Versão Inglês

Ano:  2012  Vol. 78   Ed. 6  - Novembro - Dezembro - (19º)

Seção: Artigo de Revisão

Páginas: 113 a 121

PDFPDF PT   PDFPDF EN
 

Dacriocistorrinostomia endoscópica

Endoscopic dacryocystorhinostomy

Autor(es): Renato Roithmann1; Tiana Burman2; Peter-John Wormald3

DOI: 10.5935/1808-8694.20120043

Palavras-chave: cirurgia endoscópica por orifício natural, dacriocistorinostomia, doenças do aparelho lacrimal.

Keywords: dacryocystorhinostomy, lacrimal apparatus diseases, natural orifice endoscopic surgery.

Resumo:
A abordagem cirúrgica do saco lacrimal por via intranasal assistida por videoendoscopia é, hoje, realizada com altos índices de sucesso. Apesar da técnica tradicional por via externa apresentar resultados bastante satisfatórios, tem a grande desvantagem de necessitar de uma incisão de pele e sua consequente cicatriz local. Com o desenvolvimento e aprimoramento do instrumental e das técnicas endonasais, a abordagem endoscópica é cada vez mais utilizada.
OBJETIVO: Este artigo revisa a anatomia do sistema lacrimal, a avaliação pré-operatória e os detalhes técnicos da cirurgia assistida por endoscopia que podem proporcionar os desfechos cirúrgicos mais favoráveis ao paciente. As complicações e as causas de insucesso cirúrgico são também brevemente revisadas.
METODOLOGIA: Trata-se de uma revisão da experiência dos autores nos últimos 10 anos de aplicação da técnica endoscópica para cirurgia do saco lacrimal.
CONCLUSÃO: Os resultados da dacriocistorrinostomia endoscópica são, no mínimo, iguais aos da técnica tradicional externa. Apesar disto, o trabalho conjunto do oftalmologista e do otorrinolaringologista é muito vantajoso para o melhor manejo possível do paciente com epífora.

Abstract:
The endonasal surgical approach of the lacrymal sac assisted by video-endoscopy is carried out today with high success rates. Despite the satisfactory results reached with the traditional external approach, it has the disadvantage of requiring a skin incision and a consequent local scar. With the development and enhancement of the endonasal techniques, the endoscopic approach is increasingly preferred by surgeons.
OBJECTIVE: This paper reviews the lacrymal system anatomy, the preoperative assessment and the technical details of the endoscopic assisted approach which may provide better surgical outcomes for patients. We will also briefly discuss complications and causes for surgical failure.
METHODOLOGY: This is a review of the experience of the authors in the past 10 years of employing the endoscopic technique for the lacrymal sac surgery.
CONCLUSION: Outcomes regarding the endoscopic dacryocystorhinostomy are, at leas, equal to those from the traditional external approach. Notwithstanding, the joint work between the otorhinolaryngologist and the ophthalmologist is of great benefit to patients with epiphora.

INTRODUÇÃO

A dacriocistorrinostomia é o tratamento padrão para a obstrução do ducto nasolacrimal1. A cirurgia consiste basicamente na abertura do saco lacrimal, que é conectado ao nariz, pela remoção do osso e da mucosa entre estas duas estruturas, ao nível do meato médio. A técnica tradicional de eleição dos oftalmologistas é a externa, na qual uma incisão é realizada na pele para o acesso ao osso, seguida de uma osteotomia por via externa, a abertura da mucosa nasal e a criação de flaps no saco lacrimal realizada de fora para dentro.

A abordagem endonasal assistida por endoscopia segue o caminho inverso. Um retalho de mucosa nasal é criado no primeiro momento, seguido da osteotomia endonasal do osso para expor o saco lacrimal e a marsupialização do mesmo para o interior da cavidade nasal. A exposição e visualização endoscópica de todo o saco lacrimal é fantástica. As taxas de sucesso da dacriocistorrinostomia tanto por via externa como por via endonasal superam os 90% em mãos experientes.

O trabalho conjunto do oftalmologista e do otorrinolaringologista é muito vantajoso para o paciente. Ao oftalmologista, compete o diagnóstico diferencial da epífora (vide teste da irrigação), assim como a indicação cirúrgica, o tratamento concomitante da obstrução dos pontos e canalículos lacrimais quando presentes e a sondagem transoperatória. Ao otorrinolaringologista, cabe o diagnóstico pré-operatório de problemas nasossinusais associados (ex: desvio obstrutivo do septo nasal, hipertrofia de conchas nasais, sinéquias, pólipos, rinossinusite crônica, entre outras) e o tratamento concomitante transoperatório destes problemas quando presentes, além da exposição, abertura e confecção do flaps do saco lacrimal endonasal assistidos por endoscopia. O cuidado pós-operatório compete a ambos, oftalmo e otorrinolaringologista, até que a cicatrização esteja completa e a via lacrimal permeável e funcionante.

