança5; Heloisa Helena Caovilla6

DOI: 10.5935/1808-8694.20130005

Palavras-chave: acidente cerebral vascular; eletronistagmografia; tontura; vertigem.

Keywords: dizziness; electronystagmography; stroke; vertigo.

Resumo:
Pacientes após Acidente Vascular Cerebral (AVC) podem apresentar sintomas otoneurológicos.
OBJETIVO: Avaliar a função vestibular de pacientes com antecedente pessoal de AVC no território carotídeo. Desenho científico: estudo de coorte histórica com corte transversal.
MÉTODO: Quarenta pacientes foram submetidos à anamnese, exame otorrinolaringológico, Dizziness Handicap Inventory e vectoeletronistagmografia.
RESULTADOS: Anormalidades discretas dos movimentos sacádicos foram encontradas em 20 pacientes (50,0%); nove referiram desequilíbrio e um tontura. O ganho do rastreio pendular foi anormal em 17 casos (42,5%); seis referiram desequilíbrio e um tontura. Preponderância direcional anormal do nistagmoperrotatório ocorreu em dois casos (5,0%), que referiram desequilíbrio. A prova calórica identificou três casos (7,5%) com predomínio labiríntico anormal e dois (5,0%) com preponderância direcional anormal do nistagmo; os cinco casos relataram desequilíbrio. Dos 11 pacientes que não referiram manifestações de alteração do equilíbrio corporal, 10 apresentaram alterações nos movimentos sacádicos e no rastreio pendular e um apresentou exame vestibular normal.
CONCLUSÃO: Pacientes com antecedente pessoal de AVC no território carotídeo podem apresentar tontura ou desequilíbrio corporal e sinais de comprometimento da motilidade ocular e da função vestibular.

Abstract:
Stroke patients may present otoneurological symptoms.
OBJECTIVE: To assess the vestibular function of subjects with a history of carotid territory stroke.
METHOD: This historical cohort crosssectional study enrolled 40 patients; subjects answered the Dizziness Handicap Inventory, were interviewed and submitted to ENT examination and vectorelectronystagmography.
RESULTS: Mild saccadic movement anomalies were seen in 20 patients (50.0%); nine complained of imbalance and dizziness. Abnormal smooth pursuit gain was seen in 17 cases (42.5%); six subjects reported imbalance and one complained of dizziness. Abnormal directional preponderance during rotational nystagmus was seen in two cases (5.0%), who also reported imbalance. Three patients (7.5%) and two subjects (5.0%) were found to have abnormal labyrinthine predominance and abnormal nystagmus directional preponderance respectively; all five individuals reported imbalance. Ten of the 11 patients without complaints of disordered balance had altered saccadic and smooth pursuit eye movements, while one had unaltered vestibular function.
CONCLUSION: Patients with a history of carotid territory stroke may suffer from dizziness or imbalance and present signs of compromised eye motility and vestibular function.

INTRODUÇÃO

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) pode ser definido como um distúrbio do sistema circulatório cerebral abrupto que gera deficiências neurológicas, diferentes graus de incapacidade e, muitas vezes, morte. Aproximadamente 85% dos acidentes vasculares cerebrais são de origem isquêmica e 15% são decorrentes de hemorragia cerebral. É um dos maiores problemas de saúde pública no mundo, devido ao grande impacto social pelo alto custo de tratamento, reabilitação e frequente invalidez do paciente. Estima-se que nos EUA ocorram 0,5 a 1 caso para cada 1000 habitantes por dia1. No Brasil, cerca de 20% das doenças neurológicas diagnosticadas são definidas como AVC. A estimativa para a ocorrência de AVC isquêmico varia em torno de 0,6 a 1 caso para cada 1000 habitantes por dia2.

As sequelas após o AVC variam de acordo com a topografia, tipo e extensão da lesão, mas cursam na maioria das vezes com alterações cognitivas, motoras, sensoriais e autonômicas1.

As provas de função vestibular podem avaliar a estabilidade postural, por meio do reflexo vestibuloespinal no estudo do equilíbrio estático e dinâmico e posturografia, e as interações vestíbulo-oculares, por meio do reflexo vestíbulo-ocular (RVO) à nistagmografia (ENG), vectoeletronistagmografia (VENG) ou videonistagmografia3,4.

