Ano: 2012 Vol. 78 Ed. 6 - Novembro - Dezembro - (23º)
Seção: Relato de Caso
Páginas: 125 a 125
Diagnóstico tardio de corpo estranho na língua: relato de caso
Delayed diagnosis of foreign body on the tongue: case report
Autor(es): Sultan Şevik Eliçora1; Mehmet Güven2
DOI: 10.5935/1808-8694.20120047
Palavras-chave: corpos estranhos, língua, materiais dentários.
Keywords: dental materials, foreign bodies, tongue.
INTRODUÇÃO
Corpos estranhos nas vias aéreas superiores e no sistema digestório são achados frequentes na prática da otorrinolaringologia. Corpos estranhos de localização profunda na língua, especialmente em sua parte móvel, são bastante raros e de forma geral mimetizam doença maligna1. Na literatura encontramos relatos de remoção cirúrgica de corpos estranhos como espinhas de peixe, projéteis, fragmentos de dente quebrado, pedaços de noz, pedaços de cano e partículas metálicas1-3. Intervenção precoce é necessária, já que corpos estranhos afiados e pungentes podem levar à perfuração por migração. O presente artigo pretende descrever o caso de uma paciente com uma agulha odontológica profundamente alojada em sua língua e removida por meio de cirurgia.
RELATO DE CASO
Uma paciente de 72 anos de idade veio à nossa clínica com queixas de edema e dor na língua presentes há um mês. Ela relatou que os sintomas ocasionalmente se moviam de uma parte para outra da língua. A paciente nos contou que a dor teve início quando ela sentiu um gosto amargo na boca ao ingerir arroz, e que a intensidade da dor começou a aumentar progressivamente a partir desse momento. A paciente não relatou histórico de cirurgia na região da cabeça e pescoço, e tampouco apresentava-se com disfagia ou distúrbio neuromuscular. Durante o exame físico, foi identificada uma massa bem circunscrita de consistência firme medindo 1 x 0,2 cm elevando-se na porção dorsal lateral direita da língua. A paciente referia dor à palpação. A mucosa da língua estava regular e com coloração normal. Os demais aspectos otorrinolaringológicos e sistêmicos estavam normais.
A paciente foi submetida a exame de imagem por ressonância magnética (RM), na qual foi encontrado um corpo estranho metálico linear medindo 1 x 0,3 cm no terço frontal da musculatura lingual gerando um artefato denso (Figuras 1A-B).
Figura 1. Imagem de corpo estranho nas incidências axial (A) e sagital (B) nas imagens por RM (seta preta). Imagem da agulha odontológica removida (C).
O corpo metálico foi removido através de uma incisão de cerca de um centímetro feita por cima da massa na porção lateral direita da língua com a paciente sob anestesia local. O corpo estranho era um pedaço de agulha odontológica de 18 milímetros de comprimento (Figura 1C). A paciente foi questionada sobre procedimentos sofridos e relatou que havia sido submetida a uma cirurgia odontológica há seis meses.
Déficits neuromusculares ou neurossensoriais não foram observados após o seguimento de 10 meses, a paciente se recuperou sem queixas e não desenvolveu complicações após a cirurgia.
DISCUSSÃO
Corpos estranhos na parte móvel da língua são geralmente superficiais e podem ser facilmente removidos por um clínico geral ou pelo próprio paciente1. Contudo, corpos estranhos profundos mimetizam doenças malignas e apresentam edema lingual e submental, neuralgia e equimose. A paciente se apresentou em nossa clínica com sintomas de edema e dor lingual. Sua idade avançada nos fez pensar em doença maligna, mas a lesão bem circunscrita e a mucosa lingual intacta e com coloração normal indicavam afecção benigna.
Podemos não encontrar informações sobre corpo estranho com língua edemaciada no histórico clínico de nossos pacientes. Histórico de trauma e cirurgias prévias podem não ser relatados e até esquecidos pelos pacientes durante o primeiro exame4. No nosso caso, a paciente não citou histórico de trauma ou cirurgia no primeiro exame, mencionando apenas uma dor aguda em sua língua sentida quando se alimentava com frango e arroz um mês antes. Ao verificarmos que o corpo estranho era uma agulha odontológica, questionamos a paciente sobre seu histórico cirúrgico recente e ela relatou ter sido submetida a um procedimento odontológico seis meses antes, do qual não teve queixas no pós-operatório.
O diagnóstico de corpos estranhos profundos e invisíveis de língua é frequentemente radiológico. A maioria dos corpos de madeira, plástico, vidro, espinhas de peixe e ossos de frango são rádio-opacos e não podem ser vistos à radiografia. O diagnóstico por ultrassonografia pode ser útil nesses tipos de corpos estranhos5. A RM é um valioso método diagnóstico. É particularmente eficiente na discriminação de novas estruturas com lesões inflamatórias. Tomografia computadorizada e ultrassonografia têm percentuais mais elevados de identificação de corpos estranhos e podem ser utilizados para se determinar a forma e tamanho dos fragmentos em questão6.
Corpos estranhos do trato digestório superior são vistos com facilidade, exceto aqueles localizados mais profundamente. Migração pode ser particularmente observada em corpos estranhos metálicos afiados e pode levar a complicações graves e até fatais1.
COMENTÁRIOS FINAIS
Corpos estranhos devem ser considerados no diagnóstico diferencial de lesões em massa. Devemos, ainda, questionar nossos pacientes sobre seu histórico cirúrgico e intervir o mais precocemente possível.
REFERÊNCIAS
1. Lin CJ, Su WF, Wang CH. A foreign body embedded in the mobile tongue masquerading as a neoplasm. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2003;260(5):277-9.
2. de Santana Santos T, Melo AR, Pinheiro RT, Antunes AA, de Carvalho RW, Dourado E. Tooth embedded in tongue following firearm trauma: report of two cases. Dent Traumatol. 2011;27(4):309-13.
3. da Silva EJ, Deng Y, Tumushime-Buturo CG. An unusual foreign body in the tongue. Br J Oral Maxillofac Surg. 2000;38(3):241-2.
4. Samborski CS, Mix JA. Foreign body in tongue. Oral Surg Oral Med Oral Pathol. 1985;59(5):549.
5. Sharma PK, Songra AK, Ng SY. Intraoperative ultrasound-guided retrieval of an airgun pellet from the tongue: a case report. Br J Oral Maxillofac Surg. 2002;40(2):153-5.
6. Oikarinen KS, Nieminen TM, Mäkäräinen H, Pyhtinen J. Visibility of foreign bodies in soft tissue in plain radiographs, computed tomography, magnetic resonance imaging, and ultrasound. An in vitro study. Int J Oral Maxillofac Surg. 1993;22(2):119-24.
1. MD (Departamento de ORL, Hospital de Pesquisa e Treinamento de Sakarya, Sakarya, Turquia).
2. Professor Associado (Departamento de ORL, Hospital de Pesquisa e Treinamento de Sakarya, Sakarya, Turquia).
Endereço para correspondência:
Sultan Şevik Eliçora
E-mail: drsultan@mynet.com
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 25 de dezembro de 2011. cod. 8956.
Artigo aceito em 26 de fevereiro de 2012.