Objetivos

Revisar os aspectos mais relevantes da dacriocistorrinostomia endoscópica, desde a avaliação pré-operatória até os cuidados pós-operatórios para a reabilitação adequada da via lacrimal. Revisar sumariamente a anatomia do sistema lacrimal e a avaliação pré-operatória do paciente com epífora.


METODOLOGIA

Revisão baseada nas evidências dos autores nos últimos 10 anos de aplicação da videoendoscopia para a realização da dacriocistorrinostomia por via endonasal.

Aspectos históricos de interesse

Caldwell, um otorrinolaringologista, descreveu, em 1893, a abordagem endonasal do saco lacrimal2. Problemas relacionados especialmente à instrumentação impediam a visualização adequada das estruturas e a técnica caiu em desuso.

Dacriocistorrinostomia externa

A base da dacriocistorrinostomia moderna tem sido atribuída a Toti, que descreveu, em 1904, o levantamento do saco lacrimal, com perfuração do osso adjacente, mantendo a mucosa nasal íntegra3,4. Posteriormente, Kuhnt sugeriu a confecção do flap nasal com sutura no periósteo do osso adjacente. Ohm desenvolveu um instrumento pra realizar a sutura dos flaps de mucosa nasal e saco lacrimal, técnica essa que foi posteriormente popularizada por Dupuy-Dutemps e Bourget e que passou a obter índices bastante elevados de sucesso3,4.

Em relação à intubação da via lacrimal, Graue & Glenie foram os primeiros a sugerir essa possibilidade, utilizando o fio de prata4,5. Henderson, em 1950, sugeriu o tubo de polietileno4,6 e Huggert foi o primeiro a descrever a intubação bicanalicular com tubo de polietileno, em 19594,7. Em 1966, Bjork descreveu a intubação bicanalicular na dacriocistorrinostomia endoscópica, sendo que a mesma estaria limitada a casos de afecção canalicular e reoperações4,8. Gibbs, em 1967, introduziu o tubo de silicone, que representa um grande avanço na cirurgia de via lacrimal, pois é menos traumático com os tecidos adjacentes, incluindo a córnea4,9.

O resultado da dacriocistorrinostomia externa nas mãos de cirurgiões experientes, tanto anatômico como no alivio sintomático da epífora, é bastante satisfatório, e oscila ao redor de 90%-95%10,11.

Dacriocistorrinostmia endoscópica

As primeiras séries de casos endonasais endoscópicos aparecerem na literatura no final dos anos 80 e início dos anos 9012-14. Contudo, resultados comparáveis aos obtidos pela técnica externa só passaram a ser alcançados quando a remoção do osso e a consequente exposição do saco lacrimal passou a ser completa15,16. A técnica endoscópica inicialmente descrita promovia a abertura do saco lacrimal, na parede lateral, apenas anterior à concha média. A partir do momento que ficou demonstrado que a porção mais superior do saco lacrimal se estendia cerca de 8 mm acima da axila da concha média (inserção da concha média na parede lateral) e não somente anterior a ela15, a confecção do retalho de mucosa e consequente marsupialização completa do saco lacrimal passou a ser alcançada. Desta forma, os resultados da cirurgia passaram a ser comparáveis aos da técnica externa17.

Apesar de a técnica endonasal endoscópica ser a mais utilizada nos dias atuais, importantes otorrinos, como Heermann, em 1958, utilizaram o microscópio cirúrgico com bons resultados também por via endonasal18.

Anatomofisiologia do sistema lacrimal

A Figura 1 ilustra a anatomia do sistema lacrimal19.


Figura 1. Anatomia do sistema lacrimal. CI: Corneto Inferior; CM: Corneto Médio, BE: Bula Etmoidal. Observar que o fundo do saco lacrimal se estende superiormente a inserção da concha média na parede lateral (cerca de 8 mm acima). Fonte: Burkat CN, Lemke BN, Anatomy of the orbit and its related structures. Otolaryngol Clin N Am 38:825-56;2005 19.



O sistema lacrimal possui o sistema secretor e o excretor. As lágrimas são produzidas pelo sistema secretor e drenadas pelo excretor. As glândulas lacrimais acessórias de Krause e Wolfring, localizadas nos fórnices conjuntivais, são responsáveis pela secreção basal, enquanto que a glândula lacrimal principal, localizada na fossa da glândula lacrimal do osso frontal, é responsável pela produção reflexa da lágrima, causada por mecanismo irritativo ou emotivo20.