A VENG é um tipo de ENG que utiliza três canais de registro para gravar os movimentos oculares, contribuindo para a compreensão do funcionamento vestibular e sendo capaz de reconhecer o lado e o sítio da lesão nas disfunções do sistema vestibular3,4.

As informações sobre os achados da avaliação da função vestibular em pacientes com antecedente pessoal de AVC são escassas e a maioria das pesquisas está restrita ao período agudo do episódio5-12. A avaliação destes pacientes em uma fase tardia após a ocorrência do AVC poderia evidenciar envolvimento da função vestíbulo-ocular e auxiliar na orientação topodiagnóstica, prognóstica e terapêutica de eventual distúrbio do equilíbrio corporal, direta ou indiretamente relacionado com o AVC ou com a sua causa.

O objetivo desta pesquisa é avaliar a função vestibular de pacientes com antecedente pessoal de AVC no território carotídeo.


MÉTODO

Este estudo transversal descritivo e analítico com abordagem quantitativa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição (protocolo número 0989/09).

A amostra foi constituída por 40 indivíduos (n = 40, de acordo com Teorema do limite central) na fase tardia após Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVC) do território arterial carotídeo, confirmado por exames clínicos e/ou de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética de crânio); possibilidade de marcha e ortostatismo com independência.

Foram excluídos os pacientes com comprometimento vascular do território vertebrobasilar; diagnóstico médico ou que apresentassem sintomas de disfunção vestibular antes da lesão isquêmica; alterações hemodinâmicas (da frequência cardíaca ou da pressão arterial) que contraindicassem a avaliação do equilíbrio corporal; outras doenças associadas ou anteriores que também resultassem em sequelas osteomusculares que impedissem a realização dos testes; incapacidade para compreender e atender a comando verbal simples, pontuação no teste cognitivo - Mini Exame de Estado Mental - MEEM, corte abaixo de 24 pontos13; impossibilitados de permanecer de forma independente na posição ortostática; em uso de dispositivos auxiliares para marcha; comprometimento visual grave ou não compensado com uso de lentes corretivas; distúrbios ortopédicos que resultassem em limitação de movimento e utilização de próteses em membros inferiores; distúrbios psiquiátricos; relato de ingestão alcoólica 24 horas antes da avaliação ou diagnóstico médico de alcoolismo crônico; em uso de medicamentos com ação sobre o sistema nervoso central ou sobre o sistema vestibular (psicotrópicos), e que tenham realizado reabilitação do equilíbrio corporal nos últimos seis meses.

Os pacientes foram submetidos à avaliação composta de anamnese por meio de questionário com dados sociodemográficos, neurológicos e otoneurológicos, funcionais, hábitos, qualidade de vida, equilíbrio corporal e ocorrência de quedas; exame clínico otorrinolaringológico, com inspeção visual do meato acústico externo; Dizziness Handicap Inventory (DHI)14, na versão brasileira15; e, avaliação da função vestibular3,4,16. Os dados da fase aguda do AVC foram obtidos dos prontuários hospitalares.

Os dados clínicos neurológicos, otoneurológicos e funcionais foram compostos por diagnóstico médico, topográfico e do tipo de AVC, antecedentes pessoais, número e tipo de medicamentos em uso, diagnóstico fisioterapêutico sobre o quadro motor e sensorial, interrogatório sobre tontura e outros sintomas associados a possível disfunção vestibular após o AVC. Em relação à queixa de tontura, os pacientes foram questionados quanto à sua ocorrência, tipo, periodicidade, duração, intensidade e posições ou atividades desencadeantes, durante e em uma fase tardia após o AVC. Foram interrogados sintomas otoneurológicos associados, como presença ou não de zumbido, pressão/ plenitude auricular, hipersensibilidade a sons, perda auditiva, oscilopsia, cefaleia, sudorese/palidez/taquicardia, náuseas, vômitos, insônia, medo, sensação de desmaio iminente, distúrbio da memória e de concentração.

O DHI14,15 é composto por 25 questões, sendo que as perguntas de números 01; 04; 08; 11; 13; 17 e 25 avaliam o "aspecto físico", as questões 02; 09; 10; 15; 18; 20; 21; 22 e 23 avaliam o "aspecto emocional" e as perguntas 03; 05; 06; 07; 12; 14; 16; 19 e 24 avaliam o "aspecto funcional". As respostas possíveis são "sim", "não" e "às vezes"; cada resposta afirmativa pontua quatro pontos, cada negativa nenhum ponto e cada resposta às vezes dois pontos. Foram computados os escores específicos de cada aspecto e o escore total, considerando a média aritmética dos pontos dos diferentes aspectos. O impacto sobre a qualidade de vida é considerado leve na classificação dos escores entre 0-30 pontos, moderado entre 31-60 pontos e grave entre 61-100 pontos17. O maior escore corresponde a cem pontos, indicando o prejuízo máximo causado pela tontura e o menor, zero ponto, revelando nenhum prejuízo devido à tontura.

A avaliação da função vestibular3-4,16 incluiu testes de equilíbrio estático e dinâmico com olhos abertos e fechados (Romberg, Romberg-Barré, Unterberger-Fukuda e marcha), pesquisa de nistagmo posicional e de posicionamento; e pesquisa de nistagmo espontâneo, semiespontâneo, optocinético, movimentos oculares sacádicos fixos e randomizados, rastreio pendular, prova rotatória pendular decrescente e prova calórica com ar a 50oC e 24oC à VENG (vectonistagmógrafo digital VECWIN, barra luminosa e estimulador calórico a ar, Neurograff Eletromedicina Ind. e Com. Ltda. - EPT). Para a realização da VENG3, os pacientes foram instruídos a não usar por 72 horas medicamentos para tontura, drogas psicotrópicas e, por 48 horas, chá, café, chocolate, refrigerante, fumo e bebida alcoólica, por interferirem nos movimentos oculares, alterando os resultados do exame. No dia do exame, fizeram refeições leves, mantendo um jejum de três horas.

A pesquisa de vertigem e de nistagmo de posicionamento à observação visual foi realizada por meio de uma manobra, partindo da posição sentada com a cabeça virada 45 graus para um dos lados, conduzindo rapidamente o paciente ao decúbito lateral oposto, retornando-o rapidamente à posição sentada e repetindo o mesmo procedimento para o outro lado. Cada posição foi mantida durante 30 segundos ou até que a tontura e/ou o nistagmo diminuíram ou desapareceram. Antes do teste, os pacientes foram instruídos para não impor resistência ao movimento e não fechar os olhos. Na presença de nistagmo, além da vertigem concomitante, foram consideradas a sua direção, duração, paroxismo e fatigabilidade.

A pesquisa de vertigem e de nistagmo posicional à observação visual foi efetuada à movimentação lenta dos pacientes, com a ajuda do examinador, da posição sentada para a supina, girando a cabeça para a direita e voltando para a posição supina. A manobra é repetida girando a cabeça para a esquerda. A seguir, os pacientes assumiram sucessivamente o decúbito lateral direito, a posição supina e o decúbito lateral esquerdo, voltando para a posição sentada. Os pacientes permaneceram 30 segundos em cada posição. Na presença de nistagmo, além da vertigem concomitante, foram consideradas a sua direção, duração, paroxismo e fatigabilidade.

Para a realização da VENG3,4 foram colocados três eletrodos ativos e um eletrodo terra, após limpeza prévia da pele da região periorbitária. Os eletrodos ativos foram dispostos no canto externo periorbitário direito, no canto externo periorbitário esquerdo e na linha média frontal, utilizando uma disposição triangular, que possibilitou gravar os movimentos oculares em três canais de registro.

A calibração foi efetuada para que as diferentes etapas do exame fossem feitas nas mesmas condições e também para propiciar a medida automática da latência, precisão, velocidade e ganho de outros movimentos oculares, além da velocidade da componente lenta do nistagmo.