O sistema lacrimal excretor drena a lágrima através dos pontos lacrimais superior e inferior, canalículos superior e inferior, canalículo comum, saco lacrimal e ducto nasolacrimal, até o meato inferior do nariz (Figura 2). O reflexo de piscar também exerce um importante papel no fluxo lacrimal - é o chamado mecanismo de bomba lacrimal20.


Figura 2. Visão endoscópica da cavidade nasal esquerda. O retangulo preto demonstra a extensão incorreta previamente aceita para o saco lacrimal. A área sombreada demonstra a posição correta com sua extensão superior em média, 8 mm acima da axila da concha média.



O ponto lacrimal inferior é mais facilmente visualizado quando se everte a margem palpebral. Está situado mais lateralmente em relação ao superior. Os canalículos dão continuidade aos pontos lacrimais e são constituídos por uma porção inicial vertical curta e segue uma porção mais longa e horizontal, paralela à margem palpebral (Figura 1)20. Cerca de 1-2 mm antes de penetrarem na parede do saco lacrimal, os dois canalículos fundem-se, formando o canal comum.

O saco lacrimal tem forma ovalar, tendo, em média, 14 mm de altura por 10 mm de largura. A fossa lacrimal é formada posteriormente pelo osso lacrimal (fino, frágil e facilmente removido) e anteriormente pelo osso maxilar (espesso e resistente). Ambas as porções se fundem numa sutura vertical, que pode ser identificada cirurgicamente pela técnica endoscópica. A partir da porção inferior, começa o canal ósseo nasolacrimal, que desemboca no meato inferior cerca de 10 mm posterior à cabeça da concha inferior. O canal lacrimal abre-se e libera a lágrima dentro do saco lacrimal, na junção do terço superior com os dois terços inferiores.

Um detalhe anatômico muito relevante para o cirurgião endonasal é reconhecer a posição correta do saco lacrimal na parede lateral, visto que da sua total abertura depende o resultado cirúrgico. A referência básica pode ser a concha média, sendo que o saco lacrimal é anterior na parede lateral, e se estende, em média, 8 mm acima da axila da concha média (inserção da concha média na parede lateral) (Figura 2).

Avaliação pré-operatória do paciente com epífora

Costuma-se denominar de lacrimejamento os casos de excesso de lágrima de causa irritativa (doença conjuntival, blefarite, mau posicionamento palpebral, entre outras). Epífora é o lacrimejamento que ocorre secundário à obstrução do sistema de drenagem: estenose ou obstrução do(s) ponto(s) lacrimal(ais) e/ou dos canalículos, ou bloqueio do ducto nasolacrimal.

Os pacientes com disfunção no sistema excretor da via lacrimal podem apresentar epífora, secreção e uma massa no canto medial, em topografia do saco lacrimal. A epífora isolada, sem qualquer outro sintoma, sugere obstrução ou mau posicionamento do ponto lacrimal ou canalículo. A presença de secreção sugere obstrução do ducto nasolacrimal, ocasionada pela estase no saco lacrimal. A massa no canto medial merece uma cuidadosa avaliação, pois pode ser vista em uma série de afecções, desde um abcesso até um tumor do saco lacrimal. Pode também ocorrer em casos de mucocele, hemangioma e meningocele20. A presença da expressão positiva do saco lacrimal, que consiste no refluxo de secreção via canalículos quando exercemos uma pressão em topografia do saco lacrimal, é um sinal patognomônico de obstrução do ducto nasolacrimal. Na epífora causada pela obstrução do ducto nasolacrimal, as lágrimas vão frequentemente escorrer pelas bochechas.

O teste de irrigação via canalículo inferior é bastante simples e pode ser realizado no consultório. Consiste em injetar solução fisiológica com auxílio de uma cânula e uma seringa via canalículo inferior. A interpretação do mesmo depende se a solução passa ou não para a orofaringe associada à presença ou não de refluxo pelo canalículo superior ou inferior. A Tabela 1 ilustra as várias possibilidades do resultado do teste de irrigação via canalículo inferior e a sua relação com o diagnóstico do local da obstrução da via lacrimal.




É muito importante o diagnóstico pré-operatório de uma estenose ou estreitamento, por exemplo, do sistema canalicular, pois nestes casos, além de ser programada a correção no mesmo tempo cirúrgico da dacriocistorrinostomia, o paciente deve ser avisado da possibilidade de pior desfecho cirúrgico. O oftalmologista, portanto, tem participação muito importante na avaliação clínica, diagnóstico diferencial e, em especial, na indicação cirúrgica.