A presença de nistagmo espontâneo foi pesquisada no olhar frontal, com os olhos abertos e depois fechados. O nistagmo semiespontâneo foi investigado no desvio do olhar para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo, sem ultrapassar 30° de desvio da linha média. Na ocorrência destes fenômenos, a sua intensidade foi avaliada por meio do cálculo automático da velocidade da componente lenta.

Os movimentos sacádicos foram avaliados ao acompanhamento visual de um alvo que se move com padrão fixo ou randomizado; os parâmetros de avaliação foram latência, velocidade e precisão das sacadas. O rastreio pendular foi avaliado por meio do acompanhamento visual do movimento sinusoidal de um ponto luminoso nas frequências de 0,1, 0,2 e 0,4 Hz; foram avaliados o tipo e o ganho do movimento ocular. O ganho e a velocidade do nistagmo optocinético foram medidos durante o acompanhamento visual de um ponto luminoso em movimento, com direção fixa para um lado e depois para o outro, à velocidade de 40°/s. As alterações dos movimentos sacádicos, do rastreio pendular e do nistagmo optocinético foram determinadas pela comparação com padrão de referência18 incluído na memória do computador.

A prova rotatória pendular decrescente (PRPD) foi realizada com o paciente sentado, com os olhos fechados e a cabeça inclinada 30° para diante, para a estimulação dos canais semicirculares laterais. Na estimulação dos canais semicirculares posterior e superior, a cabeça foi fletida 60° para trás e 45° para o lado direito e, posteriormente, 60° para trás e 45° para o lado esquerdo. A cadeira foi deslocada 90° do centro e liberada, realizando um movimento pendular periódico de amplitude decrescente. O nistagmo perrotatório desencadeado foi avaliado por meio da medida da velocidade de sua componente lenta. Foram também pesquisadas a presença de nistagmo pré-rotatório e sua possível influência nos resultados da prova. Valores de preponderância direcional até 25,0% para a estimulação dos canais semicirculares laterais, 27,0% para os posteriores e 26,0% para os anteriores foram considerados dentro do limite da normalidade18.

A prova calórica3,4,16 foi realizada estimulando cada ouvido separadamente com ar a 50°C e 24°C, durante 60 segundos, respeitando um intervalo de três minutos entre uma estimulação e a seguinte. A presença de nistagmo pré-calórico e a sua influência nos resultados da prova foram investigadas. Vertigem, direção e velocidade da componente lenta do nistagmo pós-calórico foram analisadas com os olhos fechados e com os olhos abertos e foram calculados os valores de predomínio labiríntico e de preponderância direcional. Valores de predomínio labiríntico até 25,0% e de preponderância direcional até 30,0% foram considerados dentro do limite da normalidade19.

A identificação de comprometimento da função vestibular e a sua localização periférica (labirinto e/ou nervo vestibular) ou em estruturas do sistema nervoso central foi baseada na história clínica e nos achados à avaliação otoneurológica3,4.

Os pacientes foram caracterizados quanto à sua distribuição etária, gênero, tempo médio entre o AVC e a realização do estudo, topografia do AVC confirmado por exame de imagem, tipo de tontura durante o episódio de AVC e na época desta pesquisa, resultado do exame otorrinolaringológico e à avaliação da função vestibular, quanto à presença ou ausência de alterações aos testes de equilíbrio estático e dinâmico, à pesquisa de nistagmo posicional e de posicionamento, à pesquisa de nistagmo espontâneo, semiespontâneo, optocinético, movimentos oculares sacádicos, rastreio pendular, prova rotatória pendular decrescente e prova calórica. A avaliação da função vestibular foi considerada anormal quando foi encontrada alteração em pelo menos um dos testes acima mencionados. Foi comparada a queixa de tontura e desequilíbrio na época em que esta pesquisa foi realizada com o resultado normal ou anormal da avaliação da função vestibular.

Foi realizada análise estatística descritiva para caracterização da amostra, considerando os dados que interessaram ao objetivo desta investigação. As variáveis quantitativas foram expressas por meio de média aritmética e desvio-padrão, quando apresentaram distribuição normal, e por meio da mediana e valores mínimo e máximo, quando não apresentaram distribuição normal. As variáveis qualitativas foram apresentadas por meio de frequência absoluta e relativa. Para se testar a homogeneidade entre as proporções, foi utilizado o teste exato de Fisher. O nível de significância utilizado foi de 5%.