A dacriocistografia é um exame diagnóstico muito utilizado para sinalizar o local da obstrução, em que um contraste é injetado via canalículo e posteriormente é realizada uma radiografia. Usualmente, quando temos uma obstrução completa do ducto nasolacrimal, observamos uma dilatação à montante do saco lacrimal21. Falha do contraste em penetrar no saco lacrimal pode indicar obstrução do canalículo comum. Caso o contraste passe normalmente pelo ducto nasolacrimal, podemos estar diante de um problema funcional e não anatômico. O exame é contraindicado na presença de dacriocistite aguda. O clínico assistente deve lembrar também que, em função da entubação do canalículo e da ativa injeção do contraste, o local de estenose do sistema pode ser ultrapassado. O exame deve, então, ser correlacionado com os achados clínicos.

Outros exames que podem ser realizados são a cintilografia do sistema lacrimal, que pode ajudar a fazer o diagnóstico nestes casos de distúrbios funcionais e não anatômicos21. Eventualmente, uma tomografia computadorizada pode também ser solicitada, mas para avaliação das estruturas de vizinhança (órbita anterior, seios paranasais, etc.).

O exame da cavidade nasal por endoscopia é também importante na avaliação pré-operatória. É muito comum a presença de desvio alto do septo nasal que impede o trabalho na região do meato médio. Outros diagnósticos costumam também ser feitos, como a presença de sinéquias, pólipos, rinossinusite crônica e, nas crianças, hipertrofia de adenoides. Uma das vantagens da cirurgia endoscópica endonasal é a possibilidade de correção concomitante de afecções nasossinusais associadas. Assim sendo, a avaliação otorrinolaringológica é também parte importante do pré-operatório do paciente com epífora.

O diagnóstico etiológico pré-operatório da epífora é muito importante, uma vez que a dacriocisorrinostomia não é o tratamento indicado para todos os casos. A estenose do ponto lacrimal, o ectrópio palpebral ou do ponto lacrimal e a frouxidão palpebral são causas de epífora que não são manejadas com dacriocistorrinostomia. Também vale lembrar que para casos de obstrução canalicular, especialmente as proximais, está indicada a conjuntivodacriocistorrinostomia com a colocação do tubo de Jones, que é um tubo de acrílico, não removível.

Dacriocistorrinostomia endoscópica - detalhes técnicos

Cuidados pré-operatórios


Os cuidados pré-operatórios são semelhantes aos aplicados à cirurgia assistida por endoscopia em outras afecções nasossinusais22. Os pacientes devem ser instruídos a suspender o uso de ácido acetilsalicílico ou outros anti-inflamatórios não hormonais por pelo menos 7-10 dias antes da cirurgia. Outros medicamentos que alteram a coagulação sanguínea (ex: Ginko biloba, antiplaquetários e outros anticoagulantes) também devem ser suspensos. Na presença de processo inflamatório nasossinusal agudo, utiliza-se antibiótico e corticoide oral. Os riscos e benefícios da cirurgia devem ser discutidos, assim como a necessidade de revisões pós-operatórias periódicas. O termo de consentimento informado específico deve ser assinado. Sempre lembrar a possiblidade de utilização do tubo de silicone (silastic, outros) na via lacrimal, sendo o mesmo removido em média 1 mês após o procedimento.

Detalhes técnicos transoperatórios

O procedimento pode ser realizado com instrumental convencional de cirurgia endoscópica nasossinusal. Praticamente toda a cirurgia é assistida por ótica de 0 grau grande angular. Contudo, a utilização de instrumental avançado, como o microdebridador acoplado a irrigadores e a ponteiras específicas (ex: brocas diamantadas delicadas retas e anguladas) facilita muito o procedimento endoscópico.

Anestesia local com sedação monitorizada por anestesista ou anestesia geral podem ser utilizados de acordo com a experiência da equipe cirúrgica. Quando realizado sob geral, utiliza-se a anestesia endovenosa total, com propofol e remifentanil, que costuma resultar em menor sangramento transoperatório. Idealmente, a frequência cardíaca deve ficar ao redor de 60-65 bpm e a pressão arterial média entre 60 e 75 mmHg.

O lado a ser operado deve permanecer com o olho descoberto, evitando-se pomadas. Lavagens frequentes com soro fisiológico são utilizadas.

A vasoconstricção tópica da mucosa nasal é obtida com a aplicação de cotonoides embebidos numa solução de adrenalina diluída em soro fisiológico a 1:2000. Os cotonoides são inseridos em ambas as faces da concha média. A infiltração local de xilocaína com vasoconstritor na altura da axila da concha média (anterossuperior na parede lateral) também costuma ser realizada.

Septoplastia regional deve ser realizada nos casos em que o septo nasal impeça ou mesmo dificulte o trabalho no campo operatório.

O passo seguinte é a confecção do retalho de mucosa da parede lateral para exposição do osso da fossa lacrimal. Bisturi convencional com lâmina 15 e descolador aspirador ou tipo Neves Pinto são utilizados. A primeira incisão é horizontal e realizada 8 a 10 mm acima da axila da concha média, iniciando cerca de 3 mm posterior à axila e progredindo no sentido anterior até cerca de 10 mm sobre o processo frontal da maxila (porção óssea na parede lateral anterior a concha média). A seguir, realiza-se a incisão vertical, que se estende até os 2/3 da altura da concha média, parando acima da inserção da concha inferior na parede lateral. Por último, realiza-se nova incisão horizontal, desde a altura da apófise unciforme até encontrar a incisão vertical (Figura 3).


Figura 3. Incisões para a confecção do retalho de mucosa nasal. Obervar a incisão horizontal 8 a 10 mm acima da axila da concha média, iniciando cerca de 3 mm posterior a axila e progredindo no sentido anterior até cerca de 10 mm sobre o processo frontal da maxila. A incisão vertical, que se estende até os 2/3 da altura da concha média e a última incisão horizontal, desde a altura da apófise unciforme até encontrar a incisão vertical.



A seguir o flap de mucosa é elevado, mantendo-se sempre o contato com o osso (Figura 4).


Figura 4. Exposição da fossa lacrimal. A seta indica a linha vertical que separa o frágil osso lacrimal (L) do consistente processo frontal do osso maxilar (M). Observar a abertura do agger nasi acima da axila da concha média.



Uma referência anatômica chave na exposição da fossa lacrimal é a junção da porção dura do processo frontal da maxila (lateral e anterior) com a porção mole do osso lacrimal (medial e posterior) (Figura 4). O fino osso lacrimal tem largura média de 2 mm à 5 mm e está localizado bem anterior à inserção da apófise unciforme na parede lateral.

Um descolador tipo Rosen utilizado em cirurgia otológica, ou mesmo uma faca falciforme delicada, pode ser utilizado para separar a porção mais frágil da resistente e, assim, iniciar a exposição da parede mais medial e posterior do saco lacrimal.

A partir deste ponto, uma pinça tipo Kerrinson ou tipo Hajek Koeffler é utilizada para iniciar a remoção da porção óssea mais resistente da fossa lacrimal (processo frontal da maxila) (Figura 5). Cuidado para não danificar a parede anterior do saco lacrimal neste ponto, pois a pinça irá exercer pressão a este nível. O osso é removido tanto quanto possível em toda a extensão da fossa lacrimal. A porção mais anterior e superior costuma ser muito dura, podendo ser utilizado escopro ou brocas cortantes ou, de preferência, diamantadas. Os sistemas de broqueamento comumente utilizados em cirurgia otológica podem ser utilizados. Neste caso, deve se ter muito cuidado em proteger a caneta e a broca para evitar possíveis queimaduras e consequentes retrações cicatriciais na área do vestíbulo nasal. Se disponível, o microdebridador com broca de diamante acoplada (2,9 mm com curvatura de 15º - Medtronic Xomed) é muito útil, pois, além de muito eficiente, tem sistema de irrigação acoplado, o que facilita e diminui o tempo do procedimento (Figura 5).


Figura 5. Remoção do osso lacrimal. A remoção do osso lacrimal costuma ser realizada com Kerrinson e/ou microdebridador com brocas cortantes ou diamantadas (porção superior e anterior mais resistente do osso).



A abertura óssea deverá ser tão grande quanto a abertura de mucosa, o que permitirá a visualização completa do saco lacrimal (coloração esbranquiçada) (Figura 6). Apesar de ainda controverso, o tamanho pequeno da osteotomia tem sido considerado por alguns estudos como uma causa comum de fracasso na dacriocistorrinostomia23,24.


Figura 6. Saco lacrimal exposto (observar a coloração mais esbranquiçada e a abertura do agger nasi superior a axila da concha média).



Em muitos casos, a célula etmoidal mais anterior, o agger nasi, vai ser exposto durante a remoção da porção mais superior e medial do osso da fossa lacrimal (Figura 6).