RESULTADOS

Foram avaliados 40 pacientes com idade entre 44 e 83 anos (mediana: 63,53, mínimo: 44 e máximo: 83); 22 (55,0%) pacientes eram do gênero feminino e 18 do masculino. O tempo médio entre o AVC e a realização do estudo foi de 65,2 meses. Em relação à topografia do AVC, 22 pacientes (55,0%) apresentaram acometimento da artéria cerebral média esquerda, 16 (40,0%) da artéria cerebral média direita, um (2,5%) da artéria cerebral anterior esquerda e um (2,5%) da artéria cerebral anterior direita. Todos os pacientes avaliados tiveram diagnóstico de AVC isquêmico no território carotídeo confirmado por exame de imagem.

A Tabela 1 apresenta a prevalência do tipo de tontura dos pacientes durante o episódio de AVC no território carotídeo e na época em que esta pesquisa foi efetuada.




A Tabela 2 apresenta média, mediana, desvio-padrão, valor mínimo e máximo da pontuação do escore total e dos aspectos físico, emocional e funcional do DHI de 40 pacientes com AVC no território carotídeo.




Os 40 pacientes na fase tardia do AVC (100,0%) apresentaram exame otorrinolaringológico dentro dos padrões da normalidade.

A Tabela 3 apresenta a comparação entre a queixa de tontura e desequilíbrio na época em que esta pesquisa foi realizada e as alterações identificadas na avaliação da função vestibular; não houve diferença significante entre o relato de tontura e desequilíbrio e as alterações da avaliação vestibular (p = 0,276). Treze (32,5%) pacientes apresentaram resultados dentro do padrão de referência das provas utilizadas para a avaliação da função vestibular; destes pacientes, dez (25,0%) relataram desequilíbrio, dois (5,0%) referiram tontura e um (2,5%) não se queixou de tontura ou desequilíbrio no momento da pesquisa. Vinte e sete (67,5%) pacientes apresentaram resultados anormais em relação ao padrão de referência das provas utilizadas para a avaliação da função vestibular; destes pacientes, 16 (40,0%) relataram desequilíbrio, um (2,5%) referiu tontura e dez (25,0%) não se queixaram de tontura ou desequilíbrio no momento da pesquisa. Os 40 pacientes não apresentaram alterações nos testes de equilíbrio estático e dinâmico com olhos abertos e fechados (Romberg, Romberg-Barré, Unterberger-Fukuda e marcha), nistagmo de posicionamento, posicional, espontâneo (olhos abertos e fechados), semiespontâneo e os resultados à pesquisa do nistagmo optocinético ocorreram dentro do padrão de referência.




Anormalidades discretas de latência, precisão e/ou velocidade dos movimentos sacádicos fixos e/ou randomizados, com morfologia preservada, foram encontradas em 20 pacientes (50,0%), sendo que nove pacientes referiram desequilíbrio e um referiu tontura no momento desta pesquisa.

O rastreio pendular apresentou anormalidades dos valores do ganho em 17 casos (42,5%), sendo que seis referiram desequilíbrio e um, tontura no momento desta pesquisa.

O nistagmo perrotatório apresentou preponderância direcional do nistagmo anormal em um caso (2,5%) à estimulação dos canais lateral, anterior e posterior e em um caso (2,5%) à estimulação dos canais posterior e anterior, sendo que os dois casos referiram desequilíbrio no momento desta pesquisa.

A prova calórica identificou três casos (7,5%) com predomínio labiríntico anormal e dois (5,0%) com preponderância direcional anormal do nistagmo, sendo que os cinco casos referiram desequilíbrio no momento desta pesquisa.

Nos 11 pacientes que não referiram manifestações de alteração do equilíbrio corporal no momento da pesquisa, dez apresentaram alterações dos movimentos sacádicos fixos e/ou randomizados e do rastreio pendular e um apresentou exame normal.