O próximo passo é a dilatação do ponto lacrimal e a sondagem da via lacrimal. A sonda de Bowman pode ser utilizada e ajudará a tensionar o saco lacrimal medialmente, facilitando a sua incisão com uma faca falciforme delicada. É importante visualizar a ponta da sonda movendo-se livremente no interior do saco lacrimal. Após a abertura longitudinal do saco lacrimal em toda sua extensão, dois retalhos são criados. De preferência, o anterior deve ser o maior, pois será rodado sobre o osso remanescente do processo frontal da maxila. Isto se consegue fazendo a incisão longitudinal no saco lacrimal um pouco mais posterior do que da linha média. O retalho posterior irá ficar em contato direto com o retalho da mucosa confeccionado inicialmente (Figura 7). Para que isto aconteça, o retalho de mucosa é ressecado parcialmente com pinça cortante, até ficar no nível do retalho posterior do saco lacrimal. A parte superior do retalho de mucosa pode ser reposicionada sobre a axila da concha média, para cobrir qualquer porção de osso remanescente a este nível, se for o caso. A mucosa que recobre a parede mais lateral do agger nasi também ficará justaposta à mucosa da parede medial do retalho do saco lacrimal. Com isto, se evita deixar osso exposto em todo campo operatório, beneficiando muito a cicatrização pós-operatória.


Figura 7. Saco lacrimal marsupializado. Observar que o retalho posterior do saco lacrimal fica em contato direto com o retalho de mucosa inicialmente confeccionado. O retalho anterior do saco lacrimal é rodado anteriormente sobre o osso maxilar remanescente.



A passagem do tubo de silicone (ex: silastic, sonda de Crawford, tubos de O'Donoghue, entre outros) no final do procedimento não é consenso. Muitos autores reservam os tubos apenas para os casos revisionais, em cavidades nasais estreitas ou em casos de estenose canalicular25,26.

Outros fatores a favor da intubação, embora sem evidências concretas, seriam a dacriocistite aguda prévia, confecção de flaps ruins, sangramento excessivo, doença inflamatória e sacos lacrimais pequenos4.

Quando utilizados, os tubos são passados pelos canalículos superior e inferior e fixados internamente no nariz, tomando-se o cuidado de deixar uma pequena folga no canto do olho externamente. No interior do nariz, podem ser utilizados liga-clips tamanho 100, empregados comumente neurocirurgia e cirurgia vascular, para fixar as duas extremidades do tubo de silicone (Figura 8). Outra opção para a fixação endonasal é a realização de vários nós. O excesso de silicone é removido. Um pedaço de gelfoam pode ser posicionado ao redor do tubo para manter os retalhos previamente confeccionados em posição. O tempo de permanência do tubo de silicone é variável, devendo ficar por no mínimo 4 semanas.


Figura 8. Tubos de silicone. Observar os tubos de silicone fixos com ligaclip no interior da cavidade nasal.



Cuidados pós-operatórios

Os cuidados pós-operatórios são essencialmente os mesmos de qualquer outra cirurgia nasossinusal endoscópica. Recomenda-se dormir com a cabeceira elevada. Deve-se evitar assoar o nariz e realizar esforços físicos vigorosos por cerca de 10-14 dias. Lavagens nasais com soluções salinas são importantes e, em alguns casos, empregam-se também gotas com hidrocortisona por alguns dias. O uso de antibiótico é controverso na literatura27. Contudo, ainda se recomenda, com frequência, utilizar antibiótico oral (amoxacilina/ácido clavulânico) por 5-7 dias. Gotas oftalmológicas com antibiótico e corticoide são prescritas por cerca de 14 dias.

Caso tenha sido inserido tubo de silicone, o mesmo costuma ser removido em consultório, a partir das primeiras 4 semanas pós-operatórias. O sistema nasolacrimal é, então, avaliado pela colocação de gotas de fluoresceína na conjuntiva e a monitorização endoscópica endonasal. O tecido de granulação, quando presente, deve ser removido em consultório.

Resultados e causas de falha cirúrgica

Para que a dacriocistorrinostomia seja considerada um sucesso, dois objetivos devem ser considerados: patência anatômica e resolução do sintoma. Em outras palavras, o paciente deve estar assintomático e o sistema lacrimal patente com confirmação pela endoscopia nasal (teste da fluoresceína positivo). A taxa média de sucesso pelo critério acima descrito, em mãos experientes, supera os 90%-95% nos casos primários e com obstrução anatômica. Nos casos primários, com obstrução funcional, a taxa de sucesso cai para cerca de 80%-85%. Nos casos revisionais, as taxas de sucesso, apesar de altas, diminuem17.

As principais causas de falha cirúrgica são listadas na Tabela 2.




Complicações

A taxa de complicação da dacriocistorrinostomia endoscópica em mãos de cirurgiões treinados não ultrapassa 2% dos casos. As taxas descritas são semelhantes às que ocorrem nos casos externos.

As complicações mais importantes costumam ser decorrentes da perda de orientação anatômica do cirurgião transoperatórias, com consequente lesão de estruturas vizinhas17,28. Mais frequentemente, a dissecção se estende muito posterior, com dano à drenagem dos seios maxilar e frontal. Penetração na órbita, com exposição de gordura orbitária, sangramento e lesão da musculatura ocular podem ocorrer. A referência anatômica chave para evitar complicações deste tipo é a apófise unciforme. A mesma deve ser reconhecida precocemente na cirurgia e representa o limite posterior da dissecção.

Outras complicações descritas incluem o sangramento pós-operatório requerendo tamponamento nasal, a ocorrência de fístula liquórica e a erosão de córnea e/ou canalicular. Cuidados especiais devem ser tomados em crianças, durante a ressecção óssea superior (base do crânio mais baixa), para evitar fístula liquórica.


CONCLUSÃO

A dacriocistorrinostomia é um procedimento que, quando bem indicado, tem alta taxa de sucesso no alívio da epífora, tanto por via externa como por via endonasal endoscópica10,29,30. As vantagens da via endoscópica são a magnífica visualização do saco lacrimal no seu todo, a ausência de cicatriz externa, a preservação da bomba lacrimal através do músculo orbicular do olho, o possível menor tempo transoperatório e a menor morbidade. Além disto, outras afecções nasossinusais podem ser corrigidas concomitantemente, como os desvios septais e a hipertrofia de adenoides. Contudo, a tecnologia endoscópica e instrumental associado aumentam o custo do procedimento29. Mais ainda, em muitos casos a correção concomitante por via externa de problemas relacionados aos canalículos superior e/ou inferior ou mesmo ao canalículo comum pode ser necessária. Assim sendo, a dacriocistorrinostomia é hoje uma cirurgia realizada com excelentes resultados tanto pelo oftalmologista como pelo rinologista. O trabalho em equipe, oftalmologista + otorrinolaringologista, pode trazer muitos benefícios no manejo cirúrgico do paciente portador de epífora.


REFERÊNCIAS

1. Thawley SE. The otolaryngologist-ophthalmologist relationship: an historic perspective. Otolaryngol Clin North Am. 2006;39(5):845-53.

2. Caldwell G. Two new operations for obstruction of the nasal duct, with preservation of the canaliculi, and with an incidental description of a new lachrymal probe. Am J Ophtalmol. 1893;10:189-93.

3. Toti A. Nuovo Metodo conservatore dicura radicale delle suppurazione croniche del sacco lacrimale (dacricistorhinostomia). Clin Mod (Firenze). 1904;10:385-9.

4. Madge SN, Selva D. Intubation in routine dacryocystorhinostomy: why we do what we do. Clin Experiment Ophthalmol. 2009;37(6):620-3.

5. Chandler PA. Dacryocystorhinostomy. Trans Am Opthalmol Soc. 1936;34:240-63.

6. Henderson JW. Management of strictures of the lacrimal canaliculi with polyethylene tubes. Arch Ophthalmol. 1950;44(2):198-203.

7. Huggert A. The treatment of stenosis of the lacrimal canaliculi. Acta Ophthalmol (Copenh). 1959;37:355-8.

8. Björk H. Endonasal surgery of the lacrimal passages: dacryocystorhinostomy and canaliculorhinostomy with intubation. Acta Otolaryngol. 1966;224:161-3.

9. Gibbs DC. New probe for the intubation of lacrimal canaliculi with silicone rubber tubing. Br J Ophthalmol. 1967;51(3):198.

10. Karim R, Ghabrial R, Lynch T, Tang B. A comparison of external and endoscopic endonasal dacryocystorhinostomy for acquired nasolacrimal duct obstruction. Clin Ophtalmol. 2011;5:979-89.

11. Hartikainen J, Antila J, Varpula M, Puukka P, Seppä H, Grénman R. Prospective randomized comparison of endonasal endoscopic dacryocystorhinostomy and external dacryocystorhinostomy. Laryngoscope. 1989;108(12):1861-6.

12. McDonogh M, Meiring JH. Endoscopic transnasal dacryocystorhinostomy. J Laryngol Otol. 1989;103(6):585-7.

13. Metson R. Endoscopic surgery for lacrimal obstruction. Otolaryngol Head Neck Surg. 1991;104(4):473-9.

14. Massaro BM, Gonnering RS, Harris GJ. Endonasal laser dacryocystorhinostomy. A new approach to nasolacrimal duct obstruction. Arch Ophtalmol. 1990;108(8):1172-6.