DISCUSSÃO

Esta pesquisa investigou a função vestibular de 40 pacientes, quatro a oito anos após a ocorrência do episódio agudo de AVC no território carotídeo, por meio de anamnese, exame clínico otorrinolaringológico, DHI14,15 e avaliação da função vestibular com vectoeletronistagmografia3,4. A função vestibular tem sido avaliada durante a fase aguda do AVC5-12; e um estudo acompanhou pacientes com AVC durante 14 a 85 meses7.

Em nossa casuística, houve prevalência da ocorrência do AVC por acometimento das artérias cerebral média ou anterior, ou seja, da circulação anterior ou carotídea, na sexta década de vida, de modo similar em ambos os gêneros. Dados concordantes com os nossos mostraram a prevalência do AVC na sexta e na sétima décadas de vida, no entanto, com um discreto predomínio masculino1,2. No episódio agudo do AVC, a maioria dos pacientes (92,5%) apresentou tontura não rotatória, vertigem e/ou desequilíbrio; apenas três pacientes (7,5%) não referiram um ou mais destes sintomas. Discordando dos nossos achados, a vertigem típica não foi encontrada em casos com acidente cerebrovascular agudo supratentorial e poucos pacientes referiram tontura não rotatória, embora atualmente admita-se que as projeções corticais dos núcleos vestibulares poderiam originar a vertigem por lesão de hemisférios cerebrais (giro supramarginal do lobo parietal, córtex insular, posterior insula)6. Tradicionalmente, considera-se que lesões vestibulares centrais do tronco encefálico e do cerebelo são capazes de provocar vertigem; a ocorrência de vertigem no acidente vascular de hemisférios cerebrais é ainda questão de debate6. Tontura e desequilíbrio prevaleceram em pacientes com AVC por acometimento do sistema vertebrobasilar, portanto, da circulação do território vascular posterior8-12.

Tontura e/ou desequilíbrio foram referidos pela maioria dos nossos casos (92,5%) durante o episódio agudo do AVC e também pela maioria destes pacientes (72,5%) na fase tardia do AVC, época em que esta pesquisa foi efetuada. Estes sintomas, associados ou não, também foram relatados por pacientes na época do episódio do AVC6,9,11,12. Pacientes na fase tardia do AVC relataram melhora substancial dos sintomas de alteração do equilíbrio corporal após o episódio agudo, mas a maioria continuou a queixar-se de tontura desencadeada pelos movimentos rápidos da cabeça7.

À aplicação do DHI na fase tardia do AVC, os aspectos físicos, funcionais e emocionais apresentaram pontuação semelhante; o impacto da tontura e outros sintomas relacionados com o equilíbrio corporal sobre a qualidade de vida foi considerado leve17. Não encontramos referências à utilização deste questionário na avaliação de pacientes com AVC no território carotídeo.

Nesta pesquisa, na fase tardia do AVC, a VENG mostrou alterações discretas de latência, velocidade e/ou precisão dos movimentos sacádicos, com morfologia preservada, e do ganho do rastreio pendular em casos com ou sem manifestações de perturbação do equilíbrio corporal.

Alterações dos movimentos sacádicos indicam deficiência do controle do sistema nervoso central sobre os movimentos rápidos dos olhos e alterações do rastreio pendular indicam comprometimento do sistema oculomotor no controle dos movimentos lentos dos olhos3. Não encontramos referências sobre achados à pesquisa de sacadas e do rastreio na fase tardia do AVC do território carotídeo. As alterações encontradas, mesmo consideradas leves, poderiam sugerir uma lesão de localização no sistema nervoso central20. No episódio agudo de AVC, foram identificadas alterações do rastreio pendular e/ou das sacadas21,22; nistagmo semiespontâneo horizontal bilateral, nistagmo espontâneo vertical, ausência do efeito inibidor da fixação ocular, dismetria dos movimentos sacádicos e nistagmo optocinético alterado11, nistagmo espontâneo, anormalidades na perseguição ocular lenta e nos movimentos sacádicos5; anormalidades do rastreio pendular e nistagmo optocinético assimétrico10; nistagmo espontâneo horizontal e alterações nos testes de perseguição ocular11; alterações do rastreio ocular e nistagmo semiespontâneo bidirecional12.

Em nossa pesquisa na fase tardia do AVC, a prova rotatória pendular decrescente evidenciou preponderância direcional do nistagmo perrotatório em pacientes que referiam desequilíbrio; um caso apresentou esta anormalidade à estimulação dos canais laterais e verticais e o outro, apenas dos canais verticais. Este achado sugere descompensação do sistema vestibular3. Não encontramos referências sobre achados à prova rotatória pendular decrescente em pacientes na fase aguda ou tardia do AVC do território carotídeo.

À prova calórica, hipofunção vestibular ou preponderância direcional foram evidenciadas em cinco pacientes com desequilíbrio na fase tardia do AVC. Estes sinais indicam o comprometimento da função vestibular3 nestes pacientes. A hiporreflexia identificada por ocasião do AVC, persistente em 23,0% dos pacientes avaliados pelo menos durante um ano, desapareceu em todos os casos acompanhados por um período maior do que cinco anos7. Próximo ao episódio do AVC, foram identificadas alterações do nistagmo pós-calórico, como hiperreflexia e hiporreflexia9, inversão5, arreflexia e hiporreflexia10 e hipofunção12.

Verificamos que tontura e/ou desequilíbrio com anormalidades ao exame vestibular foram frequentes em nossos pacientes em fase tardia do AVC do território carotídeo. No entanto, não houve associação estatística significante entre a queixa e os sinais anormais à VENG, pois, nos casos sem estes sintomas, a VENG também foi anormal na maioria dos casos, o que poderia sugerir a ocorrência de sequelas assintomáticas nestes pacientes. O exame vestibular clássico, tal como realizado neste trabalho, costuma ser pouco informativo no diagnóstico de lesões supratentoriais, mas, em nossa casuística, anormalidades mesmo discretas de latência, precisão e/ou velocidade dos movimentos sacádicos fixos e/ou randomizados e ganho anormal do rastreio pendular poderiam ser originadas pelo comprometimento dos hemisférios cerebrais3,23,24.

Portanto, não é possível descartar a correlação entre as manifestações vestibulares e o antecedente de AVC ou as suas causas presumidas. Estes sintomas e/ou alterações vestíbulo-oculares poderiam corresponder a uma sequela do acometimento vascular do sistema nervoso central, serem decorrentes de comorbidades comuns em idosos ou alterações vestibulares periféricas pregressas, relacionadas ou não com a etiologia do AVC ou ao uso de um ou mais medicamentos para tratá-las. Obviamente, pacientes em fase tardia de AVC com sintomas sugestivos de disfunção vestibular devem ser avaliados sob o ponto de vista otoneurológico, para receberem a orientação terapêutica pertinente, quando necessário.


CONCLUSÃO

Pacientes na fase tardia do AVC no território carotídeo podem apresentar tontura ou desequilíbrio corporal e sinais de disfunção do sistema oculomotor e vestibular.


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1. Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (Otorrinolaringologista).
2. Doutora em Ciências (Neurologia) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (Neurologista).
3. Doutor em Medicina (Otorrinolaringologia) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (Professor Adjunto da Disciplina de Otologia e Otoneurologia)
(Otorrinolaringologista).
4. Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (Fisioterapeuta).
5. Doutorado em Medicina (Otorrinolaringologia) pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (Professor Titular de Otorrinolaringologia) (Otorrinolaringologista).
6. Doutorado em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (Professor Associado Livre-Docente em Otoneurologia) (Fonoaudióloga).

Disciplina de Otologia e Otoneurologia da UNIFESP.

Endereço para correspondência:
Anna Paula Batista de Ávila Pires
Rua Pedro de Toledo, nº 947. Vila Clementino
São Paulo - SP. Brasil. CEP: 04039-032.
E-mail: annapaulapires@ig.com.br

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 17 de junho de 2012. cod. 9273.
Artigo aceito em 13 de novembro de 2012.

Pesquisa realizada nas Disciplinas de Otologia e Otoneurologia e Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina.

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