15. Wormald PJ, Kew J, Van Hasselt A. The intranasal anatomy of the nasolacrimal sac in endoscopic dacryocystorhinostomy. Otolaryngol Head Neck Surg. 2000;123(3):307-10.

16. Wormald PJ. Powered endonasal dacryocystorhinostomy. Laryngoscope. 2002;112(1):69-71.

17. Tsirbas A, Wormald PJ. Mechanical endonasal dacryocystorhinostomy with mucosal flaps. Otolaryngol Clin North Am. 2006;39(5):1019-36.

18. Heermann H. Endonasal surgery with utilization of the binocular microscope. Arch Ohren Nasen Kehlkopfheilkd. 1958;171(2):295-7.

19. Burkat CN, Lemke BN. Anatomy of the orbit and its related structures. Otolaryngol Clin North Am. 2005;38(5)825-56.

20. Buerger DG, Flanagan JC, Campbell CB. Introduction to lacrimal disease. In: Nesi FA, Lisman RD, Levine MR, Brazzo BG, Gladstone GJ. Smith's, Ophthalmic Plastic and Reconstructive Surgery. St Louis: Mosby-Year Book; 1986. p.639-42.

21. Wormald PJ, Tsirbas A. Investigation and treatment for functional and anatomical obstruction of the nasolacrimal duct system. Clin Otolaryngol Allied Sci. 2004;29(4):352-6.

22. Roithmann R, Lessa M. Princípios da Cirurgia Endoscópica das Cavidades Paranasais. In: Caldas Neto, S, Mello Junior JM, Martins RH, Costa SS (org.).Tratado de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. 2ª edição. Vol III. São Paulo: Editora Roca; 2011. p.284-95.

23. Ben Simon GJ, Brown C, McNab AA. Larger osteotomies result in larger ostia in external dacryocystorhinostomies. Arch Facial Plast Surg. 2012;14(2):127-31.

24. Linberg JV, Anderson RL, Bumsted RM, Barreras R. Study of intranasal ostium external dacryocystorhinostomy. Arch Ophthalmol. 1982;100(11):1758-62.

25. Saiju R, Morse LJ, Weinberg D, Shrestha MK, Ruit S. Prospective randomized comparison of external dacryocystorhinostomy with and without silicone intubation. Br J Ophthalmol. 2009;93(9):1220-2.

26. Walland MJ, Rose GE. The effect of silicone intubation on failure and infection rates after dacryocystorhinostomy. Ophthalmic Surg. 1994;25(9):597-600.

27. Dulku S, Akinmade A, Durrani OM. Postoperative infection rate after dacryocystorhinostomy without the use of systemic antibiotic prophylaxis. Orbit. 2012;31(1):44-7.

28. Wormald PJ. Powered endoscopic dacryocystorhinostomy. Otolaryngol Clin North Am. 2006;39(3):539-49.

29. Hii BW, McNab AA, Friebel JD. A comparison of external and endonasal dacryocystorhinostomy in regard to patient satisfaction and cost. Orbit. 2012;31(2):67-76.

30. Lee DW, Chai CH, Loon SC. Primary external dacryocystorhinostomy versus primary endonasal dacryocystorhinostomy: a review. Clin Experiment Ophthalmol. 2010;38(4):418-26.










1. Professor de Otorrinolaringologia da Universidade Luterana do Brasil. Membro Associado do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço - Hospital Mount Sinai -Toronto, Canadá. (Chefe do Serviço de ORL do Hospital Universitário da ULBRA/Mãe de Deus).
2. Oftalmologista especialista em cirurgia plastica ocular, Doutorado em Oftalmologia pela Universidade de Sao Paulo. (Preceptora do Serviço de Oftalmologia da Santa Casa de Misericordia de Porto Alegre).
3. Professor e Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Universidade de Adelaide, Adelaide, Austrália.

Universidade Luterana do Brasil, Canoas, Rio Grande do Sul e University of Adelaide, Adelaide, Australia.

Endereço para correspondência:
Renato Roithmann
Rua Pedro Ivo, nº 950/202
Porto Alegre - RS. CEP: 90450-210
E-mail: renatoroithman@gmail.com

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 18 de outubro de 2012. cod. 10529.
Artigo aceito em 20 de outubro de 2012.

Imprimir:

BJORL

 

 

 

 

Voltar Voltar      Topo Topo

 

GN1
All rights reserved - 1933 / 2024 © - Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial